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FINANCEIRO E ECONÔMICO
As novas desvinculações de receitas dos Estados e Municípios
Marcus Abraham
24/01/2017
Com Emenda Constitucional 93, entes ganham verbas livres de “carimbos”
A recente Emenda Constitucional nº 93, de 08 de setembro de 2016, conferiu uma substancial modificação ao mecanismo de desvinculação de receitas da União, não apenas aumentando o seu percentual de 20% (vinte por cento) para 30% (trinta por cento), mas também alterando as receitas atingidas e estendendo o mecanismo aos Estados, Distrito Federal e Municípios, criando a DRE e DRM.
Na Proposta de Emenda à Constituição nº 4/2015 (proposta original), assim como nas Propostas nº 87/2015 e 112/2015 a ela apensadas, todas da Câmara dos Deputados, não havia previsão de desvinculação de receitas de Estados e Distrito Federal (DRE) e dos Municípios (DRM), mas tão somente da tradicional desvinculação da União (DRU). Entretanto, ainda na Câmara dos Deputados, foi apresentada, em 08/12/2015, a Emenda Aditiva nº 3/2015 à proposta original, que previa as referidas DREs e DRMs.
No substitutivo adotado pela Comissão Especial constituída para a aprovação desta PEC, a inovação da emenda aditiva foi incorporada, ainda que separada em dois artigos distintos (arts. 76-A e 76-B), sendo ao final aprovada com estes dois novos institutos. A proposta foi recebida no Senado, já com a previsão de DRE e DRM, sob a classificação de Proposta de Emenda à Constituição nº 31/2016, tendo sido aí também aprovada.
Assim sendo, em relação à União (DRU), passam a ser desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, trinta por cento da arrecadação da União relativa às contribuições sociais, sem prejuízo do pagamento das despesas do Regime Geral da Previdência Social, às contribuições de intervenção no domínio econômico, às taxas, já instituídas ou que vierem a ser criadas até a referida data (art. 76, ADCT).
Por sua vez, em relação aos Estados e ao Distrito Federal (DRE/DF), ficam desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, 30% (trinta por cento) das suas receitas relativas a impostos, taxas e multas, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, e outras receitas correntes.
Excetuam-se da desvinculação: I – recursos destinados ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde e à manutenção e desenvolvimento do ensino de que tratam, respectivamente, os incisos II e III do § 2º do art. 198 e o art. 212 da Constituição Federal; II – receitas que pertencem aos Municípios decorrentes de transferências previstas na Constituição Federal; III – receitas de contribuições previdenciárias e de assistência à saúde dos servidores; IV – demais transferências obrigatórias e voluntárias entre entes da Federação com destinação especificada em lei; V – fundos instituídos pelo Poder Judiciário, pelos Tribunais de Contas, pelo Ministério Público, pelas Defensorias Públicas e pelas Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito Federal (art. 76-A, ADCT).
E, finalmente, em relação aos Municípios (DRM), ficam desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, 30% (trinta por cento) das suas receitas relativas a impostos, taxas e multas, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, e outras receitas correntes.
Excetuam-se da desvinculação: I – recursos destinados ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde e à manutenção e desenvolvimento do ensino de que tratam, respectivamente, os incisos II e III do § 2º do art. 198 e o art. 212 da Constituição Federal; II – receitas de contribuições previdenciárias e de assistência à saúde dos servidores; III – transferências obrigatórias e voluntárias entre entes da Federação com destinação especificada em lei; IV – fundos instituídos pelo Tribunal de Contas do Município (art. 76-B, ADCT).
Como sabemos, o mecanismo constitucional das desvinculações – seja a DRU, a DRE ou a DRM – tem por objetivo permitir que parcelas das receitas vinculadas pudessem ser geridas e destinadas de maneira livre e flexível pelos governos, propiciando uma alocação mais adequada de recursos orçamentários, além de não permitir que determinadas despesas restassem com excesso de receitas vinculadas, enquanto outras áreas apresentassem carência de recursos, possibilitando, ao final, o financiamento de despesas “incomprimíveis” sem endividamento adicional pelo ente. Noutras palavras, obtém-se uma fonte de recursos livre de “carimbos” (ou seja, verbas livres de serem destinadas a uma finalidade específica).
Além, é claro, da majoração do percentual de 20% para 30% no montante das desvinculações e da sua extensão aos Estados, Distrito Federal e Municípios, foram modificações veiculadas pela EC nº 93/2016 a introdução da desvinculação aos três entes incidente também sobre as taxas, além dos impostos para Estados, DF e Municípios, mantidas as desvinculações sobre as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico para União.
A respeito da majoração do percentual – de 20% para 30% –, já tivemos oportunidade de nos manifestar na Coluna Fiscalde março (na época ainda em fase de debates na Câmara dos Deputados, antes da PEC 31/2016 e meses antes da promulgação da EC nº 93), externando a nossa preocupação no sentido de que o aumento no percentual de desvinculações poderia reduzir os recursos disponíveis destinados ao atendimento dos direitos sociais e fundamentais do cidadão, retirando daquela alocação específica, constitucionalmente vinculada a direitos relacionados ao mínimo existencial e à dignidade da pessoa humana (por exemplo: saúde e educação), o respectivo percentual da desvinculação, o que poderia acabar sendo utilizado em outras despesas e finalidades menos nobres.
Quanto à ampliação do mecanismo das desvinculações de receitas para os Estados, Distrito Federal (DRE) e Municípios (DRM), a justificativa para a sua adoção se baseou na superação da rigidez dos orçamentos dos entes subnacionais, que dispõem de menor poder tributário que a União, cuja DRU já vinha sendo renovada há mais de uma década e meia. Segundo a exposição de motivos da Emenda Aditiva nº 3/2015, “os Municípios, os Estados e o Distrito Federal estão sujeitos a uma estrutura orçamentária e fiscal com elevado volume de despesas obrigatórias, tais como as relativas a pessoal e a benefícios previdenciários, além de expressiva vinculação das receitas orçamentárias”, sendo necessário fornecer-lhes instrumentos a permitir “que uma parte das receitas não fique sujeita a vinculações, podendo ser alocadas no orçamento com maior flexibilidade.”
Por sua vez, em relação à desvinculação de parcela de receitas das taxas – tributo contraprestacional cujo fato gerador contempla uma atividade estatal específica e divisível realizada em favor do contribuinte ou colocada à sua disposição –, o tema merece cautela e reflexão.
Por um lado, na época da instituição da DRU (EC nº 27/2000), vozes questionaram a sua constitucionalidade em relação à desvinculação das receitas das contribuições sociais, justamente em razão de que o mecanismo supostamente violaria a própria natureza do tributo vinculado. Por outro, entendia-se que não seria a destinação do produto da arrecadação que caracterizaria um tributo, mas sim a sua finalidade, conforme dispõe o próprio art. 4º do Código Tributário Nacional.
Todavia, em relação às taxas, a questão não é tão simples e a discussão não reside apenas no plano teórico, já que a taxa consubstancia o tributo contraprestacional por excelência, sendo o valor cobrado limitado ao custo da atividade estatal que lhe dá causa, como entendido pela doutrina e jurisprudência, e dirigindo-se a cofre público “específico” relacionado com aquela atividade estatal realizada ou colocada à disposição do contribuinte. Assim, por exemplo, o valor arrecadado pela Taxa de Incêndio é, normalmente, destinado diretamente (ou por algum fundo específico) ao Corpo de Bombeiros, financiando sua manutenção e custeio, inclusive sua estruturação, a compra de equipamentos e o treinamento. No caso da taxa, desvincular parcela destes recursos poderá ter o nefasto resultado prático de afetar consideravelmente o atendimento e a qualidade da respectiva atividade estatal por ela financiada.
Por fim, devemos lembrar que a flexibilidade na gestão orçamentária decorrente dos mecanismos da desvinculação de receitas, agora ampliado aos três níveis federativos (DRU, DRE e DRM), não pode prejudicar ou reduzir os recursos disponíveis ao atendimento dos direitos sociais e fundamentais do cidadão, razão principal da existência do Estado.
Fonte: JOTA
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