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Prescrição da improbidade administrativa: Nova hipótese
José dos Santos Carvalho Filho
13/02/2017
O art. 37, § 4º, da Constituição, consignou, peremptoriamente, que os atos de improbidade provocam a aplicação de várias sanções e medidas, como a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, tudo em conformidade com os termos da lei regulamentadora.
Para regulamentar o mandamento constitucional, foi editada a Lei nº 8.429/1992 – a LIA – Lei de Improbidade Administrativa -, que tem o papel de minudenciar os aspectos principais relativos à matéria. Assim, a lei contempla quais os sujeitos ativo e passivo da improbidade, a tipificação das condutas, o elenco das sanções e os processos administrativo e judicial de apuração da improbidade.
No processo judicial, sobreleva a ação de improbidade administrativa, na qual o legitimado ativo – Ministério Público ou pessoa jurídica interessada (art. 17) – formula a pretensão condenatória contra o legitimado passivo, ou seja, contra o suposto autor do ato.
Em se tratando de pretensão, a lei previu as hipóteses de prescrição, atendendo ao art. 189 do Código Civil, segundo o qual, “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”. Como se sabe, a prescrição retrata instituto que busca a segurança jurídica, impedindo que pretensões permaneçam intactas indefinidamente, a despeito do desinteresse de seu titular.
A LIA estabeleceu, primitivamente, duas hipóteses de prescrição, inscritas nos incisos I e II do art. 23. Posteriormente, a Lei nº 13.019/2014 (marco regulatório das parcerias) introduziu o inciso III, criando, então, mais uma hipótese. Vejamos os termos atuais do art. 23:
“Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.
III – até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei.”
O inciso I trata de situações funcionais transitórias. Já dissemos em outra oportunidade: “De fato, mandatos são exercidos em prazo determinado, sempre expresso na lei, ao passo que cargos em comissão e funções de confiança, embora não desempenhados em prazo certo, rendem ensejo a que a autoridade competente, a qualquer momento, possa afastar os servidores, substituindo-os por outros de sua confiança”. (1)
A seu turno, o inciso II, aludindo a “cargo efetivo ou emprego”, encerra a hipótese de situações funcionais permanentes, sendo que estas representam situações em que a função do servidor não fica ao sabor dos humores da autoridade nomeante. Além disso, quando está em tais situações, o servidor trabalha com a presunção de permanência no serviço público, diversamente, portanto, do que ocorre com as situações previstas no inciso I.
Como se pode observar na redação de tais disposições, o legislador adotou critérios diversos para o prazo prescricional. Enquanto no inciso I foi adotado o critério de prazo certo – cinco anos -, no inciso II o legislador não quis fixar prazo próprio, ordenando a remissão ao prazo estabelecido em lei específica, ou seja, nos estatutos funcionais. Como a disciplina de tais estatutos sofre variação, em virtude da autonomia dos entes federativos para legislar sobre sua administração, os referidos prazos poderão ser diferenciados conforme a lei específica sob cujo império se desenvolve a relação estatutária.
O inciso III do art. 23, como se antecipou, não constava primitivamente da LIA. No fundo, a nova norma teve por foco principal o regime de parcerias entre o Estado e entidades do setor privado – estas usualmente destinatárias de expressivas parcelas de recursos públicos. Em razão desse dado específico, mais que necessária se revela a prestação de contas ao alocador dos recursos, no caso o Poder Público.
Os destinatários da norma são as entidades previstas no art. 1º, parágrafo único, da LIA, “aquelas que recebem menor suporte financeiro”. A lei, todavia, silencia sobre as mencionadas no caput, justamente aquelas que recebem verbas mais significativas. Em face da expressão da lei, é de se deduzir que estas devem ser equiparadas ao Estado no que toca à prescrição, mediante incidência, então, dos incisos I ou II, conforme a situação do autor da improbidade. (2)
Na nova hipótese incluída no art. 23, o legislador voltou a adotar o critério de prazo certo, isto é, o prazo de cinco anos para a prescrição. O termo a quo da contagem é a data da apresentação à administração pública da prestação de contas final, a cargo da entidade privada parceira.
Nesse aspecto, dois pontos sobrelevam na interpretação do dispositivo. Primeiramente, a lei impôs, por linha oblíqua, que o Estado, como parceiro público, tem o dever de exigir a prestação de contas por parte do parceiro privado, o que não causa nenhuma surpresa em virtude da alocação de verbas públicas. Quer dizer: ao Estado cabe fiscalizar a parceria e impor ao parceiro que apresente a respectiva prestação de contas.
O outro ponto a considerar diz respeito à prescrição. Como o prazo de prescrição é de cinco anos a contar da prestação de contas final, na hipótese de a autoridade estatal negligenciar quanto a seu dever de exigi-la, o autor eventual da improbidade escapará à punição prevista na LIA por força da prescrição.
Consequentemente, o agente público que negligenciou no cumprimento de seu dever fiscalizatório responderá por seu ato em conformidade com a legislação de improbidade. E poderá ser responsabilizado de três formas.
Caso tenha auferido vantagem pecuniária para postergar ou suprimir a prestação de contas a cargo do parceiro privado, terá praticado ato de improbidade por enriquecimento ilícito, na forma do art. 9º da LIA.
Se não recebeu vantagem pecuniária, mas, por ação ou omissão, deixou de providenciar a prestação de contas por parte da entidade parceira, causando danos à entidade pública contratante, sua conduta se enquadrará no art. 10 da LIA e seu ato será de improbidade por lesão ao erário e ao patrimônio público.
Por fim, se não houve vantagem indevida ou a ocorrência de danos, a conduta fica tipificada no art. 11 da LIA, que regula os casos de violação a princípios.
Desse modo, será muito importante que a autoridade a quem incumbe o dever específico de exigir as contas da entidade parceira seja diligente no que se refere ao cumprimento dessa obrigação. O que não se pode admitir é que eventual negligência ou má-fé do agente seja desprezada ou que o parceiro privado não apresente as prestações de contas a que está compelido, na qualidade de destinatária de recursos públicos.
Eventual prescrição, no caso do inciso III, corresponde, sem dúvida, ao fracasso da parceria e à comprovação de mais uma hipótese de ineficiência e descaso dos órgãos estatais.
Notas e referências bibliográficas:
(1) JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, Improbidade administrativa. Prescrição e outros prazos extintivos, Atlas/Gen, 2ª ed., 2016, p. 119.
(2) JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, ob. cit., p. 187.
Veja também:
- Elemento subjetivo na nova categoria de atos de improbidade
- O procedimento de manifestação de interesse social
- Auxílio-moradia: Legitimidade e dissimulação
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