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PROCESSO CIVIL
Intervenção de Terceiros e Revelia
Daniel Amorim Assumpção Neves
23/03/2015
1 – Introdução
O instituto da revelia certamente é um dos mais debatidos na atualidade do processo civil, sendo tema recorrente de teses, monografias e artigos doutrinários. O interesse reside justamente nas diversas nuances do instituto na vida prática, em especial quando se discutem os efeitos da revelia e seus reflexos na esfera jurídica do réu. Também o desenvolvimento da ciência processual gerou importantes efeitos sobre a concepção do fenômeno da revelia dentre nós.
Apesar da grande preocupação demonstrada pela doutrina quanto ao tema da revelia, parece-nos que as análises encontram-se centradas tão somente em processos simples quanto ao aspecto subjetivo, ou seja, processos envolvendo tão somente autor e réu originários. A preocupação não se mostra tão vigorosa no trato do instituto quando a relação jurídica processual torna-se complexa em razão da intervenção de um terceiro no feito originariamente instaurado exclusivamente entre autor e réu.
Longe de alguma resposta definitiva sobre o tema, nosso objetivo no presente artigo é levantar alguns aspectos relevantes – e com constante aplicação prática -sobre os efeitos gerados pela omissão do réu em se defender na demanda quando verificada alguma das espécies de intervenção de terceiros. Parece-nos que a intervenção na relação jurídica processual de um terceiro alheio à estrutura subjetiva originária, gera sérios e importantes efeitos quando verificada a revelia do réu.
Ainda que o tema central seja o enfrentamento do fenômeno processual da revelia nas diferentes espécies de intervenção de terceiros, imperioso uma breve análise do que entendemos por revelia, considerando que nosso posicionamento quanto ao instituto, e em especial quanto aos seus efeitos, será determinante para a análise mais particularizada que pretendemos empreender e para a exata compreensão de nossas conclusões.
2 – O fenômeno da revelia e seus efeitos
Segundo previsão do art. 319, CPC, a revelia opera-se sempre que o réu não apresente contestação. É sempre bom lembrar que a omissão da contestação deve ser jurídica, e não exclusivamente fática. Explica-se. O réu pode contestar fora do prazo previsto por lei, juntando aos autos contestação intempestiva, que apesar do nítido vício, do ponto de vista fático existe. Ou ainda protocolar tempestivamente contestação subscrita por advogado não constituído nos autos. Nesses casos, a intempestividade e a irregularidade de representação processual impedem, respectivamente, que a contestação gere qualquer efeito jurídico no processo, e assim deve ser considerada inexistente do ponto de vista jurídico para os fins de verificação da revelia.
Poder-se-ia imaginar que esse posicionamento levaria a conclusão que a apresentação da contestação, apesar de tempestiva, quando não impugnado especificamente qualquer dos fatos alegados pelo autor da petição inicial, seria também circunstância motivadora do fenômeno da revelia. Não é esse a nossa visão, já que em nosso sentir a mera apresentação tempestiva da contestação, pouco importando seu teor, já impede no caso concreto que se fale em revelia. A opção da parte em deixar de impugnar especificamente os fatos alegados pelo autor, pode quando muito gerar a confissão tácita dos fatos constitutivos do direito do autor, mas é absolutamente impróprio entender-se que tal postura do réu gerará sua revelia.
Outro aspecto interessante é a apresentação de contestação por advogado que não tenha o instrumento de mandato para representar o réu, conforme já apontado. Existiria, do ponto de vista jurídico, tal contestação? Uma visão mais tradicional e conservadora levaria a decretação da revelia, já que sem a devida representação postulatória, aquela contestação não poderá jamais gerar efeitos processuais. Apesar de concordar com tal assertiva, melhor seria o juiz dar oportunidade ao patrono que subscreveu a peça da contestação para regularizar sua situação, decretando a revelia tão somente após o transcurso do prazo sem a devida manifestação. E isso em qualquer hipótese, não se limitando aos casos de urgência previstas no art. 39, CPC. Seria justo privar o réu da peça mais importante de sua defesa por algo que no mais das vezes é fruto de mera distração de seu patrono ou ainda por vício alheio ao seu controle?
A revelia, portanto, se verifica sempre que o réu não apresente contestação apta a gerar efeitos processuais, constituindo-se em mero estado de fato. Sem contestação, o réu é revel. Parece haver certa dificuldade na doutrina nacional em admitir a literalidade do art. 319, CPC, havendo doutrinadores de peso defendendo que, em diversas hipóteses, a ausência de contestação, por si só, não gera a revelia. Nessa visão, qualquer outra manifestação do réu, que não a contestação, seria apta a evitar que a revelia se consumasse no caso concreto. Em nosso entender a defesa de tal posicionamento deriva de uma premissa errada, qual seja, que a revelia se confunde com seus efeitos.[1]
Os efeitos da revelia somente se verificam com a constatação do estado de fato “ausência da contestação”, não havendo certamente um liame que gere automaticamente nos casos de revelia seus efeitos. Didaticamente podemos citar como efeitos da revelia a presunção de veracidade dos fatos[2] e a dispensa da obrigatoriedade de intimação do réu revel. É absolutamente possível – aliás, em diversos casos – que apesar da revelia do réu (ausência jurídica de contestação), não se opere um ou mesmo nenhum dos efeitos da revelia, e ainda assim o réu continuará sendo revel.
É importante ressaltar que concordamos integralmente com relevante parte da doutrina que critica a opção do legislador em tratar o principal efeito da revelia como sendo de mera presunção relativa de veracidade. A presunção é a liberação do ônus probatório à parte de um fato principal quando provado um fato auxiliar, o que não ocorre no fenômeno da revelia.[3] Ainda assim, e justamente por não ser esse precisamente o tema do presente artigo, opta-se por manter a denominação constante da legislação processual, até mesmo para que equívocos não sejam criados no tratamento do tema. Preferiu-se, ao rigorismo acadêmico, o apego à literalidade da legislação.
A presunção de veracidade é relativa, sendo possível que o juiz, em razão da narrativa de fatos inverossímeis[4] – e em nosso sentir somente nesses casos – não presuma absolutamente nada como verdadeiro e exija do autor a prova dos fatos constitutivos de seu direito. Além da relatividade da presunção, o art. 320 prevê três hipóteses onde apesar da revelia o juiz não poderá dar os fatos narrados pelo autor como verdadeiros, ou seja, não será gerado qualquer efeito de presunção de veracidade dos fatos. Por outro lado, a juntada aos autos de procuração exige do juiz a intimação do réu revel de todos os atos processuais, sendo nulo o processo onde ocorrer o desrespeito a essa regra em razão da afronta ao princípio constitucionalmente garantido do contraditório.
Como bem apontado por parcela significativa da doutrina, além das hipóteses previstas pelo art. 320, CPC, da narrativa de fatos inverossímeis, sempre que o réu responder à sua citação, independentemente da forma pela qual essa resposta seja manifestada, desde que os fatos constitutivos do direito do autor tenham sido especificamente controvertidos, apesar da revelia, seus efeitos não serão gerados. A apresentação, por exemplo, de uma reconvenção sem a contestação, não evita que o réu seja declarado revel. Se em tal resposta, entretanto, os fatos restaram controvertidos, o primeiro efeito da revelia – presunção de veracidade dos fatos -não será gerado, e também não será gerado o segundo efeito – desnecessidade de intimação dos atos processuais – em razão da existência de procuração nos autos, juntada com a reconvenção.
Em termos conclusivos parciais, podemos afirmar que o fenômeno da revelia não sofre qualquer tipo de interferência em razão da intervenção de terceiros, considerando que independentemente da intervenção de terceiro a ausência de contestação apresentada pelo réu gerará sempre sua revelia. Não sendo concebível que terceiro apresente contestação pelo réu, sua ausência sempre gerará um estado de fato conceituado pelo Código de Processo Civil como revelia (art. 319, CPC).
Quanto aos efeitos, é preciso analisá-los separadamente. Havendo procuração do réu revel nos autos, o mesmo será regularmente intimado de todos atos processuais, não havendo, portanto, qualquer relação desse efeito com a intervenção ou não de terceiro no processo. O problema se resolve única e exclusivamente com a existência ou não nos autos de procuração. Já com relação à chamada “presunção relativa de veracidade dos fatos”, a existência de intervenção por parte de terceiro na relação jurídica processual pode influenciar diretamente em sua ocorrência ou não. Assim, será somente com relação a esse efeito da revelia que se passará a analisar em termos de consequência no caso concreto nas diferentes intervenções de terceiro.
3 – Assistência simples e litisconsorcial
Antes da análise do fenômeno da revelia no caso da assistência, que será melhor enfrentado com a divisão do estudo em assistência simples e assistência litisconsorcial, é preciso lembrar que o debate somente se dá quando o assistente ingressa na demanda antes de transcorrido o prazo de resposta do réu, e apesar de sua omissão, apresenta contestação. Sendo a assistência admitida a qualquer momento do processo, é inegável que se a mesma se der após o transcurso do prazo para resposta sem apresentação de contestação, o réu será revel e os efeitos serão naturalmente gerados, sempre dentro dos limites previstos em lei. Nesse aspecto há, inclusive, uma identidade entre a participação do réu revel e do assistente, que são bem vindos a qualquer momento do processo, mas sempre encontram o processo no estado em que ele se encontra, não podendo praticar novamente atos processuais que estarão cobertos pelo fenômeno da preclusão.[5]
No caso da assistência litisconsorcial, a melhor doutrina nacional entende que apesar do terceiro não ser propriamente um litisconsorte, é trato como tal, com os mesmos ônus, faculdades, deveres e obrigações do réu. Segundo a correta lição de Cândido Rangel Dinamarco, “a locução considera-se litisconsorte, contida no art. 54, significa somente que as possibilidades de atuação desse assistente serão tantas quantas as de uma parte principal, ou seja, tantas quanto as de um litisconsórcio”. E conclui de forma irretocável que “prepondera o substantivo assistência sobre o adjetivo litisconsorcial e o assistente é sempre assistente, ainda quando a lei o qualifica como litisconsorcial.”[6]
A par da divergência doutrinária a respeito do tema – se o assistente litisconsorcial é assistente ou litisconsorte – todos parecem concordar que a atuação de tal sujeito se dá como a atuação de um litisconsorte. Assim, se o réu deixar de contestar a demanda, será indubitavelmente revel. Quanto aos efeitos, as coisas devem ser enfrentadas de forma diferente, considerando que se aplica ao caso a regra impeditiva de presumirem-se verdadeiros os fatos alegados pelo autor quando um dos litisconsortes apresenta contestação, por expressa previsão do art. 320, I, CPC.
Nesse ponto nem mesmo a correta limitação imposta pela doutrina na aplicação de tal dispositivo legal aos casos de litisconsórcio unitário ou em determinadas situações de litisconsórcio simples – quando os fatos alegados pelo autor são controvertidos pelo litisconsorte que contesta a ação[7] – modifica a inaplicabilidade de tal efeito ao caso de contestação apresentada pelo assistente litisconsorcial. A observação é importantíssima, mas no caso da assistência litisconsorcial estaremos sempre diante do litisconsórcio unitário, haja vista que a derrota do assistido sempre gerará a derrota do assistente, sendo essa inclusive a justificativa da própria intervenção.[8] Assim, inegavelmente se aplica o art. 320, I, CPC, e caso o assistente litisconsorcial conteste, mesmo na ausência de contestação do assistido, não se aplica o efeito de presunção de veracidade dos fatos.
Pela própria diferença da natureza jurídica entre as duas espécies de assistência, inaplicável à assistência simples o art. 320, I, CPC, considerando ser inquestionável não ter qualquer qualidade de litisconsorte o assistente simples. Nessa espécie de intervenção aplica-se o art. 52, par. único, CPC, que embora contenha nítida impropriedade quanto à qualidade que adquire o assistente simples, impede no caso concreto que a ausência da contestação do assistido gere o efeito de darem-se os fatos alegados pelo autor como verdadeiros.[9] Assim vem redigido o dispositivo legal: “Sendo revel o assistido, o assistente será considerado seu gestor de negócios”.
A revelia mencionada no artigo ora analisado é uma situação de fato, ou seja, a ausência de apresentação de contestação pelo assistido, ou seja, independentemente da atuação do assistente simples, o réu será revel. A atribuição de qualidade de gestor de negócios é algo que não evita a revelia, podendo sim evitar a geração do efeito da presunção de veracidade quando apresentada contestação somente pelo assistente simples. É certo que no prazo de contestação deverá o assistente contestar e daí de duas uma; ou essa se soma a contestação do assistido, ou então esse é revel – ou seja, não apresenta sua contestação, quando haverá nos autos somente a contestação do assistente.[10] Se o prazo de contestação transcorrer sem nenhuma manifestação defensiva, seja do assistente, seja do assistido, ocorrerá a revelia e seus efeitos serão gerados normalmente, sendo considerado o assistente “gestor de negócios” à partir desse situação processual.
A única falha do dispositivo legal, conforme já anteriormente levantado, é que a qualidade que o assistente assume no processo não é propriamente de gestor de negócios, instituto de direito material, já que o mesmo não pode praticar ato de disposição de direito, como reconhecer juridicamente o pedido ou transacionar, até porque, apesar de se tornar – segundo a lei – gestor de negócios, o direito material debatido na demanda continua sendo do assistido, e não seu. A crítica não passou desapercebida pela doutrina, que entende corretamente que o caso é de substituição processual, e não de gestão de negócios.[11]
O direito português, em sua recente reforma processual, se adiantou ao direito brasileiro modificando a redação do art. 338, de seu Código de Processo Civil, conforme nos informa Helena Tomás Chaves, operando-se alteração no respeitante “à posição do assistente em casos de revelia do assistido: aquele passa a ser considerado seu substituto processual e não, como anteriormente, gestor de negócios”.[12] Apesar de mais avançado nesse ponto o direito português, no direito pátrio é incontestável a possibilidade do assistido de contestar, seja como gestor de negócios, seja como substituto processual, e isso é o que mais nos interessa.
É incorreto o entendimento de que o procedimento disciplinado pelo Código de Processo Civil para a intervenção do terceiro por meio da assistência possa funcionar como barreira praticamente intransponível para que o assistente consiga contestar dentro do prazo de resposta. Ao prever que as partes devem ser intimadas para em cinco dias se manifestar sobre o pedido de intervenção, o art. 51, CPC, poderia ser entendido como sério óbice à existência de contestações tempestiva por parte do assistente, qualquer que seja sua espécie. Não é segredo que tal procedimento, por mais simples que pareça, certamente demandará mais dos que os 15 dias que tem o réu para responder no processo de conhecimento pelo rito ordinário. Obtendo a aceitação de seu ingresso somente após esse prazo, não mais poderia contestar, e por consequência não mais poderia também evitar que os fatos narrados pelo autor na inicial se presumissem como verdadeiros.
O problema já havia sido anteriormente levantado por José Joaquim Calmon de Passos, que utilizando previsão do CPC português, resolve o problema por ele mesmo proposto. Segundo o processualista baiano, seria absolutamente “legítimo o comportamento do assistente pedindo sua admissão no feito juntamente com o oferecimento da contestação que ao assistido ainda seria lícito oferecer, por tempestiva. Admitido que seja, estará validade a prática do ato, atuando ele como gestor do revel, afastados, assim, os efeitos fáticos da revelia”.[13] Apesar de se referir especificamente à assistência simples, parece-nos que o pensamento também pode ser aplicado à assistência litisconsorcial.
Podemos concluir que tem grande importância a figura da assistência para a geração do efeito de presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Sempre que tempestivamente o assistente contestar a demanda, e em qualquer espécie (litisconsorcial – art. 320, I, e simples – art. 52, § único, ambos do CPC), apesar da omissão do assistido, nada se presumirá verdadeiro, mantendo-se o ônus ao autor de provar os fatos constitutivos de seu direito.[14]
4 – Oposição
Dentre todas as intervenções de terceiro a oposição – pela sua natureza de ação do opoente contra o autor e réu da ação principal – suscita algumas questões bastante particulares, se diferenciando inclusive das questões envolvendo as outras formas de intervenção de terceiros. Há alguns pontos que merecem um tratamento mais detido, ainda que com pouca frequência se verifiquem na prática forense.
Em nosso entender no pólo passivo da oposição forma-se um litisconsórcio necessário – em razão de expressa previsão legal – e unitário – em razão da obrigatoriedade do juiz em decidir da mesma forma para os litisconsortes.[15] Não concordamos com aqueles que entendem ser tal litisconsórcio simples, já que a procedência da oposição fará com que ambos os réus saiam derrotados da demanda, enquanto sua improcedência fará com que ambos saiam da demanda vitoriosos. [16]
Poder-se-ia alegar que essa vitória é efêmera, e que ao final do processo, ou melhor, ao final do julgamento da ação principal, apenas um dos sujeitos será vitorioso. Tal discussão, entretanto, nada tem a ver com a oposição, sendo própria e exclusiva da ação principal. O que os réus na ação de oposição buscam, conjuntamente, é evitar que o opoente se sagre vitorioso, e isso faz com que o litisconsórcio seja unitário. O julgamento de improcedência da oposição é a única maneira da ação principal não perder seu objeto, sendo tal circunstância de interesse tanto do autor quanto do réu dessa ação.
Sendo caso de litisconsórcio unitário, aplica-se à oposição no que tange à revelia a regra do art. 320, I, CPC, negando-se que a omissão de um dos réus acarrete o efeito de darem-se os fatos alegados pelo opoente como verdadeiros.[17] Apesar do réu contestante certamente impugnar as alegações e os fatos narrados na petição inicial pelo autor, defesa, quando acolhida, acabará beneficiando também o réu que deixou de contestar, considerando-se a impossibilidade de dubiedade conclusiva por parte do juiz quanto aos fatos no julgamento da oposição. Deverão ser tidos como verdadeiros ou não.
Segundo previsão do art. 57, parágrafo único, CPC, caso o réu tenha sido revel na ação principal, deverá ser citado pessoalmente na oposição, e não por meio de seu advogado, como determina a regra geral (caput do artigo). O dispositivo legal disse menos do que deveria; a revelia pode muito bem se verificar com o réu estando devidamente representado nos autos (juntou a procuração e perdeu o prazo de contestação) ou ainda pode o réu revel ter ingressado tardiamente na demanda e estar, à época da citação na oposição, devidamente representado no processo principal. Melhor seria se o artigo se referisse à revelia e a inexistência de representação do réu na ação principal. Mais uma vez o próprio código confunde revelia com seus efeitos.
De uma análise da ação principal e da oposição, diversas situações dependentes da atuação do réu da ação principal e dos réus da oposição (autor e réu da ação principal) podem ocorrer. Examinaremos as mais polêmicas quanto à geração dos efeitos da revelia, em especial a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor das duas demandas.
Comecemos pela situação em que o réu é revel na ação principal. Nessa ação, os fatos alegados pelo autor serão ditos como verdadeiros – desde que inaplicáveis no caso concreto as exceções já analisadas – e a revelia desse réu na oposição não gerará os efeitos da revelia em razão do disposto no art. 320, I, CPC. Tal circunstância não cria grandes complicações quando os fatos narrados nas petições iniciais são diferentes, mas se existir fato comum? Ora, não podemos supor que o autor da ação principal impugne fato alegado pelo opoente que contradiga os fatos que alegou na petição inicial da ação principal. Dessa forma, os fatos, pela própria lógica, não devem ser comuns.
Por outro lado, pode perfeitamente ocorrer do réu ser revel em apenas uma das ações (principal ou oposição), e que sua contestação impugne fatos alegados na ação em que se tornou revel. Como deverá o juiz proceder nesse caso? Seria possível para uma das ações presumir um fato verdadeiro quando na outra este restou comprovadamente falso? Havendo previsão legal expressa da legislação quanto ao julgamento simultâneo da oposição e ação principal – sempre que possível – parece-nos que nesse caso a presunção de veracidade não deve se operar porque a controvérsia criada numa das duas ações certamente gerará efeitos sobre a outra. Sendo apenas uma a decisão, é óbvio que o juiz não pode no mesmo momento dar um fato como verdadeiro e falso ao mesmo tempo.[18]
Ocorre, entretanto, que nem sempre o juiz julgará na mesma sentença a oposição e a ação principal, e nesse caso parece possível que na ação principal julgada anteriormente o juiz tenha presumido verdadeiro um fato que na oposição se provou ser falso. Será caso, a nosso ver, de manifestação da parte interessada junto ao Tribunal, informando da falsidade do fato. Mais vale a certeza do fato ser falso do que a mera presunção de sua veracidade. O mesmo se ocorrer revelia de ambos os réus na oposição, mas na ação principal tenha restado provado que algum fato alegado pelo autor da oposição é falso. Embora se trate de ações diferentes, tem uma ligação entre si que não pode ser desprezada pelo juiz.
Importante ressaltar que em razão da petição inicial dessas duas ações – principal e oposição – serem elaboradas por sujeitos diferentes, com objetivos diversos e até mesmo contrários, os fatos podem não ser comuns, mas no caso de porventura existir algum fato comum à ação principal e à oposição, deve prevalecer a certeza do juiz, obtida em qualquer uma delas e com geração de efeitos para a outra[19]. Nesse caso, não se pode exigir do juiz que presuma um fato verdadeiro quando esse mesmo juiz, em ação intimamente ligada (e não qualquer ação) descobriu por meio de instrução probatória a verdade sobre os fatos.
Quebraremos uma promessa feita na apresentação do presente artigo, na qual nos comprometíamos em analisar tão somente o efeito da revelia quanto à presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Afirmamos naquele momento que tanto a revelia – ausência de contestação – como a desnecessidade de intimação do réu revel – somente aplicada quando não existisse nos autos procuração, não sofriam qualquer modificação em razão da intervenção de terceiros. No que tange ao efeito de não mais ser necessária a intimação dos atos processuais, na oposição existe uma exceção à regra geral que traçamos.
Ainda que o réu ou autor da ação originária deixe de apresentar contestação na oposição, apesar de sua inegável revelia, deverão ser intimados de todas as decisões proferidas naquela demanda, desde que tenha procuração juntada na ação principal.[20] E nem se fale que são ações diversas, que demandariam por isso a existência de diferentes procurações, já que o próprio Código de Processo Civil permite a citação desses sujeitos na pessoa de seus advogados, constituídos na ação principal e não na oposição. Ora, se o próprio código permite que o ato de comunicação mais importante do processo seja feito na pessoa de um advogado que tem tão somente procuração nos autos principais, não haverá qualquer razão para deixar de intimá-lo dos atos processuais da oposição ainda que a parte que representa se torne revel e não junte aos autos procuração específica para tal demanda.
4 – Nomeação à autoria
A nomeação à autoria é forma de intervenção de terceiro sui generis, haja vista que uma vez efetivada no caso concreto, a relação jurídica processual não se tornará complexa, com a expansão subjetiva própria das intervenções de terceiro, levando-se em conta que com a aceitação do nomeado à autoria se verificará a substituição do réu originário pelo terceiro, em fenômeno chamado pela doutrina de extromissão de parte. Assim, essa forma de intervenção de terceiro é aquela que menos cria questões polêmicas, se desenvolvendo no início da demanda (prazo para reposta) e qualquer que seja seu destino – substituição ou não do réu originário – a demanda segue regularmente entre autor e réu, qualquer que seja ele.
O art. 64, CPC, dá como prazo para o réu o da defesa, suspendendo-se o processo. Dessa forma, não há compatibilidade lógica entre a apresentação de defesa e a nomeação à autoria, já que ou o réu não apresenta a contestação e assim é revel, mais nesse caso o prazo da nomeação à autoria já terá transcorrido, ou pede a nomeação no prazo de defesa e com a suspensão do processo não pode ser considerado revel, ao menos nesse primeiro momento.[21]
Segundo o dispositivo legal supra citado, uma vez suscitada pelo réu a nomeação à autoria, o juiz, ao deferir o pedido, suspende o processo e ouve o autor em cinco dias, sendo que esse não está, por óbvio, obrigado a aceitar a nomeação do terceiro. O artigo legal merece no mínimo dois reparos, sendo um deles de suma importância com relação à revelia. Perceba-se que pelo teor literal do dispositivo, a suspensão somente começa a correr quando o juiz deferir o pedido da nomeação, o que pode criar uma situação no mínimo delicada. Imagine-se que no último dia de prazo o réu nomeia a autoria terceiro; nesse caso certamente o deferimento do juiz somente ocorrerá após transcorrido o prazo de defesa. Nesse caso, seria possível o réu ser revel e ao mesmo tempo nomear terceiro à autoria?
Já adiantamos que tal situação não pode ocorrer, em razão da correta interpretação ao artigo legal dada por José de Albuquerque Rocha, lembrando inclusive que na negação do pedido pelo juiz o processo terá sido suspenso – e o prazo interrompido – devolvendo-se o prazo para o réu originário. Conclui corretamente que “a suspensão do processo deve começar da data da apresentação do requerimento de nomeação e não do seu deferimento pelo juiz”.[22] Assim, repete-se o que já foi dito antes; quando houver nomeação não haverá revelia, ao menos nesse momento inicial.
O outro reparo que se deve fazer é que o Código acaba por confundir algo inconfundível: suspensão e interrupção. O dispositivo prevê que o processo será suspenso, mas na verdade o que ocorre é sua interrupção, sendo o prazo para resposta devolvido na íntegra tanto ao réu originário como ao nomeado que aceitar a nomeação. Como se sabe, a devolução na íntegra do prazo é típico da interrupção, e não da suspensão, situação em que a devolução do prazo se dá apenas pelo saldo, ou seja, naquilo que não decorreu antes da causa de suspensão.[23] De qualquer forma, com a devolução do prazo, o processo passa a transcorrer como se nada tivesse ocorrido, e assim sendo a revelia e seus efeitos seguem as regras gerais.
Aceitando o autor a nomeação à autoria feita pelo réu, providenciará os meios materiais necessários para a citação do terceiro, que poderá tanto aceitar quanto negar a qualidade que lhe é imputada pela intervenção de terceiros. Não aceitando a nomeação, deverá fazer de forma expressa, e assim se livra da demanda, retornando essa a seu trâmite regular, devolvendo-se o prazo para contestar ao nomeante, prazo esse que deve começar a correr da intimação do patrono do réu.[24] A aceitação da nomeação à autoria pode ocorrer de forma expressa ou implícita, e de qualquer forma ocorrerá a extromissão de parte, com a substituição do réu originário pelo terceiro nomeado.
Cresce em interesse no presente artigo a situação em que a aceitação do terceiro é implícita, ou seja, derivada de seu silêncio. No entendimento de José de Albuquerque Rocha, “o reconhecimento tácito, resultante do não-comparecimento do nomeado, significa que o legislador aplicou ao caso a mesma consequência jurídica prevista para a revelia (CPC, art. 319), ou seja, se o nomeado não comparece, reputa-se verdadeira a qualidade que lhe é atribuída (art. 66, primeira parte)”.[25]
Não concordamos com tal posicionamento. A revelia é a ausência de contestação, e não ausência de resposta do nomeado à autoria. Nesse caso, a aceitação implícita não gera a revelia e tampouco seus efeitos, passando a correr o prazo para a resposta somente após o prazo concedido pela parte se manifestar sobre a nomeação (5 dias). Após esse momento, com o silêncio significando a aceitação, aí sim será possível a revelia, e jamais antes.[26]
Joel Dias Figueira levanta interessante questão sobre a oposição e revelia, a respondendo a seguir, em nosso sentir de forma acertada. Sugere a situação que “poderá surgir em relação ao nomeante que teve a nomeação aceita pelo autor, enquanto o nomeado, por sua vez, omitiu-se e ainda deixou de responder a ação. Pergunta-se: em face da revelia do nomeado, o nomeante assumirá, também, os seus efeitos, direitos ou reflexos? A resposta é negativa, tendo em vista que, em razão da aceitação da intervenção, o nomeante desligou-se do processo, isto é, deixou de ser parte no processo que teve o seu regular prosseguimento, apenas contra o nomeado.”[27]
5 – Denunciação da lide
Questões interessantes surgem no tocante à denunciação da lide por parte do réu quando o mesmo é revel. Tal circunstância é plenamente possível – embora rara -considerando que o pedido de denunciação da lide por parte do réu tem como prazo o da defesa, não se exigindo sua apresentação concomitante, e apesar da suspensão do processo, o réu que denunciou pode não apresentar contestação no momento em que o processo retomar seu curso natural. Dessa forma, se o réu no prazo de defesa simplesmente pede a citação do denunciado à lide, mas deixa de contestar no momento adequado, será decretada sua revelia.
Nesse caso resta bastante evidente que ao menos um dos efeitos da revelia não se operará em nenhuma hipótese. Se o réu denunciou à lide um terceiro, o fez porque estava devidamente representado nos autos principais, sendo necessária a capacidade postulatória para a prática de tal ato processual. Havendo procuração nos autos, como já dizemos alhures, o réu, ainda que revel, deverá ser intimado de todos os atos processuais em respeito ao princípio do contraditório. Com relação à presunção de veracidade dos fatos alegados, tudo dependerá da postura a ser adotada pelo denunciado.
Antes da análise da postura que pode o denunciado adotar, é preciso se analisar o art. 72, CPC, que determina que “ordenada a citação, ficará suspenso o processo”. Mais uma vez o Código de Processo Civil indica como ato que suspende o processo não o pedido de intervenção feito pela parte, mas sim seu deferimento pelo juiz (há havia feito o mesmo no caso de nomeação à autoria, art. 64, CPC). Resta saber se o artigo legal deve ser interpretado literalmente, contando-se o início da suspensão do processo – e o que nos é mais importante, do prazo para defesa – apenas do deferimento ou então a partir do simples pedido de denunciação do réu.
Ao enfrentar o tema quanto à nomeação à autoria linhas atrás, defendemos que a interrupção do prazo para defesa deveria ser computada desde o pedido do réu, e não do deferimento do juiz, até mesmo para evitar surpresas ou interposição de contestação que se mostrasse inútil, quando verificada a extromissão de parte. Não vemos qualquer motivo para mudar de opinião quanto à denunciação da lide, se não pelas mesmas razões, por razões bastante próximas. É certo que a contestação do réu jamais será inútil, mas pode esse preferir que antes ocorra a denunciação para somente após apresentar sua defesa. O destino de seu pedido de denunciação pode determinar o conteúdo de sua defesa, e tal aspecto deve ser respeitado.
É curioso que doutrinadores que defendem a suspensão do prazo, mas somente após o deferimento do pedido, entendam que a defesa seja apresentada após o pedido de denunciação da lide, mas com ocorrência de preclusão temporal quando o pedido é indeferido.[28] Ora, qual a diferença para a nomeação à autoria? Não seria a expectativa do réu em ver aceita sua denunciação suficiente para suspender o prazo de defesa, evitando assim indesejáveis e injustas consequências. Se o processo deve gerar o menor número de surpresas possíveis, não temos como concordar com o entendimento de que caso seja indeferido o pedido de denunciação – ou mesmo sem que o mesmo tenha sido apreciado, haja transcorrido o prazo de defesa e o réu seja revel.
Visão ainda mais radical tem Athos Gusmão Carneiro, para quem há obrigatoriedade de apresentação de defesa junto com o pedido de denunciação da lide. Para o prestigiado doutrinador, “o denunciado, para habilitar-se à sua própria defesa, necessita conhecer a posição de denunciante relativamente aos fatos e pretensões apresentados na petição inicial. Ao limitar-se ao pedido de intervenção do terceiro, o réu implicitamente aceitou os fatos postos na inicial e permitiu a preclusão de seu direito de contestar”.[29]
Ao adotarmos o entendimento de que o mero pedido de denunciação do réu já gera a suspensão do processo, certamente não podemos concordar com as lições do nobre processualista. Na verdade, nos parece que parte de uma premissa errada para atingir uma conclusão correta. Não discordamos que o denunciado deve saber o teor da resposta do denunciante para elaborar sua manifestação, até mesmo para impugnar a causa da intervenção (um dos incisos do art. 70, CPC). Ocorre, entretanto, que a suspensão do prazo se encerra quando da citação do denunciado, sendo que o prazo para defesa do denunciante sempre será menor que àquele concedido ao denunciado. Iniciando-se a contagem do prazo novamente, o denunciado terá o prazo na sua integralidade e o denunciante somente pelo saldo.[30]
Admitindo-se a controvérsia sobre o tema, até mesmo com importantes reflexos práticos, para os fins buscados pelo presente artigo cumpre apenas observar que independentemente da corrente que se adote, é sempre possível a ausência de contestação do réu-denunciante e por consequência a decretação de sua revelia. E esse é o ponto principal de nossas considerações; réu-denunciante revel e citação regular do denunciado. Seria possível ao denunciado evitar a geração de efeitos da revelia ao denunciante no processo principal? E caso a resposta seja afirmativa, como e em que situações isso ocorreria?
Não surgem maiores questionamentos quanto aos efeitos da revelia no processo principal quando o denunciado também é revel, ou seja, deixa de contestar. Sendo tanto o denunciante como o denunciado revel, os fatos alegados pelo autor serão ditos como verdadeiros – claro que se no caso concreto não se verificar qualquer das exceções já analisadas no presente artigo – permitindo inclusive o julgamento antecipado da lide. Se a questão é pacífica quanto à geração desse efeito na ação principal, o mesmo não se pode dizer no tangente aos efeitos que a revelia dupla causa na sentença a ser proferida pelo juiz.
Segundo o art. 75, II, CPC, “se o denunciado for revel, ou comparecer apenas para negar a qualidade que lhe foi atribuída, cumprirá ao denunciante prosseguir na defesa até o final”. Sendo revel o denunciante, estaria ele prosseguindo na defesa até o final? A questão é interessante já que para parcela da doutrina, quando ocorre a dupla revelia (denunciante e denunciado), o denunciante perde a possibilidade de ver reconhecida na demanda seu direito regressivo, devendo o juiz se limitar em sua sentença a apreciar o objeto da ação principal.
Nesse sentido já teve oportunidade de se manifestar José Joaquim Calmon de Passos, afirmando que “fazendo-se revel, o denunciante descumpriu essa obrigação, porquanto de defesa não se pode falar quando o réu se limitou a promover a denunciação da lide. Consequentemente, desatendida essa obrigação, perde o réu a possibilidade de ver o seu direito declarado na sentença que lhe asseguraria o título reclamado para a execução contra o alienante ou contra o regressivamente responsável.”[31] Não concordamos com tal posicionamento em razão da própria natureza da denunciação da lide.
O réu-denunciante se vê envolvido em duas demandas diferentes; uma na qual ele é o réu (ação principal) e noutra na qual ele funciona como autor (ação secundária criada pela denunciação à lide). A permanência do réu-denunciante na defesa até o final, independe de efetiva atuação na defesa de seus direitos. Pode até mesmo, segundo nossa concepção, reconhecer juridicamente o pedido do autor, e ainda assim o denunciado, caso reste comprovado o direito regressivo do réu, deverá ser condenado na sentença.[32]
Apesar de sua condição de revel na ação principal, praticou o único ato que lhe caberia na denunciação da lide, ou seja, ingressou tempestivamente com o pedido de condenação regressiva do denunciado. A revelia do denunciado gerará o efeito da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo denunciante que ensejaram a intervenção (fatos ligados ao art. 70, CPC), e dessa forma, desde que haja procedência na ação principal e exista o direito regressivo, não existe qualquer razão para impedir que o juiz em sua sentença condene o denunciado. Estará esse sujeito arcando com sua própria omissão, já que se tivesse se manifestado quando citado, poderia perfeitamente impugnar os fatos alegados pelo denunciante e impedir a geração da presunção de veracidade.[33]
Esse entendimento vem inclusive expresso no art. 456, parágrafo único, CC, que em boa hora afastou a incongruência gerada pela regra processual. O dispositivo de direito material, apesar de se referir especificamente à evicção, pode ser aplicado a todas as espécies de denunciação à lide. Assim vem redigido: “Não atendendo o alienante à denunciação da lide, e sendo manifesta a procedência da evicção, pode o adquirente deixar de oferecer contestação, ou usar de recursos”. Como se percebe, é expressa a menção ao fenômeno da revelia – “deixar de oferecer contestação”, sem que isso gere qualquer efeito no futuro julgamento da denunciação à lide, que continuará a exigir solução.
E se o denunciado apresentar contestação? Quais os efeitos dessa manifestação na ação principal? Estaria automaticamente evitada a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor? Uma interpretação meramente literal do art. 75, I, CPC, poderia levar a conclusão de que os efeitos não seriam gerados em razão do disposto no art. 320, I, CPC, já que segundo nosso estatuto processual, a relação formada entre denunciante e denunciado é de litisconsórcio (“se o denunciado aceitar e contestar o pedido, o processo prosseguirá entre o autor, de um lado, e de outro, como litisconsortes, o denunciante e o denunciado”). A melhor solução, entretanto, não é tão simples.
Para que seja possível um melhor entendimento da questão ora levantada é importante analisar se de fato o Código acertou ao afirmar que o denunciante e denunciado são litisconsortes. Há viva e interessante questão sobre o tema, com relevante parcela da doutrina se insurgindo contra a definição do artigo legal por entender que o denunciado é mero assistente simples do denunciante, e não seu litisconsorte – isso claro com relação à ação principal – uma vez que na ação regressiva gerada pela denunciação da lide denunciante e denunciado são contraditores (atuando como autor e réu).
Arruda Alvim defende a posição de litisconsorte do denunciado, afirmando, com relação ao art. 70, I, CPC, que sendo “denunciada a lide a terceiro, ou seja, ao alienante, após a citação passará ele a ser parte principal, pois será réu da denunciação, a qual é uma verdadeira ação regressiva que lhe move o denunciante (seja o alienante litisdenunciado pelo autor ou pelo réu). Passará a ser parte da ação principal recebendo tratamento de litisconsorte unitário, em sendo denunciado pelo autor ou pelo réu; e não só se agir no processo, assumirá essa posição de litisconsorte do denunciante, mas desde que se lhe tenha denunciado a lide.”[34]
Parece-nos, entretanto, que não está correto tal entendimento. A denunciação da lide não cria uma relação jurídica de direito material entre o denunciado e o autor da ação principal. Aliás, é justamente essa a maior diferença entre a denunciação da lide e o chamamento ao processo, haja vista que na primeira espécie de intervenção o autor tem relação jurídica de direito material com o réu, e o denunciante com o denunciado, mas nada liga o denunciado à parte que não o denunciou. Não há qualquer alteração no objeto da ação principal e sim a ampliação do objeto de cognição do juiz, mas isso em razão de uma nova ação, gerada em razão da denunciação, envolvendo tão somente o denunciante e o denunciado.
Nesse caso, melhor é tratar o denunciado como assistente do denunciante na ação principal, considerando que a condenação desse pode gerar efeitos na relação jurídica de direito material não controvertida – pelo menos não antes da denunciação – que mantém com o denunciado. E essa assistência é simples, “haja vista ser ele sujeito de relação jurídica diversa da deduzida no processo, a relação de garantia, o que não permite seja ele considerado assistente litisconsorcial”.[35] Apesar de assistente simples, o tratamento que recebe o denunciante com relação aos efeitos da revelia do denunciante não segue as regras traçadas no presente artigo quando tratamos da assistência simples.
Afirmamos que no caso do assistente simples o terceiro pode se tornar gestor de negócios do assistido quando esse se torna revel. Assim, se dentro do prazo de contestação o assistido apresenta contestação, impede que os efeitos da revelia sejam gerados, ao menos quanto à presunção de veracidade dos fatos. Em razão de tal entendimento, seria correto concluir que o denunciado à lide contestando evitaria que os efeitos da revelia sejam gerados na ação principal? Parece-nos que a resposta deva ser dada de forma afirmativa, havendo, entretanto, uma importante diferença entre as duas situações.
No caso de assistência simples, o assistente não defende interesse próprio, devendo aproveitar-se dos prazos processuais que correm para o assistido para praticar os atos processuais. Na denunciação à lide, como já verificado, o denunciado tem uma dupla posição, sendo réu na denunciação e assistente na ação principal. Essa posição de réu na denunciação da lide faz com que tenha um prazo próprio para responder, já que inegavelmente nessa ação criada pela intervenção será réu. E o sistema admite que, nesse mesmo prazo, além de manifestar-se quanto à denunciação, o denunciado exerça sua atividade de assistente, inclusive com a impugnação dos fatos narrados pelo autor na peça inicial, o que virá a indubitavelmente evitar que o juiz presuma verdadeiros tais fatos.
É de fato uma situação bastante interessante, demonstrando que o efeito de permitir-se dar como verdadeiros os fatos alegados pelo autor na demanda, não depende única e exclusivamente da ausência de contestação, da verossimilhança dos fatos e da inaplicabilidade do art. 320, CPC. Para que a instrução probatória seja dispensada, é necessário que os fatos não encontrem nenhuma espécie de impugnação, o que certamente pode se verificar por meio de apresentação de outras peças processuais que não a contestação. Como bem afirmado por Cândido Rangel Dinamarco, “uma vez implantada a dúvida fática no processo (questão de fato), ela fica adquirida por este e a sentença, que será única, deverá concluir de um modo só – ou que os fatos se deram como o autor afirmara, ou não.”[36]
E tudo fica ainda mais claro e defensável quando levado em consideração a posição de assistente do denunciado, com a ressalva feita acima quanto a contagem dos prazos. A defesa apresentada tempestivamente por esse, como já analisado, é apta a evitar que o juiz presuma a veracidade dos fatos alegados pelo autor. E para aquela parte da doutrina que defende uma interpretação literal do art. 75, I, CPC, há pouco espaço para dúvidas, posto que tratado como litisconsorte, certamente unitário, bastaria aplicar à espécie o art. 320, I, CPC[37]. Seja como for, assistente ou litisconsorte, é inegável que a contestação apresentada pelo denunciado pelo réu é instrumento apto a evitar qualquer espécie de presunção, exigindo-se do juiz a instrução probatória para convencer-se quanto à veracidade ou não dos fatos alegados pelo autor.[38]
6 – Chamamento ao processo
As três hipóteses de chamamento ao processo, previstas no art. 77, CPC, dizem respeito à solidariedade quanto ao cumprimento de obrigações. São tratadas situações de devedores solidários, devedor principal e fiador e entre fiadores, todos esses sujeitos que respondem de forma solidária perante o credor pela satisfação da obrigação. Em nosso entender a diferença básica entre o chamamento e a denunciação acima estudada é que na intervenção ora analisada, todos os sujeitos – principais e terceiros – mantém uma relação de direito material.
Em razão de tal circunstância, gerada pelos aspectos próprios do direito material, a doutrina é quase uniforme em entender que o chamamento ao processo cria entre o réu e os chamados um litisconsórcio, que além de ulterior, será sempre facultativo, uma vez que o chamamento ao processo não é obrigatório, sendo absolutamente regular o réu ser condenado e posteriormente ingressar com ação de regresso para recompor seu prejuízo. Comungamos de tal entendimento, embora para os objetivos traçados pelo presente artigo, a facultatividade ou obrigatoriedade desse litisconsórcio pouco importe, não ocorrendo o mesmo, entretanto, quanto à sua classificação entre unitário ou facultativo.
A preocupação se justifica em virtude de tudo quanto já foi dito a respeito da aplicação do art. 320, I, CPC. Sendo caso de litisconsórcio unitário, o dispositivo é amplamente aplicável, e apesar da ausência de contestação por qualquer dos sujeitos passivos – tanto o réu originário como o chamado ao processo – desde que ao menos um deles tenha contestado, se evitará qualquer espécie de presunção, obrigando o juiz a realizar a fase probatória. Caso se entenda formar-se um litisconsórcio simples, necessária será uma análise caso a caso para verificação se os fatos da inicial e da contestação do chamado são comuns.
Embora não haja unanimidade na doutrina, é possível apontar para uma certa tendência doutrinária rumando à classificação desse litisconsórcio como sendo simples.[39] Como precisamente afirmado por Cássio Bueno Scarpinella, “embora o chamamento ao processo acarrete uma cumulação superveniente de ações, ampliando-se o objeto do processo, disto não decorre que o resultado de cada uma dessas ações deva ser sempre o mesmo. Cada um dos devedores pode vir a receber, consoante o caso, solução distinta dos demais, o que decorre, importante frisar, da natureza do próprio direito material deduzido em juízo. As hipóteses em que o chamamento ao processo é admitido (fiança e solidariedade) coadunam-se com a possibilidade de apresentação de defesas próprias e pessoais em relação ao autor, credor comum”.[40]
Não se pode negar, e nessa omissão a melhor doutrina não incorreu, que apesar de não existir uma obrigatoriedade quanto a decisão ser uniforme para todos os litisconsortes, é plenamente possível imaginar-se tal situação em termos hipotéticos, com decisão idêntica para o réu originário e todos os chamados ao processo. Aliás, tal circunstância pode se verificar em absolutamente todas as situações de litisconsórcio simples, nada interessando para sua classificação a decisão em si proferida pelo juiz, mas antes disso a mera possibilidade do juiz decidir de forma diferente para eles. O teor da sentença, certamente, não deve ser considerado no momento de análise da natureza do litisconsórcio.
Assim, pode ser imaginada uma situação em que o devedor solidário chamado ao processo alegue que a dívida cobrada já foi devidamente quitada. Ora, nesse caso, resta evidente que a defesa do chamado ao processo, se acolhida, beneficiará o réu revel, levando o acolhimento da defesa do litisconsorte ativo à improcedência da ação. O mesmo não se pode dizer se o devedor solidário vir a juízo justamente para impugnar tal condição, asseverando nada dever, ou mesmo opor uma exceção pessoal, nos termos do art. 274, CC. Não havendo impugnação nesse caso, dos fatos alegados pelo autor, os mesmo devem ser dados como verdadeiros pelo juiz, a par da contestação apresentada pelo chamado ao processo, em razão da revelia do réu.
Parece-nos que também com relação ao litisconsorte formado pelo chamamento ao processo não surgem maiores questões, devendo-se aplicar as regras já vista no item 2. do presente artigo quanto à aplicação do art. 320, I, CPC. Aqui, como ocorreu na denunciação da lide, a única ressalva é a diferente contagem de prazo, tendo o chamado ao processo prazo integral para apresentar sua defesa, ainda que o do réu tenha se escoado, com ou sem manifestação. No mais, aplicam-se as regras e considerações já feitas.
Um último aspecto dessa intervenção, que poderia suscitar algum debate, é quanto à extensão da coisa julgada ao terceiro revel, ou seja, ao terceiro que deixa de contestar a demanda. Como já vimos, o efeito de presumirem-se verdadeiros os fatos alegados pelo autor não se verificam, em razão da contestação apresentada pelo réu originário (se nenhum dos dois contestar o efeito será gerado). É certo que, ainda que não seja gerado tal efeito, o autor pode comprovar a veracidade dos fatos constitutivos de seu direito e obter a procedência da ação. Nesse caso, embora revel, o chamado estará condenado juntamente com o réu original.
O art. 80, CPC, é suficientemente claro ao apontar para tal efeito. Segundo o dispositivo legal, a sentença servirá de título executivo para o devedor que satisfizer a obrigação perante o credor, gerando efeitos, portanto, para todos que de alguma forma participaram – ativamente ou não – do pólo passivo da demanda. Sendo citado, o chamado já passou a fazer parte da relação jurídica processual, e sua postura diante da citação pode ser importante no que tange aos efeitos da revelia, mas nenhuma importância tem para a abrangência subjetiva dos efeitos da coisa julgada.[41]