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CLÁSSICOS FORENSE
CONSTITUCIONAL
REVISTA FORENSE
Efeito suspensivo do recurso ordinário de mandado de segurança, de Arnaldo Cavalcânti Lacombe

Revista Forense
05/09/2025
Qual a natureza do recurso ordinário, previsto no art. 101, n. II, letra a, da Constituição de 1946? Significa êle uma inovação que a Carta em vigor introduziu no direito positivo brasileiro, estabelecendo uma “anelação”, para o Supremo Tribunal, de decisões, denegatórias de mandado de segurança ou habeascorpus por tribunais federais ou estaduais? Por que e para que dispõe o art. 101 dois recursos diferentes, através dos quais o Supremo Tribunal Federal conhecerá ordinàriamente daquelas decisões, e extraordinàriamente de decisões concessivas de mandado de segurança ou habeascorpus?
1. O texto constitucional
O legislador constituinte, querendo distinguir, estabeleceu:
“Art. 101. Ao Supremo Tribunal compete:…
II, julgar em recurso ordinário:
a) os mandados de segurança e os habeascorpus decididos em última instância pelos tribunais locais ou federais, quando denegatória a decisão;… (grifamos)
III, julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais ou juízes:
a) quando a decisão fôr contrária a dispositivo desta Constituição ou à letra de tratado ou lei federal;
b) quando se questionar sôbre a validade de lei federal em face desta Constituição. e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada;
c) quando se contestar a validade de lei ou ato de govêrno local em face desta Constituição ou de lei federal, e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato;
d) quando na decisão recorrida a interpretação da lei federal invocada fôr diversa da que lhe haja dado qualquer dos outros tribunais ou o próprio Supremo Tribunal Federal;”
Assim, é lícito indagar: se o Tribunal Federal de Recursos denega mandado de segurança ou habeascorpus concedido em primeira, instância, profere decisão definitiva? A questão cabe, também, evidentemente, para o caso de ser o julgamento deliberado por tribunais estaduais. Mas o que importa é precisar: estava investido o Tribunal que votou aquela decisão, ao promulgá-la, das prerrogativas de segunda e última instância, ou a mesma decisão, por denegatória, daria margem a que, provocado por recurso ordinário, nos têrmos exatos do texto constitucional, fôsse o mandado de segurança ou o habeascorpus julgado pelo Supremo Tribunal, na qualidade de terceira instância, de instância necessária? Mas, funcionando a Côrte Suprema como terceira instância (e êsse foi o objetivo indisfarçável do legislador constituinte, ao elaborar, em seus têrmos precisos, o artigo 101 citado, como se verá a seguir, pela transcrição de diversos trechos de discursos proferidos sôbre o assunto, na Assembléia), de modo a que não seja definitiva a decisão do Tribunal Federal de Recursos ou do tribunal estadual, não fica claro que o recurso ordinário que para lá se pode dirigir tem efeito suspensivo? Tôdas as questões agora formuladas têm respostas precisas. E vamos buscá-las:
a) na clareza do texto constitucional;
b) na interpretarão de dito texto, conforme à tradição de nosso direito constitucional (Constituições de 1891 e 1934), e pelo que dêle esclarecem os Anais da Assembléia Constituinte de 1946;
c) no próprio conceito de recurso ordinário, que é uno e preciso em todos os
melhores processualistas, desde os praxistas de tempos remotos, até os melhores comentadores do atual processo civil;
d) em disposições do próprio Regimento Interno do Tribunal Federal de Recursos.
2. A sistemática que seguem o texto do art. 101, ns. II e III, da Constituição, e o art. 12, parág. único, da lei número 1.533
Ao estudioso da Constituição de 1946 uma primeira leitura da redação dos números II e III do art. 101 acarretaria forçosamente a indagação formulada antes: qual a razão por que o legislador o constituinte concedeu recurso ordinário a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, de decisões proferidas por tribunais federais ou estaduais em processos de mandado de segurança e habeascorpus, desde que denegatórias tais decisões?
A situação criada pelo preceito da Carta Magna é clara: se a decisão do tribunal federal ou estadual fôr concessiva de mandado de segurança ou de habeascorpus, o recurso para o Supremo Tribunal Federal só poderá ser extraordinário, fundado nas hipóteses previstas no número III do art. 101; se a decisão fôr denegatória, o recurso será ordinário. Sabido que o recurso extraordinário não tam efeito suspensivo, não é lícito concluir que aquêle tratamento diverso estipulado pela Constituição para situações decorrentes de mandados de segurança ou habeascorpusdenegados ou concedidos par tribunais federais ou estaduais visava precisamente a dar ao cidadão uma asma eficiente de defesa contra o arbítrio do poder, conferindo-lhe contra a decisão que denegasse a ordem ou o mandado, anteriormente concedidos, um recurso de efeito suspensivo?
É bom lembrar, neste passo, que tôda a legislação, constitucional ou ordinária; relativa ao mandado de segurança, configurando-o como meio de preservação de direitos inalienáveis do conceito de dignidade da pessoa, e hoje tão essenciais como aquêle que se traduz na liberdade de locomoção, assegurada pelo habeascorpus, obedece a uma só sistemática, deduzida do espírito liberal do legislador, que se preocupa em proteger, por meios de direito sempre mais eficazes, o cidadão cujos interêsses estão em jôgo, diante do excesso de poder da autoridade púbica. Veja-se, como exemplo, a disposição do parág. único do art. 12 da lei número 1.533, que combina à maravilha com aquela que se analisa, da letra a do n. II do art. 101 da Constituição. Lá se diz expressamente:
“Da decisão que conceder o mandado de segurança recorrerá o juiz exofficio sem que êsse recurso tenha efeito suspensivo” (lei n. 1.533 art. 12, parág. único).
O sistema é claro e coerente:
Primeira instância: se a decisão é concessiva, haverá recurso (evidentemente ordinário, unas ao qual a lei nega efeito suspensivo) para tribunal estadual ou federal.
Segunda instância: se a decisão é concessiva, o recurso é extraordinário, evidentemente sem efeito suspensivo; se a, decisão fôr denegatória, o recurso será ordinário, funcionando o Supremo Tribunal como – terceira instância.
De resto, é sabido que a regra é sempre a mesma: se ao recurso extraordinário se tiver de dar efeito suspensivo, a lei deverá declará-lo expressamente; se o recurso ordinário não tiver efeito suspensivo, a lei o declarará também expressamente. No primeiro caso, temos o recurso extraordinário previsto no art. 294 do dec. n. 4.857, de 9 de novembro de 1939. A citação feita do parág. único do art. 12 da lei n. 1.533 corrobora a segunda afirmação: o recurso é ordinário mas a lei lhe nega o efeito suspensivo. Ora, a Constituição silencia quanto aos efeitos do recurso ordinário estabelecido no art. 101, n. II, letra a. Seria demais concluir que lhe quis manter o efeito suspensivo, natural?
3. O recurso ordinário suspensivo estudado e a tradição a que obedece, por derivar de textos semelhantes, nas Constituições de 1891 e 1934
Não estaria inovando o constituinte de 46, por inserir no texto da Carta Magna um tal recurso ordinário, de efeito suspensivo, atribuindo ao Supremo Tribunal Federal, no julgamento de habeascorpus e mandados de segurança, a missão de, como terceira instância, proferir a decisão definitiva.
A Constituição de 1891 já dispunha, em seu art. 61:
“As decisões dos juízes ou Tribunais dos Estados, nas matérias de sua competência, porão têrmo aos processos e às questões, salvo quanto a:
“1, habeascorpos, ou
“2, espólio de estrangeiro, quando a espécie não estiver prevista em convenção ou tratado.
Em tais casos haverá recurso voluntário para o Supremo Tribunal Federal”
Explique-se, de início, a referência a habeascorpus, e a nenhuma menção ao
mandado de segurança, no texto do artigo 61 da primeira Constituição republicana. É que, naquele tempo, o habeascorpus foi meio hábil para a defesa, não só do direito de ir e vir, como de outros direitos subjetivos assegurados hoje pelo mandado de segurança. A distinção, que entre êsses processos sumários faz hoje a Constituição de 46, não teria razão de ser, portanto, no texto daquele art. 61.
Será útil citar dois juristas de renome, que versaram o assunto com tôdas as exigências de erudição e clareza, que o desenvolvimento da tese solicita.
O mandado de segurança., para TEMÍSTOCLES CAVALCANTI, “escrevendo no regime do direito anterior, está filiado lògicamente dentro do nosso sistema processual: ao habeascorpus e à ação sumária especial da lei n. 221, de 1894, para explicar:
“Ao habeascorpus, porque, foi da aplicação dêsse instituto entre nós que “nasceu a idéia de criar o mandado de segurança e isso devido a se lhe ter dado extensão desmedida, imposta pela necessidade de amparar direitos conculcados pelo poder público e para os quais outro remédio não havia que não esta salutar garantia judicial”.
“Essa origem do mandado de segurança está assinalada por CASTRO NUNES (“Do Mandado de Segurança”, página 3), que, a propósito, escreveu:
“As origens do mandado de segurança estão naquele memorável esfôrço de adaptação realizado pela jurisprudência” sob a égide do Supremo Tribunal, em tôrno do habe
ascorpus, para não deixar sem remédio certas situações jurídicas que não encontravam no quadro das nossas ações a proteção adequada”.
“A reforma da Constituição federal, em 1926, repondo o habeas corpus na sua função especifica de garantia do direito de locomoção, apressou a introdução, no quadro do direito brasileiro de outra garantia paralela àquele ou sucedânea para os casos de necessidade de amparar ou restaurar direitos líquidos e certos de outra ordem que não de ir e vir, quando ameaçados de violação ou já violados, encarecida desde antes, no Congresso Jurídico de 1922 pelo ministro MUNIZ BARRETO, que propugnou pela criação de um instituto semelhante ao recurso de amparo do direito mexicano, porém, com rito mais sumário e que compreendesse tanto agressão ao direito, partida de autoridadepública, como a proveniente do atoprivado” (despacho proferido em mandado de segurança pelo Sr. desembargador OLÍVIO CÂMARA, Fortaleza, junho de 1947, apud “REVISTA FORENSE”, volume 113, pág. 519).
Mas não basta filiar o mandado ao habeascorpus, segundo a interpretação ampla que deu a êste a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal nos primórdios da República.
Não é tarefa penosa a de esclarecer que o recurso para o Supremo Tribunal, previsto no art. 61 sob exame, tinha efeito suspensivo, tal como se deve reconhecer ao do atual art. 101, n. II, letra a, que se filia àquele consignado para os habeascorpus.
Com a palavra um ilustre intérprete da Constituição de 1891:
“Demais, é fora de dúvida que o Supremo Tribunal Federal se investe das funções de uma terceira instância, mesmo com as restrições das leis atuais, nos seguintes casos:
“a) em matéria criminal, quando revê os processos findos, revisão que por exceção só pode ser sem gravame de pena para o condenado;
b) em matéria de habeas corpus;
c) em se tratando de espólio de estrangeiros, quando a espécie não estiver prevista em convenção ou tratado.
“Sôbre espólio de estrangeiros deve presidir a regra: quando a espécie não estiver prevista em tratado ou convenção, reveste o caráter de questão de direito civil internacional: a arrecadação e a partilha dos bens serão feitas pelo juiz federal. Há o recurso ordinário. Ao contrário, dá-se à competência do juiz local, com recurso extraordinário” (cf. JOSÉ RODRIGUES DE CARVALHO, “Do Recurso Extraordinário”, 1ª ed., 1920, pág. 10) (grifamos).
É ainda o mesmo autor que favorece a definitiva elucidação do tema. A página 144 da obra citada, transcreve os incidentes processuais de um recurso, dirigido ao Supremo Tribunal Federal pela Wilson Sons and Company, Limited, no ano de 1893, trazendo à luz ensinamentos preciosos, resumidos ou transcritos a seguir.
A questão subjudice era, em síntese, a seguinte: Wilson Sons and Company, Limited, julgando-se prejudicada por decisão do Tribunal Civil e Criminal, que pusera têrmo a ação promovida contra a United States and Brazil Mail Steam Ship Company, requereu ao presidente do mesmo Tribunal a revisão do feito pelo Supremo Tribunal Federal, em face das disposições do art. 59, § 1°, letra a, da Constituição vigente àquele tempo, combinadas com as do art. 385 do dec. número 848, de 1890. Indeferido o pedido de recurso extraordinário, a suplicante requereu a expedição de carta testemunhável para o Supremo Tribunal, cuja decisão consistiu em converter o julgamento em diligência, a fim de que, revertidos os autos, à jurisdição local, fôsse feito devidamente instruído, para subida do recurso extraordinário. As alegações do presidente MANUEL DA SILVA MAFRA, fundamentando o despacho por que denegara o recurso pretendido e afinal submetido ao Supremo, contêm ensinamentos preciosos sôbre a interpretação que se deveria dar, sob a vigência da Carta de 1891, aos textos constitucionais que regulavam os recursos ordinário e extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, atribuindo ao primeiro o necessário efeito suspensivo, que se desconhecia para o último.
Assim se justificava o magistrado, diante dos preceitos da Constituição:
“Em respeito e garantia das justiças dos Estados, determinou que as suas decisões, nas matérias de sua competência, porão fim aos processos, e às questões, salvo quanto a:
1, habeas corpus, ou
2, espólio de estrangeiro, quando a espécie não estiver prevista em convenção ou tratado, sendo que nestes dois casos haverá recurso voluntário para ó Supremo Tribunal Federal” (art. 61).
“Facultou também a Constituição a revisão por êste venerando Tribunal dos processos findos não só crimes (art. 81), como cíveis (art. 59, § 1°), julgados pelas justiças dos Estados.
“Foi fundando-se nesta última disposição (letra a), a qual constitui uma das exceções à determinação do art. 62 da Constituição, que a suplicante requereu-me o recurso extraordinário que lhe peguei.
Como disposição excepcional deve ser restritivamente interpretada.
Dispõe excepcionalmente o art. 59, § 1°, letra a, da Constituição, que das sentenças das justiças dos Estados emúltimainstância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal, quando se questionar sôbre a validade ou aplicação de tratados e leisfederais, e a decisão do Tribunal do Estado fôrcontra ela.
Evidentemente as disposições transcritas a meu ver não legitimam o recurso pela suplicante requerido, quer se considere a natureza da decisão, de que pretende recorrer, quer a sua matéria.
Com efeito. A primeira e fundamental condição do recurso extraordinário é que a decisão recorrenda tenha sido proferida em última instância pelos tribunais dos Estados” (JOSÉ RODRIGUES DE CARVALHO, ob. cit., páginas 149-150).
E não é só. Os conceitos de última instância, recurso ordinário e sentença definitiva, transcritos em seguida, sôbre Elucidar es emitidos anteriormente, fixam em caráter definitivo a procedência dos argumentos nos quais se apóia a tese aqui exposta:
Extinto o recurso de revista, que, no antigo regime, era interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, sòmente por injustiça notória e nulidade manifesta, julgou, entretanto, o legislador constitucional de interêsse de ordem pública como disse, a revisão, pelo Supremo Tribunal Federal. dos feitos crimes e cíveis, julgados pelas justiças dos Estados, em os casos expressos.
Nesta determinação, pela expressão – em última instância – do § 1° do cit. art. 59, conclui-se que o legislador não se apartou da disposição do art. 6° da lei de 18 de setembro de 1828, o qual dispunha que não podia ter lugar a revista em causas cíveis julgadas em todos e quaisquer juízos em última instância.
Ora não há razão para que as mesmas expressões não signifiquem o mesmo pensamento.
Segundo a citada lei de 1828, só podia ser interposta a revista quando a causa tivesse sido julgada ou a sentença proferida em última instância; e, com razão, observa o marquês de São Vicente, porquanto se não é proferida em última instância, se ainda há recursos ordinários, então a questão não está definitivamente terminada, ainda restam meios, de que se pode lançar mão” (“Direito Público”, n. 845).
O profundo jurisconsulto Dr. CRISPINIANO SOARES, na discussão da causa entre o barão de Mauá e a Estrada de Ferro São Paulo, demonstrou tôda a luz que a, transcrita opinião do marquês de São Vicente não se prestava por modo algum, como se pretendeu, a fundamentar o recurso de revista de decisão proferida em agravo (“Revista Jurídica”, vol. 7°, pág. 145).
É pois, conseqüente a expressão – em última instância, – quer da lei de 1828, quer da Constituição, significa a mesma coisa, isto é, o julgamento definitivo da ação.
E é seguramente por estas razões que o parág. único do art. 9° do decreto n. 848, de 1890, exige expressamente como requisito do recurso extraordinário que seja definitiva a sentença recorrenda” (JOSÉ RODRIGUES DE CARVALHO, ob. cit., pág. 151).
O art. 76 da Constituição de 1934 apresenta redação que corresponde à evolução doutrinária e jurisprudencial referida e se aproxima sensivelmente da do atual art. 101:
À Côrte Suprema compete:…
2) julgar:
I, as ações rescisórias dos seus acórdãos;
II, em recurso ordinário:
a) as causas, inclusive mandados de segurança, decididas por, juízes e tribunais federais, sem prejuízo do disposto nos arts. 78 e 79;
b) as questões resolvidas pelo Tribunal Superior da Justiça Eleitoral, no caso do art. 83, § 1°;
c) as decisões de última ou última ou única instância das justiças locais e as de juízes e tribunais federais, denegatórias de habeas corpus;
III, em recurso extraordinário, as causas decididas pelas justiças locais em única ou última instância:…
d) quando…”
A Côrte Suprema, recebendo a missão de julgar em recurso ordinário os mandados de segurança decididos em tribunais federais e estaduais, e os habeascorpus, apreciados nos mesmos juízos desde que – para os últimos – denegatória a decisão, assume, com maior nitidez que a assinalada no texto da Carta de 91, a missão de funcionar como terceira instância, devendo-se observar; entretanto, que o art. 76 em causa inova, com relação àquele que, na Constituição anterior, dispunha sôbre a mesma matéria, da mesma forma que o atual é mais liberal do que êle, visando a ampliar as franquias democráticas reconhecidas ao cidadão cujos interêsses possam ser eventualmente postergados pelos agentes do poder público. O caminho percorrido rara que fôsse alcançado o objetivo consubstanciado afinal nas disposições do art. 101, atualmente em vigor, foi longo e muitas vêzes penoso. Mas, desde as memoráveis defesas do habeascorpus produzidas por RUI perante o Supremo Tribunal, a 18 de abril e 27 de junho de 1892, os sucessos da causa da liberdade deixavam entrever a expressão e o valor da vitória final.
O art. 61 da primeira Constituição republicana erigiu o Supremo Tribunal Federal em terceira instância, para julgamentos de habeascorpus decididos pelos juízes ou tribunais dos Estados, sem mencionar qualquer distinção que se verificasse nas deliberações, favoráveis ou contrárias ao pedido, por parte daqueles juízos. No art. 76 da Carta de 34, já se estipula que, nos julgamentos, por tribunais federais ou estaduais, de mandados de segurança, haverá recurso ordinário para o Supremo, qualquer que seja a decisão – denegatória ou concessiva; e que das decisões denegatórias de habeascorpus, nos mesmos juízos, caberia o recurso ordinário para a instância definitiva. O atual art. 101 equipara, para todos os efeitos, o habeascorpus ao mandado de segurança, estabelecendo aquela diversidade de recursos já indicada: ordinário, para o caso de decisões denegatórias; extraordinário, para as concessivas. É que, como bem acentuou na Assembléia Constituinte o deputado MILTON CAMPOS:
“Nem só a liberdade de ir e vir deve merecer cuidados especiais, que permitam levar os casos ao Supremo Tribunal Federal: também as demais liberdades, que são, em nosso sistema, o conteúdo do regime democrático. Sabem os nobres colegas que o mandado de segurança não só protege o direito incontestável e líquido dos cidadãos, como procura coibir os abusos das autoridades. Ora, basta que estejamos em presença de um abuso de ação, um excesso de autoridade pública, para que haja o maior empenho em que a ação abusiva “seja examinada até a última instância da justiça da República” (cf. “Anais da Assembléia Constituinte”, vol. 22, página 200).
Mas são ainda os debates travados quando da elaboração da Carta de 46 que trazem o derradeiro foco de luz para clarear os argumentos que fundamentam a tese aqui versada. Dotar o Supremo Tribunal das prerrogativas de terceira e última instância para julgar, em recurso ordinário, as decisões denegatórias de mandados de segurança e habeascorpus em tribunais federais e estaduais, que são,
assim, a segunda, sòmente a segunda instância, a conhecer dos mesmos feitos, foi a preocupação obstinada e incisiva dos melhores juristas que se detiveram na elaboração do texto do art. 101, em vigor. É pela palavra de, talvez o maior, dentre todos os juristas que emprestaram o valor de seu esfôrço e o brilho de sua cultura à redação da Carta de 46, que se pode esclarecer da maneira categórica o tema. Para o deputado PRADO KELLY, vice-presidente da Comissão Constitucional escolhida pela própria Assembléia Constituinte, não poderia ser acolhida – como o não foi – emenda ao projeto e que, apresentada sob n. 2.584, visava precisamente a que se retirasse do texto da Constituição o benefício do recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal, nos casos de decisões denegatórias de mandado de segurança, por tribunais federais ou estaduais:
“O Sr. PRADO KELLY: V. Exª não me contesta que o mandado de segurança nasceu da extensão dada pela jurisprudência ao instituto do habeascorpus. É a observação que desejo fazer para demonstrar que se trata de recursos fraternais, que visam, exclusivamente, a proteção dos direitos e das garantias individuais. Em outras palavras, a uma garantia constitucional, tanto que na “Declaração dos Direitos” mantemos, com garantia individual, o habeascorpus e o mandado de segurança. Se se trata de garantia individual e não de um simples meio processual para reparação de direitos, não podemos retirar do Supremo Tribunal competência para pronunciar a última palavra quando essa liberdade ou essa garantia estiver em voltadas”.
“Figure V. Exª o caso do mandado de segurança requerido contra ato ilegal ou arbitrário de ministro de Estado. Se vingasse a emenda, não’haveria recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal”.
“Já o projeto prevê a competência ordinária do Supremo Tribunal quanto aos mandados de segurança requeridos contra ato do presidente da República. Mas figuro a hipótese de ato de ministro de Estado: o Tribunal de Recursos se consideraria última instância?
“Não; é contra a tradição brasileira, contra a necessidade de proteger êsses direitos”.
“V. Exª tem tôda a razão. Demais, Sr. presidente, há um argumento pessoal de primeira ordem a invocar”.
“Claro que não; são as garantias processuais encartadas em capítulo próprio”.
“Sr. presidente, no primeiro turno de nossos trabalhos, eu havia sugerido uma organização para o Supremo Tribunal, que o aliviaria de grande carga de responsabilidades. Seria êle, por exemplo, o órgão adequado para proferir as decisões definitivas, em tudo quanto dissesse respeito à Constituição. Ficariam os Tribunais Federais de Recursos com a incumbência de dar, também a última palavra, mas no que se referisse às leis, à sua interpretação ou à sua violação.
“Êste sistema não agradou à maioria da Casa. Acredito até que não tenha encontrado melhor acolhida entre os eminentes membros daquela alta Côrte de Justiça. Mas, se nós, no projeto, já lhe diminuímos as tarefas e se a matéria de recursos ordinários de tôdas as causas, civis ou criminais, em que a União fôr interessada como autora, ré ou opoente, já não chegam ao Tribunal e se esgotam no Tribunal Federal de Recursos; se, com isto, o Tribunal afasta de si grande número de apelações e de agravos – não podemos levar nossa boa vontade ou o nosso intuito de compreensão no interêsse, aliás superior de justiça, àqueles pontos que devem ser considerados por todos os democratas como garantia dos seus direitos e como forma de manter a vigilância necessária, em tôrno dos postulados republicanos”.
“O SR. PRESIDENTE: Vamos proceder à votação da emenda, dividindo-a, a requerimento do Sr. senador FERREIRA DE SOUSA, em duas partes.
Os senhores, que votam pela supressão das palavras “os processos decididos em última instância pelos tribunais locais ou federais sôbre mandado de segurança“, da letra a, inc. II, do art. 101 do projeto, queiram se levantar. (Pausa.)
Está rejeitada.
Vou proceder à votação da segunda parte.
Os senhores, que aprovam a supressão das palavras “e “habeascorpus” quandodenegatóriaa decisão“, queiram se levantar. (Pausa.)
“Está rejeitada” (“Anais”, vol. 22, págs. 201-202).
4. Conceito de recurso ordinário no processo civil
Mas o conceito de recurso ordinário, ao qual é inerente o efeito suspensivo, reconhecido, como vimos, nos textos, e na prática das Constituições republicanas, também pode ser deduzido com clareza das lições que ministram os mestres do processo civil, nos quais, indubitavelmente, se fundamentam as disposições constitucionais analisadas.
Para citar sòmente dois entre os mais festejados:
PAULA BATISTA, escrevendo no tempo da Carta de 91, ensina:
“Revista é o recurso extraordinário que se interpõe das sentenças proferidas em última instância para o tribuna? supremo (Constituição, arts. 163 e 164; lei de 3 de dezembro de 1841, art. 89; regulamento de 31 de janeiro de 1842, artigos 665 até 667). Com a organização do regime federativo desapareceu o recurso
de revista como o tínhamos ao tempo do Império. Criou-se todavia, o recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, que só poderá ser interposto das sentenças definitivas ou que tiverem fôrça de definitivas, proferidas em última instância pelas justiças dos Estados ou do Distrito Federal…” (“Compêndio de Teoria e Prática do Processo Civil Comparado com o Comercial”, 7ª ed. melhorada, H. Garnier, ed., página 356).
E quais as sentenças que o admitiam? A resposta é precisa:
“§ 242. São, pois, suscetíveis dêste recurso sòmente as sentenças proferidas…
– em última instância e que ….” “decidam as causas por modo definitivo”.
“A razão é clara. Quando a decisão ou acórdão da última instância não tem fôrça de definitivo a causa tem de continuar, e restam, conseguintemente outros atos e recursos ordinários, que não deverão ser preteridos para invocar-se extemporâneamente um recurso extremo, que é a derradeira expressão judicial” (ob. cit., págs. 358-359).
Seria necessária maior clareza? Se a decisão pende de recurso ordinário, como o que o art. 101 da Constituição vigente permite interpor, não tem fôrça de definitiva, não foi deliberada em última instância. Mas não foram mesmo os próprios constituintes de 46 que esclareceram ser o Supremo Tribunal, nos casos das decisões denegatórias referidas, a últimainstância?
E, entretanto, em JOÃO MONTEIRO (edição anotada por CARVALHO SANTOS) que se pode buscar a palavra decisiva sôbre o assunto:
Nota. No sistema do Cód. de Processo Civil, há os recursos ordinários e os extraordinários.
Êstes são os que, não tendo efeito suspensivo, permitem seja a sentença desde logo executada, sem ser com caráter provisório.
São êles, exclusivamente: a) o recurso extraordinário; b) o recurso de revista.
Os demais recursos são sempre ordinários. Enquanto não julgados definitivamente, obstam a configuração da coisa julgada” (cf. JOÃO MONTEIRO, “Teoria do Processo Civil”, 6ª ed., atualizada por J. M. CARVALHO SANTOS, ed. Borsoi, pág. 62) (grifamos).
Ora, o Cód. de Proc. Civil é de 1939. Ninguém de boa-fé admitirá que o texto constitucional de 46 (art. 101) estipulasse um recursoordinário que, atentando contra as disposições expressas e a prática das Cartas anteriores, viesse mais contrariar a doutrina sancionada com o advento do Cód. de Processo, em vigor havia sete anos. Tanto mais que o Código apenas cristalizou, deu forma definitiva á boa doutrina que o precedera, e onde foi buscar a razão de ser de seus dispositivos.
5. Efeito suspensivo do recurso ordinário. O regimento do Tribunal Federal de Recursos
Mas de que o recursoordinário do art. 101 tem efeito suspensivo, dá noticia o próprio regimento interno do Tribunal Federal de Recursos, que estabelece:
“Art. 222. As decisões do Tribunal Pleno e das Turmas são admissíveis os seguintes recursos:
“3°) Para o Supremo Tribunal Federal:
I, recurso ordinário de decisões denegatórias do mandado de segurança;
“II, recurso extraordinário:…
“Art. 228. O recurso extraordinário e a revista não suspendem a execução da sentença”.
“Art. 235. O recurso da decisão denegatória de mandado de segurança será interposto pela mesma forma que os recursos de habeascorpus“.
E êstes, não é descabido acrescentar, sobem em autos originais, como nos casos de recurso suspensivo, ao Supremo Tribunal, pelo preceito do art. 234 do mesmo regimento.
Nada mais claro. Conforme, aliás, à doutrina constitucional, ao próprio texto do art. 101, que o regimento do Tribunal Federal de Recursos não contrariaria jamais. O recurso extraordinário e a revista, diz, enfàticamente, o art. 228 transcrito, não suspendem a execução da sentença. Só êstes, entretanto. Por onde se haveria de entender que o recurso ordinário não suspenderia também? Qual a disposição que o declararia? Não há. Os regimentos dos tribunais ainda não têm fôrça para revogar os ditames da Constituição… Mas o argumento a se considerar é precisamente o de que o regimento visou – o que só se deve louvar – à estrita observância do mandamento Constitucional. Combina-lo com as disposições do art. 101, n. II, a, leva a concluir forçosamente que ambos se completam, perfazendo um conjunto de normas harmônicas, onde ressalta, iniludível, o caráter suspensivo do recurso ordinário estudado.
CONCLUSÃO
A conclusão não pode ser outra: não são definitivas (se delas cabe recurso ordinário, ao qual o legislador não negou expressamente efeito suspensivo) as decisões proferidas por tribunais estaduais ou pelo Tribunal Federal de Recursos, no julgamento de mandado de segurança ou habeascorpus, desde que denegatórias. Assim, não devem ser executadas – como aliás se vem fazendo – sem a necessária publicação do acórdão e o decurso do prazo para interposição do recurso ordinário que vem de ser estudado. E sòmente se não fôr utilizado êsse remédio legal para – revisão do julgamento por instância superior se compreende que a decisão de segunda instância produza efeitos imediatos. Pois a verdade é que interposto o recurso, haverá, da mesma forma que há, até a interposição, aquêle mandado de segurança ou aquela ordem de habeascorpus concedido em primeira estância, segundo a sistemática cujo esquema não é descabido repetir:
Primeira instância: se a decisão é concessiva haverá recurso (evidentemente ordinário, mas ao qual a lei nega efeito suspensivo) para tribunal estadual ou Federal).
Segunda instância: se a decisão é concessiva, o recurso é extraordinário, evidentemente sem efeito suspensivo; se a decisão for denegatória, o recurso será ordinário, funcionando o Supremo Tribunal, como
Terceira instância.
Bem protegidos em face do arbítrio de agentes do poder público estarão os interêsses individuais a cuja defesa se assegurarem as garantias jurídicas consignadas na Constituição (art. 101, número II, letra a) e na lei n. 1.533 (artigo 12, parág. único) para que prevaleça é o julgamento em terceira instância o direito cujo reconhecimento já se obteve em órgão do Poder Judiciário: se a decisão de primeira instância conceder o mandado ou a ordem, o recurso que dela caberá não tem efeito suspensivo; se a decisão de segunda instância, reformando a primeira, negar a segurança ou a ordem anteriormente concedidas, o recurso que caberá é de efeito suspensivo, a fim de que, até o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, aquêle direito cujo reconhecimento se obteve possa ser preservado intotum, sem os contratempos inerentes a uma execução imediata daquilo que se deliberou em segunda instância; visto como tal execução acarretaria uma situação muitas vêzes difícil ou impossível de modificar, ainda que o pronunciamento da Côrte Suprema reconhecesse procedentes os fundamentos jurídicos da sentença de primeira instância, concessiva do mandado ou do habeascorpus.
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