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Inconstitucionalidade da Lei Municipal e Intervenção Econômica

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CLÁSSICOS FORENSE

CONSTITUCIONAL

REVISTA FORENSE

TRIBUTÁRIO

Intervenção Na Ordem Econômica E Social – Lei Agrária Municipal – Imposto De Indústrias E Profissões, de J. Pinto Antunes

J. PINTO ANTUNES

REVISTA FORENSE 173 - ANO DE 1956

Revista Forense

Revista Forense

12/09/2025

– É inconstitucional a atividade do poder municipal, como do poder do Estado-membro, quando procura realizar uma política econômica intervencionista, através da respectiva atividade legislativa.

– A técnica financeira pode ser utilizada para fins intervencionistas na ordem econômica, mas exclusivamente pelo poder federal, na forma, dos artigos 145 e 146 da Constituição.

– Lei agrária municipal é heresia constitucional.

– Nada impede que o impôsto de indústrias e profissões abranja, em sua incidência, a atividade rural.

CONSULTA

Questões sobre a competência municipal e a tributação da atividade rural

Um Município da Alta Sorocabana, alegando que a engorda de bois é prejudicial aos seus interêsses, porque diminui o número dos seus agricultores, resolveu combater aquela atividade pastoril, e, alterando a lei que regulava o impôsto de indústrias e profissões, passou a cobrar dos invernistas, a êsse título, nó ano passado, a quantia de Cr$ 50,00 por cabeça de boi. Essa medida fêz com que os invernistas fôssem constrangidos a pagar, no ano passado, cêrca de 20 vêzes mais que o impôsto anterior.

Posteriormente a Câmara Municipal votou uma “lei agrária”, dispondo sôbre melhor aproveitamento das terras do Município, e prevendo a desapropriação das terras dos invernistas para vendê-las em lotes a agricultores. Consta que, na execução dessa lei, vai ser elevado o impôsto de indústrias e profissões dos invernistas a Cr$150,00 por cabeça de gado. O dinheiro assim arrecadado servirá para a projetada desapropriação.

Pergunta-se:

1°) Pode o impôsto de indústrias e profissões abranger a atividade rural, quando é certo que a propriedade imóvel é taxada com a sisa e com o impôsto territorial?

2°) Pode o impôsto de indústrias e profissões, ao invés de quantia fixa, consistir em percentagem sôbre a atividade do profissional, ou cota proporcional ao seu movimento? Não se transforma, dessa maneira, em impôsto de renda, que é privativo da União?

3°) Tratando diferentemente o criador, o recriador e o invernista, e deixando de onerar com o impôsto qualquer outra atividade agrícola, viola o referido Município a Constituição federal (arts. 141, § 1°, 145 e 150) ?

4°) Pode o Município, através do impôsto de indústrias e profissões, impedir ou cercear o exercício, no seu território, de uma atividade pastoril lícita como é a engorda de bois?

PARECER

Parecer jurídico sobre a constitucionalidade da lei municipal

Ao município não cabe a função intervencionista na ordem econômica e social. A intervenção econômica, por via financeira, é, igualmente, vedada ao Município pela Constituição brasileira.

Preliminarmente, não há dúvida de que a técnica financeira é hoje instrumento generalizado nas mãos do poder para consecução de uma política intervencionista em busca da realização de um ideal de justiça. A atividade financeira do Estado é, constantemente, desviada do seu objetivo clássico – cobertura das despesas públicas, – para o fim de corrigir ou alterar a distribuição das riquezas processada pela forma em que se reconhece a licitude da iniciativa privada, protegida, por sua vez, pelo reconhecimento da propriedade privada como um do desdobramentos do princípio que declara e assegura a liberdade individual, compreensiva de tôdas as franquias que fundamentam e definem o regime democrático.

A obtenção da receita não visa, aí, à cobertura de despesas, mas a desempenhar uma função eurrítmica na distribuição das riquezas processada pelo livre jôgo das liberdades individuais através dos contratos; é a velha técnica financeira, da arrecadação de tributos, desviada da sua finalidade clássica para servir de instrumento do poder na sua atividade intervencionista na ordem econômica com o objetivo de fazer efetiva, por via de correção, outra distribuição de riqueza que obedeça melhor ao programa político que lhe foi impôsto pelo povo nos comícios eleitorais.

Os tributos não são, então, meios fiscais, formas de obtenção de recursos, mas, até, ao contrário, processos de extinção de atividades produtivas havidos por contrários ao ideal de justiça que anima a política econômica a que se entregam os titulares do poder público por esta via intervencionista; o exemplo vivo desta forma tributária, desviada dos rumos clássicos, é a elevação dos impostos de importação com a finalidade da realização de uma política autárquica ou de auto-suficiência econômica. A elevação do impôsto não visa à maior arrecadação de direitos sôbre os artigos importados, mas, indiretamente, à cessação ou proibição da importação objeto do agravamento do tributo; à proibição direta da atividade produtiva, prefere-se a proibição indireta, mais condizente com a técnica democrática de govêrno onde é da essência o reconhecimento e garantia das liberdades individuais.

Ora, pela Constituição brasileira, seguindo, desde a de 1934, o modêlo de Weimar, o poder público pode e deve intervir na “ordem econômica e social” para organizá-la “conforme os princípios da Justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano”.

É êste preceito, o do art. 145 da Constituição de 1946, uma norma programática, de sentido impreciso, pela utilização de expressões de significado equívoco, por conseguinte, sujeitos a variadas interpretações, como seja a expressão “justiça social”, dada como diretiva da intervenção pública.

Daí, igualmente, o grande poder intervencionista outorgado pelo poder constituinte ao legislador ordinário; a economia brasileira está sob a disciplina do poder político por expressa autorização constitucional. O povo, em Constituinte, determina como dever do legislador ordinário a intervenção na ordem econômica para condicioná-la à realização dos “princípios da justiça social”, na forma expressa pelo citado art. 145 da Constituição vigente.

Mas, para o exercício desta intervenção econômica estabelece, a Constituição, certas normas que asseguram a conformidade da intervenção com o cap. II do título anterior (Título IV), onde se declara e garante o gôzo, o exercício dos direitos individuais que constituem a definição do regime democrático, instituído pelo povo, como norma fundamental do seu próprio govêrno.

Para a garantia dos direitos individuais, a Constituição brasileira, pelo seu art. 36, divide o poder público funcionalmente (Legislativo, Executivo e Judiciário) e, também, espacialmente, quando, adotando a Federação (art. 10), distribuiu o Poder Público em poder federal, estadual e municipal.

Pois bem. Já neste ponto a Constituinte traçou um limite rígido ao poder intervencionista na “ordem econômica e social”, quando, pelo disposto no art. 146, a Constituição determina que sòmente a União, isto é, o poder federal, poderá intervir, na forma estrita ai prescrita, no domínio econômico.

Eis o mandamento constitucional, textualmente:

“A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade. A intervenção terá por base o interêsse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição”.

O têrmo União, na Constituição brasileira, é empregado, principalmente, como equivalente a poderfederal, como se conclui do art. 5° da Carta Magna, onde se atribui, à competência da União, as funções aí enumeradas.

Na tradição do Direito Constitucional brasileiro o assunto não pode suscitar dúvidas porque, desde que foi instituída a Federação, como forma de divisão especial do poder estatal, coube ao poder federal a elaboração do direito substantivo e é pelos vários ramos dêste direito que se institui o regime da propriedade e os seus limites, como corolários dos preceitos constitucionais.

Portanto, é inconstitucional a atividade do poder municipal, como o é, igualmente, a do poder do Estadomembro, quando procura adotar ou realizar uma política econômica intervencionista, através da respectiva atividade legislativa.

O intervencionismo econômico, a correção das desigualdades econômicas, pela realização de uma ordem “conforme os princípios da justiça social”, é da competência exclusiva da União, isto é, do poder federal, na forma expressa e isenta de qualquer dúvida do art. 146 da Constituição brasileira.

Na distribuição das competências não quis a Constituinte deixar ao poder do Estado-membro, nem tampouco ao poder municipal, esta função intervencionista na ordem econômica e social. Senão, seria possível, numa argumentação pelo absurdo, um Estado-membro socialista, pela monopolização estatal de tôdas as atividades econômicas, ao lado de um Estado-membro liberal ou neoliberal, onde as atividades econômicas restassem na esfera das iniciativas privadas. E esta prova, pelo absurdo, torna-se categórica, ao imaginarmos um regime em que ao Município seja concedida a liberdade de elaboração de uma política econômica, de uma especial ordem econômica, através das posturas das respectivas Câmaras. Dentro do mesmo Estado-membro teríamos Municípios de política econômica liberal ao lado de Municípios econômicamente socialistas.

Nem mesmo na Federação norte-americana pensou-se em levar a distribuição espacial dos poderes a tais extremos, que, na certa, chegaria à negação de tôda ordem econômica e política. A ordem supõe um princípio ordenador; é, uma ordem, a disposição conveniente de muitas coisas segundo determinado princípio, que é o princípioordenador. Ora, o regime federal é uma ordem federal, o que se não daria se vários princípios econômicos presidissem à espacial divisão dos poderes que define a Federação.

Limites da intervenção econômica na Constituição de 1946

Temos que é inconstitucional a política fiscal do Município cuja finalidade última seja a adoção de uma ordem econômica diferente daquela que as leis federais estabeleceram como política geral da União. A técnica financeira pode ser utilizada para fins intervencionais na ordem econômica, mas, exclusivamente, pelo poder federal, como prescrevem, expressamente, os arts. 145 e 146 da Constituição federal.

Pelo art. 28 da Constituição federal não cabe ao Município, porque não é do seu peculiar interêsse, o poder de intervenção na “ordem econômica e social” para realização dos princípios da justiça social a que se refere o art. 145 da Constituição. Êste dever de intervenção, na distribuição das competências, compete, expressa e privativamente, ao poder federal, conforme as expressões textuais do art. 146 da nossa Carta Magna, que determina, ainda, o respeito, no intervir, aos direitos fundamentais; principalmente aquêles expressos no art. 141 e seus parágrafos.

As razões de tributar denunciam o objetivo do legislador – razão fiscal ou intervencionista; no motivo fiscal busca o legislador a receita para cobrir despesas anteriormente fixadas; no motivo intervencionista, muitas vêzes a arrecadação, da quantia tributada, sòmente sob o prisma formal é regulada na lei tributária porque, em verdade, o objetivo último do legislador é diferente – procura-se, de fato, a modificação do regime da distribuição das riquezas pela extinção da atividade produtiva tributada. E, assim, o objetivo intervencionista da lei será atingido sòmente quando o tributo não render mais, pois, então, a matéria tributável desapareceu, em virtude da ação, aparentemente fiscal, que a isto realmente visava.

Na espécie, a chamada “lei agrária”, do Município em questão, não nos parece lei fiscal, dentro da competência do poder municipal, mas, realmente, uma lei intervencionista municipal visando à criação de nova ordem econômica segundo os princípios de uma determinada justiça social formulada pela maioria dos vereadores da Câmara respectiva. Ora, isto, repetimos, não é do peculiar interêsse dos Municípios; é atividade intervencionista cuja competência não foi distribuída aos Municípios, nem, igualmente, aos Estados-membros, mas, sim, ao poder federal, através do Congresso Federal, nos limites traçados pela mesma Constituição (artigo 146).

E se não fôsse a expressa proibição, pela clara distribuição das competências do art. 146, citado, ainda, o art. 5°, da mesma Constituição, afirma caber à União, exclusivamente:

“XV – legislador sobre:

a) direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, aeronáutico e do trabalho;…

c) produção e consumo;…

g) desapropriação;…

k) comércio exterior e interestadual;…

p) condições de capacidade para o exercício das profissões técnico-científicas e liberais”.

No art. 6°, o legislador-constituinte atribui ao poder do Estado-membro a legislação supletiva nos casos que enumera, mas, entre êles, não inclui nenhum daqueles que enumeramos e que constituem competência privativa do poder federal. E não incluiu acertadamente, porque a legislação, naquelas matérias, importaria em intervenção econômica decisiva e fundamental, o que constitui matéria exclusivamente reservada ao poder federal, na forma do art. 5°, combinado com a expressa determinação dos arts. 145 e 146 da mesma Constituição.

O nomenjuris dada à lei fiscal, objeto da Consulta, denuncia a inconstitucionalidade. “Lei agrária” significa estabelecer o principio da ordem agrária a adotar; ora, esta fixação de princípios não é matéria do peculiarinterêsse do Município, que deve se integrar, como o Estado-membro, dentro da “ordem econômica e social” da União, cujos princípios ordenadores são elaborados pelo poder federal (Congresso com sanção do presidentedaRepública), na forma dos arts. 145 e 146 da Constituição, respeitados os direitos individuais aí enumerados e que, por sua vez, estão sob a especial proteção do PoderJudiciário (art. 141, § 4°).

Aos poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) da União cabe a intervenção na ordem econômica e social, dentro da linhas rigidamente traçadas pelos texto da Constituição federal.

“Lei agrária” municipal é heresia constitucional. E pouco importa que a intervenção indevida do Município na ordem econômica do seu território seja com o nome de lei fiscal, criando ou aumentando impostos da sua competência; a inconstitucionalidade do ato municipal pode não estar na criação do impôsto, no seu aumento ou na sua alteração, mas no desvio das suas finalidades fiscais para finalidades intervencionistas, na “ordem econômica e social” de uma parcela territorial da União. A técnica financeira E hoje utilizada pelo intervencionismo estatal; as taxas, os impostos, os empréstimos, em suma, a tributação pode ser desviada dos seus fins clássicos com o objetivo da obtenção de uma especial distribuição das riquezas diferente daquela que resulta do livre jôgo dos contratos, conseqüentemente, do reconhecimento da propriedade privada e do espírito de iniciativa e organização. Mas isto, êste desvio, sòmente é possível através do poder federal e nunca pelo poder municipal, no regime da Constituição de 1946. A forma da lei (lei fiscal) pode ser constitucional, mas cabe ao intérprete ir ao fim da lei (art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil) e contrasteá-la, assim, com o texto constitucional; se o objetivo é inconstitucional, inconstitucional é tôda a lei. A forma é, na espécie, irrelevante; o fundo, a essência, dada pelo fim, é que importa.

A lei fiscal exige hoje êste duplo exame; podendo, modernamente, ser desviada das funções clássicas para a categoria de método intervencionista, a sua constitucionalidade precisa ser estudada sob as duas ópticas, isto é, sob os dois modos do seu efeito. A forma pode ser constitucional; o nomenjuris pode obedecer às discriminações de competência da Constituição, mas o fundo da norma, o objetivo da lei, porém, pode contrariar em cheio a distribuição de competências prescrita pelo constituinte máximo, que é, no caso, a Nação brasileira.

Concluindo, parece-nos que, na espécie, a pseudolei fiscal, podendo ser da competência do poder municipal sob o prisma formal, é, na realidade, uma medida intervencionista, pela via financeira e que contraria, assim, a expressa e privativa competência da União (poder federal), assegurada pelos arts. 145 e 146 da Constituição federal.

Passemos, agora, aos pormenores da consulta.

A inconstitucionalidade da lei agrária municipal

Questão 1: Imposto de indústrias e profissões e a atividade rural

1°) O impôsto de indústrias e profissões foi, no regime da Constituição de 1891, da competência dos Estados. Sob o regime da Constituição de 1934 tal impôsto era decretado e lançado pelo Estado mas, metade dêle, passou a ser arrecadado pelo Município. E, sob a Constituição vigente, é da competência exclusiva dos Municípios o lançamento e arrecadação, obedecidos os princípios gerais e constitucionais do direito financeiro, especialmente o do ss 34 do art. 141 da Constituição.

Aparenta-se, tal impôsto, com o de patentes, decretado, em 1791, na França. Em Portugal, tôda e qualquer profissão sofria a tributação, excluídas certas atividades escusas.

Atribui ALIOMAR BALEEIRO1 a origem do impôsto de indústrias e profissões às chamadas fintas que “Portugal, através das Câmaras Municipais, arrecadava como tributos extraordinários para guerras, reedificação de Lisboa depois do terremoto, paz da Holanda, dotes para princesas, etc. E acrescenta que todos os indivíduos de tôdas as classes sociais eram convocados e dentro de cada profissão se escolhiam os fintadores para divisão do sacrifício pelo processo da repartição”.

Cita, ainda, o autorizado autor, o exemplo histórico da Bahia, “onde em 1642, para sustento de 2.000 soldados que a defendiam, tôdas as profissões e negócios, exceto os exercidos por padres, foram fintados pela Vereança, figurando ourives, mercadores de lojas, alfaiates, barbeiros, senhores de engenho, cirurgiões e boticários, etc. entre os que deviam fazer a repartição do tributo dentro de suas respectivas categorias profissionais”.2

Com êste nome específico, porém, o impôsto de indústrias e profissões, entre nós, data dos alvarás de 12 de outubro de 1808 e 20 de outubro de 1812; e, pelas leis de 1835, usando a mesma denominação, são abrangidas, na incidência, lojas abertas, casas de leilão e modas, móveis, despachantes, etc.

Quanto ao fato gerador, somos de parecer, com ALIOMAR BALEEIRO, que êsse impôsto pode ser geral e “abrange tôdas e quaisquer profissões, embora, no direito positivo, muitas delas não sejam tributadas. Pode alcançar os agricultores, criadores e invernistas, desde que assente sôbre o efetivo exercício dessas profissões e não sôbre a propriedade de terras. A tributação destas, independentemente da utilização, cabe aos Estados (art. 19, n. I, da Constituição)”.3

Por isso mesmo é que os autores acentuam a grande semelhança entre o impôsto de indústrias e profissões e o impôsto de renda; chegam alguns a afirmar que o impôsto de indústrias e profissões não é senão a modalidade primitiva dos impostos de renda. E no direito brasileiro o assunto torna-se de importante indagação por causa da competência diversa para o lançamento e cobrança de um e de outro: o de renda é de competência federal, e o de indústrias e profissões compete ao Município, pela Constituição vigente. Em se tratando de indústrias e profissões, a única exceção expressa é a do art. 15, n. III, da Constituição, que exclui da competência municipal o impôsto de indústrias e profissões daqueles cuja atividade produtiva é exercida na produção, comércio, distribuição e consumo de lubrificantes e de combustíveis líquidos ou gasosos, de qualquer origem ou natureza, estendendo-se êsse regime, no que fôr aplicável, aos minerais do País e à energia elétrica.

Pelo art. 202 da Constituição os tributos terão caráter pessoal, sempre que isso fôr possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte; o impôsto de indústrias e profissões no Brasil, cobrado pelos Municípios, obedece à forma semipessoal e nada impede que a êle, igualmente, seja aplicada esta regra de justiça social da Constituição. Mas isto não quer dizer que o Município possa mudar a finalidade fiscal do impôsto da sua competência para transformá-lo em instrumento de alteração ou realização da ordem econômica que obedece a princípio de ordem nacional.

O impôsto de indústrias e profissões não pode gravar os rendimentos líquidos, porque êste fato gerador está sob a competência tributária da União, peia atribuição constitucional do impôsto de renda ao poder federal. Pode o impôsto de indústrias e profissões, em obediência ao ditame do art. 202 da Constituição, citado, basear-se em critérios ou coeficientes de renda bruta, mas o normal é seguir critérios fixos.

O impôsto de indústrias e profissões, que pode ser um impôsto geral, como vimos, obedece a uma técnica variada no seu lançamento – tabelas fixas, volume bruto de vendas ou operações das emprêsas; combinação do volume de vendas com o valor locativo da sede empresária ou dos estabelecimentos mercantis ou industriais, etc.

A vista destas considerações, à 1ª pergunta, respondemos que, doutrinária e constitucionalmente, nada impede que o impôsto de indústrias e profissões abranja, na sua incidência, a atividade rural, desde que:

a) assente sôbre o efetivo exercício dessas profissões e não sôbre a renda da atividade ou sôbre a propriedade das terras, pois o primeiro fato é objeto de impôsto federal sôbre a renda e o segundo, pelo art. 19, I, da Constituição, está sujeito ao impôsto de competência estadual. A proporcionalidade não condiz com a natureza do impôsto em questão, pois é técnica específica ao lançamento do impôsto sôbre a renda;

b) que a tributação tenha objetivo exclusivamente fiscal, para cobertura de despesas municipais já fixadas e não seja empregada como técnica intervencionista para dificultar ou impedir profissões lícitas; aí, então, o ato é de carregada inconstitucionalidade, não sòmente em virtude dos arts. 145 e 146 da Constituição, largamente comentados de início, como, especialmente, porque fere a franquia expressa no § 14 do art. 141 da mesma Constituição, quando afirma:

“É livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer”.

Questão 2: Percentual sobre atividade profissional e imposto de renda

2°) Pelo exposto, não cremos possível a cobrança do impôsto de indústrias e profissões como percentagem sôbre o rendimento da atividade profissional, porque, então, teríamos um real impôsto sôbre a renda, o que foge à competência municipal.

A cota do impôsto, proporcional ao movimento industrial, comercial ou agrícola, daria à tributação o caráter de impôsto sôbre a renda, vedada à competência do Município.

Aquelas circunstâncias, no máximo, poderiam servir de base para a divisão, em categorias, dos contribuintes do impôsto de indústrias e.profissões, a fim de se dar cumprimento ao art. 202 da Constituição, que recomenda, sempre que possível, a tributação “conforme a capacidade econômica do contribuinte”. Mas a relação, necessária e proporcional, da renda da atividade econômica com a contribuição fiscal, confundiria o impôsto de indústrias e profissões, de competência municipal, com o de renda, de competência federal, tornando inconstitucional a tributação por parte do Município.

Questão 3: Diferença de tratamento entre criador, recriador e invernista

3°) O impôsto de indústrias e profissões pode ser geral, como vimos, mas, na realidade histórica, não tem sido universal a tôdas as categorias profissionais.

Assim, dado o princípio democrático, da igualdade dos sacrifícios, fundado, entre nós, no § 1° do art. 141, onde se afirma que “todos são iguais perante a lei”, não há dúvidas que a ausência da generalidade fere o dispositivo constitucional.

Todavia, tal preceito é hoje visto sem tal rigorismo e a jurisprudência dos tribunais tem julgado constitucionais as leis de favor a determinadas categorias econômicas quando, em verdade, aí, é flagrantemente violado o princípio da isonomia acima referido. Interpreta-se a legislação excepcional como necessidade de “reajustamento econômico” e, então, a medida fiscal deixa de ser fiscal, para se transformar em processo intervencionista por via financeira. Diz-se, então, que a isonomia fiscal é princípio de igualdade formal (igualdade perante a lei), quando o ideal de justiça visa à isonomia material, à igualdade materialmente considerada, cuja obtenção exige a condenação da mesma isonomia fiscal; e, para esta última sustentação, podíamos invocar o ditame constitucional do art. 202, estendendo-o às categorias econômicas, tratadas diversamente pelo legislador fiscal. O princípio da justiça na tributação sofreu profundas modificações nas doutrinas intervencionistas que buscam realizar, pela via fiscal, a igualdade das condições materiais dos indivíduos.

Questão 4: Cerceamento da atividade pastoril pelo município

4°) O Município, através do impôsto de indústrias e profissões, não pode impedir ou cercear o exercício, no seu território, de uma atividade pastoril lícita como é a engorda de bois.

O fundamento da nossa assertiva está no longo arrazoado que precedeu a resposta a esta consulta.

Dissemos e repetimos que a “ordem econômica e social” do País está sob a direção do poder federal que, nela, pode intervir para realização daquilo que os seus titulares julguem ser a justiça social ou a melhor ordem econômica, respeitados os demais preceitos constitucionais asseguradores das franquias individuais (arts. 145 e 146 da Constituição). Assim, até por via fiscal, como na doutrina de KEYNES, pode o poder público da União ordenar a base econômica do país; todavia, esta competência, como vimos exabundantia, é privativa, na divisão espacial dos poderes, ao poder federal; trata-se de competência exclusiva de qualquer outra; não pode o Estado-membro, não pode o Município, nem um, nem outro, intervir na ordem econômica, porque a tanto é vedado por diversos textos expressos na Constituição – arts. 145 e 146, combinados com o art. 5°.

A utilização da técnica financeira, como medida intervencionista, na espécie em questão, seria inconstitucional em qualquer esfera de poder federal, estadual e municipal, em virtude do efeito da imposição tornando impossível a atividade pastoril de engorda de bois, pois se trata, de profissão lícita e amparada por dois expressos dispositivos constitucionais, que são os seguintes:

Art. 141, § 2°:

“Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixardefazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

E, depois, o § 14, do mesmo artigo, que assegura:

“E livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer”.

Além de tudo, o impôsto em questão seria, mais uma vez, inconstitucional, porque, afinal, o Município utilizaria da técnica tributária para fins intervencionistas, a fim de afeiçoar a ordem econômica municipal ao critério de justiça social dos vereadores, em maioria, da respectiva Câmara Municipal. Ora, isto, como vimos, detençosamente, é expressamente vedado, não sòmente ao poder municipal, mas, igualmente, ao poder do Estado-membro. Sòmente a União, pelo poder federal, obedecidos os limites constitucionais, pode intervir econômicamente até pela via financeira da tributação.

Ao Município, ao seu peculiar interêsse, não atribuiu a Constituição as medidas intervencionistas em busca de melhor ordem econômica. A sua intromissão neste setor, diretamente, pelas posturas gerais ou, indiretamente, pelas posturas fiscais, é ato marcadamente inconstitucional e que constitui lesão de direito individual, sujeito, portanto, à apreciação do Poder Judiciário na forma do § 4° do art. 141 da Constituição federal.

É êste o nosso parecer, S. M. J.

____________________

Notas:

1 “Uma Introdução à Ciência das Finanças”, ed. “REVISTA FORENSE”, Rio de Janeiro, 1955, vol. 2, pág. 574.

2 Id., aut. e loc. cits.

3 Id., autor, ob. e vol. cits., pág. 576.

LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE

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