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ESTUDAR DIREITO FORA
Por que estudar Direito na Alemanha?
Luiz Dellore
31/08/2020
Neste texto, o Professor e Magistrado Leonardo Zanini expõe, de maneira bem clara, como é o sistema de ensino jurídico na Alemanha – a partir de sua experiência de estudo na Alemanha. Vale a pena verificar o que ele conta sobre estudar nesse país que é um importante local de estudos jurídicos! Quem sabe não é o seu destino para estudar fora?
Boa leitura, Dellore.
Leonardo Estevam de Assis Zanini*
Dando continuidade à coluna relativa ao estudo do Direito no exterior, apresento alguns pontos atinentes ao estudo do Direito na Alemanha.
Como é sabido, pode-se dizer, de maneira bastante generalizada, que no mundo existem dois grandes sistemas jurídicos: o sistema da civil law e o sistema da common law. O Brasil segue o sistema da civil law, que também é seguido pela Alemanha. A explicação para a adoção do mesmo sistema jurídico está na recepção do Direito romano pela Alemanha. Assim sendo, apesar da grande diferença linguística entre o Brasil e a Alemanha, em matéria jurídica há uma grande semelhança entre os dois ordenamentos jurídicos, o que torna muito interessante o estudo jurídico na Alemanha.
Além da proximidade entre os sistemas jurídicos, também é relevante lembrar que a Alemanha é um grande centro de pesquisa e produção jurídica, ou seja, há uma grande produção acadêmica e essa produção leva a constantes desenvolvimentos, muitos deles copiados pelos países da América Latina. Nesse ponto, o estudo do Direito alemão permite a compreensão da origem e do desenvolvimento de muitas teorias, princípios e normas adotadas pelo Direito brasileiro, de evidente inspiração germânica.
E chega mesmo a causar espanto a utilidade desse estudo no que toca a teorias que são criadas na Alemanha como trabalhos acadêmicos e lá não encontram eco, mas que são reproduzidas e ganham muito espaço no Brasil. Assim, há casos em que teorias irrelevantes na Alemanha alcançam o status de tese dominante (ou mesmo unanimidade) no Brasil, ponto que certamente justifica uma temporada de estudos na Alemanha.
Dito isso, apresentados alguns pontos que certamente justificam e mostram a utilidade da realização de estudos na Alemanha, depara-se o estudante de direito com uma segunda indagação, ou seja: qual o momento de iniciar seus estudos em uma instituição alemã? A resposta a essa indagação é de natureza bastante pessoal, dependendo de fatores como disponibilidade de tempo, recursos financeiros, conhecimentos da língua alemã e a própria finalidade desses estudos.
Desse modo, minhas observações logicamente levarão em conta minhas experiências como estudante na Alemanha, que passam por um estágio de doutorado-sanduíche na Universidade de Freiburg (Albert-Ludwigs-Universität Freiburg), um estágio de pós-doutorado no Max-Planck Institut für ausländisches und internationales Strafrecht, na cidade de Freiburg, dois estágios de pós-doutorado no Max-Planck Institut für ausländisches und internationales Privatrecht, na cidade de Hamburgo e, por fim, atualmente estou cursando um segundo doutorado, agora integralmente na Universidade de Freiburg.
Pois bem, para um brasileiro a maior dificuldade é, sem nenhuma dúvida, o idioma alemão. Todavia, existe muito material de estudo, inclusive na internet, bem como muitas escolas se dedicam ao estudo do idioma alemão. Por isso, um aluno dedicado não precisa temer o idioma, mas apenas se organizar para que no momento do início dos estudos na Alemanha tenha conhecimento suficiente. Nesse ponto, é importante a participação de professores já no início da graduação no Brasil, que poderão orientar os alunos a iniciar cedo os estudos do alemão, preferencialmente no primeiro ano de faculdade. Por outro lado, essa dificuldade pode se tornar até mesmo uma vantagem, pois enquanto a grande maioria dos brasileiros vai procurar estudar em países de língua semelhante ao português (espanhol, italiano e francês) ou em países de língua inglesa, aquele que aprende alemão encontra menor concorrência de brasileiros para a obtenção, por exemplo, de bolsas de estudo.
Superada a barreira linguística, há a questão do financiamento dos estudos. Nesse ponto eu diria que existe um fator facilitador. As universidades alemãs são públicas, não obstante a existência do pagamento de pequenas taxas semestrais, o que é um grande atrativo, se comparado com os elevados valores de mensalidades nos EUA e na Inglaterra (no meu caso, para a realização de doutorado, pago 155 euros por semestre). Outrossim, a Alemanha investe muito em educação e pesquisa, bem como existem muitas instituições de fomento à pesquisa, que concedem bolsas de estudo, como o DAAD – Deutscher Akademischer Austauschdienst (Serviço de Intercâmbio Alemão), a Fundação Konrad Adenauer, a Sociedade Max-Planck etc. Ademais, o custo de vida na Alemanha é mais reduzido em comparação com países como, por exemplo, os EUA, a Inglaterra, a Suíça e a França. Por isso, acredito que no que toca ao financiamento dos estudos, a Alemanha é um país muito atrativo.
Em relação aos estudos de pós-graduação, acredito que a opção que oferece maior compatibilidade e menores problemas de reconhecimento no Brasil é o doutorado, que pode ser realizado integralmente na Alemanha ou em cotutela com alguma universidade brasileira.
As regras a respeito do doutorado variam de acordo com a universidade, mas é comum um processo de ingresso diferenciado para o aluno estrangeiro. Esse processo vai analisar basicamente a documentação do candidato, incluindo o currículo, bem como o projeto de pesquisa apresentado. A proficiência em língua alemã, do meu ponto de vista, é fundamental, pois, salvo algumas áreas específicas do direito, o material para pesquisa estará em língua alemã. Todavia, é possível que o orientador aceite a apresentação da tese em outro idioma, sendo muito comum a aceitação do inglês, mas isso depende do orientador. Ademais, as áreas de pesquisa encontradas nas universidades são muito semelhantes àquelas tradicionalmente apresentadas pelas universidades brasileiras, como é o caso, por exemplo, do direito civil, do direito penal, do direito constitucional etc. O prazo para a conclusão do doutorado na Alemanha também costuma ser mais amplo, sendo comum a conclusão em 5 anos.
Passando para o nível do mestrado, é importante lembrarmos que a Alemanha é signatária da Declaração de Bolonho, de 1999. Esse documento internacional reconheceu no espaço europeu o ciclo do mestrado, mas a experiência indica que há diferenças em relação ao mestrado brasileiro. Muitas vezes, após a realização de 3 anos de estudos jurídicos em um país europeu, alcança-se o bacharelado. Esse diploma pode ser complementado com mais 2 anos de estudos, com a concessão do diploma de mestrado, também denominado “master” ou LL.M. (legum magister).
Na Alemanha os estudos jurídicos são uma exceção aos termos da Declaração de Bolonha, de modo que normalmente o master é voltado para alunos estrangeiros, que não concluíram o curso de direito na Alemanha. Há uma ampla oferta de cursos de master na Alemanha, com maiores possibilidades de estudo em língua inglesa. Um exemplo interessante é o “Master of Laws in Intellectual Property and Competition Law”, oferecido pelo “Munich Intellectual Property Law Center”, que exige conhecimentos de língua inglesa. Normalmente a duração de um programa de master na Alemanha é de dois semestres, com dedicação integral. Esses master ou LL.M. cursados na Alemanha, pelo menos os casos que conheço, são reconhecidos como mestrado no Brasil.
No que toca à realização de estágios de pesquisa, como o doutorado-sanduíche ou o pós-doutorado, basta a observância dos requisitos apresentados no edital, que normalmente incluem uma carta de aceitação de um professor alemão. A conclusão desses estágios concede ao estudante um certificado e não um diploma, como ocorre no doutorado e no mestrado, o que explica a simplificação do processo de ingresso. Uma boa opção para a realização desses estágios é o Max-Planck Institut, que oferece vários centros jurídicos na Alemanha e fora dela.
Por fim, sobre a graduação, creio que se trata de um processo muito complexo e talvez não aconselhado para um estudante estrangeiro. É necessário o ingresso em uma universidade alemã, onde o estudante cursará matérias obrigatórias, que darão direito a prestar o primeiro exame estatal (das erste Staatsexamen). Para a obtenção dos certificados de conclusão das matérias obrigatórias o aluno demora por volta de quatro anos. Se for aprovado no primeiro exame estatal, inicia-se uma espécie de estágio em diversos órgãos públicos e escritórios de advocacia, período que se chama Referendariat. Ao final desse período o estudante deverá realizar o segundo exame estatal (das zweites Staatsexamen), somente estando habilitado para advogar com a aprovação nesse segundo exame. Ainda vale observar que os estudantes podem realizar apenas duas vezes esses exames, o que denota o rigorismo do sistema alemão. Dessa maneira, caso o estudante não seja aprovado nas duas oportunidades, não poderá advogar ou exercer qualquer profissão que exija a habilitação como jurista. Não é possível, como no Brasil, a realização de inúmeros exames da OAB.
Por conseguinte, com o objetivo de estimular e auxiliar estudantes brasileiros que se interessam pela Alemanha, particularmente em nível de pós-graduação, espero que esse breve panorama geral apresentado, que levou em conta minha experiência pessoal, tenha sido do agrado do leitor.
*LEONARDO ESTEVAM DE ASSIS ZANINI – Livre-docente e doutor em Direito Civil pela USP. Pós-doutorado em Direito Civil pelo Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Alemanha). Pós-doutorado em Direito Penal pelo Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Strafrecht (Alemanha). Doutorando em Direito Civil pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg (Alemanha). Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela USP. Juiz Federal. Professor Universitário (graduação e pós-graduação). Pesquisador do grupo Novos Direitos CNPq/UFSCar. Pesquisador do grupo Direito e Desenvolvimento Público da Universidade de Araraquara (UNIARA). Autor de livros e artigos publicados nas áreas de Direito Civil, Direitos Intelectuais, Direito do Consumidor e Direito Ambiental. Foi bolsista da Max-Planck-Gesellschaft e da CAPES. Foi Delegado de Polícia Federal, Procurador do Banco Central do Brasil, Defensor Público Federal e Diretor da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul.
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