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Harmonização do Direito Privado Europeu – Parte IV (Princípios fundamentais da União Europeia)
Carlos E. Elias de Oliveira
12/07/2023
Na Coluna anterior, lidamos com a jurisprudência comunitária europeia e com o modo de pesquisa a atos e a precedentes da União Europeia.
Prosseguiremos hoje expondo os princípios fundamentais da União Europeia, o que é fundamental para compreendermos o modo como a harmonização jurídica europeia ocorre no direito privado.
Principais princípios fundamentais da União Europeia
O direito comunitário é assentado em alguns princípios fundamentais, muito dos quais foram expostos e consolidados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)1. Destacam-se, entre eles: (1) o princípio do efeito direito do direito comunitário; (2) o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito interno; e (3) o princípio da responsabilidade de um Estado membro em relação aos particulares.
O princípio do efeito direto do direito comunitário
O princípio do efeito direto do direito comunitário estabelece que o direito comunitário tem de ser observado pelos Estados membros independentemente de qualquer ato de internalização. Daí decorre que os particulares podem invocar o direito comunitário perante as jurisdições domésticas, seja em demandas contra outros particulares (efeito direto horizontal), seja em demandas contra o próprio Estado membro (efeito direto vertical).
Esse princípio foi introduzido pelo TJUE no acórdão Vand Gend & Loor (1963). Nesse caso concreto, os Países Baixos estavam desrespeitando um Tratado da Comunidade Econômica Europeia (CEE) que proíbe o aumento de cobrança de direitos aduaneiros. O TJUE censurou essa postura neerlandesa, assentando que o referido tratado do direito comunitário tem efeito direto nos Estados membros. Com isso, o TJUE livrou a empresa Van Gend & Loor da cobrança indevida2.
A aplicação do princípio do efeito direito do direito comunitário depende do tipo de ato envolvido. Atos não vinculantes, como os pareceres e as recomendações, não possuem efeito direto.
Regulamentos, por outro lado, possuem efeito direto, pois são vinculantes, conforme art. 288º do TFUE3.
Diretivas, em algumas situações, possuem efeito direto contra o Estado membro (efeito direto vertical) que permaneceu inerte durante o prazo pertinente nas hipóteses em que as disposições da Diretiva eram incondicionais e suficientemente claras e precisas4.
Decisões têm efeito direto nos Estados membros que forem expressamente designados5.
Acordos internacionais, em alguns casos, também tem efeito direto em razão de sua força vinculante6.
Princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional
O princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional consiste no fato de as normas domésticas não poderem suplantar as normas comunitárias. Cabe, assim, ao Poder Judiciário doméstico e a todas as demais instâncias domésticas observar plenamente o direito comunitário e deixar de aplicar as normas domésticas contrárias, inclusive as normas constitucionais7.
Esse princípio foi introduzido pelo TJUE em 1964, no acórdão Costa. Nesse julgado, o TJUE analisou uma consulta do Poder Judiciário italiano e estabeleceu que uma lei italiana sobre nacionalização do setor de energia elétrica não poderia prevalecer sobre um tratado da Comunidade Econômica Europeia. Embora não haja nenhum dispositivo específico sobre o referido princípio nos Tratados da UE, trata-se de princípio fundamental reconhecido pelo TJUE.
Princípio da responsabilidade de um Estado membro em relação aos particulares
O princípio da responsabilidade de um Estado membro em relação aos particulares estatui que os particulares têm direito a serem indenizados contra o Estado membro por violação às normas comunitárias. Entre as hipóteses de violação, está a hipótese de omissão do Estado membro em adaptar a legislação interna a uma diretiva da União Europeia, especialmente quando o exercício do direito do particular dependa dessa prévia adaptação. Entendeu a Corte comunitária que, sem esse direito de indenização contra o Estado, a plena eficácia do direito da União seria enfraquecida
Esse princípio foi implantado pelo TJUE em 1991 no acórdão Francovich. No caso concreto, a Itália havia se omitido em transpor, para o direito interno, uma diretiva que protegia trabalhadores no caso de insolvência patronal. Dois obreiros obtiveram, por conta disso, direito a indenização contra o Estado por terem sofrido prejuízos com a insolvência do seu patrão e com a morosidade na regulamentação doméstica da referida diretiva8.
Na próxima coluna, prosseguiremos cuidando do tema.
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LEIA TAMBÉM
- Harmonização do Direito Privado Europeu – Parte I (Noções Gerais da União Europeia)
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NOTAS
1 Ver: (1) Curia, Tribunal de Justiça. Disponível aqui; e (2) Eur-lex, O efeito direto do direito da União Europeia. Publicado em 21 de outubro de 2021 (Disponível aqui.)
2 Para aprofundamento, com menção a outros dois acórdãos do TJUE (o acórdão Becker e o acórdão Kaefer e Procacci contra o Estado francês), ver: Eur-lex, O efeito direto do direito da União Europeia. Publicado em 21 de outubro de 2021 (Disponível aqui).
3 Confira-se:
Artigo 288.o
(ex-artigo 249.o TCE)
Para exercerem as competências da União, as instituições adotam regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e pareceres.
O regulamento tem caráter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros.
A diretiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios.
A decisão é obrigatória em todos os seus elementos. Quando designa destinatários, só é obrigatória para estes.
As recomendações e os pareceres não são vinculativos.
4 Eur-lex, O efeito direto do direito da União Europeia. Publicado em 21 de outubro de 2021 (Disponível em aqui).
5 Para aprofundamento (com citação do acórdão Hansa Fleisch contra Landrat des Kreises Schleswig-Flensburg), ver: O efeito direto do direito da União Europeia. Publicado em 21 de outubro de 2021 (Disponível aqui).
6 Eur-lex, O efeito direto do direito da União Europeia. Publicado em 21 de outubro de 2021 (Disponível aqui) (em que se reporta ao acórdão Demirel contra Stadt Schwäbisch Gmünd).
7 Ver: (1) FARINHAS, Carla. O princípio do primado do direito da união sobre o direito nacional e as suas implicações para os órgãos jurisdicionais nacionais. In: Julgar, nº 35, 2018 (Disponível aqui; e (2) Curia, Tribunal de Justiça. Disponível aqui.
8 Ver: Eur-lex, Acórdão do Tribunal de Justiça, de 19 de novembro de 1991: Andrea Francovich, Danila Bonifaci e outros vs República Italiana. Data: 19 de novembro de 1991 (Disponível aqui; e (2) Curia, Tribunal de Justiça. Disponível aqui.