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A Tríplice Transformação do Adimplemento

ADIMPLEMENTO

ADIMPLEMENTO RETARDADO

ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL

BOA-FÉ OBJETIVA

CONCEITUAL

CONSEQUENCIAL

CONTRATO

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

INADIMPLEMENTO ANTECIPADO

MORA

Anderson Schreiber

Anderson Schreiber

18/07/2016

Adimplemento Substancial, Inadimplemento Antecipado e Outras Figuras

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SUMÁRIO: 1. O direito das obrigações e a boa-fé objetiva. 2. A tríplice transformação do adimplemento: temporal, conceitual e consequencial. 3. O adimplemento como processo prolongado no tempo. Inadimplemento antecipado (anticipatory breach of contract). Adimplemento retardado e a mora nas obrigações negativas. 4. A releitura funcional do conceito de adimplemento. O adimplemento como atendimento da função concreta do negócio jurídico. A chamada violação positiva do contrato. 5. O adimplemento substancial. A posição da jurisprudência brasileira. Parâmetros de substancialidade e o atual papel do adimplemento substancial. 6. As conseqüências do adimplemento e do inadimplemento. Responsabilidade pós- contratual. A resolução do vínculo como medida extrema. Execução específica e perdas e danos. Responsabilidade pelo inadimplemento das obrigações de meio e de resultado.

1. O direito das obrigações e a boa-fé objetiva

Em comparação com outros ramos do direito privado, já se afirmou que o direito das obrigações é de “mais lenta evolução no tempo.”[1] Caminha a passos vagarosos porque atado a uma sólida tradição romanista, que se revelou aí particularmente engenhosa no desenvolvimento de categorias e preceitos tão abstratos e intuitivos que são tratados como “princípios imutáveis da eqüidade natural”, sobre os quais repousam, “mais inabaláveis que sobre colunas de bronze, os fundamentos das obrigações.”[2] Ainda hoje visto como “a parte do direito onde, com maior liberdade, têm lugar os princípios da razão pura”,[3] o direito obrigacional vem, não raro, elevado a um conjunto de “verdades eternas, como certos postulados da geometria e da aritmética”.[4] Nada disso, entretanto, tem impedido que, para além da secular perenidade da disciplina jurídica das obrigações, a atividade privada e a prática contratual se modifiquem profundamente.

O advento do modo industrial de produção e a massificação das relações contratuais acentuaram, como se sabe, injustiças flagrantes que o asceticismo lógico e a pretensa neutralidade do direito das obrigações escondiam. A indiferença do direito obrigacional com o conteúdo das relações contratuais – exigindo apenas, em fórmula que ainda hoje se repete nas codificações, que o objeto do contrato seja lícito e possível, não que seja justo ou equilibrado[5] – associou-se aos princípios da liberdade de contratar e da obrigatoriedade dos pactos (pacta sunt servanda) para legitimar, sob o ponto-de-vista jurídico, a imposição de condições verdadeiramente perversas à parte economicamente mais desfavorecida,[6] como revelam de modo emblemático os contratos de trabalho estabelecidos no século XIX. “Que miserável aborto dos princípios revolucionários da burguesia!” – foi a enfática afirmação de Paul Lafargue, ao constatar que “os forçados das prisões trabalhavam apenas dez horas; os escravos das Antilhas, nove horas em média, enquanto na França – que havia feito a revolução de 89, que havia proclamado os pomposos Direitos do Homem – havia manufaturas onde a jornada de trabalho era de dezesseis horas.”[7]

Em reação a tais abusos, os juristas contemporâneos não apenas se empenharam na edificação de normas protetivas que acabaram se convertendo em novos ramos do direito público e privado (direito do trabalho, direito do consumidor etc.), mas também passaram a incutir, gradativamente, no direito obrigacional preocupações valorativas que, irradiadas dos textos constitucionais, vieram impor maior solidarismo e eticidade nas relações privadas.[8] Assim, a liberdade de contratar, a relatividade dos contratos e outros “princípios tradicionais e pacíficos, cuja imutabilidade parece havia passado em julgado”[9] vêm sofrendo, mais recentemente, a contraposição de novos princípios, substancialmente opostos, como a função social do contrato e o equilíbrio das prestações.[10]

Estas genuínas batalhas ideológicas têm sido travadas quase sempre em sede doutrinária e jurisprudencial, suscitando repercussões apenas pontuais no direito positivo das obrigações. Na maior parte dos ordenamentos romano-germânicos, o tecido normativo das obrigações tem se mantido imune a qualquer projeto de reforma, não merecendo mais que alterações tímidas da parte do legislador.[11] Exemplo emblemático tem-se no nosso Código Civil de 2002, onde a imutabilidade da tradição obrigacional veio reforçada pela expressa premissa de “não dar guarida no Código senão aos institutos e soluções normativas já dotados de certa sedimentação e estabilidade”.[12]

Em um cenário como este, todas as esperanças recaem sobre o intérprete. Compete-lhe empreender a releitura da disciplina do direito obrigacional, especialmente a partir do recurso às normas constitucionais e às cláusulas gerais instituídas, ainda que de forma acanhada, pelo legislador de 2002. E, neste particular, não resta dúvida de que os mais significativos avanços têm sido promovidos por meio da boa-fé objetiva, verdadeira tábua de salvação contra as injustiças albergadas pela dogmática tradicional das obrigações. A melhor doutrina brasileira já identificou o fundamento constitucional da boa-fé objetiva,[13] consagrou a fórmula útil da sua tríplice função,[14] enfatizou o seu papel de oxigenação do sistema obrigacional,[15] construindo-lhe, em síntese, um arcabouço teórico dos mais respeitáveis. O Poder Judiciário agarrou-se ao instrumento, e passou a aplicá-lo a uma infinitude de hipóteses fáticas, chegando a resultados mais justos na solução dos casos concretos.[16]

Sem embargo disto, como já se havia verificado em outros países, a autêntica paixão pelo seu potencial transformador vem ensejando invocações por vezes excessivas, que ora empregam a boa-fé objetiva de forma meramente decorativa, ora lhe atribuem papéis próprios de outros instrumentos jurídicos, suscitando o risco de esvaziamento do conceito.[17] Por esta razão, o momento atual parece não ser tanto o de defender o já cristalizado reconhecimento da boa-fé objetiva, mas o de identificar, sem embargo do seu caráter de cláusula geral, suas manifestações mais concretas, a fim de fornecer diretrizes relativamente seguras para a solução das controvérsias judiciais. O esforço é imprescindível na medida em que institutos os mais diversos, derivados muitas vezes de bases dogmáticas e experiências jurídicas totalmente diferenciadas, têm encontrado na boa-fé objetiva o fundamento normativo único a permitir seu acolhimento no direito brasileiro. E, neste sentido, especial relevância assumem aquelas figuras que se relacionam ao adimplemento das obrigações, noção que tem sofrido significativa transformação no processo de releitura do direito obrigacional.

2. A tríplice transformação do adimplemento: temporal, conceitual e consequencial.

Dito “o mais natural”[18] dentre os meios extintivos da obrigação, o adimplemento recebe, desde sempre, atenção redobrada do direito obrigacional. Na perspectiva tradicional, o adimplemento vem definido como “o efetivo cumprimento da prestação”,[19] ou o ato pelo qual “recebe o credor o que lhe é devido”.[20]A contrario sensu, o inadimplemento é usualmente conceituado como a inexecução da prestação debitória, a “significar pura e simplesmente que a prestação não é realizada tal como era devida.”[21] Como se vê, ambas as noções vêm geralmente limitadas à análise do cumprimento ou descumprimento da prestação principal, “nos precisos termos em que ela está constituída”.[22]

Atualmente, contudo, reconhece-se que a obrigação transcende, em muito, o dever consubstanciado na prestação principal. A própria noção de obrigação, identificada com um vínculo de submissão do devedor ao credor,[23] vem sendo, gradativamente, abandonada em favor do conceito mais equilibrado de relação obrigacional, composta por direitos e deveres recíprocos, dirigidos a um escopo comum. Avultam, neste sentido, em importância os chamados deveres anexos ou tutelares, que se embutem na regulamentação contratual, na ausência ou mesmo em contrariedade à vontade das partes, impondo comportamentos que vão muito além da literal execução da prestação principal.[24]

O próprio cumprimento ou descumprimento da prestação ajustada deve ser examinado à luz do propósito efetivamente perseguido pelas partes com a constituição da específica relação obrigacional. Impõe-se, na lição de Perlingieri, “uma investigação em chave funcional, isto é, que tenha em conta a valoração dos interesses considerados não genericamente”, mas que os examine “singularmente e concretamente.”[25] Rejeita-se, assim, a visão meramente estrutural das obrigações que identifica a satisfação dos interesses envolvidos com a realização da prestação principal, a guiar mesmo a tipologia das obrigações, que reduz a complexidade da concreta regulação de interesses das partes à fórmula simplista do dar, fazer ou não fazer.

A estreiteza da leitura tradicional, limitada ao dever de prestar, não se coaduna com a rica multiplicidade de interesses subjacente aos mecanismos obrigacionais da atualidade, que, com cada vez maior freqüência, superam a singularidade de um único instrumento contratual, para abarcar “grupos de contratos”, “contratos conexos”, “contratos coligados”, “contratos-quadro”, “redes contratuais”.[26] Tampouco atenta ao caráter dinâmico da relação obrigacional – cunhado com a célebre expressão de Clovis do Couto e Silva, “obrigação como processo” –, que se exprime em um conjunto de atos interdependentes cujo gradual desenvolvimento repercute contínua e mutuamente sobre os interesses envolvidos,[27] de forma também exacerbada na prática contemporânea por relações contratuais continuadas, de longa duração, ou pelos chamados contratos relacionais.[28]

Examinando sob estas novas lentes a noção de adimplemento (e, por conseguinte, de inadimplemento), identifica-se uma genuína transformação, que se pode, por razões didáticas, examinar sob três aspectos distintos: (i) temporal; (ii) conceitual; e (iii) consequencial. Em outras palavras, alteram-se o momento de verificação do adimplemento (tempo), as condições para sua configuração (conceito em sentido estrito)[29] e os efeitos que dele decorrem (conseqüências). Em cada um destes aspectos, pode-se constatar a presença de novas figuras e construções que vêm sendo vinculadas, direta ou indiretamente, à boa-fé objetiva, como o inadimplemento antecipado, a violação positiva do contrato, o adimplemento substancial e a responsabilidade pós-contratual.

3. O adimplemento como processo prolongado no tempo. Inadimplemento antecipado (anticipatory breach of contract). Adimplemento retardado e a mora nas obrigações negativas.

Identificado, na abordagem tradicional, como cumprimento exato da prestação ajustada, o adimplemento resumia-se a um ato pontual do devedor: a entrega da coisa, a restituição do objeto, a realização do ato devido. Ao que se passava antes ou depois desse ato pontual era indiferente o direito obrigacional. Ainda hoje, repete-se a lição enfática, segundo a qual “o sujeito passivo da obrigação só tem de cumpri-la na época do vencimento”, de tal modo que “ao credor não é lícito antecipar-se, pedindo a satisfação da dívida antes do vencimento.”[30] Compete-lhe aguardar impassível o tempo do pagamento.

Em direção oposta, a releitura funcional e dinâmica da obrigação, como relação que se desdobra no tempo, impõe reconhecer “o encadeamento, em forma processual, dos atos que tendem ao adimplemento do dever”.[31] Sob o império da boa-fé objetiva, o comportamento das partes antes e depois do cumprimento da prestação principal passa a produzir efeitos jurídicos diferenciados, que podem mesmo ultrapassar, em importância, aqueles que resultam do cumprimento em si. Em um cenário marcado por relações contratuais duradouras, torna-se não apenas um direito, mas um efetivo dever de ambas as partes diligenciar pela utilidade da prestação antes, durante e depois do seu vencimento, para muito além do momento pontual de sua execução.

Neste sentido, já se reconhece ao credor o direito de agir diante de situações que vêm sendo denominadas como de inadimplemento antecipado, na esteira da doutrina anglo-saxã do anticipatory breach of contract.[32] Assim, mesmo antes do vencimento da obrigação, a recusa do devedor em cumprir a prestação no futuro já se equipararia ao inadimplemento, autorizando ao credor o ingresso em juízo para pleitear o cumprimento da prestação, ou mesmo a resolução do vínculo obrigacional com a condenação do devedor às perdas e danos.[33] E parte da doutrina tem sustentado até que o credor tem não o direito, mas o dever de agir contra a recusa antecipada do devedor, mitigando os danos.[34]

A figura do inadimplemento antecipado – a rigor, antecipada recusa ao adimplemento – assume importância elevada na medida em que sua configuração pode se dar de forma implícita, a partir de condições fáticas que demonstrem o desinteresse do devedor, de modo a comprometer o cumprimento da obrigação. Em caso emblemático, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul examinou pedido de rescisão de contrato de participação em empreendimento hospitalar, promovido por contratante que, mediante o pagamento de preço em parcelas mensais, adquirira quotas que lhe asseguravam participação nos lucros e direito a atendimento médico gratuito na unidade de saúde a ser construída. Constatando que não foi tomada “a mínima providência para construir o prometido hospital, e as promessas ficaram no plano das miragens”, concluiu o tribunal que “ofende todos os princípios de comutatividade contratual pretender que os subscritores de quotas estejam adstritos à integralização de tais quotas, sob pena de protesto dos títulos”, dando como procedente, por fim, a ação de rescisão do contrato.[35]

À implícita recusa do devedor ao adimplemento futuro pode-se equiparar qualquer situação em que se verifique risco efetivo de descumprimento da prestação. Melhor, todavia, que igualar tais hipóteses ao inadimplemento, como sugere a simples importação acrítica da figura do anticipatory breach of contract, seria lhes reservar a aplicação analógica do art. 477 do Código Civil, que dispõe:

“Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.”

Não há dúvida de que o pressuposto expresso da norma, repetida de forma particular na disciplina de diversos contratos específicos (e.g., arts. 495 e 590), consiste na diminuição superveniente no patrimônio de uma das partes. Cumpre, todavia, assegurar, por analogia, idêntico efeito também a outras situações de elevada probabilidade de inadimplemento. Tal construção parece oferecer, diferentemente da usual assimilação com o inadimplemento – denunciada já na terminologia anticipatory breach of contract, ou seja, inadimplemento antecipado, e, portanto, espécie de inadimplemento –, a genuína vantagem de substituir o exercício do direito de resolução (conseqüência do inadimplemento) por um remédio menos drástico, e mais compatível com a situação de incerteza que ainda pende sobre o cumprimento da prestação no termo futuro, autorizando ao contratante tão-somente “recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la”. A resolução ficaria, deste modo, reservada àqueles casos em que o cumprimento da obrigação no vencimento futuro se afigurasse, desde já, impossível (e.g., construção do hospital em quinze dias); enquanto que, na mera improbabilidade do cumprimento (construção do hospital em seis meses), o efeito seria não a resolução, mas a aplicação, por analogia, do disposto no art. 477 do Código Civil.

Independentemente da tese que ora se propõe, o certo é que, seja na hipótese de impossibilidade, seja na de improbabilidade do cumprimento, parece injustificável conservar o credor em estado de absoluta paralisia até o vencimento da obrigação, preservando um verdadeiro vácuo na relação obrigacional, que, embora regularmente constituída, nenhum efeito produz até que se verifique a sua já anunciada frustração.

Cumpre reconhecer que, por mais que se afigure cientificamente útil uma análise segmentada das fases da obrigação – Schuld (débito) e Haftung (responsabilidade) –, as partes vivem a experiência obrigacional como um processo constante, com efeitos econômicos e psicológicos que se prolongam desde antes da constituição até depois do adimplemento. Neste contexto, ao devedor compete não apenas efetuar a prestação no momento justo, mas também preparar-se para efetuá-la a tempo e de modo a alcançar da forma mais plena o propósito comum que deu ensejo à constituição do negócio jurídico. Também ao credor compete a persecução do escopo comum, eximindo-se de atentar contra a relação que o conecta ao devedor, enquanto o resultado esperado puder ainda ser alcançado. É sob esta perspectiva que se deve examinar outra questão: a do adimplemento retardado ou impontual.

Da mesmíssima forma que se veda ao devedor frustrar a obrigação antes de seu vencimento, deve-se impedir o credor de frustrá-la posteriormente. Assim, cumpre acolher o adimplemento retardado sempre que possível, preferindo-se a mora ao inadimplemento absoluto, desde que conservada a função sócio-econômica da relação obrigacional em cada caso concreto. Em sentido diverso caminhou o legislador de 2002, ao eliminar a referência à mora no art. 390, sugerindo o acolhimento da posição tradicional pela qual o inadimplemento nas obrigações negativas é sempre absoluto.[36]

A alteração normativa atende à lição doutrinária segundo a qual “a obrigação negativa não comporta variante. Ou o devedor não pratica o ato proibido e está cumprindo a obrigação; ou pratica, e dá-se a inexecução.”[37] Ignora, contudo, que, se a máxima vale para obrigações de cumprimento imediato, pode não se afigurar imperativa em relações obrigacionais de caráter continuado, nas quais a abstenção em retardo pode mostrar-se útil ao credor e ao atendimento da função concretamente desempenhada pela relação obrigacional. Assim, se o devedor se obriga a não concorrer com o credor, e eventualmente o faz, nada impede que, purgando a mora (com as eventuais perdas e danos), volte a se abster.[38]

Com efeito, seja nas obrigações negativas, seja nas positivas, o adimplemento não se limita ao instante singular do seu cumprimento, mas se espraia pela continuidade da relação obrigacional, para atrair em seu favor a conduta das partes antes e depois do vencimento da obrigação. Assim, à luz da boa-fé objetiva, o adimplemento passa a ser compreendido como um processo que se estende temporalmente, abrangendo o comportamento das partes antes e após o momento pontual do vencimento.

4. A releitura funcional do conceito de adimplemento. O adimplemento como atendimento da função concreta do negócio jurídico. A chamada violação positiva do contrato.

A compreensão do adimplemento como um processo continuado, prolongado no tempo, conecta-se, indissociavelmente, a uma alteração mais profunda, de caráter mais estritamente conceitual. Longe de se restringir à prática do ato prometido pelo devedor, o adimplemento se reveste, no direito contemporâneo, de caráter funcional, vinculado ao atendimento dos efeitos essenciais do negócio jurídico concretamente celebrado pelas partes.

Urge, deste modo, revisitar o critério distintivo entre o inadimplemento absoluto e o inadimplemento relativo para compreender de forma mais eqüitativa a usual fórmula do interesse do credor. A doutrina tradicional afirma que, nesta matéria, “o interesse do devedor acha-se subordinado ao do credor.”[39] Todavia, cumpre reconhecer que o adimplemento dirige-se não à satisfação arbitrária do credor, mas ao atendimento da função sócio-econômica, identificada com a própria causa do ajuste estabelecido entre ambas as partes.

Em outras palavras, o que o adimplemento exige não é tanto a satisfação do interesse unilateral do credor, mas o atendimento à causa do contrato, que “se constitui, efetivamente, do encontro do concreto interesse das partes com os efeitos essenciais abstratamente previstos no tipo (ou, no caso dos contratos atípicos, da essencialidade que lhe é atribuída pela própria autonomia negocial).”[40] Se o comportamento do devedor alcança aqueles efeitos essenciais que, pretendidos concretamente pelas partes com a celebração do negócio, mostram-se merecedores de tutela jurídica, tem-se o adimplemento da obrigação, independentemente da satisfação psicológica ou não do credor.

Note-se, porém, que não basta a verificação da causa em abstrato, normalmente identificada, no direito das obrigações, com a realização das prestações principais integrantes do tipo negocial em sua previsão normativa. Impõe-se o exame da chamada “causa em concreto”, isto é, do atendimento dos interesses efetivamente perseguidos pelas partes com a regulamentação contratual. Transcende-se, em síntese, a estrutura do negócio – forma e conteúdo (o como e o quê) – para se perquirir a sua função (o seu porquê).[41] É o atendimento a esta função concreta do negócio, e não mais o cumprimento meramente estrutural da prestação principal contratada, que define o adimplemento, em sua visão contemporânea.

Aqui, há de se examinar, em particular, a chamada violação positiva do contrato. Desenvolvida pelo jurista alemão, Herman Staub, no início do século XX,[42] a violação positiva do contrato nasce não como um instituto rigidamente definido, mas como uma noção ampla e flexível destinada a absorver hipóteses de descumprimento não contempladas pelo BGB, em especial aquelas relacionadas ao mau cumprimento da prestação.[43] As críticas formuladas contra a teoria de Staub, que vão desde a negativa da pretendida lacuna no Código Civil alemão[44] a objeções terminológicas variadas,[45] não lograram inutilizar a sua construção.

No Brasil, a amplitude da definição legal de mora – a qual, transcendendo a mera questão temporal, abrange a não-realização ou não-recebimento do pagamento “no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer” (art. 394) – e a regulação do cumprimento inexato em setores específicos do nosso Código Civil – ora, em termos mais gerais, como nos vícios redibitórios (arts. 441-445), ora em tipos contratuais determinados, como nos contratos de empreitada e de transporte (arts. 618, 754 etc.) – não têm sido considerados suficientes a excluir a utilidade, ao menos residual, da violação positiva do contrato, conceito que, se nunca foi recorrente na prática jurisprudencial brasileira, veio mais recentemente ganhar novo fôlego mediante sua associação ao “descumprimento culposo de dever lateral” imposto pela boa-fé objetiva.[46]

Sem embargo das suas diversas acepções, a noção de violação positiva do contrato, em seus contornos fluidos, vem sendo aplicada pelas cortes brasileiras exatamente naquelas hipóteses em que, embora se verificando um comportamento do devedor correspondente à realização da prestação contratada, não se alcança, por alguma razão, a função concretamente atribuída pelas partes à regulamentação contratual.[47] Com efeito, a jurisprudência brasileira reconhece a configuração de violação positiva do contrato em situações como a de “instalação de piso laminado” com defeito caracterizado pelo “afundamento de miolo”,[48] ou ainda a má execução de contrato de seguro por “demora excepcional na realização do conserto de veículo sinistrado.”[49]

Na perspectiva tradicional, em que o adimplemento consiste simplesmente no cumprimento da prestação principal, a tutela do crédito em tais hipóteses exige mesmo o recurso a alguma figura ou norma externa à disciplina do adimplemento, como a violação positiva do contrato ou o (mais direto) recurso à cláusula geral de boa-fé objetiva (art. 422). Não é, todavia, o que ocorre em uma perspectiva funcional, na qual o cumprimento da prestação principal não basta à configuração do adimplemento, exigindo-se o efetivo atendimento da função concretamente perseguida pelas partes com o negócio celebrado, sem o qual todo comportamento (positivo ou negativo) do devedor mostra-se insuficiente. Vale dizer: revisitado o conceito de adimplemento, de modo a corroborar a necessidade de um exame que abarque o cumprimento da prestação contratada também sob o seu prisma funcional, as hipóteses hoje solucionadas com o uso da violação positiva do contrato tendem a recair no âmago interno da própria noção de adimplemento.

Vale notar que, neste campo, também a recíproca se revela verdadeira. Da mesma forma que o cumprimento meramente estrutural da prestação principal não configura adimplemento, exigindo uma análise mais atenta à função concreta do negócio celebrado, a inadequação formal do comportamento do devedor ao débito, tal como estruturalmente definido pelas partes, não ensejará inadimplemento, desde que atendido o escopo especificamente perseguido pelas partes com a constituição do vínculo obrigacional. Aqui se chega à questão do adimplemento substancial.

5. O adimplemento substancial. A posição da jurisprudência brasileira. Parâmetros de substancialidade e o atual papel do adimplemento substancial.

Ao tratar do adimplemento, afirma a doutrina tradicional que “o princípio fundamental nesta matéria é o da pontualidade. O cumprimento deve ser pontual em todos os sentidos (não apenas no sentido temporal); deve coincidir ponto por ponto com a prestação a que o devedor está obrigado; deve ajustar-se-lhe inteiramente.”[50] Deste dogma se distancia a teoria do adimplemento substancial, que permite, em síntese, rejeitar a resolução do vínculo obrigacional sempre que a desconformidade entre a conduta do devedor e a prestação estabelecida seja de pouca relevância.

Inspirada na substantial performance do direito anglo-saxônico,[51] tal construção surge com o propósito de autorizar a avaliação de gravidade do inadimplemento antes de deflagrar a conseqüência drástica consubstanciada na resolução da relação obrigacional.[52] “Assim, sucede quando alguém se obriga a construir um prédio e a construção chega praticamente ao seu término (adimplemento substancial); não se faculta sempre, neste caso, a perda da retribuição contratada, ou a resolução do contrato por inadimplemento”.[53] Trata-se, como se vê, de um exame de suficiência pelo qual deve o magistrado “aplicarse a medir o apreciar en cuanto el incumplimiento es capaz de afectar el operamiento o los resultados de uma relación oblicatoria determinada y considerada en su totalidad.”[54]

A teoria do adimplemento substancial encontra previsão expressa em numerosas codificações. A Convenção de Viena, acerca da compra e venda internacional de mercadorias, exige para a resolução do ajuste uma “violação fundamental do contrato” (arts. 49 e 64) e define como fundamental aquela violação que “causa à outra parte um prejuízo tal que prive substancialmente daquilo que lhe era legítimo esperar do contrato, salvo se a parte faltosa não previu este resultado e se uma pessoa razoável, com idêntica qualificação e colocada na mesma situação, não o tivesse igualmente previsto” (art. 25). No Brasil, o silêncio do legislador de 2002 não tem impedido o acolhimento da noção, com base, mais uma vez, na boa-fé objetiva. De fato, afirma-se que, no âmbito da segunda função da boa-fé objetiva, consistente na vedação ao exercício abusivo de posição jurídica, “o exemplo mais significativo é o da proibição do exercício do direito de resolver o contrato por inadimplemento, ou de suscitar a exceção do contrato não cumprido, quando o incumprimento é insignificante em relação ao contrato total.”[55]

O atual desafio da doutrina está em fixar parâmetros que permitam ao Poder Judiciário dizer, em cada caso, se o adimplemento afigura-se ou não significativo, substancial. À falta de suporte teórico, as cortes brasileiras têm se mostrado tímidas e invocado o adimplemento substancial apenas em abordagem quantitativa. A jurisprudência tem, assim, reconhecido a configuração de adimplemento substancial quando se verifica o cumprimento do contrato “com a falta apenas da última prestação”,[56] ou o recebimento pelo credor de “16 das 18 parcelas do financiamento”,[57] ou a “hipótese em que 94% do preço do negócio de promessa de compra e venda de imóvel encontrava-se satisfeito”.[58] Em outros casos, a análise judicial tem descido mesmo a uma impressionante aferição percentual, declarando substancial o adimplemento nos casos “em que a parcela contratual inadimplida representa apenas 8,33% do valor total das prestações devidas”,[59] ou de pagamento “que representa 62,43% do preço contratado”.[60]

Por outro lado, com base no mesmo critério percentual – e às vezes no mesmo percentual em si – as cortes brasileiras têm negado a aplicação da teoria ao argumento de que “o adimplemento de apenas 55% do total das prestações assumidas pelo promitente comprador não autoriza o reconhecimento da execução substancial do contrato”,[61] ou que “o pagamento de cerca de 43% contra-indica a hipótese de adimplemento substancial”[62], ou ainda que “a teoria do adimplemento substancial do contrato tem vez quando, como o próprio nome alude, a execução do contrato abrange quase a totalidade das parcelas ajustadas, o que, por certo, não é o caso do pagamento de apenas 70%.”[63]

Pior que a incongruência entre decisões proferidas com base em situações fáticas semelhantes – notadamente, aquelas em que há cumprimento quantitativo de 60 a 70% do contrato[64] –, o que espanta é a ausência de uma análise qualitativa, imprescindível para se saber se o cumprimento não-integral ou imperfeito alcançou ou não a função que seria desempenhada pelo negócio jurídico em concreto. Em outras palavras, urge reconhecer que não há um parâmetro numérico fixo que possa servir de divisor de águas entre o adimplemento substancial ou o inadimplemento tout court, passando a aferição de substancialidade por outros fatores que escapam ao mero cálculo percentual.

Do exame da doutrina e da jurisprudência comparada, pode-se extrair alguns parâmetros que, sem a pretensão de encerrar o debate, têm sido apontados como índices capazes de sugerir a configuração do adimplemento substancial, auxiliando o juiz em sua delicada tarefa. Para além da usual comparação entre o valor da parcela descumprida com o valor do bem ou do contrato, e de outros índices que possam sugerir “a manutenção do equilíbrio entre as prestações correspectivas, não chegando o descumprimento parcial a abalar o sinalagma”[65], a tendência tem sido, hoje, a de perquirir, em cada caso concreto, a existência de outros remédios capazes de atender ao interesse do credor (e.g., perdas e danos), com efeitos menos gravosos ao devedor – e a eventuais terceiros afetados pela relação obrigacional – que a resolução do vínculo.[66]

De fato, a teoria do adimplemento substancial veio inicialmente associada a um “descumprimento de parte mínima”,[67] a um inadimplemento de scarsa importanza,[68] em abordagem historicamente importantíssima para frear o rigor do direito à extinção contratual e despertar a comunidade jurídica para o exercício quase malicioso do direito de resolução em situações que só formalmente não se qualificavam como adimplemento integral. Em uma leitura mais contemporânea, contudo, impõe-se reservar ao adimplemento substancial um papel mais abrangente, qual seja, o de impedir que a resolução – e outros efeitos igualmente drásticos que poderiam ser deflagrados pelo inadimplemento – não venham à tona sem uma ponderação judicial entre (i) a utilidade da extinção da relação obrigacional para o credor e (ii) o prejuízo que adviria para o devedor e para terceiros a partir da resolução.[69]

Veja-se, a título ilustrativo, o caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em que se pretendeu a resolução de certo instrumento de transação por se ter praticado valor menor que o ali estabelecido para a alienação de unidades residenciais. A sentença que julgara procedente a demanda foi objeto de severa crítica por Athos Gusmão Carneiro, que ressaltou: “Mesmo se verídica a assertiva – que a prova dos autos não autoriza –, de que os 10 apartamentos e 4 garagens (referidos na inicial) teriam sido alienados abaixo do preço de mercado (…), ainda assim a resolução judicial da transação configuraria indevida aplicação de remédio extremo, reservado aos casos de inadimplemento absoluto e quando impossível, de outra forma, facilmente remediar a lesão sofrida pelo contratante adimplente!”[70]

Com efeito, a importância do adimplemento substancial não está hoje tanto em impedir o exercício do direito extintivo do credor com base em um cumprimento que apenas formalmente pode ser tido como imperfeito – como revelam os casos mais pitorescos de não-pagamento da última prestação que povoam a jurisprudência do nosso Superior Tribunal de Justiça –, mas em permitir o controle judicial de legitimidade no remédio invocado para o inadimplemento,[71] especialmente por meio do balanceamento entre, de um lado, os efeitos do exercício da resolução (e outras medidas semelhantes) para o devedor e eventuais terceiros, e, de outro, os efeitos do seu não-exercício para o credor, que pode dispor de outros remédios muitas vezes menos gravosos para obter a adequada tutela do seu interesse. Não quer isto significar a prevalência do interesse do devedor sobre o interesse do credor ao cumprimento exato do avençado. Mesmo na acepção mais restritiva e formal do adimplemento substancial, não se deixa de reconhecer o descumprimento parcial, concedendo ao credor outros mecanismos de tutela, como o ressarcimento das perdas e danos ou a exigência de cumprimento do acordado; veda-se, tão-somente, a extinção do vínculo obrigacional, como remédio extremo contra o devedor.[72]

A questão remete ao último ponto da transformação aludida ao início, relacionado às conseqüências do adimplemento e do inadimplemento.

6.  As conseqüências do adimplemento e do inadimplemento. Responsabilidade pós- contratual. A resolução do vínculo como medida extrema. Execução específica e perdas e danos. Responsabilidade pelo inadimplemento das obrigações de meio e de resultado.

Na visão tradicional, o adimplemento, identificado com a realização da prestação principal, extingue o vínculo obrigacional, e, por conseguinte, a responsabilidade do devedor. Sob a perspectiva funcional, ao contrário, o adimplemento não apenas se inicia muito antes do efetivo cumprimento da prestação, mas também se prolonga para além deste ato, impondo a conservação dos seus efeitos e a concreta utilidade da sua realização. Hoje já se reconhece amplamente a existência de uma responsabilidade pós-contratual – a rigor, pós-negocial –, a alcançar as partes da relação obrigacional no período que se sucede ao cumprimento da prestação.

Explica, assim, a melhor doutrina que “é possível exigir-se das partes, para depois da prestação principal, uma certa conduta, desde que indispensável à fruição da posição jurídica adquirida pelo contrato. É o dever do modelista de não entregar ao concorrente os mesmos modelos com os quais cumprira a sua prestação.”[73] E a jurisprudência tem chancelado a existência deste “dever geral de colaboração que se encontra na fase pós-contratual”, a exigir a responsabilização, por exemplo, da sociedade revendedora de automóvel que, diante do defeito invocado pelo adquirente posteriormente à alienação, “sequer examinou o veículo, para afastar a responsabilidade pelo defeito e suas conseqüências”;[74] ou, ainda, da instituição financeira que, após receber o pagamento, não comprova ter adotado as “medidas necessárias para o recolhimento do título posto em cobrança bancária” e posteriormente protestado.[75]

Do mesmo modo que o cumprimento da prestação principal não encerra a responsabilidade do devedor, o descumprimento da prestação principal não autoriza, ipso facto, o pedido de resolução do vínculo obrigacional. Com efeito, “o exame de semelhante pedido traz consigo uma causa petendi e desce às causas e aos efeitos do inadimplemento”, bem como à “qualidade do adimplemento”, de tal modo que cumpre sempre avaliar se “o desfazimento importaria um sacrifício desproporcional, comparativamente à manutenção do contrato.” [76]Em outras palavras, o direito resolutivo não vem atribuído ao credor como um instrumento de punição do devedor pela ausência de realização da prestação principal, mas lhe é assegurado sob a premissa de que o inadimplemento seja tal que possa comprometer o atendimento à função concretamente desempenhada pelo negócio jurídico em curso.[77]

Neste contexto, o direito à resolução do contrato, laconicamente mencionado no art. 475 do Código Civil de 2002,[78] perde a feição (que lhe vem normalmente atribuída) de uma alternativa ao arbítrio do credor para se converter em ratio extrema, cujo exercício pode ser obstado sempre que remédios menos nocivos estiverem ao alcance do seu titular. O poder de extinguir a relação obrigacional deve mesmo ser reservado ao inadimplemento que afete a função concreta do negócio celebrado, não bastando a simples irrealização da prestação principal, tomada em abstrato e sob o aspecto puramente estrutural.

A preferência por remédios que não promovam o rompimento do vínculo negocial foi expressamente manifestada pelo legislador brasileiro, que registrou, em diversas passagens do Código Civil de 2002, sua simpatia pela execução específica das obrigações (v.g., arts. 249, 251, 464). Bem mais que um instrumento a cargo das preferências do credor, como sugere a literalidade do o art. 475, a execução específica deve ser vista como medida prioritária, a ser afastada somente naquelas hipóteses em que já reste comprometida a função concretamente desempenhada pela relação contratual. Com isto, o princípio da conservação dos contratos, que vem sendo invocado no Brasil de modo algo aleatório e meramente pontual, poderia adquirir um papel efetivo e abrangente no ordenamento pátrio, a revelar uma atuação global e sistemática em prol da manutenção dos negócios jurídicos.

Cabe uma última palavra sobre as perdas e danos, asseguradas pelo direito brasileiro, seja na hipótese de resolução, seja naquela de execução específica. Como compensação financeira dos prejuízos sofridos pelo credor em decorrência do descumprimento da prestação principal, as perdas e danos têm lugar mesmo naquelas hipóteses em que haja adimplemento substancial e outras formas de inexecução que, embora não sejam aptas a deflagrar a extinção do vínculo, prejudiquem de alguma forma o titular do crédito. O dever de ressarcir as perdas e danos depende, contudo, da verificação de prejuízo e de culpa por parte do devedor. E também aqui a análise deve ser funcional e dinâmica, não se restringindo a um exame estrutural e abstrato das causas e efeitos do descumprimento.

Paradigmático neste particular é o emprego que se faz da conhecida distinção entre obrigações de meio e de resultado. Nestas últimas, como se sabe, o devedor obriga-se a alcançar certo resultado, enquanto naquelas assume apenas o compromisso de envidar seus melhores esforços na perseguição do objetivo final, sem obrigar-se a obtê-lo.[79] Nas obrigações de resultado, a não-obtenção do resultado configura já o inadimplemento, a atrair a responsabilização do devedor. Nas obrigações de meio, ao contrário, a não-obtenção do resultado não configura inadimplemento, que depende da falta de diligência e empenho do devedor nos esforços empreendidos. A demonstração de que houve falta de diligência do devedor, por seu caráter subjetivo, afigura-se bem mais árdua do que a prova de irrealização de certo resultado. Tem-se, por isso mesmo, uma responsabilização, de regra, mais fácil nas hipóteses em que a obrigação é de resultado, pois a prova se limita ao dado objetivo da sua não-obtenção.[80]

A doutrina brasileira apressa-se em classificar em abstrato e de modo absoluto as obrigações, separando-as entre as de meio e as de resultado. Diz-se, neste sentido, que “o clínico não pode assegurar que livrará o cliente de todos os males de que padece; jamais poderá garantir resultado feliz (…) e sim que empenhar-se-á com zelo, carinho e dedicação. O mesmo fará o advogado para que os seus serviços profissionais apresentem resultados positivos. Mas, se o paciente morrer ou se a causa malograr, nem o médico, nem o advogado perderão o direito aos honorários contratados.”[81] E idêntica postura adota a jurisprudência ao afirmar: “nos casos de cirurgia estética ou plástica, o cirurgião assume obrigação de resultado.”[82]

O equívoco desta classificação in abstracto é evidente. Se, por exemplo, se atribui à obrigação do médico o caráter de obrigação de meio em plano teórico, beneficia-se, com isto, o charlatão, que embora prometa em concreto o resultado que não obtém, tem seu vínculo com o paciente considerado limitado aos seus melhores esforços, contrariamente ao que restou pactuado ou prometido no caso concreto. Da mesma forma, se a obrigação do cirurgião plástico vem tida como de resultado, em abstrato, desestimula-se a conduta do bom profissional que informa o paciente dos riscos e da imprevisibilidade do procedimento, mas acaba, nada obstante, respondendo pela não-obtenção de um resultado que nunca prometeu.[83]

Uma classificação considerada tão relevante para fins de configuração do inadimplemento não pode prescindir do exame da função concretamente atribuída pelas partes ao negócio jurídico, perquirindo-se efetivamente os interesses dos envolvidos e o modo particular de desenvolvimento do programa contratual, com ênfase sobre o atendimento do dever de informação – tudo em franca oposição à abordagem abstrata e puramente estrutural que tem imperado nesta matéria e em outras tantas searas do direito obrigacional.

De temas como estes advêm, à falta de conclusão, duas animadoras constatações: a de que o direito das obrigações, ao qual se atribui lentidão e até imobilismo, tem avançado a passos largos; e a de que, sem embargo destas conquistas, ainda tem muito a avançar. O momento que vivemos não é o de alterar radicalmente os seus rumos, mas o de acompanhá-lo com um olhar mais livre, despido de antigos dogmas e velhas concepções. Vale, nesta estrada, o verso claro do poeta amazonense Thiago de Mello: “Não, não tenho caminho novo. O que tenho de novo é o jeito de caminhar”.[84]


[1] Na íntegra: “O facto de no domínio das obrigações prevalecer desde há muito o princípio da autonomia privada, de serem relativamente constantes ao longo dos séculos os interesses e as conveniências das partes, e de as relações creditórias, pela sua natureza intrínseca, sofrerem muito menos que as relações familiares ou sucessórias e do que a organização da propriedade, a influência de factores políticos, morais, sociais e religiosos que marcam cada época da história da humanidade, aliado ao aperfeiçoamento notável que os jurisconsultos romanos clássicos imprimiram ao direito das obrigações, deram como resultado que este, além da sua vastidão e intensa projecção prática, acusa ainda agora duas notas particulares, que cumpre realçar: a sua relativa uniformidade nas diferentes áreas do globo e a sua notória estabilidade ou a sua mais lenta evolução no tempo” (João de Mattos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, Coimbra: Almedina, 2000, p. 25).
[2] Giorgio Giorgi, Teoria delle obbligazioni nel diritto moderno italiano, Florença: Fratelli Cammelli, 1924, p. 28.
[3] É a opinião de Toulier, registrada por Miguel Maria de Serpa Lopes, Curso de Direito Civil – Obrigações em Geral, vol. II, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995, p. 7.
[4] A tal postura alude, criticamente, Orosimbo Nonato, Curso de Obrigações, vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 55, afirmando: “O conceito de obrigação varia no tempo e no espaço para atender às peculiaridades do consórcio civil em que se expanda: não foge, não pode fugir à lei da evolução universal”.
[5] A fórmula vem repetida inclusive no recente Código Civil brasileiro, de 2002, cujo art. 104 declara: “A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.” A nova codificação ocupa-se, contudo, do equilíbrio das prestações em dois momentos: o desequilíbrio originário vem coibido pelas figuras da lesão (art. 157) e do estado de perigo (art. 158); e o desequilíbrio superveniente encontra remédio nos arts. 478- 480 e, por via interpretativa, também no art. 317, permitindo-se, mediante a configuração dos requisitos necessários, tanto a resolução quanto a revisão do contrato.
[6] “A disparidade de condições económico-sociais existente, para além do esquema formal da igualdade jurídica abstracta dos contraentes, determina, por outras palavras, disparidade de ‘poder contratual’ entre partes fortes e partes débeis, as primeiras em condições de conformar o contrato segundo os seus interesses, as segundas constrangidas a suportar a sua vontade, em termos de dar vida a contratos substancialmente injustos: é isto que a doutrina baseada nos princípios da liberdade contratual e da igualdade dos contraentes, face à lei, procura dissimular, e é precisamente nisto que se manifesta a sua função ideológica.” (Enzo Roppo, O Contrato, Coimbra: Almedina, 1988, p. 38).
[7] Paul Lafargue, O Direito à Preguiça, São Paulo: Hucitec – Unesp, 1999, p. 77.
[8] Tem, então, início um processo de contestação à abordagem liberal e individualista que informava o direito dos contratos, a que Patrick Atiyah denominou “the fall of freedom of contract” e que o autor descreve nos seguintes termos: “During the past hundred years there has been a continuous weakening of belief in the values involved in individual freedom of choice, and this weakening has been reflected in the law. The legislation of the past century has carried to great lengths the circumstances in which the individual’s freedom of decision is overridden, either in the direct interests of a majority, or to give effect to values which a majority believe to be of overriding importance.” (The Rise and Fall of the Freedom of Contract, Oxford: Clarendon Press, 1979, p. 726).
[9] Lacerda de Almeida, Obrigações, Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1916, p. XXIV.
[10] Para a análise destes novos princípios e de sua repercussão na prática contratual, ver Gustavo Tepedino, Novos princípios contratuais e teoria da confiança: a exegese da cláusula to the best knowledge of the sellers, in Temas de Direito Civil, tomo II, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 241-273.
[11] A reforma da parte dedicada ao direito das obrigações no Código Civil alemão (BGB) em 2002 veio romper este estado generalizado de imobilismo, produzindo ecos em outras experiências européias e latino-americanas. Na imensa maioria dos ordenamentos de civil law, contudo, a disciplina normativa das obrigações permanece ainda muito próxima do desenho romanístico.
[12] Miguel Reale, O Projeto de Código Civil – Situação Atual e seus Problemas Fundamentais, São Paulo: Saraiva, 1986, p. 76. Sobre o tema, confira-se a análise de Gustavo Tepedino: “Daí o desajuste maior do projeto: ele é retrógrado e demagógico. Não tanto por deixar de regular os novos direitos, as relações de consumo, as questões da bioética, da engenharia genética e da cibernética que estão na ordem do dia e que dizem respeito ao direito privado. E não apenas por ter como paradigma os códigos civis do passado (da Alemanha, de 1896, da Itália, de 1942, de Portugal, de 1966), ao invés de buscar apoio em recentes e bem-sucedidas experiências (como, por exemplo, os Códigos Civis do Quebec e da Holanda, promulgados nos anos noventa). O novo Código nascerá velho principalmente por não levar em conta a história constitucional brasileira e a corajosa experiência jurisprudencial, que protegem a personalidade humana mais que a propriedade, o ser mais do que o ter, os valores existenciais mais do que os patrimoniais.” (O Novo Código Civil: duro golpe na recente experiência constitucional brasileira, in Revista Trimestral de Direito Civil, ano 2, vol. 7, Rio de Janeiro: Padma, 2001, editorial).
[13] Teresa Negreiros, Fundamentos para uma Interpretação Constitucional do Princípio da Boa-fé, Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
[14] A referida tripartição funcional, inspirada nas funções do direito pretoriano romano, foi modernamente sugerida por Boehmer, Grundlagen der bürgerlichen Rechtsordnung, apud Franz Wieacker, El principio general de la buena fe, Madrid: Civitas, 1986, p. 50: “(…) el parágrafo 242 BGB actúa también iuris civilis iuvandi, supplendi o corrigendi gatia.” No Brasil esta classificação foi adotada e difundida por Antonio Junqueira de Azevedo, Insuficiências, deficiências e desatualização do projeto de Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos, in Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 1, p. 7: “Essa mesma tríplice função existe para a cláusula geral de boa-fé no campo contratual, porque justamente a idéia é ajudar na interpretação do contrato, adjuvandi, suprir algumas das falhas do contrato, isto é, acrescentar o que nele não está incluído, supplendi, e eventualmente corrigir alguma coisa que não é de direito no sentido de justo, corrigendi.” No mesmo sentido, Ruy Rosado de Aguiar Jr., A boa-fé na relação de consumo, in Revista de Direito do Consumidor, vol. 14, p. 25, ao tratar especialmente das relações de consumo: “Na relação contratual de consumo, a boa-fé exerce três funções principais: a) fornece os critérios para a interpretação do que foi avençado pelas partes, para a definição do que se deve entender por cumprimento pontual das prestações; b) cria deveres secundários ou anexos; e c) limita o exercício de direitos”.
[15] Judith Martins-Costa, A Boa-fé no Direito Privado – Sistema e tópica no processo obrigacional, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, especialmente pp. 381-515.
[16] Ver, entre outras aplicações da boa-fé objetiva, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 32.890/SP, j. 14.11.1994; Recurso Especial 184.573/SP, j. 19.11.1998; Recurso Especial 370.598/RS, j. 26.2.2002; Recurso Especial 554.622/RS, j. 17.11.2005; e Agravo Regimental na Medida Cautelar 10.015/DF, j. 2.8.2005.
[17] Sobre a superutilização da boa-fé objetiva, seja consentido remeter a Anderson Schreiber, A Proibição de Comportamento Contraditório – Tutela da confiança e venire contra factum proprium, Rio de Janeiro: Renovar, 2007, 2ª ed., pp. 120-125.
[18] Clovis Bevilaqua, Direito das Obrigações, Campinas: Red Livros, 2000, p. 137. Trata-se, na sua lição,
do modo extintivo “que foi visado no momento de atar-se o vínculo, e o que melhor corresponde à teleologia social, que evocou, do caos originário, a prodigiosa força ético-jurídica emanada dos contratos e de todas as obrigações.”
[19] Orlando Gomes, Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 88.
[20] Antonio Chaves, Tratado de Direito Civil, vol. 2, tomo 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 157.
[21] Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra: Coimbra Editora, 1983, p. 260.
[22] Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, Coimbra: Almedina, 1966, p. 277.
[23] Como explica Hans Hattenhauer, a idéia do vínculo obrigacional, já associada desde os romanos a um poder do credor, ganhou, sob a influência da filosofia kantiana, a conotação de verdadeiro apossamento de parte da liberdade do devedor: “La obligación se producía porque alguien conseguía poseer una determinada cantidad de la libertad de otra persona, y, en armonía con las leyes generales de la libertad, podía forzar a cumplir lo prometido y actuar sobre la voluntad del otro, cuya libertad se convertía – en una parte exactamente determinada – en su propia libertad.” (Conceptos Fundamentales del Derecho Civil, Barcelona: Ariel, 1987, p. 82).
[24] Os deveres anexos abrangem, em conhecida classificação, deveres de proteção, de esclarecimento e de lealdade. Sobre o tema, ver António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da Boa fé no Direito Civil, Coimbra: Almedina, 1997, pp. 605 e ss.
[25] Pietro Perlingieri, Il fenomeno dell’estinzione nelle obbligazioni, Camerino-Napoli: E.S.I, 1980, p. 21.
[26] Sobre todas estas noções, é imprescindível a leitura de Carlos Nelson Konder, Contratos Conexos – Grupos de Contratos, Redes Contratuais e Contratos Coligados, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, especialmente pp. 148-187.
[27] “Com a expressão ‘obrigação como processo’ tenciona-se sublinhar o ser dinâmico da obrigação, as várias fases que surgem no desenvolvimento da relação obrigacional e que entre si se ligam com interdependência.” (Clovis V. do Couto e Silva, A Obrigação como Processo, São Paulo: José Bushatsky, 1976, p. 10).
[28] A expressão, derivada dos relational contracts do common law, foi adotada pioneiramente no Brasil por Ronaldo Porto Macedo Jr., Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor, São Paulo: Max Limonad, 1998. Claudia Lima Marques refere-se, em sentido semelhante, aos “contratos cativos de longa duração” (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pp. 82-83).
[29] Diz-se “em sentido estrito” porque, a rigor, as transformações verificadas no momento de aferição do adimplemento e em seus efeitos traduzem também alterações conceituais, relacionadas à maneira de enxergar e compreender o adimplemento. Entretanto, para os fins da tripartição adotada desde o título deste estudo, será denominada conceitual tão-somente a transformação relacionada às condições necessárias à configuração do adimplemento, restando as demais inovações alocadas no plano temporal e conseqüencial.
[30] Clovis Bevilaqua, Direito das Obrigações, cit., pp. 149-150 e 151.
[31] Clovis do Couto e Silva, A Obrigação como Processo, cit., p. 13.
[32] O caso pioneiro, sempre referido, é o de Hochster v. De la Tour, julgado em 1853. Hochster, contratado para prestar serviço de mensageiro para o demandado, durante uma viagem que deveria ter início em 1º de junho, recebeu de De la Tour, em meados de maio, a comunicação de que seus serviços não mais seriam necessários. O juiz decidiu que não seria necessário aguardar o termo inicial da prestação dos serviços para que o demandante reclamasse seus direitos. Sobre o caso, confira-se Fortunato Azulay, Do Inadimplemento Antecipado do Contrato, Rio de Janeiro: Ed. Brasília/Rio, 1977, pp. 101-102.
[33] Como observa Jorge Cesa Ferreira da Silva, A Boa-fé e a Violação Positiva do Contrato, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 257, “em que pese a ausência de uma unitária conformação da hipótese, pode- se afirmar que, hoje, é em grande medida aceito na família Romano-Germânica e sobretudo fora dela, o entendimento de que a manifestação antecipada no sentido do inadimplemento provoca-o ou é capaz de provocá-lo.”
[34] Neste sentido, sustenta Anelise Becker que “não é permitido ao credor manter o contrato com o propósito de, cumprindo a sua parte, em oposição direta à recusa do devedor, exigir-lhe o pagamento do preço total do contrato. Trata-se de uma hipótese peculiar de abuso de direito, pois ao credor lesado pela recusa em adimplir da contraparte não é legítimo considerar firme o contrato. Está ele obrigado, nesta hipótese, a considerar o contrato antecipadamente rompido, para mitigar os danos da parte inadimplente.” (Inadimplemento Antecipado do Contrato, in Revista de Direito do Consumidor, vol. 12, out/dez 1994, p. 74).
[35] TJRS, Apelação Cível 582000378, 8.2.1983, Rel. Athos Gusmão Carneiro, in Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, vol. 97, 1983, p. 397.
[36] “Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster.” O Código Civil anterior determinava em seu art. 961: “Nas obrigações negativas, o devedor fica constituído em mora, desde o dia em que executar o ato de que se devia abster”.
[37] Agostinho Alvim, Da Inexecução das Obrigações e Suas Conseqüências, São Paulo: Saraiva, 1955, p. 148.
[38] Era já a lição de Pontes de Miranda, para quem, existindo “possibilidade de ser elidido o efeito da inexecução, o devedor pode ser admitido a purgar a mora e continuar abstendo-se” (Tratado de Direito Privado, tomo XXII, Rio de Janeiro: Borsoi, 1958, p. 199).
[39] Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, cit., p. 10.
[40] Maria Celina Bodin de Moraes, A Causa dos Contratos, in Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 21, p. 109.
[41] Emilio Betti, Causa del Negozio Giuridico, in Novissimo Digesto Italiano, vol. III, Torino: UTET, 1959, p. 32: “Solo così, esaminata la struttura – forma e contenuto (il come e il che cosa) del negozio, può riuscire fruttuoso indagarne la funzione (il perché).”
[42] Hermann Staub, Die positiven Vertragsverletzungen und ihre Rechtsfolgen, in Festschrift für den XXVI. Deutschen Juristentag, Berlim: J. Guttentag, 1902. A obra foi publicada também em italiano: Hermann Staub, Le violazioni positive del contratto, Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2001.
[43] Como esclarecem Zweigert e Kötz, “l’infelice frammentazione dei tipi di inadempimento, propria del BGB – che viene a distinguere tra impossibilità soggettiva ed oggettiva e tra entrambe e la mora – configura un vero e proprio errore di impostazione. Ed è proprio l’istituto della violazione positiva del credito che sta a testimoniare chiaramente la lacunosità di questa disciplina” (Introduzione al diritto comparato, vol. II, Milano: Giuffrè, 1995).
[44] Sobre o tema, registra Rocco Favale: “È opportuno precisare che studi successivi hanno sollevato dubbi sull’utilità della scoperta di Staub, in quanto hanno sottolineato che il legislatore aveva previsto, e quindi anche indirettamente regolata, la Schleschterfüllung, mascherata come ipotesi di impossibilità parziale della prestazione.” (prefácio a Hermann Staub, Le violazioni positive del contratto, cit., p. 15).
[45] Neste particular, tem-se criticado a expressão “violação positiva do contrato” ao argumento de que o adjetivo “positiva” negaria relevância à conduta omissiva do devedor. Afirma-se, além disso, que a violação positiva, consoante a própria fórmula de Staub, poderia ser aplicada também a outras relações obrigacionais fundadas em negócios jurídicos unilaterais, e não contratos, daí decorrendo tentativas variadas de oferecer expressões alternativas, dentre as quais tem merecido destaque a “violação positiva do crédito” (positive Forderungsverletzung).
[46] Jorge Cesa Ferreira da Silva, A Boa-fé e a Violação Positiva do Contrato, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 268. Na definição integral apresentada pelo autor: “No direito brasileiro, portanto, pode-se definir a violação positiva do contrato como inadimplemento decorrente do descumprimento culposo de dever lateral, quando este dever não tenha uma vinculação direta com os interesses do credor na prestação.”
[47] “Exemplo clássico é o do criador que adquire ração para alimentação dos seus animais, a qual, porém, muito embora tenha sido entregue no prazo, se encontrava imprópria para o uso e, por conta disso, acarreta a morte de diversas reses.” (Gustavo Tepedino et alli, Código Civil Interpretado, vol. I, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 693).
[48] TJRS, Turma Recursal, Recurso Cível 71000626697, j. 29.3.2005.
[49] TJRS, Turma Recursal, Recurso Cível 71000818146, j. 21.12.2005.
[50] Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, cit., p. 277.
[51] Sobre o tema, ver E. Allan Farnsworth, William F. Young e Carol Sanger, Contracts – Cases and Materials, New York: Foundation Press, 2001, pp. 700-707, especialmente os esclarecedores comentários às decisões proferidas em Jacob & Youngs v. Kent (Court of Appeals of New York, 1921); e Plante v. Jacobs (Supreme Court of Winsconsin, 1960).
[52] A teoria surge vinculada à distinção entre condition e warranty, limitando-se o direito de resolução à primeira hipótese, em que a prestação descumprida configura condição ou pressuposto do negócio jurídico celebrado, e não mero elemento acessório. Caso paradigmático no direito inglês é Bonee v. Eyre, de 1779, em que “o demandante havia transmitido ao demandado uma plantação nas Índias Ocidentais pelo valor de quinhentas libras e uma renda vitalícia de cento e sessenta libras anuais, assegurando ser proprietário e legítimo possuidor dos escravos lá existentes. Eyre atrasou o pagamento da renda anual, o que fez com que Bonee ingressasse com ação exigindo tal pagamento. Em reconvenção, Eyre buscou a resolução do contrato, baseado no descumprimento do contrato pelo demandante, sob o fundamento de que não era ele o legítimo proprietário dos escravos. Lorde Mansfield decidiu pelo não-cabimento do pedido de resolução do contrato, pelo fato de que não poderia a obrigação descumprida por Bonee ser considerada uma condition.” (Eduardo Luiz Bussatta, Resolução dos Contratos e Teoria do Adimplemento Substancial, São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 35-36).
[53] Clóvis do Couto e Silva, O Princípio da Boa-fé no Direito Brasileiro e Português, in Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 68.
[54] Jorge Priore Estacaille, Resolución de Contratos Civiles por Incumplimiento, Montevideo, tomo II, 1974, pp. 54-55.
[55] Ruy Rosado de Aguiar Jr., Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor (Resolução), São Paulo: Aide, 1991, p. 248.
[56] STJ, Recurso Especial 272.739/MG, j. 1.3.2001.
[57] TJMG, 13ª Câmara Cível, Apelação Cível 1.0521.05.043572-1/001, j. 9.2.2006.
[58] TARS, 7a Câmara Cível, Apelação Cível 194.194.866, j. 30.11.1994.
[59] TJDF, 4ª Câmara Cível, Apelação Cível 2004.01.1.025119-0, j. 9.5.2005.
[60] TJRS, 19ª Câmara Cível, Apelação Cível 70015436827, j. 8.8.2006.
[61] TJRS, 18ª Câmara Cível, Apelação Cível 70015215510, j. 8.6.2006.
[62] TJRS, 18ª Câmara Cível, Apelação Cível 70014803209, j. 8.6.2006.
[63] TJRS, 20ª Câmara Cível, Apelação Cível 70015167893, j. 16.8.2006.
[64] Verifique-se, por exemplo, entre as decisões já citadas, a situação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que, em 8 de agosto de 2006, considerou aplicável a teoria do adimplemento substancial diante de pagamento “que representa 62,43% do preço contratado” (TJRS, 19ª Câmara Cível, Apelação Cível 70015436827) e, apenas uma semana depois, emitiu decisão que considerava a mesma teoria inaplicável à hipótese de “pagamento de apenas 70%” das prestações ajustadas (TJRS, 20ª Câmara Cível, Apelação Cível 70015167893, j. 16.8.2006).
[65] Teresa Negreiros, Teoria do Contrato: Novos Paradigmas, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 145.
[66] Como afirmou Athos Gusmão Carneiro, em parecer sobre o assunto: “Sopesando as circunstâncias do caso concreto, impende ponderar se o alegado inadimplemento, ou melhor, o alegado adimplemento irregular, apresentaria gravidade suficiente a justificar o remédio extremo da resolução (…)” (Ação de Rescisão Contratual – Doutrina da Gravidade Suficiente do Inadimplemento – Faculdade Discricionária do Juiz, in Revista Forense, vol. 329, 1995, p. 177).
[67] Nas palavras de Araken de Assis: “Então, a hipótese estrita de adimplemento substancial – descumprimento de parte mínima – equivale, no direito brasileiro, grosso modo, ao adimplemento chamado de insatisfatório: ao invés de infração a deveres secundários, existe discrepância qualitativa e irrelevante na conduta do obrigado.” (Resolução do Contrato por inadimplemento, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 134).
[68] A expressão vem da codificação italiana que, em seu art. 1.455, dispõe: “Il contratto non si può risolvere se l’inadempimento di una delle parti ha scarsa importanza, avuto riguardo all’interesse dell’altra.”
[69] Também favorável à ponderação de interesses no adimplemento substancial, embora em outros termos, é de se registrar o ensinamento de Judith Martins-Costa, A boa-fé e o adimplemento das obrigações, in Revista Brasileira de Direito Comparado, Rio de Janeiro: Instituto de Direito Comparado Luso- Brasileiro, nº 25, p. 265: “O que se observa no exame dos casos concretos já julgados pela jurisprudência brasileira, é que a doutrina do adimplemento substancial sinaliza uma ponderação de bens, de interesses jurídicos: entre o interesse do credor em ver cumprida a prestação exatamente como pactuada, e o interesse do devedor em evitar o drástico remédio resolutivo, prevalece o segundo.”
[70] Athos Gusmão Carneiro, Ação de Rescisão Contratual – Doutrina da Gravidade Suficiente do Inadimplemento – Faculdade Discricionária do Juiz, cit., p. 177.
[71] A idêntica constatação chega J. A. Corry: “Through the doctrine of substantial performance, the judges installed themselves as administrators of the execution and discharge of contracts. They freed themselves from rigid rules and adopted a broad standard under which they could apply a policy of making contract effective.” (Law and Policy – The W. M. Martin Lectures, Toronto: Clarke, Irwin & Company Limited 1959, pp. 41-43).
[72] O mesmo método ponderativo deve ser aplicado, embora com cores menos intensas, a efeitos outros que poderiam decorrer do inadimplemento não significativo como a exceção do contrato não cumprido.
[73] Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor (Resolução), cit., p. 248.
[74] TJRS, Apelação Cível 70014298624, j. 29.6.2002. Argumentou a sociedade que não podia ser responsabilizada por “eventuais problemas surgido meses depois da realização do negócio, até porque quem estava no uso exclusivo do veículo era o autor”. Muito ao contrário, decidiu o tribunal que “a conduta desidiosa da apelada para com o apelante, deixando de cumprir com os deveres anexos e secundários da contratação, posto que sequer examinou o veículo, para afastar a responsabilidade pelo defeito e suas conseqüências, insere-se no dever geral de colaboração que se encontra na fase pós- contratual.”
[75] TJRS, Apelação Cível 70001037597, j. 14.6.2000. Decidiu a corte: “o devedor ao efetuar o pagamento da dívida, mesmo que depois de vencida, esperava, como qualquer ‘homem médio’, que a cobrança fosse sustada, portanto, que não tivesse sido levado o título já pago a protesto. Destarte, tendo sido rompido esse dever pelo apelante, a responsabilidade na reparação dos danos daí decorrentes é imputável ao fornecedor.”
[76] Araken de Assis, Resolução do Contrato por Inadimplemento, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, 131 e 133.
[77] Em sentido semelhante, Luigi Mosco, La risoluzione del contratto per inadempimento, Napoli: Jovene, 1950, p. 14: “L’aspetto specifico di questa azione sta in ciò ch’essa viene concessa al debitore sul presupposto che l’inadempimento dell’obbligazione gravante sull’altra parte sia di tale importanza da far venir meno il suo interesse alla conservazione del rapporto contrattuale.
[78] “Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.
[79] Orlando Gomes, Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 16-17.
[80] A distinção entre as obrigações de meio e de resultado assume, na visão tradicional, particular relevância para fins de distribuição do ônus probatório nas ações de responsabilidade obrigacional. A doutrina mais recente critica, contudo, tal expediente, fundada especialmente na teoria da carga dinâmica da prova, a reservar a quem tem mais condições de efetuar a demonstração de certo fato o ônus de fazê-lo, independentemente de sua posição na relação obrigacional, da natureza da obrigação ou de outros fatores externos à prova em si. De qualquer modo, é inegável que, pela sua interferência na própria configuração do adimplemento – e, portanto, do inadimplemento –, a qualificação de certa obrigação como de resultado facilita em muito a situação do credor que persegue a responsabilização do devedor. Sobre a questão, ver Miguel Kfouri Neto, Culpa Médica e Ônus da Prova, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pp. 237 e ss.
[81] Antonio Chaves, Tratado de Direito Civil, vol. II, tomo I, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, 3ª ed., pp. 48-49.
[82] TJRJ, Apelação Cível 2007.001.08531, j. 21.3.2007.
[83] Registre-se, ainda, a crítica de Gisela Sampaio da Cruz: “Contra a dicotomia obrigações de meio e de resultado, objetou-se que toda prestação comporta, de certa forma, um resultado mais ou menos determinado e que a chamada obrigação de meio pode ser mais ou menos precisa quanto ao seu conteúdo, dependendo da previsão contratual que a estipule (…) Não se pode perder de vista que toda obrigação comporta, evidentemente, um resultado que corresponde à sua utilidade econômico-social para o credor.” (Obrigações alternativas e com faculdade alternativa. Obrigações de meio e de resultado, in Gustavo Tepedino, Obrigações – Estudos na Perspectiva Civil-Constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 170 e 174).
[84] Thiago de Mello, A Vida Verdadeira, in Vento Geral, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984, p. 213.

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