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Decodificando o Código Civil (33): A disciplina das obrigações de dar coisa certa (parte 2)
Felipe Quintella
22/08/2017
Vimos, na semana anterior, que os arts. 233 a 242 do Código Civil estabelecem a disciplina das obrigações de dar coisa certa, e que, pelo fato de a técnica legislativa ali empregada não ter sido a mais feliz, merece o assunto a respectiva decodificação.
No artigo da semana anterior, tratamos dos arts. 233 e 234.
Hoje, prosseguiremos no assunto dos riscos da coisa, decodificando os arts. 235, 236, 238, 239 e, por fim, a primeira parte do art. 240. Pelo fato de haver um equívoco na segunda parte do art. 240, razão pela qual a decodificação da regra ali contida é mais complexa, o conteúdo respectivo ficará para a semana que vem, juntamente com bem a primeira parte da decodificação das regras sobre os cômodos — melhoramentos e acréscimos da coisa.
1 RISCOS (cont. da Parte 1)
a) Obrigações de entregar (cont. da Parte 1)
a.2) Deterioração do objeto da prestação
Em se tratando de obrigações de entregar, na hipótese de deterioração do objeto da prestação, sem culpa do devedor, determina o art. 235 que pode o credor optar ou pela resolução da obrigação, com o que a obrigação se extingue sem cumprimento, ou pela aceitação da coisa deteriorada, com abatimento proporcional no preço. Para ilustrar, imagine que Carlos vendeu a Helena o carro dele, mas que, antes da entrega, um motorista embriagado bateu no carro de Carlos. Pode Helena, então, optar por resolver a obrigação, ou por aceitar o carro batido, recebendo, nesse caso, desconto no preço do carro.
Por outro lado, na hipótese de deterioração do objeto da prestação, com culpa do devedor, estabelece o art. 236 que pode o credor optar por exigir o equivalente da coisa, ou por aceitar a coisa deteriorada, fazendo jus, seja qual for a sua escolha, às eventuais perdas e danos. Vale lembrar que, por equivalente, entende-se o valor monetário da coisa. Naturalmente que, se a opção for por receber a coisa deteriorada, deve ser incluída nas perdas e danos a desvalorização da coisa. Imagine que Carlos vendeu seu carro a Helena, mas que, antes da entrega, por ter deixado de observar o retrovisor ao dar uma ré — o que configura negligência —, terra arranhado o carro em uma coluna. Pode Helena, então, exigir o equivalente do carro, ou aceitá-lo como se encontra, caso em que fará jus à indenização pela desvalorização. Outros prejuízos que tenha eventualmente sofrido também deverão ser indenizados por Carlos.
b) Obrigações de restituir
b.1) Perda do objeto da prestação
Em se tratando de obrigações de restituir, na hipótese de perda do objeto da prestação, sem culpa do devedor, a consequência prevista no art. 238 é a resolução da obrigação, com o que a obrigação se extingue sem cumprimento. Isso porque, conforme consta no referido dispositivo, é o credor quem sofre a perda. Cuida-se de aplicação da regra no sentido de que a coisa se perde para o dono (res perit domino). Suponha que Rui tenha emprestado a Judith seu exemplar da edição atualizada do Curso Didático de Direito Civil, e que Judith venha a ser assaltada, sendo a obra levada pelo ladrão. Nesse caso, a obrigação se resolve, e Rui sofre a perda. Afinal, não houve culpa de Judith.
Por outro lado, na hipótese de perda do objeto da prestação, com culpa do devedor, estabelece o art. 239 a responsabilidade do devedor pelo equivalente da coisa, mais perdas e danos. Seria o caso de Judith esquecer o livro que pegou emprestado de Rui no ônibus, o que configura a sua negligência. Nesse caso, Rui teria direito a receber o valor da obra em dinheiro, mais indenização por outros prejuízos que tenha eventualmente sofrido.
b.2) Deterioração do objeto da prestação
Em se tratando de obrigações de restituir, na hipótese de deterioração do objeto da prestação, sem culpa do devedor, estabelece a primeira parte do art. 240 que deve o credor receber a coisa deteriorada, sem direito a indenização. Para ilustrar, imagine que Judith tenha sido atropelada carregando, na mão, o Curso Didático de Direito Civil que pegara emprestado de Rui. Devido ao acidente, a capa do livro se desprendeu. Nesse caso, por não ter havido culpa de Judith, teria Rui que receber o livro no estado em que se encontra, sem nada poder reclamar de Judith.
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Para não exceder os limites desta coluna, continuaremos a decodificação nas próximas semanas. Continue acompanhando!
Veja também:
- Repensando o Direito Civil Brasileiro (23): Notas sobre a história do conceito de posse no Direito Civil Brasileiro (parte 2)
- Decodificando o Código Civil (32): A disciplina das obrigações de dar coisa certa (parte 1)
- Decodificando o Código Civil (31): A forma excepcional de testamento do art. 1.879
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