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Fraude à execução por insolvência: a Lei 13.097/2015 e o Novo CPC

DEVEDOR

FRAUDE À EXECUÇÃO

INSOLVÊNCIA

MP 656/2014

NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

ONERAÇÃO DE BEM

Bruno Mattos e Silva

Bruno Mattos e Silva

26/01/2016

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O novo Código de Processo Civil (CPC) entrará em vigor decorrido um ano de sua publicação. Uma interessante inovação é o tratamento da fraude à execução na hipótese de existência de demanda capaz de levar o devedor à insolvência. A questão, embora objeto de Súmula do STJ há vários anos (Enunciado nº 375), ainda é altamente controvertida.

Vamos analisar a questão, inclusive à luz do art. 54, IV, da Lei 13.097, de janeiro de 2015, objeto da conversão da Medida Provisória 656, de 7 de outubro de 2014.

Diz o art. 792, IV e § 2º, do novo CPC:

Art. 792. Considera-se fraude à execução a alienação ou a oneração de bem: (…)

IV – quando, ao tempo da alienação ou oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência; (…)

§ 2º No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.”

O que são bens não sujeitos a registro? Como se sabe, bens imóveis estão sujeitos a registro de propriedade, que é efetuado no cartório de registro de imóveis. Há outros registros de imóveis (ex. cadastro ambiental rural), mas eles não atribuem propriedade.

Em tese, todo imóvel deveria ter registro de propriedade, mas há imóveis sem registro em cartório imobiliário ou sem qualquer registro. Na hipótese de inexistência de registro de propriedade, a detenção física do imóvel poderá ser considerada como posse ou não, de modo a ensejar proteção jurídica. Há situações específicas em que a posse não só é reconhecida pelo direito, mas inclusive é registrada em determinado órgão como tal. Também há situações em que o direito reconhece uma situação de fato (detenção física), atribuindo a ela proteção jurídica e algumas vezes isso consta de registro específico em determinado órgão (exemplo: posse precária em terrenos da União).

Além disso, há hipóteses em que o imóvel tem registro de propriedade, mas o direito mais relevante é do possuidor. É o caso, por exemplo, dos chamados “contratos de gaveta” (muitas vezes parte de uma “cadeia” de cessões de um compromisso de compra e venda). O direito do possuidor (às vezes titular de um direito à aquisição da propriedade) pode ter natureza de direito pessoal ou real. Normalmente esse direito não é passível de registro no cartório imobiliário.

Diante dessas questões, qual seria o alcance do § 2º do art. 792 do novo CPC? O que seria “lugar do bem”? Parece não fazer sentido – para bens imóveis – a conjugação das expressões “bem não sujeito a registro” com “local onde se encontra o bem”, salvo nas hipóteses em que o bem imóvel (ex. lote em condomínio irregular) e, principalmente, direitos incidentes sobre bens imóveis que não podem ser registrados (ex. contratos de gaveta, direitos possessórios etc).

À primeira vista, a redação dos dispositivos da MP nº 565/2014, convertida na Lei nº 13.097, de 2015, e do novo CPC, parece não deixar dúvidas a respeito de que, para a hipótese de imóveis com registro no cartório imobiliário, não haveria mais para o comprador o ônus de obtenção das certidões dos distribuidores. Trata-se do entendimento da Súmula nº 375 do STJ, agora fortalecido com possibilidade de que atos que não dizem respeito a imóvel matriculado – requisito agora expressamente previsto em lei para que a aquisição do imóvel seja reputada como em fraude à execução.

Mas o tema não é tão singelo como parece. Será preciso aguardar alguns anos para que se tenha a certeza de como essa orientação será acolhida por todo o setor da magistratura que não aplica a orientação da Súmula nº 375 do STJ (juízes e tribunais que continuaram seguindo a orientação tradicional, bem como a Justiça do Trabalho).

Além disso, a questão continua passível de controvérsia em razão de que aquisições efetuadas antes de 7 de novembro de 2014 poderão refletir nas aquisições posteriores (“contaminação” de aquisição em fraude à execução às aquisições subsequentes). A questão é de eficácia da lei no tempo, pois às aquisições em fraude à execução efetuadas antes de 7 de outubro de 2014 não são aplicáveis as disposições na MP nº 565/2014, convertida na Lei nº 13.097, nem as disposições no novo CPC.

Esse problema poderia, em tese, ser solucionado pelo art. 61 da Lei nº 13.097, que assim dispõe:

“Art. 61.  Os registros e averbações relativos a atos jurídicos anteriores a esta Lei, devem ser ajustados aos seus termos em até 2 (dois) anos, contados do início de sua vigência”.

Contudo, a interpretação desse artigo poderá também ser objeto de discussão, pois se poderá arguir que a ausência da averbação não convalidaria atos anteriores eivados de ineficácia.

A melhor técnica, porém, conduz a outra solução: a ineficácia da alienação ou da oneração do imóvel em fraude à execução somente se mantém até o término do lapso temporal de dois anos. O termo inicial desse lapso deve ser o da vigência da Lei, que impôs ao credor a obrigação e concedeu esse prazo. Obviamente, a jurisprudência poderá ter outro entendimento.

Ainda no que se refere a fraude à execução decorrente da existência de ação que possa levar o vendedor de imóvel à insolvência, há uma aparente conflito entre o dispositivo da Lei nº 13.097, de 2015 (que exige averbação e concedeu ao credor prazo para que ela seja efetuada) e o do novo CPC (que não exige expressamente averbação ou registro, mas afirma que o ônus de obtenção das certidões não existe para bem sujeito a registro). Como são normas de igual hierarquia, pode-se entender que prevalece a disposição da lei mais nova. Contudo, a melhor técnica, no que se refere a imóveis (ao menos quanto aos imóveis com matrícula ou mesmo registro de propriedade anterior à Lei de Registros Públicos), deve prevalecer a norma mais específica, no caso, a Lei nº 13.097, de 2015. Obviamente, a jurisprudência poderá ter outro entendimento, inclusive para afirmar a inexistência de conflito aparente e estabelecer a regra aplicável com base em ambas leis.

Além disso, persiste a dúvida para os bens imóveis que não têm registro em cartório imobiliário. Embora, em tese, todo bem imóvel deva ter registro de propriedade em cartório imobiliário, uma parte significativa dos imóveis no País não tem acesso ao registro de imóveis. Há uma série de situações em que isso ocorre (exemplos: imóveis em condomínios irregulares, ocupações de terras em litígio etc). A questão é se devem ser considerados como bens “sujeitos a registro” os imóveis que não estão registrados nem podem ter a propriedade registrada no cartório imobiliário (vide seções 1.14 e 11.6 do nosso livro Compra de Imóveis, 10ª edição, Ed. Atlas).

O mesmo se diga para as hipóteses de posse sem registro, o que inclui os “contratos de gaveta”. Qual o regramento aplicável a cessão da posse, acompanhada ou não de uma correspondente cessão de eventuais direitos à aquisição, que seja efetuada na pendência de uma ação que possa levar o cessionário à insolvência? Obviamente não é possível fazer qualquer registro ou averbação na matrícula do imóvel, exatamente porque o titular do direito de posse (ou dos direitos à aquisição da propriedade) não consta no registro imobiliário. Nesse caso a regra do art. 54 da Lei nº 13.097, de 2015, não pode ser logicamente aplicada, devendo ser aplicado apenas o art. 792, IV e § 2º do CPC. A questão crucial, assim, é entender o direito do possuidor (bem como o direito à aquisição da propriedade imóvel) como um “bem” sujeito a registro ou não, para efeito de se determinar a aplicabilidade do ônus previsto no § 2º do art. 790 do novo CPC.

Para complicar ainda mais, de acordo com o art. 80, I, do Código Civil, direitos reais sobre imóveis e as ações que o asseguram são considerados bens imóveis. Como o STJ estabeleceu o direito à adjudicação compulsória do compromisso de compra e venda não registrado, bem como diversas situações de proteção erga omnes, é possível interpretar que os direitos do compromissário comprador (e dos cessionários), mesmo os não registrados e muitas vezes sem possibilidade jurídica de registro no cartório imobiliário, constituem bens imóveis.

A situação é ainda mais complexa para os imóveis que tem registro em órgão estatal (ex. cadastro ambiental rural), mas não tem registro de propriedade, como vimos acima. Há ainda a questão dos direitos de ocupação incidentes sobre imóveis públicos, para os quais as regras da Lei 13.097 não se aplicam nos termos do art. 58. Enfim, as polêmicas a respeito da fraude à execução continuam em várias hipóteses, para as quais a insegurança jurídica permanece.


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