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O princípio da continuidade do serviço público no Direito Administrativo Contemporâneo
“CRISE PERMANENTE” DO SERVIÇO PÚBLICO
EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS
Rafael Carvalho Rezende Oliveira
26/09/2014
1) INTRODUÇÃO
Os princípios jurídicos têm ocupado local de destaque nos estudos doutrinários recentes no campo da Filosofia do Direito e do Direito Público.
A importância dos princípios é justificada, em grande medida, pelo movimento do neoconstitucionalismo e do Pós-Positivismo, sobretudo a partir do reconhecimento do caráter normativo primário dessa categoria de normas jurídicas e de sua forte aproximação com a moral. [1]
No campo do Direito Administrativo, antigos dogmas e princípios clássicos vêm passando por um processo de releitura, tendo em vista a crescente constitucionalização do Direito. [2]
Os princípios são os pilares que sustentam todo o Direito Administrativo, garantindo a sua unidade e autonomia científica. É possível dizer que o estudo dos princípios é, em verdade, essencial para a compreensão desse ramo do Direito.
Por esta razão, revela-se fundamental a identificação e a compreensão dos princípios que regem a prestação dos serviços públicos, diretamente pelo Estado ou mediante delegação, notadamente em virtude dos novos desafios apresentados no atual estágio de evolução do Direito Administrativo.
2) A MUTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO: ESCOLA FRANCESA, PUBLIC UTILITIES E OS “SERVIÇOS DE INTERESSE ECONÔMICO GERAL” (OU “SERVIÇOS UNIVERSAIS”)
A análise dos princípios aplicáveis aos serviços públicos tem como ponto de partida a fixação da noção de serviço público, que tem variado no tempo e no espaço. A evolução social, econômica, tecnológica e jurídica acarreta transformações importantes na própria caracterização das atividades que devem ser prestadas pelo Estado. Por outro lado, em razão do quadro normativo diverso, algumas atividades podem ser classificadas como serviço público em determinado país e como atividades econômicas em outros países.
Na França, a noção de serviço público foi objeto de construção doutrinária e jurisprudencial (Conselho de Estado). [3] Afirma-se, normalmente, que a origem da noção de serviço público remonta ao “caso Blanco” (Arrêt Blanco), julgado pelo Tribunal de Conflitos de 1873. [4] A decisão proferida no “caso Blanco” tem sido celebrada por estabelecer a autonomia do Direito Administrativo e por consagrar a importância do serviço público na definição da competência do Conselho de Estado. [5]
A teorização do serviço público na França ficou a cargo da denominada “Escola do serviço público” ou “Escola de Bordeaux” no início do século XX. Léon Duguit, fundador da referida Escola, substitui a soberania (puissance) pela noção de serviço público como fundamento do Direito Público, compreendido como toda e qualquer atividade que atendesse às necessidades coletivas. [6] Gaston Jèze, por outro lado, afastando-se da noção sociológica apresentada por Duguit, defendeu uma noção predominantemente jurídica de serviço público, considerando-o como atividade prestada, direta ou indiretamente, pelo Estado, sob regime de direito público. [7] Por fim, Maurice Hauriou, em contraposição à Escola do Serviço Público, não considerava o serviço público como o centro do Direito Administrativo, mas, sim, o poder de império estatal, reconhecendo, no entanto, que o serviço público representaria um limite ao poder estatal. [8]
Os Estados Unidos, por sua vez, não adotam a noção de serviço público francesa. É importante notar que o próprio Direito Administrativo norte-americano é recente e remonta à necessidade de intervenção crescente do Estado na área social e econômica, notadamente por intermédio das agências. [9] Costuma-se dizer, por isso, que o Direito Administrativo norte-americano é basicamente o “direito das agências”. [10]
Em razão do caráter liberal do Estado norte-americano, as atividades econômicas, com raras exceções, sempre foram livres aos particulares (livre iniciativa). No entanto, determinadas atividades, em razão do forte relevo social envolvido, são destacadas pelo Estado e submetidas ao poder de polícia mais intenso. São as denominadas “public utilities”, consideradas atividades privadas sujeitas à regulamentações e a controles especiais (Estado Regulador).
É possível afirmar que a principal distinção entre o serviço público francês e as public utilities encontra-se na titularidade da atividade: enquanto o serviço público é de titularidade do Estado, as public utilities são titularizadas pelos particulares, com limitações (poder de polícia) colocadas pelo Estado.
A tendência atual é a aproximação da noção francesa de serviço público e as public utilities norte-americanas, notadamente pela aproximação dos sistemas jurídicos da common law e da romano-germânico, naquilo que pode ser denominado de “globalização jurídica”. [11] Nesse contexto, a doutrina tem destacado a nova noção de serviço público, adotada no âmbito da União Europeia, que representaria, em última análise, a aproximação entre o serviço público francês e as public utilities norte-americanas. O Direito Comunitário Europeu, ao mencionar os “serviços universais” ou “serviços de interesse econômico geral”, [12] consagra o princípio da concorrência na prestação de atividades econômicas de interesse geral, retirando a exclusividade do Estado. [13]
Os serviços de interesse econômico geral têm gerado intenso debate na doutrina europeia, especialmente nas tentativas de caracterizá-los, ora como serviços públicos, ora como public utilities. Por um lado, esses serviços não são titularizados, ao menos com exclusividade, pelo Estado (princípio da concorrência e do livre acesso). Por outro lado, tais serviços submetem-se à forte interferência estatal, em razão da presença do interesse público. [14]
3) A “CRISE PERMANENTE” DO SERVIÇO PÚBLICO E SUAS TENDÊNCIAS
As transformações da noção de serviço público não acarretaram a sua “morte” ou “crise”, mas apenas refletem a evolução constante do instituto. [15] Em verdade, não existe um conceito atemporal de serviço público, razão pela qual é lícito afirmar que a sua noção sofre mutação constante, não havendo paradigma preciso para se concluir pela extinção ou crise do conceito. A rigor, a crise do serviço público é permanente.
Todavia, é lícito apontar algumas tendências do serviço público na atualidade, como, por exemplo: a) a submissão do serviço público ao regime de competição (concorrência), admitindo-se, apenas excepcionalmente, o monopólio ou a exclusividade na sua prestação, na forma do art. 16 da Lei n° 8.987/95; [16]b) a desverticalização ou fragmentação do serviço público (unbundling), dissociando as diversas etapas de prestação e atribuindo-as aos particulares, com o intuito de evitar a concentração econômica ou abuso econômico (ex: o fornecimento de energia elétrica pode ser fragmentado em diversas etapas, tais como a geração, o transmissão, distribuição e comercialização); [17]c) o compartilhamento compulsório das redes e infraestruturas (essential facilities doctrine) necessárias à prestação dos serviços públicos; [18] e d) a redução das hipóteses de titularidade exclusiva do Estado e o incremento de serviços públicos de titularidade compartilhada com os particulares. [19]
A evolução da noção de serviço público, conforme já salientado, demonstra a dificuldade de fixação de um conceito preciso. [20] O serviço público é uma espécie de atividade econômica em sentido amplo, pois destina-se à circulação de bens e/ou serviços do produtor ao consumidor final. Não se confunde, no entanto, com as atividades econômicas em sentido estrito, tendo em vista os objetivos dos serviços públicos: atendimento do interesse público. [21]
Por esta razão, a doutrina, ao longo dos tempos, apresentou diversas acepções para o vocábulo, sendo possível apresentar, na linha proposta por Alexandre Santos de Aragão [22], quatro sentidos de “serviços públicos”: a) concepção amplíssima: defendida pela Escola do serviço público, com algumas variações, considera serviço público toda e qualquer atividade exercida pelo Estado; b) concepção ampla: serviço público é toda atividade prestacional voltada ao cidadão, independentemente da titularidade exclusiva do Estado e da forma de remuneração; c) concepção restrita: serviço público abrange as atividades prestacionais do Estado prestadas aos cidadãos, de forma individualizada e com fruição quantificada; e d) concepção restritíssima: serviço público é a atividade de titularidade do Estado, prestada mediante concessão ou permissão, remunerada por taxa ou tarifa.
No Brasil, tem prevalecido a concepção ampla de serviço público, especialmente pelos seguintes fatores: a) distinção entre o serviço público e outras atividades estatais (poder de polícia, fomento e intervenção na ordem econômica), o que afasta a noção amplíssima; b) admissão dos serviços públicos uti universi, ao contrário do sustentado nas concepções restrita e restritíssima; e c) possibilidade de serviços públicos sociais, cuja titularidade não é exclusiva do Estado, mas compartilhada com os cidadãos, o que exclui a noção restritíssima.
Desta forma, o serviço público pode ser definido com uma atividade prestacional, titularizada, com ou sem exclusividade, pelo Estado, criada por lei, com o objetivo de atender as necessidades coletivas, submetida ao regime predominantemente público. A concepção tradicional de serviço público, no direito brasileiro, segundo a doutrina vigente, é composta por três elementos: a) subjetivo (ou orgânico): relaciona-se com a pessoa que presta o serviço público (Estado ou delegatários); b) material: define o serviço público como atividade que satisfaz os interesses da coletividade; e c) formal: caracteriza o serviço público como atividade submetida ao regime de direito público. [23]
A tarefa de definir determinada atividade como serviço público é exercida pelo Constituinte ou pelo legislador. [24] Isto porque a atividade econômica, caracterizada como serviço público, é retirada da livre iniciativa (publicatio) e a sua prestação por particulares somente será possível por meio de concessão e permissão. É evidente, no entanto, que o legislador não possui liberdade absoluta na publicização das atividades. Nem toda atividade econômica pode ser transformada em serviço público.A criação legislativa de novos serviços públicos é limitada, principalmente, pela essencialidade das atividades e por sua vinculação estreita com a dignidade da pessoa humana ou com o bem-estar da coletividade. [25]
4) PRINCÍPIOS DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
Conforme salientado anteriormente, a prestação de serviços públicos, por pessoa pública ou privada, é impregnada por princípios específicos que garantem identidade própria a este instituto do Direito.
Tradicionalmente, os três princípios norteadores dos serviços públicos foram elencados na França por Louis Rolland (“Leis de Rolland”) [26] da seguinte forma: a) princípio da continuidade (continuité), b) princípio da igualdade (égalité) e c) princípio da mutabilidade (mutabilité).
Outros princípios, no entanto, foram reconhecidos posteriormente, tendo em vista a própria evolução da noção de serviço público, não havendo consenso doutrinário, atualmente, em relação ao elenco e à nomenclatura dos princípios modernos que regem essa atividade administrativa. De modo geral, a doutrina mais moderna costuma relacioná-los da seguinte forma: a) continuidade, b) igualdade (uniformidade ou neutralidade), c) mutabilidade (ou atualidade), d) generalidade (ou universalidade) e e) modicidade.
Daí que o art. 6º, §1º da Lei nº 8.987/95, em conformidade com o art. 175, parágrafo único, IV da CRFB, considera serviço adequado aquele que satisfaz “as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”. Na mesma linha, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 22, exige que os serviços públicos sejam “adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. [27] É a consagração, no direito positivo brasileiro, do conhecimento jurídico produzido nas últimas décadas, em âmbito nacional e internacional. Cumpre observar, nada obstante, que o rol em comento não é taxativo, sendo perfeitamente possível extrair outros princípios da Constituição e do sistema de Direito Administrativo, como é caso do princípio da igualdade.
O ponto central do presente ensaio é demonstrar a aplicação do princípio da continuidade do serviço público na atualidade.
5) PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE
O princípio da continuidade impõe a prestação ininterrupta do serviço público, tendo em vista o dever do Estado de satisfazer e promover direitos fundamentais.
A continuidade pressupõe a regularidade na prestação do serviço público, com observância das normas vigentes e, no caso dos concessionários, das condições do contrato de concessão.
É oportuno ressaltar que a continuidade não impõe, necessariamente, que todos os serviços públicos sejam prestados diariamente e em período integral. [28] Em verdade, o serviço público deve ser prestado na medida que a necessidade da população se apresenta, sendo lícito distinguir a necessidade absoluta da relativa. Na necessidade absoluta, o serviço deve ser prestado sem qualquer interrupção, uma vez que a população necessita, permanentemente, da disponibilidade do serviço (ex: hospitais, distribuição de água etc.). Ao revés, na necessidade relativa, o serviço público pode ser prestado periodicamente, em dias e horários determinados pelo Poder Público, levando em consideração as necessidades intermitentes da população (ex: biblioteca pública, museus, quadras esportivas etc.). [29]
Atualmente, é possível mencionar três questões polêmicas que envolvem a aplicação do princípio da continuidade dos serviços públicos, a saber: a) interrupção dos serviços públicos em caso de inadimplemento do usuário, b) direito de greve dos servidores públicos e c) exceptio non adimpleti contractus nos contratos celebrados com a Administração Pública.
5.1) INTERRUPÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS EM CASO DE INADIMPLEMENTO DO USUÁRIO
O primeiro debate em torno do princípio da continuidade envolve a discussão quanto à eventual possibilidade de interrupção do serviço público pela concessionária em razão do inadimplemento do usuário. [30]
De um lado, os argumentos contrários à suspensão, mesmo em caso de inadimplemento do usuário, podem ser assim resumidos: a) princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, da CRFB): a suspensão do serviço público privaria o particular de serviços básicos e integrantes do núcleo essencial da sua dignidade; b) o art. 22 do CDC exige das concessionárias e permissionárias de serviços públicos a prestação de “serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”, sendo lícito considerar, em princípio, todo serviço público como essencial, o que justifica, inclusive, a retirada dessa atividade da livre iniciativa dos particulares; c) a suspensão do serviço representaria uma forma abusiva de execução privada (autotutela) dos interesses da concessionária; d) o art. 42 do CDC, ao tratar da cobrança de créditos, veda a exposição do consumidor inadimplente ao ridículo, bem como a sua submissão a qualquer espécie de constrangimento ou ameaça; e e) princípio da vedação do retrocesso: as normas do CDC, que vedam a interrupção do serviço público, não poderiam ser revogadas pela Lei n° 8.987/95, já que as normas protetivas do consumidor representam direitos fundamentais que devem ser efetivados de maneira progressiva, sendo inconstitucional a atuação legislativa que retrocede em matéria de direitos fundamentais. [31]
Por outro lado, os argumentos a favor da interrupção do serviço em caso de inadimplemento do usuário são assim enumerados por grande parte da doutrina [32]: a) o art. 6°, §3°, II da Lei n° 8.987/95 admite a interrupção do serviço público, após prévio aviso, quando houver inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade; [33] b) necessidade de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, que restaria abalado caso a concessionária fosse obrigada a prestar o serviço ao consumidor inadimplente; e c) a continuidade do serviço público facultativo pressupõe o cumprimento de deveres por parte do usuário, notadamente o pagamento da tarifa.
Tem prevalecido a possibilidade de interrupção do serviço público concedido quando constatado o inadimplemento do usuário. [34] A antinomia jurídica, no caso, é resolvida pelo critério da especialidade, segundo o qual a norma especial (art. 6°, § 3°, II da Lei n° 8.987/95) prevalece sobre a norma geral (art. 22 do CDC).
É importante destacar, nessa discussão, a situação em que o usuário do serviço público, prestado por concessionária, é o próprio Poder Público. O Estado utiliza-se, por exemplo, de serviços de água, energia elétrica e telefonia, devendo remunerar a concessionária por meio da tarifa. Indaga-se: é possível a suspensão do serviço público pela concessionária quando o Poder Público (usuário) encontra-se inadimplente?
O STJ, em vários julgados, sedimentou a necessidade de se diferenciar os serviços, prestados pelo Poder Público, que poderão sofrer a interrupção do serviço público concedido. Na linha consagrada pelo tribunal, a concessionária pode suspender o serviço em relação aos órgãos e entidades administrativas inadimplentes, salvo na hipótese em que tais órgãos e entidades prestam serviços essenciais à população (ex: hospitais, postos de saúde, escolas, creches etc.). Isto porque, nesta última hipótese, a interrupção do serviço concedido colocaria em risco a continuidade dos serviços essenciais, prestados diretamente pelo Poder Público à coletividade. [35] Por outro lado, é possível a interrupção do serviço público concedido em relação aos serviços não-essenciais, tais como: ginásio de esportes, piscina municipal, biblioteca municipal, almoxarifado, oficinas, depósitos etc. [36]
Entendemos, contudo, que os limites à interrupção do serviço podem ser estendidos aos particulares-usuários, observados dois parâmetros: a) em primeiro lugar, é importante distinguir o usuário inadimplente, que não possui condições financeiras de pagar a tarifa, daquele usuário que não paga a tarifa por opção pessoal; e b) em situações extremas, a interrupção do serviço público pode gerar lesão ao núcleo essencial de direitos fundamentais dos particulares (ex: interrupção do serviço de energia para residência onde encontra-se pessoa idosa doente que respira com ajuda de aparelhos elétricos). [37]
A tendência, a nosso ver, é o estabelecimento de limites, abstratos e concretos, à interrupção do serviço público, a partir da ponderação dos interesses colidentes, que deverá levar em conta, dentre outros fatores, a maior ou menor essencialidade do serviço e a situação financeira do usuário inadimplente. [38]
5.2) DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS
A segunda questão atual que abarca o princípio da continuidade relaciona-se ao direito de greve dos servidores públicos estatutários.
O texto constitucional consagra o direito de greve em duas normas distintas: a) art. 9º da CRFB, regulamentado pela Lei nº 7.783/89: dispõe sobre o direito de greve dos trabalhadores em geral (celetistas), o que inclui os agentes públicos submetidos ao regime celetista; e b) art. 37, VII da CRFB: ao tratar do direito de greve para os servidores estatutários, afirma que esse direito deverá ser exercido nos termos da lei.
Em razão da ausência, até a presente data, da lei de greve dos servidores estatutários [39], por muito tempo restou impossibilitado o exercício legítimo desse direito, porque o STF entendia que a respectiva norma constitucional (art. 37, VII da CRFB) seria considerada “norma de eficácia limitada” (norma não autoaplicável) [40], cuja aplicação efetiva dependeria de intermediação legislativa. Ademais, o direito de greve dos servidores públicos sempre encontrou obstáculos no princípio da continuidade do serviço público, que impede a interrupção completa da atividade administrativa.
Todavia, o STF, recentemente, alterou a sua interpretação tradicional e tornou efetivo o direito de greve dos servidores estatutários. No julgamento de mandados de injunção, propostos por determinadas categorias de servidores públicos, a Suprema Corte superou a omissão inconstitucional e determinou a aplicação, por analogia, da Lei nº 7.783/89, notadamente dos arts. 9º a 11°, que tratam das atividades essenciais e garantem o respeito à continuidade do serviço público, aos servidores estatutários. [41]
Destarte, o atual entendimento da Suprema Corte garante, de um lado, a efetividade do direito de greve dos servidores estatutários, e, de outro lado, a continuidade dos serviços públicos por meio da aplicação analógica do art. 11 da Lei nº 7.783/89, que exige a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade durante a greve.
5.3) EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS NOS CONTRATOS CELEBRADOS COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A terceira questão polêmica, que gira em torno do princípio da continuidade, refere-se ao debate quanto à legitimidade da exceptio non adimpleti contractus nos contratos celebrados com a Administração Pública. [42]
Parte da doutrina sempre refutou essa possibilidade, apoiada nos seguintes argumentos [43]: a) princípio da legalidade: não havia previsão legal da exceptio non adimpleti contractus nos contratos administrativos; b) princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado: o particular, contratado, não poderia sobrepor o seu interesse privado (lucro) ao interesse da coletividade, paralisando a execução do contrato; e c) princípio da continuidade do serviço público: a suspensão das obrigações contratuais acarretaria a descontinuidade do serviço público, objeto do contrato.
Prevalece, atualmente, o entendimento que admite a exceptio non adimpleti contractus nos contratos administrativos, uma vez que [44]: a) existe, hoje, expressa previsão legal da “exceção de contrato não cumprido” no art. 78, XIV e XV da Lei n° 8.666/93[45]; b) o princípio da supremacia do interesse público, que sofre severas críticas na atualidade, não pode servir como escudo para a prática de ilícitos por parte da Administração Pública (inadimplemento) [46]; e) o princípio da continuidade do serviço público não pode representar um óbice à utilização da “exceção de contrato não cumprido”, tendo em vista que os contratos administrativos, em regra, não possuem por objeto a prestação de serviço público propriamente dito (ex.: contratos de compra e venda, de obras, de prestação de serviços administrativos etc.).
De fato, nos contratos de concessão de serviço público o princípio da continuidade representa, como regra, um obstáculo à “exceção de contrato não cumprido”. [47] Todavia, não se trata de obstáculo intransponível, especialmente em situações excepcionais, quando direitos fundamentais da concessionária (e a própria existência da empresa) estiverem ameaçados. Nessas hipóteses excepcionais, a suspensão parcial das obrigações da concessionária depende de decisão judicial liminar, tendo em vista o princípio da inafastabilidade do controle judicial (art. 5°, XXXV da CRFB). [48]
5.4) PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE PARA OUTRAS ATIVIDADES ADMINISTRATIVAS E ATIVIDADES PRIVADAS DE RELEVÂNCIA PÚBLICA
Conforme destacado anteriormente, os princípios dos serviços públicos representam, em última instância, princípios que norteiam o exercício de todas as atividades administrativas necessárias à promoção dos direitos fundamentais e do denominado “interesse público”.
Isto porque toda e qualquer atividade administrativa deve atender, necessariamente, o interesse público, o que pressupõe uma atuação conforme os direitos e princípios fundamentais. O atendimento eficiente do interesse público não se coaduna com atividades administrativas descontínuas, desiguais ou imunes à evolução social.
Essa é a opinião, dentre outros, de Alexandre Santos de Aragão, quando afirma que os princípios que regem a prestação de serviços públicos têm aplicação também, ainda que parcialmente, às outras atividades administrativas e a algumas atividades privadas (ex.: atividades privadas de saúde, como os planos de saúde), tendo em vista, especialmente, a publicização de contratos privados, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais e as imposições de ordem pública pela legislação consumerista. [49]
Realmente, os princípios que norteiam as atividades administrativas extrapolam, por vezes, os limites físicos do Estado, sendo aplicáveis, também, às atividades privadas de caráter social. Registre-se, por exemplo, a previsão legal da reversão dos bens cedidos para as Organizações Sociais, em caso de desqualificação, bem como a necessidade de manutenção da atividade social desenvolvida (arts. 16, § 2.º, e 22, II, da Lei 9.637/1998).
A mesma ideia de continuidade de atividades privadas de caráter social é consagrada no âmbito do marco regulatório das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (art. 4.º, IV e V, da Lei 9.790/1999).
Cite-se, ainda, a compensação bancária, a comercialização de medicamentos, entre outras atividades privadas, consideradas “atividades essenciais”, razão pela qual os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, na forma dos arts. 10 e 11 da Lei nº 7.783/89.
Em síntese, é possível perceber que o princípio da continuidade significa a permanência da atividade, pública ou privada, de relevância social, indispensável à garantia do núcleo essencial dos direitos fundamentais.
6) CONCLUSÕES
O presente trabalho pretendeu apontar as bases para toda e qualquer investigação científica acerca dos serviços públicos, por meio da apresentação dos respectivos princípios e das polêmicas atuais sobre o tema.
Em virtude das transformações sociais, econômicas e jurídicas experimentadas nos últimos anos, bem como pela proeminência dos direitos fundamentais, os princípios dos serviços públicos têm sido utilizados para resolução de novas questões.
Isto porque a textura aberta dos princípios confere a maleabilidade necessária para que o intérprete, sem a necessidade de mudança formal dos textos normativos, enfrente os novos desafios colocados em tempos de globalização.
Destarte, os princípios, considerados normas jurídicas, são verdadeiros vetores para verificação da legalidade e da legitimidade da prestação dos serviços públicos, sejam eles prestados diretamente pelo Estado ou por meio de concessão ou permissão.
No Direito contemporâneo, o princípio da continuidade do serviço público deve ser reinterpretado para ser aplicado a qualquer atividade pública ou privada, com o objetivo de evitar lesão ou ameaça de lesão aos direitos fundamentais.
[1] CARBONELL, Miguel (Org.). Neoconstitucionalismo(s), 2ª ed, Madrid: Editorial Trotta, 2005. Note-se que a expressão “pós-positivismo” é utilizada de forma pioneira no Brasil pelo professor Paulo Bonavides em sua obra: Curso de Direito Constitucional. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 264.
[2] Sobre a constitucionalização do Direito Administrativo, vide a nossa obra: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A constitucionalização do Direito Administrativo: o princípio da juridicidade, a releitura da legalidade administrativa e a legitimidade das agências reguladoras, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. Da mesma forma, tivemos a oportunidade de aprofundar o estudo dos princípios do Direito Administrativo em outra oportunidade: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Princípios do Direito Administrativo, 2ª ed., São Paulo: Método, 2013.
[3] É oportuno ressaltar que durante o Antigo Regime, no período antecedente à Revolução, a França conhecia atividades análogas ao serviço público, mas que não recebiam essa denominação. A ideia formal de serviço público é posterior à Revolução Francesa. Nesse sentido: GROTTI, Dinorá Adelaide Mussetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 20.
[4] LONG, M; WEIL, P.; BRAIBANT, G.; DEVOLVÉ, P.; GENEVOIS, B. Les grands arrêts de la jurisprudence administrative, 16ª ed., Paris: Dalloz, 2007, p. 1-7; CHEVALLIER, Jacques. Le service public, 7ª ed., Paris: PUF, 2008, p. 14. Nesse caso, uma criança de cinco anos, Agnès Blanco, havia sido atropelada por uma vagonete pertencente à Companhia Nacional de Manufatura de Fumo. O Tribunal de Conflitos, ao apreciar uma espécie de conflito negativo de competência entre o Conselho de Estado e a Corte de Cassação, responsáveis, respectivamente, pela jurisdição administrativa e pela jurisdição comum, fixou a competência do Conselho de Estado para o julgamento da causa, tendo em vista a presença do serviço público naquele caso e a necessidade de aplicação de regras publicísticas, diferenciadas daquelas aplicáveis aos particulares.
[5] A utilização do serviço público, como critério de definição de competência do Conselho de Estado Francês, foi feita no julgamento do “caso Terrier”, julgado em 1903, em que um cidadão (M. Terrier) pretendia receber indenização da Administração local pelo serviço de caça às víboras, tendo em vista a promessa de recompensa feita pelo Conselho Geral de Saône-et-Loire. A novidade, nesse julgado, é que nem toda demanda, envolvendo serviço público, deveria ser julgada pela jurisdição administrativa, mas apenas aquelas que envolvam os serviços públicos, objeto de “gestão pública”, excluídos, portanto, os serviços públicos prestados sob gestão privada. LONG, M; WEIL, P.; BRAIBANT, G.; DEVOLVÉ, P.; GENEVOIS, B. Les grands arrêts de la jurisprudence administrative, 16ª ed., Paris: Dalloz, 2007, p. 73-76.
[6] DUGUIT, Léon. Las Transformaciones Generales del Derecho, Buenos Aires: Heliasta, 2001, p. 37. Os serviços públicos, nesta acepção sociológica, não seriam criados pelo Estado, mas, sim, pela própria sociedade que reconheceria a importância de determinada atividade para o atendimento das necessidades essenciais da coletividade.
[7] Nesse contexto, os serviços públicos são aqueles prestados sob regime jurídico especial (procedimento de direito público), com regras derrogatórias do direito privado. As demais atividades, prestadas por procedimentos privados, estariam excluídas da noção de serviço público, sendo caracterizadas como “gestão administrativa” (gestion administrative). Destaque-se, nessa visão, o aspecto formal (regime jurídico) na conceituação do serviço público. JÈZE, Gaston, Les principes généraux du droit administratif, Tome II, Paris: Dalloz, 2005, p. 7.
[8] Nas palavras do autor: “Se o regime administrativo repousa essencialmente sobre o poder, deve ser reconhecido que esse poder é instituído, ou seja, é enquadrado em uma organização submetida a uma ideia. Essa ideia é a do serviço a ser prestado ao público ou de serviço público. […] O essencial é que seja a ideia de servir, de prestar serviço, ao invés daquela de pressionar e oprimir, que é mais facilmente a tentação do poder” (tradução livre). HAURIOU, Maurice. Précis de droit administratif et de droit public, Paris: Dalloz, 2002, p. 8 e 13-14.
[9] Na lição de Caio Tácito: “Sabidamente, foi tardia a acolhida, no direito anglo-saxão, da autonomia do Direito Administrativo. Identificando a disciplina com o regime francês de dupla jurisdição – que interditava aos tribunais comuns o controle da Administração – os autores ingleses, com Dicey à frente, repudiavam o droit administratif (expressão que até mesmo se escusavam de traduzir) por incompatível como princípio da supremacia do Judiciário, que era um dos pilares da rule of law, em que repousava, na common law, o sentido da Constituição e do Estado de Direito.” TÁCITO, Caio. “Presença norte-americana no Direito Administrativo brasileiro”. In: Temas de Direito Público (Estudos e Pareceres), 1º vol., Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.15. Em sentido semelhante: CRETELLA JÚNIOR, José. Direito Administrativo comparado, São Paulo: Bushatsky, Editora da Universidade de São Paulo, 1972, p. 92.
[10] CARBONELL, Eloísa; MUGA, José Luis. Agências y procedimiento administrativo em Estados Unidos de América, Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 1996, p. 22.
[11] Vide: CASSESE, Sabino. La globalización jurídica, Madrid: Marcial Pons, 2006; PUIGPELAT, Oriol Mir. Globalización, Estado y Derecho. Las transformaciones recientes del Derecho Administrativo, Madrid: Civitas, 2004, p. 63.
[12] Os arts. 16 e 86, item 2, do Tratado, que institui a Comunidade Europeia, estabelecem: “Artigo 16. Sem prejuízo do disposto nos artigos 73.o, 86.o e 87.o, e atendendo à posição que os serviços de interesse económico geral ocupam no conjunto dos valores comuns da União e ao papel que desempenham na promoção da coesão social e territorial, a Comunidade e os seus Estados-Membros, dentro do limite das respectivas competências e no âmbito de aplicação do presente Tratado, zelarão por que esses serviços funcionem com base em princípios e em condições que lhes permitam cumprir as suas missões. (…) Artigo 86. (…) 2. As empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral ou que tenham a natureza de monopólio fiscal ficam submetidas ao disposto no presente Tratado, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada. O desenvolvimento das trocas comerciais não deve ser afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade.”
[13] Nesse sentido: JUSTEN, Monica Spezia. A noção de serviço público no Direito Europeu, São Paulo: Dialética, 2003, p. 184; ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 110.
[14] A intensa prestação de serviços públicos tradicionais por particulares e a crescente regulação estatal em relação às atividades privadas de interesse geral demonstram a aproximação entre as noções tradicionais. A indeterminação e fluidez da expressão “serviço de interesse econômico geral” permitem a sua aclimatação pelos países integrantes da União Europeia: uma mesma atividade pode ser considerada como public utility, em países da commom Law, e como serviço público, nos países de tradição romano-germânica.
[15] ORTIZ, Ariño. Princípios de Derecho Público Econômico, Granada: Comares, 1999, p. 550. É comum a menção doutrinária à crise do serviço público. Fausto Quadros afirma que o novo conceito de serviço público se preocupa em ser mais um serviço “ao público” do que em ser apenas um serviço público burocrático ou administrativo. Em suas palavras: “com o Direito Comunitário o conceito de serviço público não morreu, como ele morreu, por exemplo, para o Direito norte-americano: ao contrário, o Direito Comunitário apenas reformulou, robusteceu e ampliou aquele conceito”. QUADROS, Fausto. “Serviço público e Direito Comunitário”. In: Os caminhos da privatização da Administração Pública, Coimbra: Coimbra editora, 2001, p. 293.
[16] O estímulo à concorrência relaciona-se, por exemplo, com a denominada “liberdade de entrada”, que compreende a eliminação ou diminuição de barreiras para prestação de atividades socialmente relevantes e de serviços públicos. A criação de concorrência em setores tradicionalmente submetidos à exploração em monopólio exige, na lição de Ana Maria de Oliveira Nusdeo, “um esforço peculiar dos órgãos reguladores e, paradoxalmente, uma regulação forte que estimule a entrada de novos agentes e lhes garanta condições viáveis de concorrência”. NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. “Agências reguladoras e concorrência”. In: Direito Administrativo Econômico, São Paulo: Malheiros, 2006, p. 176.
[17] Sobre as três formas de desconcentração (contábil, jurídica e societária) que propiciam a desverticalização, vide: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 437-438; NESTER, Alexandre Wagner. Regulação e concorrência: compartilhamento de infra-estruturas e redes, São Paulo: Dialética, 2006, p. 57-58.
[18] A origem da essential facility doctrine remonta ao caso United States v. Terminal Railroad Association, julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos. 224 US 383 (1912). Na hipótese, a Suprema Corte determinou, em resumo, que o grupo econômico, que monopolizava os terminais ferroviários da cidade de St. Louis, permitisse o acesso das instalações férreas (essencial facilities) por terceiros, em condições razoáveis, sob pena de dissolução do referido grupo controlador. No Brasil, a referida doutrina encontra-se prevista nas leis setoriais que tratam das agências reguladoras (ex: arts. 73, 152, 153 e 155 da Lei nº 9.472/97; art. 3º, incisos VI e VII, da Lei nº 9.427/96; art. 58 da Lei nº 9.478/97).
[19] É possível, em determinados casos, que uma mesma atividade seja prestada sob o regime público ou privado, o que acarreta intensidades distintas de regulação, como ocorre, por exemplo, nos serviços de telecomunicações. O art. 63, caput e parágrafo único da Lei nº 9.472/97 dispõem: “art. Art. 63. Quanto ao regime jurídico de sua prestação, os serviços de telecomunicações classificam-se em públicos e privados. Parágrafo único. Serviço de telecomunicações em regime público é o prestado mediante concessão ou permissão, com atribuição a sua prestadora de obrigações de universalização e de continuidade.”
[20] A dificuldade pode ser demonstrada, por exemplo, na caracterização do serviço postal como serviço público ou atividade econômica. Luis Roberto Barroso defende o caráter econômico do serviço postal, que estaria aberto à livre iniciativa. (BARROSO, Luis Roberto. “Regime constitucional do serviço postal. Legitimidade da atuação da iniciativa privada”. In: Temas de Direito Constitucional, Tomo II, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 145-188). Recentemente, STF decidiu que o referido serviço, em regra, deve ser caracterizado como serviço público (Informativo de Jurisprudência do STF nº 554).
[21] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 137-139.
[22] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 144-149.
[23] Nesse sentido: JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público, São Paulo: Dialética, 2003, p. 20; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 18ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p 287; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 20ª ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 88; GROTTI, Dinorá Adelaide Mussetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 43-47.
[24] Nesse sentido, por exemplo: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 20ª ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 88; ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 341-348. O citado autor ressalva os serviços públicos sociais, em que a publicatio está ausente.
[25] JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público, São Paulo: Dialética, 2003, p. 47; ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 163.
[26] Vide: CHEVALLIER, Jacques. Le service public, Paris: PUF, 2008, p. 21.
[27] Sobre a aplicação do CDC aos serviços públicos, vide: Quanto ao tema, vide: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende Oliveira. Administração Pública, concessões e terceiro setor, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 214-221.
[28] Juan Carlos Cassagne, com propriedade, ensina que o princípio da continuidade “no implica, en todos los supuestos, la continuidad física de la actividade pues sólo se requiere que sea prestada cada vez que aparezca la necessidad (v.gr., servicio público de extinción de incêndios).” CASSAGNE, Juan Carlos. Derecho Administrativo, Tomo II, 8ª ed., Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2006, p. 420.
[29] Não se pode olvidar a dificuldade em se estabelecer os níveis de “essencialidade” do serviço público, tendo em vista a textura aberta da expressão. O art. 22 do CDC, por exemplo, determina a obrigatoriedade de prestação contínua apenas para os “serviços essenciais”, sem explicar, no entanto, o que seriam tais serviços.
[30] É oportuno lembrar que os serviços públicos prestados por concessionárias são singulares (uti singuli) e remunerados por tarifa, admitida a instituição de receita alternativa. Ao revés, Os serviços públicos individuais, remunerados por taxa, são compulsórios e, portanto, de fruição obrigatória pelo particular. Nessas hipóteses, o Estado tem a obrigação de prestar o serviço e o particular o dever de usufruí-lo, não sendo lícita a sua interrupção em caso de inadimplemento.
[31] Em relação ao princípio da vedação do retrocesso, afirma Felipe Derbli: “(…) veda-se ao legislador a possibilidade de, injustificadamente, aniquilar ou reduzir o nível de concretização legislativa já alcançado por um determinado direito fundamental social, facultando-se ao indivíduo recorrer à proteção, em esfera judicial, contra a atuação retrocedente do Legislativo, que se pode consubstanciar numa revogação pura e simples da legislação concretizadora ou mesmo na edição de ato normativo que venha a comprometer a concretização já alcançada”. DERBLI, Felipe. O princípio da proibição do retrocesso social na Constituição de 1988, Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 243.
[32] Nesse sentido, por exemplo: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Método, 2013, p. 162-164; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 22ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 318.
[33] A possibilidade do corte e os respectivos limites estão previstos, ainda, na legislação especial, como, por exemplo: art. 17 da Lei n° 9.427/96 e arts. 90 a 94 da Resolução da ANEEL n° 456/00. Da mesma forma, a Lei n° 11.445/07, que trata do saneamento básico, em seu art. 40, V, admite a interrupção do serviço público de água, quando houver inadimplemento do usuário, após prévia notificação formal.
[34] Nesse sentido: STJ, REsp n° 363.943/MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Primeira Seção, DJ 01/03/04, p. 119. Esse também é o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e contido na súmula n° 83: “É lícita a interrupção do serviço pela concessionária, em caso de inadimplemento do usuário, após prévio aviso, na forma da lei.”
[35] A dificuldade na aplicação da sobredita interpretação reside na textura aberta da expressão “serviço essencial”. Com o intuito de atenuar a dificuldade de identificação de tais serviços, a Lei nº 7.783/89, que trata da greve dos empregados celetistas, define os serviços essenciais como aqueles que são “indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”, necessidades essas, que, não atendidas, colocam “em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população” (art. 11, caput e parágrafo único). O art. 10 da Lei nº 7.783/89 enumera os serviços ou atividades essenciais: “tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis” (I); “assistência médica e hospitalar” (II); “distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos” (III); “funerários” (IV); “transporte coletivo” (V); “captação e tratamento de esgoto e lixo” (VI); “telecomunicações” (VII); “guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares” (VIII); “processamento de dados ligados a serviços essenciais” (IX); “controle de tráfego aéreo” (X); e “compensação bancária” (XI).
[36] REsp n° 460.271/SP, Min. Rel(a). Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 21/02/05 (Informativo de Jurisprudência do STJ n° 207). Vide, ainda, outras decisões noticiadas nos informativos de Jurisprudência do STJ n°s. 294, 297, 365 e 378.
[37] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Método, 2013, p. 164. Rafael Véras de Freitas, ao comentar o disposto no artigo 40 da Lei nº 11.445/2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, ressalta a ponderação de interesses alcançada pelo legislador no que tange à interrupção dos serviços de saneamento básico: “Assim, pode-se afirmar que a Lei de Saneamento reflete a solidez das discussões jurisprudenciais, realizando uma importante ponderação dos interesses envolvidos na questão; não será permitida a interrupção ou a restrição do fornecimento de água por inadimplência de estabelecimentos de saúde, de instituições educacionais e de internação coletiva de pessoas e, no caso de usuário residencial de baixa renda beneficiário de tarifa social, deverão ser observados os prazos e critérios que preservem as condições mínimas de manutenção da saúde das pessoas atingidas.” FREITAS, Rafael Véras. “O marco regulatório do saneamento básico e a defesa do meio ambiente”. In: BDA, v. 25, 2009, p. 904.
[38] Marcos Juruena Villela Souto sustenta a necessidade de ponderação para se concluir pela possibilidade da interrupção do serviço: “É importante levar ao Judiciário qual é o valor preponderante, no caso concreto: o risco para a coletividade ao se deixar de fornecer a um usuário inadimplente ou deixar de fornecer a todos, impactando a estabilidade financeira da concessionária”. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 113.
[39] Entendemos que todos os Entes Federativos possuem competência para legislar sobre o direito de greve dos servidores estatutários, pois trata-se de regime de servidor público, matéria afeta à autonomia política. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Método, 2013, p. 674. No mesmo sentido: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 22ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 544-545.
[40] STF, MI nº 20/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento: 19/05/94, DJ 22/11/96, p. 45.690. Na lição de José Afonso da Silva, as normas constitucionais, quanto ao critério da eficácia e aplicabilidade, podem ser classificadas em: a) normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata (são normas que possuem normatividade suficiente para serem aplicadas imediatamente, independentemente de providência normativa posterior); b) normas de eficácia contida a aplicabilidade imediata, mas passíveis de restrição (são normas que também possuem normatividade suficiente para aplicação imediata, mas, aqui, existe a possibilidade de restrição da sua eficácia e aplicabilidade pelo legislador infraconstitucional); e c) normas de eficácia limitada e aplicabilidade mediata (são normas despidas de normatividade suficiente para aplicação imediata, o que só ocorrerá, em regra, após a atuação do legislador). As normas de eficácia limitada compreendem as normas programáticas e as normas definidoras de princípio institutivo. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 2ª ed., São Paulo: RT, 1982.
[41] STF, MI nº 670/ES, Tribunal Pleno, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, julgamento: 25/10/07, DJe 31/10/08; STF, MI nº 708/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento: 25/10/07, DJe 31/10/08; STF, MI nº 712/PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, julgamento: 25/10/07, DJe 31/10/08. Vide: Informativo de Jurisprudência do STF nº 485.
[42] Entende-se por “exceção de contrato não cumprido” a impossibilidade de parte contratante inadimplente exigir da outra o cumprimento de suas obrigações (art. 476 do CC).
[43] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 22ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 200.
[44] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Método, 2013, p. 453-454; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 22ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 189-190; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 22ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 274-275; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 21ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 601.
[45] Salvo as hipóteses de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, o contratado poderá pleitear a rescisão do ajuste ou suspender as suas obrigações contratuais (exceptio non adimpleti contractus) em duas situações: a) suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, ou, ainda, por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo (inciso XIV); e b) atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados (inciso XV).
[46] É oportuno lembrar, aqui, a distinção entre interesse público “primário” e interesse público “secundário”. Enquanto o interesse público primário prende-se à ideia de satisfação de necessidades coletivas (justiça, segurança e bem-estar), o interesse público secundário seria o interesse do próprio Estado, enquanto sujeito de direitos e obrigações, ligando-se fundamentalmente à noção de interesse do Erário. Segundo a doutrina majoritária, o princípio da supremacia do interesse público relaciona-se ao interesse público primário e não ao interesse público secundário. Em consequência, não é lícito ao Estado justificar o seu inadimplemento com base em interesse público secundário, mesmo porque esse interesse público instrumental também pressupõe o respeito ao ordenamento jurídico. Nesse sentido, entre outros: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 21ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 62.
[47] É por isso que o parágrafo único do art. 39 da Lei n° 8.987/95 dispõe que “os serviços prestados pela concessionária não poderão ser interrompidos ou paralisados, até a decisão judicial transitada em julgado”.
[48] Nesse sentido: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Administração Pública, concessões e terceiro setor, 2º ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 251; JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público, São Paulo: Dialética, 2003, p. 610-611; ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 660.
[49] Nesse sentido: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 146-147.
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