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Repensando o Direito Civil Brasileiro (19): O direito à identidade de gênero e o nome das pessoas transexuais

Felipe Quintella

Felipe Quintella

26/05/2017

Em 9 de maio de 2017 a Quarta Turma do Superior Tribunal Justiça julgou um Recurso Especial em que se discutia a possibilidade de alteração do registro civil de pessoa transexual sem realização anterior de cirurgia de redesignação de sexo.

No voto vencedor, o relator, Min. Luis Felipe Salomão, deu provimento ao recurso, por entender que a alteração do registro civil não pode ser condicionada à realização de cirurgia de adequação sexual.

Segundo a notícia divulgada pelo portal do STJ — o acórdão ainda não foi publicado, e não se divulgou o número do processo, em razão do segredo de justiça —, um dos argumentos em que o ministro relator fundamentou sua decisão foi o direito à busca da felicidade, sobre o qual eu venho falando, e que me parece ter ganhado claros contornos operacionais a partir da decisão do STF de 2016 sobre a pluri ou multiparentalidade.

Pelo que se depreende da notícia, entendeu-se — a meu ver, com acerto — que a mudança somente dependeria de um laudo pericial que ateste a divergência entre a identidade de gênero e o sexo biológico da pessoa. Tal informação médico-psicológica parece indispensável para que se evite o exercício dos direitos conquistados pelas pessoas transexuais por pessoa que não é transexual, com o fim de cometer alguma fraude. Aqui, todavia, o caso não é de condição para o exercício de direitos, para apenas de prova do fundamento do pedido.

Pois bem. Na linha do que defendemos no Curso Didático de Direito Civil — o Prof. Elpídio Donizetti e eu —, no sentido de que no Direito contemporâneo a dignidade da pessoa humana, em que se funda a República (art. 1º, III da CR/88), erige-se em diretriz de interpretação de todo o ordenamento jurídico, parece imprescindível afirmar a existência de um direito à identidade de gênero, naturalmente atrelado ao direito ao nome, com o qual deve se compatibilizar.

E o interessante é que, a partir da decisão do STJ, caem as barreiras anteriormente erguidas por alguns juristas no sentido de que a identidade de gênero e, mais especificamente, o nome da pessoa estariam necessariamente vinculados à estrutura corporal. O posicionamento da Quarta Turma em sentido contrário é muito bem-vindo.

A mim parece que condicionar o exercício do direito à identidade de gênero e do direito ao nome a uma modificação corporal viola tais direitos e ainda lesa o direito ao próprio corpo.

Além dos casos em que, conforme salientou a Quarta Turma no julgamento do recurso, a cirurgia de adequação de sexo não é indicada por questões médicas, ou é inviável por conta do seu custo, há que se considerar, também, que a modificação corporal deve decorrer do livre exercício do direito ao próprio corpo, e não de uma imposição.

Todavia, estamos apenas começando a conhecer as diferenças das pessoas transexuais, mas ainda estamos bem distantes de um ordenamento jurídico e, sobretudo, de uma sociedade em que elas podem se considerar incluídas.

Ainda é preciso resolver, juridicamente, uma série de questões, como, por exemplo, a dos assentos dos nascimentos de descendentes da pessoa transexual — se devem ser obrigatoriamente alterados, ou não, quando por questão de identidade de gênero há mudança no nome de algum ascendente; questões de eventuais benefícios dependentes do gênero — trabalhistas e previdenciários, por exemplo; além de muitas, muitas outras.

Socialmente, certamente uma das primeiras questões a ser discutida — para se ver o quanto é difícil a situação de uma pessoa transexual no Brasil — será o do uso de banheiros e vestiários, nos casos de pessoas que tiveram seu nome alterado em consonância com sua identidade de gênero, porém não realizaram a cirurgia de redesignação de sexo. De todos os debates de que já participei sobre os direitos das pessoas transexuais, este simples direito, de acesso a banheiros e vestiários, já é suficientemente controvertido para revelar a enorme dificuldade que essas pessoas enfrentam para conviver com as pessoas cis — aquelas cuja identidade de gênero corresponde ao sexo biológico.

Para que se cumpram os objetivos fundamentais da República de constituir uma sociedade livre, justa e solidária (inc. I) e de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inc. IV), infelizmente ainda há muito, muito o que se fazer! E o papel do jurista na consecução desses objetivos é primordial.


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