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Cartas a um jovem escritor jurídico – Parte 1: Se você quer ser o guitarrista do Iron Maiden

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Henderson Fürst

Henderson Fürst

07/10/2015

Christian Bertrand / Shutterstock.com

Christian Bertrand / Shutterstock.com

Se você quer ser o guitarrista do Iron Maiden[1]

Meu caro Leonard[2],

Suas perguntas me fizeram refletir bastante, e só agora posso responder adequadamente, pois não é a primeira vez que jovens autores jurídicos me questionam o mesmo: qual o segredo para ser um autor jurídico de sucesso?

A primeira coisa que você precisa se responder é: o que é sucesso para você? Essa resposta é a chave de todas as coisas para a carreira de um autor – jurídico ou não. Há escritores que são lidos por menos de vinte bons leitores, e consideram ter sucesso – e entendem por um “bom leitor” aquele que irá ler seu livro ou o texto de capa a capa, que irá questionar seus pressupostos e metodologia, que entende a profundidade e a originalidade de sua análise, e o citará adequadamente em seus trabalhos. Há quem julgue que sucesso como autor é a leitura por importantes leitores – outros autores expressivos e referenciais da área, professores titulares, ministros dos tribunais superiores ou profissionais jurídicos expressivos (para não usar a velha alcunha de “operadores do direito”). E há autores que consideram que sucesso é ser lido por centenas ou milhares de leitores, formar o conhecimento de uma ou duas gerações inteiras em sua área. E, acredite-me, para cada opção haverá uma editora e um editor apropriados para caminhar conjuntamente.

Responder a essa pergunta implica o tipo de autor que você quer ser. E para cada forma de sucesso há um caminho específico, uma estratégia, um desafio especial a se enfrentar. De todo modo, não há um caminho fácil ou preparado – faz-se o caminho ao caminhar.[3]Qual a energia e o tempo de vida que você está disposto a empregar? Ou melhor, você quer mesmo escrever?

Considere que escrever não é um ato propriamente natural. Pensa-se antes, faz-se rascunhos, corrige-se inúmeras vezes e é inevitável o cansaço físico dessa atividade mental. Muitas horas são dedicadas para uma única página ser escrita, e poucos segundos para jogá-la fora. E, como se trata de um texto técnico, as vezes esse mesmo tempo serve apenas para uma única nota de rodapé que sequer será lida, mas que esconde em si o segredo de toda a metodologia empregada na construção de seu raciocínio – e nem consideraremos aqui o tempo de formação, leitura e reflexão para escrever o que quer que você esteja escrevendo (ainda que alguns textos parecem gritar o contrário disso!).

Segundamente, por que você quer escrever? Pelo glamour de materializar ego em papel e tinta alinhavados? Pelo fetiche de vencer a finitude humana? Pelo ideal de construir a ciência que nos coube? Para potencializar qualquer outra carreira que tenha?

Você precisa saber porque escreve. Se não souber, você estará gastando o seu tempo, o do leitor e o de todas as pessoas envolvidas nessa publicação.

Veja quantos textos tautológicos temos no direito. Rodeiam em torno das mesmas ideias e se repetem infinitamente, quase como tentando tornar verdade um pensamento. Ou então quantas pesquisas tateiam a ciência jurídica, as normas e seus suportes fáticos, mas o que dizem é mera ignorância informada.

Assim, sei o espanto que causa ver o quanto se publica em Direito hoje, mas também sei a dificuldade que é encontrar textos que façam compreender um pouco mais o Direito. Para cada perfil de público leitor, sempre haverá espaço para bons autores.

Espero que essa breve mensagem repercuta em seus projetos. Falaremos em breve sobre o que alguns importantes doutrinadores de nosso tempo me ensinaram sobre o que os tornaram lidos!

Um forte abraço, das muretas sagradas da PUC-SP às praias catarinenses,


[1] “Extravagâncias, amantes, dívidas, 
separações, alegações de incesto,
morte por febre,
se você quer ser um guitarrista do Iron Maiden
tem que carregar consigo um Lord Byron.
Tem que ser antigo como são antigas a bactéria,
a chaga de Cristo
e tudo o mais que a medicina não deu cabo.
De teu motor valvulado, corrosivo e perecível
você tem que extirpar cadeados de lamentos,
cruz e sacrifícios.
Você tem que ser teu próprio pronto socorro,
da selvageria que é a vida,
do osso quando arrebentam
pancadarias na arquibancada,
uma taça feita de crânio, as perfurações,
as úlceras, as lesões, as ofensas,
as injurias, os agravos.
Você tem que saber que não é invulnerável,
que vão te fazer a corte e os cortes,
nunca as suturas.
Você é antigo na dor,
faz de sangrias coaguladas o teu pranto.
Você colocou a mão esquerda na labareda,
deu-a de bandeja à palmatória.
Com a outra você cometeu haraquiri.
E o show ainda nem chegou na metade.”
Luiz Felipe Leprevost, Se você quer ser o guitarrista do Iron Maiden.

[2] Leonard Schmitz é Doutorando e Mestre em Direito pela PUC-SP. Essa série de mensagens foi trocada por ocasião de sua defesa de mestrado há um ano e, sua publicação, autorizada pelo destinatário.

[3]

[…]
Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atras
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar.
[…]
[…]
Caminhante, são tuas pegadas
caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar
Ao andar se faz caminho
e ao voltar a vista atrás
se vê a senda que nunca
se há de voltar a pisar
Caminhante não há caminho
senão marcas no mar.
[…]

MACHADO, Antonio. Selected poems. Tradução de Alan Trueblood. Cambridge: Harvard University Press, 2003, p. 142.


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