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Considerações sobre o Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório nos concursos públicos
Alessandro Dantas Coutinho
19/07/2016
Dentre os princípios que regem o concurso público destaca-se o princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Isso significa que “todos os atos que regem o concurso público ligam-se e devem obediência ao edital que não só é o instrumento que convoca candidatos interessados em participar do certame como também contém os ditames que o regerão”[1], afinal, o edital cristaliza a competência discricionária da Administração que se vincula a seus termos.
Em tema de concurso público é cediço que o Edital é lei entre as partes, estabelecendo regras às quais estão vinculados tanto a Administração quanto os candidatos, a teor doa artigos 18 e 19 do Decreto 6944/2009.
A doutrina e a jurisprudência já sedimentaram que o princípio da vinculação ao edital nada mais é que faceta dos princípios da impessoalidade, da legalidade e da moralidade, mas que merece tratamento próprio em razão de sua importância.
Com efeito, o edital é ato normativo confeccionado pela Administração Pública para disciplinar o processamento do concurso público. Sendo ato normativo elaborado no exercício de competência legalmente atribuída, o edital encontra-se subordinado à lei e a Constituição e vincula, em observância recíproca, Administração e candidatos, que dele não podem se afastar.
A Administração deve pautar suas ações na mais estrita previsibilidade, obedecendo às previsões do ordenamento jurídico, não se admitindo, assim, que se “desrespeite as regras do jogo, estabeleça uma coisa e faça outra,” [afinal], a confiança na atuação de acordo com o Direito posto é o mínimo que esperam os cidadãos concorrentes a um cargo ou emprego público”[2].
O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já decidiu que:
O recurso extraordinário a que se refere o presente agravo de instrumento revela-se processualmente viável, eis que se insurge contra acórdão que decidiu a causa em desconformidade com a orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em exame. Com efeito, a colenda Primeira Turma desta Suprema Corte, ao julgar o RE 480.129/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, fixou entendimento que torna acolhível a pretensão de direito material deduzida pela parte ora agravante: “CONCURSO PÚBLICO – PARÂMETROS – EDITAL. O edital de concurso, desde que consentâneo com a lei de regência em sentido formal e material, obriga candidatos e Administração Pública (STF – AI: 850608 RS , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 01/12/2011, Data de Publicação: DJe-233 DIVULG 07/12/2011 PUBLIC 09/12/2011)
Vejamos uma situação prática em que o princípio da vinculação ao instrumento convocatório é aplicado. O edital de abertura do concurso deve prever o conteúdo programático tanto das provas objetivas quanto das provas discursivas. Todas as questões ao serem elaboradas devem observá-lo. Uma vez estabelecido o conteúdo programático e publicado o edital não existe mais discricionariedade da Administração em escolher quais serão os temas avaliados nas provas, ou seja, a partir da publicação do edital a Administração fica estritamente vincula ao conteúdo programático.
Assim, qualquer questão que aborde um tema não abrangido pelo conteúdo programático do edital deverá ser anulada em razão da violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Quanto a isso a jurisprudência é pacifica, esse é o entendimento adotado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO. MATÉRIA EXAUSTIVAMENTE APRECIADA NAS INSTÂNCIAS INFERIORES. 1. Anulação de questão não prevista no edital do concurso. 2. O Supremo Tribunal Federal entende admissível o controle jurisdicional em concurso público quando “não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital – nele incluído o programa – é a lei do concurso”. (STF – AI: 779861 MG , Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 16/03/2010, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-062 DIVULG 08-04-2010 PUBLIC 09-04-2010 EMENT VOL-02396-04 PP-01030)
Na mesma trilha caminha a jurisprudência do EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL. PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DE QUESTÕES OBJETIVAS. PRELIMINAR. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. ART. 47 DO CPC. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ALEGAÇÃO DE NÃO CORRELAÇÃO COM A TEMÁTICA EXIGIDA NO EDITAL. PERTINÊNCIA PARCIAL ANULAÇÃO DA QUESTÃO Nº 17 DO CERTAME. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. RECURSO ORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Em regra a anulação de questão de concurso pode afetar a lista de classificação. Na espécie, todavia, embora o item 14.6 do Edital preveja o acréscimo nas notas dos candidatos de questão anulada, a citação dos demais candidatos para integrarem a relação jurídico processual como litisconsortes passivos necessários, nos termos do art. 47 do CPC, não se mostra indispensável.
2. Consoante jurisprudência firme do STJ, não é vedado ao Poder Judiciário o exame de questão de prova de concurso público para aferir se esta foi formulada em obediência ao conteúdo programático, desde que não exija qualificação específica para tanto. A Administração, na formulação das questões de prova de concurso público, vincula-se às regras estabelecidas no instrumento convocatório. Observância do princípio da publicidade.
3. Ao administrador é dado o poder-dever de se valer da discricionariedade na escolha do conteúdo das questões do concurso, vinculando-se a partir daí ao conteúdo previsto no edital.
4. A formulação de questões de prova de concurso devem contemplar o conteúdo programático previsto no edital. O que, na espécie, não ocorreu em relação à questão nº 17.
5. Recurso ordinário parcialmente provido. (STJ, Relator: Ministro CELSO LIMONGI, Data de Julgamento: 18/11/2010, T6 – SEXTA TURMA)
Nesse caso não há revisão dos critérios estabelecidos pela Banca Examinadora, apenas se dará ao edital do certame interpretação que assegure o cumprimento das regras nele estabelecidas e em relação às quais estavam vinculados tanto a Administração quanto os candidatos. Trata-se de um controle de legalidade[3].
A cobrança de matérias na prova não compreendida no conteúdo programático não viola apenas ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, mas também aos princípios da boa-fé administrativa e da proteção à confiança.[4]
Precisando o sentido dos princípios da proteção à confiança e da boa-fé administrativa ALMIRO DO COUTO E SILVA[5] esclarece que boa-fé diz respeito à lealdade, correção e lisura do comportamento das partes, reciprocamente, que devem comprometer-se com a palavra empenhada. Já o princípio da proteção à confiança é atributo da segurança jurídica, que pode ser decomposto em duas partes: uma objetiva, que cuida dos limites à retroatividade dos atos estatais, e outra subjetiva, tocante propriamente à proteção da confiança das pessoas na atuação estatal.
A Administração ao publicar o edital do concurso contendo o conteúdo programático desperta no concursando a legítima expectativa de que somente as matérias ali compreendidas serão objeto de avaliação e o candidato ao se inscrever no certame concorda com os termos do edital se comprometendo a cumprir todas suas regras e a estudar as matérias elencadas pelo instrumento.[6]
Desta maneira, dentre outras, vê-se como deve ser feita a aplicação e interpretação do princípio da vinculação ao instrumento convocatório em concursos públicos.
[1] MOTTA, Fabrício. (Coord.). Concurso público e constituição. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005, p. 143.
[2] Idem, p. 146.
[3] STJ, RMS 28854/AC, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 09/06/2009.
[4] COUTINHO, Alessandro, FONTENELE, Francisco. Concurso Público: os direitos fundamentais dos candidatos. Editora Método, São Paulo, 2014, p.76.
[5] O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 1, n. 6, jul-set. 2004, p. 9.
[6] COUTINHO, Alessandro, FONTENELE, Francisco. Concurso Público: os direitos fundamentais dos candidatos. Editora Método, São Paulo, 2014, p. 77.
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