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PROCESSO PENAL
Considerações sobre o Recurso de Agravo
Gediel Claudino de Araujo Junior
06/04/2017
O recurso de agravo tem sido sistematicamente apontado como um dos vilões do sobrecarregado sistema judicial brasileiro. Entretanto, ele, a nosso ver, não merece a má fama que lhe atribuem. Para confirmar essa afirmação, temos apenas que relembrar um pouco da sua história.
Antes da Lei no 9.139, de 30-11-95, o recurso de agravo tinha pouca ou quase nenhuma importância no sistema recursal brasileiro. Seu objetivo se limitava quase exclusivamente a evitar a ocorrência da preclusão da decisão judicial impugnada, visto que seu processamento, que ocorria junto ao próprio juízo recorrido, era extremamente demorado e burocrático. Além desse fato, há que se mencionar que os juízes, que tinham as suas decisões impugnadas, se mostravam, na grande maioria das vezes, bastante reticentes na formação do instrumento, tanto que era muito comum o processo acabar, ser sentenciado, antes que o instrumento fosse remetido para o tribunal competente. Registro que vivi pessoalmente esta realidade e não foi nem uma nem duas vezes que me vi refém de juízes mal intencionados, que usavam o sistema em seu favor.
Naquele tempo, antes da Lei no 9.139/95, a única saída para a parte que se sentia prejudicada com a decisão judicial era, após agravar apenas para cumprir a formalidade de esgotar a instância, impetrar mandado de segurança, a fim de garantir o direito daquele que se achava prejudicado. Não raro, o tribunal, considerando o periculum in mora e fumus boni iuris, concedia a liminar, cujo efeito colateral era a paralisação do processo no primeiro grau, tornando a prestação jurisdicional ainda mais lenta.
Esse absurdo procedimento acabava por obrigar os tribunais a trabalharem em dobro; primeiro conhecendo e julgando os mandados de segurança, depois ainda tendo que finalmente conhecer do próprio recurso de agravo de instrumento.
Tentando resolver o problema do trabalho em dobro do judiciário, o legislador trouxe a lume a já referida Lei no 9.139/95, que modernizou o ineficiente recurso de agravo; por ela, o próprio recorrente devia formar o instrumento e protocolá-lo diretamente no tribunal, em procedimento muito parecido com o do próprio mandado de segurança. Desta forma, o serviço do Poder Judiciário seria, imaginou o legislador, cortado pela metade; era, ao menos, o que se esperava.
Todavia nem tudo ocorreu como se esperava. Com efeito, a modernidade do recurso, a falta de punição para quem o usasse indevidamente, a impropriedade de muitas decisões judiciais e a falta de exigência de pagamento de preparo (não cobrado na maioria dos Estados) fizeram que sua ocorrência se multiplicasse de tal forma que eles passaram a representar sério problema para os tribunais, que se viram sobrecarregados com seu número cada vez maior.
O legislador tentou resolver o problema editando a Lei no 10.352/01, que, além de simplificar o procedimento do recurso no tribunal, passou a permitir que o relator negasse seguimento liminar ao recurso de agravo ou, ainda, que convertesse o agravo de instrumento em agravo retido. Mais uma vez, as alterações não surtiram os efeitos desejados, mantendo o recurso de agravo, na sua forma de instrumento, sob fortes críticas, mormente por parte de membros do Poder Judiciário, fato que levou à edição da Lei no 11.187/05.
Diante das frustradas tentativas anteriores, o legislador, desta vez, resolveu radicalizar, estabelecendo que o recurso de agravo passava a ser, de regra, “retido” (o que na prática apenas impedia ocorresse a preclusão da decisão recorrida – lembrando a situação existente antes da primeira reforma); mais, que da decisão do relator que eventualmente convertesse o agravo de instrumento em agravo retido “não caberia recurso”.
Em radical mudança de rumo, o novo Código de Processo Civil acabou com o agravo retido e passou a enumerar taxativamente as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento (art. 1.015); com o fim do agravo retido, as decisões não impugnáveis por agravo de instrumento não estão mais sujeitas à preclusão e podem ser rediscutidas em preliminar em eventual apelação.
Penso que mais uma vez errou o legislador, que insiste em atacar os sintomas, mas se esquece da doença. Já se estabeleceu multa, já se passou a cobrar pesado preparo, já se possibilitou a conversão do agravo de instrumento em agravo retido, já se estabeleceu como regra o agravo retido e agora se acaba com ele, contudo o número de agravos continua a aumentar, e não vai parar mesmo após as novas disposições, por uma simples razão: os juízes continuam errando muito em primeiro grau. Com efeito, enquanto os juízes de primeiro grau não encontrarem “mais tempo” para cuidar adequadamente do processo, que na grande maioria dos casos, como é consabido, é despachado unicamente pelos escreventes, os advogados continuarão se vendo obrigados, com multa ou sem multa, com preparo ou sem preparo, a “agravar”.
Se o recurso de agravo de instrumento for “tirado” ou “limitado”, como agora ocorre no novo CPC, os advogados, como acontecia no passado, antes da Lei no 9.139/95, se verão obrigados a procurar outros meios, quem sabe até voltando a usar o mandado de segurança. Se isso efetivamente ocorrer estaremos, após mais de duas décadas de reformas, voltando ao ponto de partida.
Nem mesmo o fim da preclusão em primeiro grau acabará com os recursos se a “qualidade” da prestação jurisdicional em primeiro grau não melhorar. Para entender a dimensão do problema, basta que se faça um estudo sobre os assuntos que fundamentam os recursos de agravo de instrumento. De fato, considerando-se os muitos erros que ocorrem em primeiro grau, é inconcebível que se espere que os advogados simplesmente deixem de recorrer.
Calar o advogado é antes de tudo calar o cidadão; é prestigiar uma Justiça reconhecidamente lenta e de pouca qualidade, criticada dentro e fora do país. Se o que deseja o legislador é diminuir a quantidade de recursos interpostos pelos advogados deve, “em primeiro lugar”, tomar medidas que forneçam as condições necessárias para melhorar a qualidade da decisão judicial (por exemplo: que tal se o juiz voltar a pessoalmente despachar os processos ao invés de simplesmente assinar o que um estagiário ou escrevente fizer?); ou seja, que tal se para variar tratarmos da “doença” e não “dos sintomas”, como se tem feito até agora.
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