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Harmonização do Direito Privado Europeu – Parte III (Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e como pesquisar)

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Harmonização do Direito Privado Europeu – Parte III (Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e como pesquisar)

UNIÃO EUROPEIA

Carlos E. Elias de Oliveira

Carlos E. Elias de Oliveira

06/07/2023

Na coluna anterior, tratamos das Diretivas e dos Regulamentos como principais normas da União Europeia.

Prosseguiremos hoje cuidando da jurisprudência produzida no âmbito do Tribunal de Justiça da União Europeia e indicaremos como o leitor pode fazer pesquisas de atos e precedentes.

Tribunal de justiça da união europeia

O Tribunal de Justiça da União Europeia1 (TJUE ou apenas Tribunal de Justiça) é composto por 27 juízes, com uma estrutura tripartida de órgãos fracionários de julgamento: (1) Tribunal Pleno; (2) Grande Seção; e (3) Seções2. Há ainda o Tribunal Geral da União Europeia, que está associado ao TJUE e que aprecia causas específicas, especialmente as de iniciativa de particulares3.

O principal tipo de processo julgado pelo Tribunal de Justiça é processo de reenvio prejudicial. Os principais julgados em matéria de Direito Privado costumam decorrer desses processos.

O reenvio processual consiste em consultas feitas pelos órgãos jurisdicionais dos Estados membros sobre a interpretação adequado do direito comunitário4. Dá-se quando o Poder Judiciário local depara-se com uma fundada dúvida acerca de qual seria a mais adequada interpretação de um ato normativo comunitário. Nesse caso, para evitar divergência de interpretação das normas comunitárias entre os Estados membros, o Poder Judiciário sobresta o julgamento do caso concreto e consulta o Tribunal de Justiça da União Europeia sobre essa questão jurídica prejudicial.

Há outros processos examinados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, como:

a) Ação por incumprimento: é precedido de um procedimento perante a Comissão, e a legitimidade ativa ad causam é da Comissão ou de um Estado membro. Essa ação volta-se a suspeitas de violações do direito comunitário por outros Estados membros.

b) Recurso de anulação: veicula pretensão de anulação de atos de órgãos da própria União Europeia, como um regulamento ou uma diretiva. A legitimidade recursal é dos Estados membros ou de particulares5.

c) Ação por omissão: volta-se contra persistência em postura omissiva por parte de órgãos da União Europeia após provocação6.

d) Recursos de decisão do Tribunal de Geral: só para questões de direito e volta-se contra acórdãos ou despachos do Tribunal Geral.

Em suma, o sistema de justiça da União Europeia é dividido em dois âmbitos: os sistemas nacionais (constituídos pelo Poder Judiciário de cada Estado membro) e o sistema da União Europeia (representado pelo TJUE).

Os julgados do TJUE possuem uma importância crucial no sistema jurídico comunitário. Diversos julgados estão na raiz da estrutura jurídica da União Europeia, respaldando regras e valores comunitários estruturais.

Por exemplo, a propósito do direito à livre circulação de mercadorias, o acórdão Cassis de Dijon (1979) é uma referência. Nesse julgado, o TJUE assegurou aos comerciantes o direito de importar de outros países produtos, salvo se estes forem ilegais ou contrários à proteção da saúde ou do meio ambiente7.

Sobre o direito à livre circulação de pessoas, há diversos julgados emblemáticos. No acórdão Kraus (1993), o TJUE estabeleceu que a homologação de diplomas estrangeiros tem de limitar-se à conferência meramente formal, destinada a investigar a fidedignidade do documento. No acórdão Bosman (1995), no acórdão Deutscher Handballbund (2003) e no acórdão Simutenko (2005), foram consideradas descabidas regras domésticas que impediam a transferência de jogadores ou que limitasse o número de estrangeiros em clubes de futebol, inclusive em relação a outros países que, embora não integrem da União Europeia, mantenham acordos internacionais.

Em relação ao direito à livre circulação de serviços, destacam-se três julgados.

O acórdão Cowan (1989) consagra o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, admitindo a um cidadão britânico que foi espancado em um metrô na França o direito a ser indenizado como qualquer cidadão francês.

O acórdão Kohll (1998) assegurou a um cidadão luxemburguês o direito a que uma caixa de assistência de saúde de Luxemburgo8 reembolse despesas médicas efetuadas em outros Estados membros9. Entendimento diverso seria um injusto entrave à livre circulação de serviços.

O acórdão Decker (1998) segue a mesma linha. Censurou a recusa da supracitada caixa de assistência de saúde de Luxemburgo a reembolsar as despesas com a aquisição de óculos em outro Estado membro.

No tocante à igualdade de tratamento e direitos sociais, reportamo-nos a três julgados. O acórdão Defrenne (1976) fixou o princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos pelo mesmo trabalho e, com isso, concedeu razão a uma obreira cuja remuneração era inferior por causa do seu gênero. O acórdão Brown (1998) reputou ilegal a despedida de trabalhadora por faltas resultantes da gravidez, pois tal representaria uma discriminação por gênero. O acórdão Bectu (2001) censurou a legislação britânica que afastava o direito a férias anuais pagas para contratos de trabalho de curta duração.

Em direitos fundamentais, há também acórdãos do TJUE. É o caso do acórdão Johnston (1986), que, em nome do direito fundamental à igualdade, censurou ato estatal que proibia mulheres policiais de portarem armas.

Em matéria de cidadania, o acórdão Zhu e Chen (2004) estabelece que o direito do cidadão da União em residir em qualquer Estado membro estende-se também a crianças, ainda que sua mãe seja nacional de um país alheio à União Europeia.

Nomenclatura (direito comunitário ou direito da união?) e Como fazer pesquisas por atos comunitários

O Alguns esclarecimentos adicionais calham.

O primeiro diz respeito a uma questão taxonômica. As expressões “direito da União” e “direito comunitário” devem ser consideradas sinônimas. A rigor, a última expressão era mais adequada antes da criação da União Europeia, quando havia uma Comunidade Econômica Europeia. Todavia, o uso das expressões como sinônimas mesmo após esse marco segue vigente na literatura jurídica.

O segundo é para esclarecer o modo de busca de atos produzidos no seio do direito comunitário.

Para encontrar os atos normativos, precedentes e outros atos oficiais da União Europeia, convém algumas explicações operacionais. Em suma, é viável realizar buscas por palavras-chave ou acessar diretamente o Jornal Oficial da União Europeia (JO), tudo no site oficial mantido pela própria União Europeia: o site EUR-lex.

Tomemos como exemplo este ato:

Diretiva 85/577, de 20 de dezembro, a qual foi publicada no JO nº L 31, número 372, de 31 de dezembro de 1985.

Na catalogação das diretivas, o primeiro número reporta-se ao ano e a parte final indica o dia e o mês. No caso acima, a Diretiva é de 20 de dezembro de 1985. O segundo número indica a numeração sequencial do ato. A supracitada Diretiva é a de nº 577.

O seu interior teor pode ser obtido por consulta no supracitado site EUR-lex. Há duas formas de encontrar o ato nesse site.

A primeira é, ao buscar os atos jurídicos, indicar as palavras-chave cabíveis. No caso acima, basta informar o ano e o número da Diretiva no campo próprio para obter o produto.

A segunda forma de pesquisa é clicar, no supracitado site, no campo do Jornal Oficial da União Europeia (JO) e buscar o ato na edição pertinente do JO.

O JO corresponde ao que, no Brasil, conhecemos como “Diário Oficial”. Nele são publicados todos os atos oficiais dos órgãos da União Europeia, tanto os normativos (como as diretivas) quanto os jurisprudenciais (como as decisões do Tribunal de Justiça) ou outros de natureza divesa (como comunicações).

Cada edição do JO recebe uma numeração. No caso acima, o número do JO em que foi publicado a supracitada Diretiva é 372.

Dentro da edição do JO, o ato a ser publicado é identificado por uma letra e um número. As letras correspondem às séries do JO, que são principalmente duas: (1) “L”, quando se tratar de legislação; (2) “C”, quando se cuidar de comunicações e informações. O número corresponde à página. Assim, no exemplo acima, a supracitada diretiva é identificada como L 31, porque integra a série de “legislação” e está na página 31 da edição do JO.

Em resumo, no exemplo acima, a Diretiva está na página 31 da série “Legislação” do JO nº 372, publicado em 31 de dezembro de 1985.

Na próxima coluna, prosseguiremos cuidando do tema. Até lá!

Fonte: Migalhas


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NOTAS

1 Site. Não se pode confundir com o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), fruto da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Este integra o Conselho da Europa, que é organismo diferente da União Europeia.

2 Na sistemática de julgamento, não há espaço para votos vencidos. O juiz relator faz um projeto de acórdão. Qualquer juiz pode propor alteração. E só esse acórdão final é publicado, com a assinatura dos juízes que estiveram presentes na deliberação oral.

3 A rigor, o Tribunal de Justiça da União Europeia é dividido em duas jurisdições: o Tribunal de Justiça strcito sensu e o Tribunal Geral. Em termos de nomenclatura, a expressão “Tribunal de Justiça” é utilizada ora em alusão ao TJUE, ora em referência ao que chamamos de Tribunal de Justiça stricto sensu. Até 2016, havia também o Tribunal da Função Pública, mas, com sua extinção, as suas atribuições reverteram-se para o Tribunal Geral.

4 Conforme realçaremos mais abaixo, utilizaremos a expressão “direito comunitário” como sinônima de “direito da União” em virtude de tal emprego seguir sendo utilizada por doutrinadores em geral.

5 A competência será do Tribunal Geral se o recurso for de um particular.

6 Em alguns casos, a competência é do Tribunal Geral.

7 Curia, Tribunal de Justiça. Disponível aqui.

8 Essa caixa de assistência de saúde é estatal.

9 Eur-lex, Acórdão do Tribunal de Justiça, de 28 de abril de 1998: Raymond Kohll vs Union des caisses de maladie. Data: 28 de abril de 1998 (Disponível aqui. Acesso em 8 de abril de 2022).

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