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Decodificando o Código Civil (23): União estável e contrato de namoro
Felipe Quintella
13/06/2017
Ontem (12/06/2017), aproveitei a data simbólica para gravar dois vídeos com dicas sobre união estável e simples namoro [veja ao final deste post]. Coincidentemente, pouco tempo depois recebi uma mensagem pelo Facebook de uma aluna, contendo o link para uma matéria que saiu em uma página jurídica na internet sobre o uso do contrato de namoro para “blindar patrimônio”. Não foi a primeira vez que vi escrito similar.
Vamos aproveitar o Decodificando de hoje, então, para esclarecer a situação.
Conforme já expliquei em outros textos aqui no GEN Jurídico, e como comentei no vídeo, a doutrina considera necessária para a configuração da união estável a presença de dois elementos na relação: (1) elemento objetivo — existência de relações sexuais, que configuram o vínculo de natureza conjugal; (2) elemento subjetivo — intuito de constituir família, a que também podemos nos referir como o intuito de estabelecer uma comunhão de vida.
Presentes esses elementos, fica configurada a união estável. E, por essa razão, aplica-se a disciplina respectiva, prevista pelo Código Civil nos arts. 1.723 a 1.727. Passa a viger entre os conviventes, por conseguinte, o regime de comunhão parcial de bens, nos termos do art. 1.725.
A quem deseja manter um relacionamento interpessoal de natureza íntima e “blindar patrimônio” — expressão utilizada no texto cuja leitura minha aluna me indicou —, é lícito escolher o regime de separação de bens, vez que o art. 1.725 somente se aplica na falta de contrato escrito entre os companheiros em que se tenha escolhido outro regime de bens. Isso, de fato, é possível.
Todavia, não se trata de um contrato de namoro, mas de um contrato de união estável, com cláusula de eleição de regime de bens.
Com a escolha do regime de separação convencional, por exemplo, tanto os bens anteriores ao início do relacionamento, quanto os adquiridos na sua constância, ficam pertencentes respectivamente a quem os adquiriu, sem a existência de patrimônio comum.
Não obstante, não se suponha que denominar o negócio contrato de namoro, e nele inserir cláusula excludente de união estável, produzirá o efeito de afastar da relação as consequências jurídicas da união estável. A simulação, afinal, é vedada no nosso ordenamento jurídico (art. 167 do Código).
Ocorrendo qualquer controvérsia, o juiz a decidirá não apenas com base no que se escreveu no contrato, mas com base na relação que se provou no processo que tinham as partes. E, verificando o juiz que se encontram presentes e provados os elementos configuradores da união estável, ineficaz será a tentativa de destituição desta em cláusula contratual, vez que a lei considera nulo o negócio simulado, subsistindo o que se dissimulou em seu lugar.
Logo, há que se ter muito cuidado com o assunto em comento.
O art. 1.725 do Código Civil permite que no contrato de união estável se escolha o regime de bens. Quanto ao direito a alimentos, é controvertida a sua renúncia prévia em se tratando de direito derivado de vínculo conjugal — casamento ou união estável. Apesar da irrenunciabilidade prevista no art. 1.707, parte da doutrina e da jurisprudência contemporâneas já começam a aceitar a renúncia. Por fim, não há dispositivo que permita a renúncia prévia a direito decorrente de sucessão hereditária — o que, ao contrário, considera-se vedado por força do art. 426 do Código, por configurar pacto sucessório.
Por fim, para que fique claro:
1) é lícita a celebração de contrato de namoro, para estabelecer os termos de relacionamento interpressoal de natureza íntima que não configure união estável — um verdadeiro simples namoro (por aplicação do art. 425 combinado com o art. 1.723);
2) é ineficaz contrato de namoro que tem por fim dissimular união estável de fato, vez que será considerado nulo o namoro e válida a união estável (por aplicação do art. 167);
3) é lícita a celebração de contrato de união estável com escolha de regime de bens diverso da comunhão parcial, como a separação de bens, por exemplo (por aplicação do art. 1.725);
4) é controvertida a renúncia prévia a alimentos em contrato de união estável (divergência sobre a interpretação do art. 1.707);
5) é inválida qualquer disposição em que se renuncie a direito decorrente de sucessão hereditária de pessoa ainda viva (por aplicação do art. 426).
Veja também:
- Decodificando o Código Civil (22): Quem, afinal, está obrigado à colação?
- Decodificando o Código Civil (21): As pertenças e sua disciplina no Código de 2002
- Repensando o Direito Civil Brasileiro (19): O direito à identidade de gênero e o nome das pessoas transexuais
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