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PROCESSO PENAL
Os tênues limites entre a autoacusação e a presunção de inocência
Guilherme de Souza Nucci
06/01/2017
O tema, em si, pode parecer repisado, batido ou ultrapassado, no sentido de já se ter mencionado várias vezes que dirigir embriagado é situação apta a causar males aos seres humanos. Por outro lado, igualmente, já decidiu o STJ não ser possível obrigar uma pessoa (motorista) a se submeter a um exame pericial (sangue ou bafômetro) porque implica autoacusação (há imunidade constitucional absoluta contra a autoacusação).
Não importam padrões estrangeiros para regular este assunto, visto ser o Brasil um país soberano, com suas próprias leis. Não fosse assim, porque os EUA adotam a pena de morte, deveríamos também usá-la. Não fosse assim, porque a Alemanha adota a prisão perpétua, o mesmo deveríamos fazer. E assim por diante.
No Brasil, não se admite – e é um ponto positivo em matéria de garantais individuais – a autoacusação. Assim, quando alguém for parado numa blitz de trânsito, para averiguar quem está dirigindo por influência do álcool, ninguém está obrigado a ceder sangue ou soprar barômetro para verificar essa situação.
No entanto, o Código de Trânsito Nacional estipula, no art. 165-A (nível administrativo) que “recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277. Infração – gravíssima. Penalidade – multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses. Medida administrativa – recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4º do art. 270”.
O citado art. 277 diz: “o condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência”.
Noutros termos, o motorista não é obrigado, em hipótese alguma a ceder sangue ou soprar bafômetro em qualquer situação. Mas esse motorista deve concordar, se for o caso, em participar de outros testes – não invasivos – para demonstrar não estar dirigindo sob influência do álcool. Conversar, andar, repetir movimento são naturais formas de evidenciar isso.
Portanto, os policiais que mandam o motorista soprar o tal etilômetro e, obtendo resposta negativa, automaticamente o autuam administrativamente para que perca seu direito de dirigir por um ano, cometer abuso de autoridade.
Há várias outras medidas, constantes na letra da lei, para averiguar a influência do álcool na condução do veículo. Que sejam utilizadas, antes da medida drástica de tomar a carteira de habilitação do motorista.
É fundamental mostrar que a direção sob influência de álcool é uma direção perigosa, logo, criminosa. Nem todo motorista, que possa ter ingerido uma simples cerveja no almoço, é capaz de se influenciar, pelo álcool, na direção de seu veículo. Assim sendo, não soprar o bafômetro é direito do motorista. Por outro lado, mostrar-se hábil a responder perguntas e visualizar objetos é dever do motorista. Tudo para chegar à conclusão de que o motorista estava dirigindo com responsabilidade, sem influência de álcool, embora possa ter tomado a sua cerveja no almoço (ou jantar).
Chega-se, agora, à figura criminosa: “art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência. Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor”.
Novamente, não há necessidade de exame pericial para atestar esse estado, bastando utilizar todos os meios de prova em Direito admitidos (testemunhas, por exemplo).
É preciso cessar com a vontade de transformar o direito brasileiro, típica manifestação de nossos parlamentares, em direito estrangeiro aplicado em solo brasileiro.
Nenhum motorista pode perder sua habilitação ou ser criminalizado somente porque não cedeu sangue para teste ou deixou de soprar o bafômetro. Isso não significa que o Estado não possa fazer prova de que ele, motorista, apresentava-se em condições inaptas para dirigir veículos.
Se, submetido a outras provas (teste, exame clínico etc.), o motorista mostrar a sua nítida influência pelo álcool, poderá ser autuado administrativa e penalmente.
O que não tem cabimento é uma autuação administrativa isolada, sem a criminal; ou a criminal, sem a administrativa, já que os elementos são exatamente os mesmos.
Cada um faz a sua parte no campo das provas. Quem acusa, prova. Que se defende, desfaz a prova.
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