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Reflexões Sobre o Direito, de Paulo Dourado De Gusmão

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Reflexões Sobre o Direito, de Paulo Dourado De Gusmão

REVISTA FORENSE 162

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14/03/2024

SUMÁRIO: 1. Definição do direito. 2. Características da relação jurídica. 3. Direito e vontade. 4. Direito, liberdade e poder. 5. Direito e interêsse. 6. O problema da crise do direito.

1. Definição do direito.

Acreditamos que a intuição seja o melhor meio para se captar a essência dos fenômenos jurídicos, de modo a se elaborar uma definição do direito adequada aos vários tipos de direito. Assim, a essência do direito é o primeiro passo para uma definição do jurídico.

Diante de qualquer fenômeno jurídico percebemos imediatamente a possibilidade que tem uma parte de exigir de outra um comportamento,1 ou seja, verificamos, imediatamente, que a conduta de uma parte está na dependência da conduta de outra parte.

Eis aí a essência do direito: a bilateralidade, como sustentam DEL VECCHIO e COSSIO, ou, como querem PETRASIZKY, GURVITCH e GOFREDO TELES JÚNIOR, essa estrutura é imperativo-atributiva, por estabelecer, como disse GURVITCH, um indissolúvel “laço entre os deveres de uma parte e os direitos de outra”.

Assim, em todo fenômeno jurídico temos uma relação social em que uma parte tem um direito ligado ao dever de outra, ou melhor, uma relação social na qual uma parte pode exigir de outra um determinado comportamento.

Portanto, em função da essência do fenômeno jurídico, podemos definir o direito como a relação social que enlaça o direito de uma parte com o dever de outra, ou, então, a relação social em que uma parte pode exigir de outra um comportamento determinado, ou, ainda, as condutas sociais que existem na dependência de outras condutas.

Como, com a racionalização da vida, principalmente no Ocidente, essa relação, a princípio espontânea, foi reproduzida em normas prefixadas, que regulam de forma obrigatória – por não poderem as partes alterarem-na – as relações sociais, podemos dizer que, em função de sua essência, bem como levando-se em conta a racionalização da vida, o direito é o conjunto de normas de conduta, obrigatórias, que enlaçam o direito de uma parte com o dever de outra, ou, então, o conjunto de normas obrigatórias, em função das quais uma pessoa pode exigir de outra determinada conduta.

Como essas normas são orientadas por certos sentidos ideológicos dos valores jurídicos, podemos definir o direito como o conjunto de normas de conduta obrigatória, que, em função de um dos sentidos ideológicos dos valores jurídicos, enlaçam o direito de uma parte com o dever de outra.

Mas, essas normas não só estabelecem direitos e deveres, como, também, fixam posições sociais para cada um, sanções, penas e condições para a validade de certos atos. Daí definirmos o direito como o conjunto de normas obrigatórias que estabelecem direitos, deveres, posição e funções sociais, penalidades e condições para a validade de certos atos e de certas normas.

2. Características da relação jurídica.

O direito, regulando as manifestações de vontade, enquanto se entrecruzam na vida social, estabelece uma relação social do tipo bilateral (DEL VECCHIO, COSSIO), ou multilateral (GURVITCH).

A bilateralidade do direito implica a relação recíproca de, ao menos, duas condutas. Mas, bilateralidade quer dizer dois lados, duas faces, e, no que diz respeito à relação jurídica, duas condutas entrelaçadas. Ora, muitas relações sociais implicam duas condutas. Assim, por exemplo, o dar esmolas implica a conduta de quem, espontâneamente, oferece e a de quem, espontâneamente, recebe. Todavia, a bilateralidade, como sustentam PETRASIZKY, GURVITCH, ALEXEIEV e, entre nós, GOFREDO TELES JÚNIOR, é imperativo-atributiva, impondo a uma parte um dever, enquanto à outra uma faculdade ou direito. Dessa forma, na bilateralidade jurídica, temos o direito de 

uma parte enlaçado com o dever de outra. Esta não pode impedir a execução por parte daquela, que, por sua vez, não pode ir além das faculdades que o direito lhe faculta.

Assim, a relação jurídica é uma relação inviolável pelas partes, ou, se violável, nunca unilateralmente. Nos casos dos contratos, depois de realizados, de perfeitos, as partes não podem unilateralmente alterá-los. Mesmo a revisão judicial dos contratos, preconizada pela Teoria da Imprevisão, é excluída do arbítrio de qualquer das partes, pois é presidida pelo magistrado, em função de um critério justo e objetivo reajustador das obrigações assumidas, através de um justo equilíbrio dos valores econômicos e dos interêsses em conflito, de modo a que êstes voltem a corresponder aos interêsses das partes ao tempo em que o contrato foi firmado, pois, em virtude de uma imprevisível alteração da situação sócio-econômica, foi desfeito o equilíbrio das prestações, acarretando para uma das partes um lucro exagerado e injusto e para outra a impossibilidade (subjetiva) de cumprir sua obrigação. Portanto, a relação jurídica é uma relação bilateral, imperativo-atributiva, inviolável pelas partes, ou, se violável, unilateralmente inviolável.

3. Direito e vontade.

O direito se dirige à vontade humana, pois é esta que determina o comportamento consciente do homem.

Com razão está, pois, STAMMLER quando pensa que o direito é uma conjugação integradora de vontades, em que uma vontade atinge seu objetivo mediante o concurso da vontade de outro sujeito, sendo, pois, uma vontade o meio para que outra possa atingir seu fim. Porém, nas sociedades mais evoluídas essa sujeição da vontade de um à vontade de outro é temporária, por tempo determinado ou determinável. Só para com o Estado essa sujeição persiste enquanto o indivíduo permanece sob sua soberania.

A sujeição da vontade de um à vontade de outro pode ser voluntária, como pode não depender da vontade, decorrendo, nesse caso, da lei.

Mas, o direito não se dirige à vontade em tôda sua extensão, mas só à manifestação da vontade. O direito obriga a um comportamento objetivo e não ao subjetivo. O pensamento enquanto tal, enquanto não manifestado, as convicções não exteriorizadas, os motivos não comunicados e as intenções não reveladas não podem ser objeto de regulamentação jurídica.

4. Direito, liberdade e poder.

Pode-se dizer que entre a liberdade e o poder se processa a vida do direito.

A liberdade é a manifestação do poder do indivíduo, enquanto o poder é a fôrça da sociedade, ou do Estado, ou, então, de um indivíduo revestido de autoridade.

O poder é sempre social, distinguindo-se, assim, da fôrça, supondo uma relação de sujeição entre quem manda e quem obedece. O poder é, pois, a capacidade que tem um grupo, ou um indivíduo revestido de autoridade social, de realizar sua vontade, apesar da resistência dos subordinados, sem levar em conta limites morais, religiosos, ou os interêsses dos subjugados. Com a civilização, o poder se limitou. O poder limitado por valores morais ou sociais, pela lei, pelos interêsses da sociedade, por interêsses fundamentais dos súditos, é poder em sentido estrito, enquanto o poder sem qualquer contrôle é arbitrariedade, despotismo.

Já a liberdade é a capacidade que têm os indivíduos de fazerem o que desejam, independente de qualquer contrôle. Mas, também a liberdade civilizou-se. Assim, quando não é controlada, é anarquia, só sendo considerada como liberdade pròpriamente dita quando é limitada.

O indivíduo tende a querer manter o máximo de liberdade, enquanto a sociedade o máximo de poder. Como o máximo de liberdade impede o poder e, também, o máximo de poder impede a liberdade, o direito procura estabelecer um equilíbrio entre a liberdade e o poder, ou seja, entre o máximo de liberdade e o máximo de poder. Todavia, êsse equilíbrio é instável, como todos os equilíbrios sociais, variando no tempo e no espaço.

Assim, em função das situações histórico-sociais, ora o poder se estende um pouco, ora a liberdade se amplia. Nas épocas de crise, de depressão econômica, o poder se amplia, interferindo na liberdade, enquanto nas épocas de estabilidade social ou de prosperidade o equilíbrio é mais perfeito, não tendo sentido a interferência do Estado nas relações privadas, enquanto nas épocas de intranqüilidade, de crise, essa interferência se apresenta como necessária.

Também o poder padece dessa sorte histórica, tendo, assim, vários sentidos históricos.

5. Direito e interêsse.

Os partidários da “jurisprudência dos interêsses” têm sustentado que a lei estabelece um interêsse (interêsse determinante) que deve prevalecer sôbre os demais.

Parece-nos que essa opinião é procedente em parte, pois o direito não deixa ao arbítrio do juiz decidir sôbre o interêsse que deve predominar, pois essa decisão envolveria a regulamentação jurídica do “caso”.

Mas, qual o interêsse que deve prevalecer? De um modo geral poderíamos, dizer que deve prevalecer o justo interêsse. Porém, qual é o justo interêsse? Eis aí um problema de solução difícil. Também de um modo geral poderíamos dizer que o justo interêsse é aquêle cuja satisfação não repugna à consciência em uma situação histórico-social. Dessa forma, é aquêle considerado, pela coletividade, em um determinado momento histórico, como legítimo. Como quando nos referimos à coletividade estamos pensando na opinião da maioria, pois não é possível se pensar em um acôrdo nas opiniões de todos os membros de um grupo social, justo interêsse é aquêle considerado pela maioria como legítimo, ou melhor, aquêle que satisfaz às necessidades da maioria.

Dessa forma, a lei deve tutelar o interêsse da maioria como critério capaz de solucionar, de forma satisfatória para a maioria, os conflitos de interêsses existentes em um grupo social em uma determinada época.

Mas, essa solução é fundada no critério quantitativo, não sendo uma solução de qualidade. Todavia, como no terreno do justo não é possível uma solução científica, a solução da maioria parece representar, històricamente, aquela que satisfaz o maior número de pessoas, sem satisfazer todos.

Daí, podermos dizer que o direito deve tutelar os interêsses da maioria com o menor sacrifício possível dos interêsses da minoria.

8. O problema da crise do direito.

Em nossa época tem se sustentado a existência de uma crise do direito. Pergunta-se: existe crise do direito? A nosso ver, como já tivemos ocasião de sustentar,2 não há crise do direito, mas sim crise de um direito. A crise não é do direito in genere, como se pudesse desaparecer o direito da esfera social, mas sim de um tipo ideológico do direito, pois, como já dissemos,3 só há crise no domínio das ideologias.

Portanto, aquêles que identificam o direito com um direito modêlo; aquêles que confundem o direito com um tipo ideológico do direito, pensando que não existe outro direito além daquele que, consideram como perfeito; aquêles que reduzem o direito ao direito justo, abandonando tôdas as lições da sociologia do conhecimento, da antropologia cultural, têm sustentado, em face da crise da ideologia que estrutura o ideal jurídico por êles defendido, a crise do direito. Porém, na realidade não existe uma crise do direito, mas a crise de um direito, ou seja, como dissemos, a crise de um tipo ideológico do direito. Os tipos ideológicos de direito passam com as modificações sociais, perdurando o direito como meio eficiente de controlar as relações sociais, de modo a permitir que a sociedade realize sua missão histórica.4

PAULO DOURADO DE GUSMÃO, Encarregado do Curso de Filosofia do Direito na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil

________________________

Notas:

1 V. meu trabalho “Reflexões sôbre a filosofia do direito”, publicado na “REVISTA FORENSE”, fasc. 69, 1950, bem como meu livro “Introdução à Ciência do Direito”, Rio de Janeiro, ed. “REVISTA FORENSE”, 1956.

2 V. meu trabalho “A situação atual do pensamento jurídico”, publicado na “REVISTA FORENSE”, fasc. 578, 1951.

3 V. meu livro “El Pensamiento Jurídico Contemporaneo”, Buenos Aires, Libreria Jurídica Valerio Abeledo, 1953, cap. XIII.

4 Sôbre o problema da definição do direito, devem ser consultados os seguintes trabalhos: BRANDÃO, “O direito. Ensaio de ontologia jurídica”, Lisboa, 1942; DEL VECCHIO, “Il concetto del diritto”, 1922, 2.ª ed.; GARCIA MAYNEZ, “La definición del derecho”, México, 1948; HERMES LIMA, “Material para um conceito do direito”, 1933; LÉVI-ULLMANN, “LA definición del derecho”, Madri, 1925, trad.; P. DOURADO DE GUSMÃO, “La definizione del diritto” in “Rivista Internazionale di Filosofia del Diritto”, 1950; VILANOVA, “Sôbre o conceito do direito”, Recife, 1947.

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