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REVISTA FORENSE
TRABALHO
Contrato De Trabalho – Rescisão – Salário Mínimo – Fraude A Lei, de Antônio Cláudio de Lima Vieira

Revista Forense
24/09/2025
– A rescisão do contrato de trabalho, pelo empregador, com o objetivo de furtar ao empregado a percepção do salário mínimo, constitui abuso de direito e fraude à lei.
PARECER
1. Consulta-nos o S.T.I. de Fiação e Tecelagem de Blumenau como deve proceder em face de haver algumas emprêsas de seu âmbito representativo efetuado a dispensa, de grande número de empregados para se furtarem ao pagamento dos novos salários mínimos, fixados pelo dec. nº 39.604-A, de 14 de julho de 1956.
A consulta diz respeito a tema de grande atualidade, envolvendo aspectos sociais e econômicos de composição difícil, dado o vulto dos interêsses em conflito.
A êle não ficou alheio o Sr. ministro do Trabalho ao recomendar à Procuradoria-Geral que agisse, na instância trabalhista, propugnando pela nulidade das dispensas efetuadas, com a invocação do preceito do art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho.
Acolhemos sem restrições o pronunciamento ministerial, e o aplaudimos, pela felicidade com que enfrentou o delicado problema, mostrando que dentro de nossa legislação há remédio especifico com que debelar procedimento tão danoso aos interêsses da coletividade.
2. É bem verdade que a recomendação ministerial foi recebida com restrições, que denotam a influência de certa corrente, a que daremos o nome de inversa, cujos adeptos, alguns dêles com assento nos tribunais de cúpula da Justiça do Trabalho, preferem se ater, no deslinde dos conflitos do trabalho, ao rigorismo da exegese do direito comum e ao respeito dos princípios da economia liberal, entre êles o da livre contratação, que ela consagra.
Parece-nos oportuno nos determos um pouco para profligar essa tendência, de todo em todo injustificável, em face não apenas da evolução econômica, como também das direções atuais do direito privado.
O que se constata é o fenômeno a que MÁRIO DE LA CUEVA denominou de fôrça expansiva do direito do trabalho, com apoio em assertivas de RIPERT e LEVASSEUR, dêste a de que, dentro do direito civil, muitos juristas preconizam uma ação atrevida da jurisprudência ou do legislador para modificar, em um sentido mais conforme às novas idéias, determinadas concepções fundamentais do direito civil, tais como a do vinculo contratual, a da propriedade e a da responsabilidade. Continua LEVASSEUR anotando que sôbre êstes temas as noções e a técnica do direito do trabalho diferiam sensivelmente das consagradas no direito civil. Pois são, precisamente, as concepções do direito do trabalho que os civilistas preferem estender e generalizar ao velho direito comum das obrigações, resultando dêsse esfôrço a humanização e democratização do direito privado (v. MÁRIO DE LA CUEVA, “Derecho Mexicano del Trabajo”, vol. I, pág. 250).
Como exemplo dessa tendência citaremos CAPITANT, civilista de tomo, que, prefaciando a obra de ROUAST e GIVORD, leciona que no interpretar as leis sociais é preciso temperar o espírito do jurista, acrescentando algumas gôtas do espírito social, a fim de que não se sacrifique a verdade à lógica.
Exemplo dessa adequação, a que se não deve furtar o magistrado trabalhista, deu ainda recentemente o eminente Juiz DÉLIO MARANHÃO, quando, ao julgar controvérsia sôbre o art. 461 da Consolidação, lembrou um dos aspectos marcantes da economia moderna, seja o da crescente especialização de funções, a cujo prima devia submeter-se o julgador no deslinde do litígio.
O caminho a ser palmilhado por doutrinadores e magistrados deve partir da estaca fundamental, que, a nosso ver, é a lição de TISSEMBAUM, de que o contrato de trabalho é autônomo, sem similar nas clássicas figuras contratuais do direito civil, para enveredar-se na direção do conceito de segurança social.
E a caminhada pode e deve ser feita, dado que o direito do trabalho, como lembra MÁRIO DE LA CUEVA, não é um direito estático mas um princípio dinâmico; nêle, a lei não se sobreleva às demais fontes formais senão para impedir a formação de um direito autônomo que reduza o que ela própria outorga aos trabalhadores. Mas nada impede, constituindo até missão do direito autônomo melhorar, até onde o permitam os direitos da classe patronal, os benefícios consignados em leis (MÁRIO DE LA CUEVA, ob. e vol. cits., pág. 361).
3. Feita a crítica, que nos pareceu oportuna, à corrente inversa, verificaremos que os graves litígios oriundos das chamadas dispensas em massa encontrariam solução adequada, ainda não contemplasse a nossa legislação trabalhista, expressamente, a nulidade dos atos praticados com a intenção de frustrar a sua aplicação.
Essas dispensas, face às circunstâncias que as cercam e que são notórias, constituem atos de verdadeiro abuso de direito.
SPOTA, no vol. II, tomo I, do seu iniciado “Tratado do Direito Civil”, aborda o tema da relatividade e abuso do direito com rara erudição. Invocando MARKOVITCH, assevera que os direitos individuais devem ser apreciados tendo em vista os seus fins econômicos e sociais, sendo o espírito do direito, seja seu destino, seu objeto, sua finalidade, sempre o mesmo: espírito social. Daí que os direitos absolutos constituem os últimos vestígios de uma noção dos direitos subjetivos hoje superada.
A relatividade dos direitos afirma-se cada vez mais, já que o indivíduo tem direitos, não apenas como ser humano, mas, principalmente, como membro de um grupo social e, por isso, exerce sempre prerrogativas de cunho essencialmente social, satisfazendo ao mesmo tempo as suas necessidades e cumprindo uma função social.
Essa função social avulta na pessoa do empresário. EGON GOTTSCHALK salienta que a responsabilidade social do titular da emprêsa imprime ao direito do trabalho um dos seus cunhos mais característicos e cita LORENZO MOSSA, quando êste diz que o direito sôbre a emprêsa “significa derecho de crearla, organizarla, dirigirla, ejecutarla, defenderla en el tráfico y en la competencia, derecho de transformarla, de extinguirla. Más que el mismo derecho de proroiedad sobre las cosas o sobre los derechos, el derecho a la empresa está sometido al control público y debe obedecer al interés social; es un derecho, pero también un debar, soberania, pero también responsabilidad, puede ser expropiado o anulado, o como derecho pleno a la titularidad, o como derecho a la dirección y a la guia, sino como derecho a los beneficios de la empresa” (apud EGON GOTTSCHALK,
“Norma Pública e Privada no Direito do Trabalho”, pág. 223).
E porque o que se destaca na relação de emprêgo é o conteúdo social, o direito do trabalho é essencialmente direito imperativo. Diz muito bem MÁRIO DE LA CUEVA, que sem a nota de imperatividade não seria o direito do trabalho parte dos direitos do homem, nem atingiria seus fins, pois se os direitos do homem individuais e sociais se referem às normas cuja observância é essencial para realização da justiça, não será possível abandonar seus cumprimentos ao arbítrio dos particulares precisamente parque êste abandono foi o princípio reitor do sistema individualista e liberal do Cód. Civil e suas deficiências causaram a aparição do direito do trabalho.
Não é outro o pensamento de L. RIVA SANSEVERINO, colhido por EVARISTO DE MORAIS FILHO, de que as normas baixadas pertencem em geral àquela categoria particular de preceitos compreendidos na direito privado, que, refletindo as garantas essenciais da organização político-social, são ditadas por considerações de utilidade geral e que transcendem, assim, a esfera do interêsse particular e privado dos indivíduos, embora permaneçam os indivíduos como os sujeitos de tais preceitos e a disciplina das, relações entre os indivíduos o escopo dos próprios preceitos: com êstes preceitos, qualificados como de ordem pública, o Estado não reconhece nem garanta por si mesmo o intento privado que as partes queiram obter (EVARISTO DE MORAIS FILHO, “Introdução ao Direito do Trabalho”, vol. 2º, pág. 131).
4. Dentre os institutos do direito do trabalho, outro não se apresenta com maior característica de essencialidade do que o do salário mínimo. É ainda MÁRIO DE LA CUEVA que vamos citar, quando diz que o direito do trabalho poderia construir-se sôbre a idéia do salário mínimo, pois se a finalidade primordial dêle é assegurar ao homem uma existência com decôro na vida social a medida fundamental tem que ser dotar-lhe dos elementos materiais necessários. A idéia do salário mínimo é precisamente fixar o nível mínimo na escala social, abaixo do qual a vida deixa de corresponder à dignidade e essência da pessoa humana.
5. As noções que acima procuramos fixar, com citações de mestres, permitem uma conclusão: a de que não pode o empregador, sòzinho e muito menos os empregadores agindo sincronizados, se superporem à vontade do Estado ao ordenar a fixação dos níveis salariais mínimos. Rescindindo os contratos de trabalho de seus empregados, com o intuito ostensivo de furtar-lhes a percepção dêsses mínimos, abusam do direito, que normalmente lhes assiste, de desfazimento do vínculo empregatício, cometendo ato contrário aos interêsses sociais.
De nada lhes vale invocar o instituto da indenização à forfait, pois subsiste o dever social, que lhes impõe a qualidade de empresários, de respeitarem o interêsse maior, vital mesmo, que é o da fixação dos níveis mínimos.
Quando os nossos tribunais vedam a dispensa do empregado eleito para cargo de direção sindical ou da empregada gestante, agem pelos mesmos fundamentos de que se servem magistrados de países onde, não existindo a indenização por tempo de serviço, a rescisão contratual é livre. É o que ocorre na França, cujos tribunais consideram feitas com abuso de direito as dispensas de empregados, quando se comprova a intenção dolosa do empregador (v. GERALD LYON CAEN, “Manuel de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale”, pág. 209). Assim acontece porque em tais atos o empresário abusa de seu direito, exercendo-o de forma, anti-social.
6. Em face do nosso direito constituído, a questão se faz mais, simples, tendo em vista o preceito do art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, verbis:
“Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.
E se o legislador pátrio transportou a vigilância contra tais atos também ao campo penal, – art. 203 do Cód. Penal, – foi porque a violação das normas fundamentais, como assinala MÁRIO DE LA CUEVA, não apenas acarreta, um prejuízo para o trabalhador, como à sociedade e ao Estado. São atos anti-sociais, que devem ser reprimidos pelo direito penal (ob. cit., pág. 261).
O espanto, que a muitos causou a recomendação ministerial, se deve à raridade ou à economia com que se invocam aquêles preceitos, o que levou EVARISTO DE MORAIS FILHO ao comentário de que o art. 203 do Cód. Civil jamais foi aplicado.
7. O que é espantoso é que em um país, cuja legislação específica, como a penal, fulmina os atos praticados em fraude à lei, ficassem sem corretivo as dispensas em massa de empregados, por ocasião das revisões periódicas, que a lei ordena se proceda nos níveis do salário mínimo.
E de tal forma procedem os empregadores que, efetuam as malsinadas dispensas em massa, que nos processos judiciais a prova da intenção anti-social não oferecerá dificuldade. Como muito bem disse VALDEMAR FERREIRA, lembrando ALEXANDRE LIGEROPOULO, consagração monografista do tema, a expressão fraude à lei parece tão clara que não necessita de explicação. Todo mundo pode, com, efeito, imaginar o que seja fraude à lei. Além do uso de manobras sutis abrange o de processos perfeitamente normais, com a intenção, porém, de fraudar a lei, de molde a chegar-se ao que a lei proíbe ou não fazer o que ela ordena (“Rev. do Dir. Mercantil”, 1953, pág. 399). Nestes caos, ensina RIPERT que é necessário destruir as aparências para que apareça a intenção dolosa ou imoral.
O instituto, ensina a maioria dos autores, entre êles JOSSERAND, funda-se, afinal, nos mesmos princípios em que se arrima a teoria da relatividade dos direitos.
8. Em conclusão, opinamos no sentido de que deve o consulente providenciar, junto à Justiça do Trabalho, o ajuizamento de reclamações, que concluam pela decretação da nulidade das dispensas, com a consiste reintegração dos empregados atingidos.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
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