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Direito constitucional ao lazer: como anda o seu?
Antonio Fernando Costa Pires Filho
27/08/2015
A palavra lazer é derivada do latim “licere”, que significa “ser lícito” ou “ser permitido”.
O direito ao lazer também está na Constituição – artigo 6º, caput, artigo, 7º, IV, artigo 217, § 3º e artigo 227.
O lazer está inserido no capítulo dos Direitos Sociais, e este, por sua vez, está inserido no Título dos Direitos Fundamentais.
O lazer, portanto, é um direito subjetivo, fundamental e de 2ª geração. Lembremos deste último: os direitos de 1ª geração foram plasmados na Constituição de 1988 e são, genericamente, as liberdades. O direito ao lazer surgiu, em 1988, como uma liberdade do indivíduo. O direito ao lazer nunca esteve em nenhuma Constituição Brasileira, desde nossa primeira Constituição em 1824, quer como liberdade, quer como direito social.
Todavia, em 1988, surgiu como liberdade (1ª geração), e logo depois ganhou status de direito de 2ª geração, com a força de nossa doutrina e jurisprudência. Os direitos de 2º geração têm caráter programático, isto é, são prestações positivas que o Estado deve desenvolver, pôr em prática e fazer florescer a favor do indivíduo. A observância dos direitos de 2ª geração, que são os direitos sociais, é obrigatória para os Poderes Públicos. Os direitos de 2ª geração são mais do que liberdades: são liberdades + obrigação do Estado de garanti-las. Da mesma forma que a saúde está no caput do art. 6º, CF, como dever do Estado, como direito social, assim também está o lazer. E está no artigo 7º como direito social específico do trabalhador. É dever do Estado.
Deste modo, tanto o Poder Público está obrigado a construir hospitais como também está obrigado a fornecer meios para que os indivíduos, trabalhadores ou não, possam gozar e usufruir do lazer. É obrigação estatal em todos os níveis da federação. É uma prestação positiva e obrigatória a favor dos indivíduos. Os direitos de 2ª geração, na feliz expressão de Uadi Lammêgo Bulos (in “Curso de Direito Constitucional”, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 619), são “direitos de crédito”.
O artigo 227, inclusive, dispõe que é dever do Estado assegurar o lazer de forma concorrente com o esforço da família e sociedade. A união de forças deve desembocar num esforço de todos para implementação e preservação do lazer. Estado e não-Estado devem dar execução e levar o lazer à prática por meio de providências concretas.
O direito social ao lazer tem a finalidade de favorecer a todos e especialmente os mais fracos, realizando plenamente a isonomia e a felicidade. O direito ao lazer busca melhorar a vida humana. Por via transversa, melhorar também a saúde. Aliás, o lazer serve de essência para a transformação, efetividade e realização de inúmeros outros direitos fundamentais.
Todavia, há um obstáculo no caminho: nossos Poderes Públicos deparam-se com dificuldades reais para cumprir a ordem constitucional de pôr em prática o lazer (direito de 2ª geração – imposição ao Poder Público), principalmente por dificuldades de ordem financeira. Nosso STF já firmou que ninguém é obrigado ao impossível, o que sabemos ser um princípio geral de direito, não escrito. Por ocasião de inúmeros pedidos de intervenção federal ante a falta de pagamento de precatórios em Estados-membros, nossa Corte Constitucional assentou que não se pode obrigar um Estado-membro a pagar o que não possui, o que não tem e não consegue alcançar, desde que demonstrado que seu orçamento já esteja inteiramente comprometido com outros gastos relativos a outros tantos direitos fundamentais ou gastos estruturais e salariais imprescindíveis (IF 2.915/01, Min. Ellen Gracie).
A lei às vezes não se transforma em coisas (eficácia social) por fatores de ordem material, alheios à vontade ou determinação da norma. Não é incomum os tribunais aplicarem o princípio geral de direito supracitado ou, ainda, o princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, eximindo o Estado dos comandos do ordenamento jurídico no que toca aos direitos sociais. O objetivo do lazer só pode ser implementado e prosperar com providências estranhas ao texto jurídico, ou seja, providências humanas, concretas e reais, o que complica a metamorfose da lei meramente escrita.
O lazer é o direito de distração e uso do tempo de descanso como bem aprouver ao trabalhador, aposentado ou não, ou aprouver a todos os estrangeiros e nacionais no país, natos ou naturalizados. É direito de acesso a qualidade de vida. É direito, também, ao meio ambiente equilibrado.
É, também, o ócio juridicamente protegido!
Meu lazer pode ser apenas e tão-somente o ócio. O ócio é um direito. Há pequenos momentos na vida em que temos o direito subjetivo de fazer absolutamente nada! Há, todavia, um detalhe interessante: eu posso decidir escrever um artigo durante meu ócio, um artigo sobre direito constitucional ao lazer em meu blog. Neste caso, estaríamos diante do ócio produtivo, que mesmo assim não se confunde com trabalho. Apenas a título de exemplo, algumas ideias que mudaram o mundo surgiram deste ócio produtivo…
Temos também o direito ao esporte como lazer. Não o esporte como prática esportiva profissional, mas o esporte-lazer e, também, o brinquedo-lazer, para as crianças. Lazer abrange não só o descanso, mas o divertimento.
O lazer ajuda a refazer das forças. As empresas não podem avançar no fim de semana do trabalhador (excetuados os permissivos legais), exigindo-lhes trabalho nas horas de lazer. Neste ponto, o Estado pode agir com mais intensidade, editando leis protetivas do trabalhador hipossuficiente.
Obrigar o Estado a legislar é mais fácil do que obrigá-lo a construir um parque.
O lazer traz paz de espírito. O lazer traz alegria. O lazer traz felicidade. Assim, o lazer indubitavelmente ajuda a realizar um dos princípios máximos inseridos no Título I da Constituição, no topo da pirâmide dos princípios, ao lado do princípio/direito à vida, que é o princípio da DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
O estresse não é só físico. É psíquico também. A quantidade de trabalhadores que lota consultórios psiquiátricos é imensa no Brasil. Quem sabe um pouco mais de lazer não ajudaria no tratamento de certa falta de alegria?
Nosso Estado, como sabemos, não é apenas um Estado Democrático de Direito (frase literal do art. 1º, caput, CF). Já sabemos que está implícita uma nova locução nesta frase: Estado Democrático e Social de Direito. O art. 217, § 3º, inclusive, apregoa que o direito ao lazer deve ser forma de promoção social, a qual o Poder Público deve obrigatoriamente incentivar.
O art. 24 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (ONU), uma recomendação para todos os países, traz o lazer como direito inegável do homem (ou direito humano – as locuções se equivalem). Os direitos humanos, quando positivados em uma Constituição ou leis, transformam-se em direitos fundamentais. Tivemos até hoje duas Declarações de Direitos Humanos (ou Declarações de Direitos do Homem/Humanos). A Declaração dos Direitos Humanos da ONU (1948) praticamente repete os termos da 1ª Declaração dos Direitos Humanos que tivemos no mundo, em 1789, com a Revolução Francesa.
Todavia, a Declaração da ONU de 1948 é mais ampla. Na 1ª Declaração francesa, em 1789, o lazer não aparece expressamente. Hoje, temo-lo expressamente em nossa Constituição e no documento-recomendação da ONU de 1948.
O direito ao lazer não pode mais ser retirado da Constituição. É o que se denomina cliquet, ou seja, vedação ao retrocesso. Há uma válvula nos direitos sociais (e outros direitos fundamentais) que, mesmo não constando do rol das cláusulas pétreas, não podem ser retirados das conquistas dos trabalhadores e de todos nós, pois se unem ao princípio da dignidade da pessoa humana.
O efeito cliquet dos direitos fundamentais impede o retorno ao estado primitivo de atraso. O princípio implícito do não-retrocesso impede a eliminação de direitos fundamentais conquistados sem, no mínimo, a criação de alternativas para a supressão dessas conquistas fundamentais. Se o Poder Público cumpre o seu mister constitucional, implementando uma cláusula programática social, não há mais que se falar em descumprimento da Carta Magna, não se podendo mais retirar as conquistas amparadas por atos perfeitos do Poder Público.
Leis que, por exemplo, determinem a construção de um parque e este parque seja efetivamente construído no mundo real (a eficácia ou efetividade programática foi atendida) não podem ser revogadas ou a obra desfeita sem que, no mínimo, se substitua a conquista ou garantia por uma equivalente, no mesmo ou em outro lugar próximo, e da mesma qualidade. Um parque público é uma conquista de lazer, que não pode mais ser, ao sabor dos Poderes, aniquilada.
Se se proíbe o retrocesso, força-se o Estado a atuar progressivamente. Assim, as opções do Estado referentemente aos direitos sociais são sempre “para frente”.
O termo cliquet advém do Francês cliquer, que é onomatopeica similar ao nosso “clicar” ou ao Inglês click.
É certo, outrossim, que o termo “lazer” é aberto ou em branco. A norma que o contém é aberta ou em branco. Toda nova forma de lazer que surja no dia a dia deve ser englobada pelo termo. Em 1980, por exemplo, não havia computadores pessoais no Brasil nem internet. Hoje, sem dúvida, o uso do computador doméstico e da internet são, também, formas de lazer. O artigo 6º, caput, da CF de 1988 precisa englobar, nos dias atuais, a internet e o uso recreativo do computador como formas de lazer.
Enfim, como anda o seu lazer?
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