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Raul Fernandes

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CLÁSSICOS FORENSE

REVISTA FORENSE

Raul Fernandes, estudante de direito

RAUL FERNANDES

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 156

Revista Forense

Revista Forense

05/12/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 156
NOVEMBRO-DEZEMBRO DE 1954
Bimestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

  • Raul Fernandes, Estudante de Direito, Antônio Gontilo de CarvalhoCapa Revista Forense 156

DOUTRINA

  • O princípio da igualdade perante a lei, Nestor Duarte
  • Da Dogmática jurídica, Paulo Carneiro Maia
  • A administração e o contrôle de legalidade, Caio Tácito
  • As sociedades de economia mista, Válter T. Alvares
  • A condição civil da mulher casada, Lino de Morais Leme
  • O processo administrativo tributário, Rui Barbosa Nogueira
  • Culto, João De Oliveira Filho

PARECERES

  • Impôsto de Vendas e Consignações – Impôsto de Exportação, Francisco Campos
  • Rendas Locais – Arrecadação Estadual – Impôsto de Renda – Participação dos Municípios, Gilberto de Ulhoa Canto
  • Mercado Municipal – Domínio Público – Autorização Administrativa – Executoriedade Dos Atos Administrativos, Antão de Morais
  • Anistia – Conceito – Pagamento de Vantagens a Militares, A. Gonçalves de Oliveira
  • Juiz – Promoção Automática – Elevação de Entrância, Gabriel de Resende Passos
  • Ministério Público – Unidade e Indivisibilidade da Instituição, J. A. César Salgado
  • Advogado – Ingresso nos Cancelos dos Juízos e Tribunais, Cândido de Oliveira Neto

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Hugo Grocio, Hidelbrando Acióli
  • Lúcio de Mendonça, F. C. San Tiago Dantas
  • Do Corpo de Delito, José Frederico Marques
  • A Homologação das Sentenças Estrangeiras de Divórcio, João de Oliveira Filho
  • A Emissão de Ações com Ágio, Sílvio Marcondes
  • Poder Discricionário do Juiz
  • Exceção de Inexecução de Contrato Bilateral, Arno Schilling
  • Reintegração de Posse “Initio Litis”, Enéias de Moura
  • Justiça do Distrito Federal, José Pereira Simões Filho
  • José Antônio Pimenta Bueno, Dr. Laudo de Almeida Camargo

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

Antônio Gontilo de Carvalho, advogado em São Paulo.

CRÔNICAS

Raul Fernandes, estudante de direito

* RAUL FERNANDES, aos 18 de abril de 1895, matriculava-se na primeira série da Faculdade de Direito de São Paulo.

Os exames de madureza êle os fêz parceladamente no Ginásio Nacional. Compulsando os registros de suas notas de preparatórios, conservadas com carinho no precioso arquivo da Faculdade de Direito de São Paulo, retiveram-me a atenção dois fatos: o de ter obtido grau “simples” em francês quem iria, mais tarde, manejá-lo com perfeição em Congressos internacionais e em cátedras de universidades estrangeiras – é de se assinalar que foi plenificado nas demais matérias; e ó de ter feito, aos 12 anos, provas finais de português, o primeiro da série de 13 disciplinas exigidas para ingresso em escola superior, quando deveria ser, sobretudo para um aspirante à nobre carreira de advogado, o exame derradeiro, o de mais severa exigência.

Descurava-se, no Brasil, do ensino do vernáculo. Mestre AURÉLIO PIRES já nos contava, naquela prosa simples e castiça, que em Diamantina, cidade de latinistas e centro de mineradores, só em 1880 começou a ser ensinado nos colégios o idioma português. Fato que também ocorreu em França, onde ainda nos meados do século XVIII o ensino do latim tinha primazia sôbre o do francês.

Quem percorrer os “Anais” do Parlamento Imperial Brasileiro sentirá aquela falha. Claro que, para desmentido de tão evidente êrro pedagógico, há as exceções de um LAFAYETTE, de um FRANCISCO OTAVIANO, de um FERREIRA VIANA, parlamentares e humanistas, de fino gôsto literário.

Exemplo típico daquela deficiência, sem me ater em TEÓFILO OTÔNI, que escrevia com desleixo, é o de BERNARDO PEREIRA DE VASCONCELOS, o magno estadista do Segundo Reinado, cujos discursos nas assembléias políticas, de visão alcandorada e terrível sarcasmo, não primam, contudo, pelo encanto e apuro da forma.

Só depois da famosa polêmica de RUI BARBOSA com CARNEIRO RIBEIRO, em que a palma da vitória coube à língua portuguêsa, é que, com a abundante viesse de filólogos e glotólogos, se principiou a esmerar o ensino do idioma pátrio, a dar relêvo à sintaxe, à regência dos verbos, à colocação dos pronomes, à frase escorreita.

RAUL FERNANDES foi aluno distinto. O primeiro de sua turma, assim o proclamou, em parecer que veio a lume, a preclara Congregação da Faculdade de Direito de São Paulo. Obteve a concessão de viagem à França, – que não se realizou, por motivos supervenientes, que êle próprio explicou de público, – para pesquisar o regime e os resultados da condenação condicional em matéria penal.

Com 16 distinções, conquistou o título de “laureado” e o prêmio de ter o seu retrato no projetado “Panteon” acadêmico.

Outra surprêsa tive ao examinar o seu currículo estudantil: a nota “simplesmente” em Direito Internacional Público, disciplina em que iria se tornar autoridade inconteste, de reputação além das nossas raias. Não atinei com a razão do insucesso. Tratava-se já de matéria de sua dileção. Na fase acadêmica, o “Comércio de São Paulo”, o grande órgão de EDUARDO PRADO e AFONSO ARINOS, agasalhara em suas páginas uma dissertação de RAUL FERNANDES sôbre a realidade do Direito Internacional, assunto sempre atual, dado o número de seus negadores. A explicação não tardou: o professor da cadeira, ALFREDO MOREIRA DE BARROS OLIVEIRA LIMA, em quem já se vislumbravam os primeiros sinais de alienação mental, ficou com a idéia fixa de “lhe quebrar a castanha”, frase que repetiu no ato; aos seus companheiros de banca argüidora.

Contrastando com êsse gesto, perdoável em cérebro enfêrmo, MANUEL PEDRO VILABOIM, – que acabava de realizar notável concurso, defendendo a tese “O Contencioso Administrativo perante a Justiça Federal”, tema que, na opinião de SPENCER VAMPRÉ, ninguém tratara antes, nem ninguém tratou melhor depois dispensou-o, no exame final, da prova oral. Não por mero favor ou desejo de uma reparação. Mas pelo fato de RAUL FERNANDES ter se submetido, em aula de Direito Administrativo, a uma sabatina, entre outros, com JOSÉ AUGUSTO CÉSAR, com tal brilho e conhecimento do “ponto” que o “Comércio de São Paulo”, jornal muito ligado aos estudantes de direito, reproduziu, no dia seguinte, as suas vitoriosas objeções, para gáudio do jovem mestre, que se aprazia, na velhice, em recordar o feito do antigo discípulo, já no ápice da carreira política e profissional.

A lei nº 314, de 30 de outubro de 1895, que reorganizou o ensino nas Faculdades de Direito, obrigou o aluno à freqüência e instituiu as sabatinas, duas providências necessárias.

Até então “íamos lá como quem vai para um clube”, depôs certa vez um algo buliçoso estudante da época, hoje o grave e respeitável banqueiro JOSÉ MARIA WHITAKER. Assim em Direito Civil, no ano de 1896, RAUL FERNANDES tomou parte na sabatina com JOSÉ AUGUSTO CÉSAR, LICURGO LEITE, ALARICO SILVEIRA, CASTRO JÚNIOR, o estudante que compilou as lições de SEVERINO PRESTES, e CARLOS DE ALMEIDA, o esperançoso ituano que em 1897 foi assassinado num conflito em Ouro Prêto, ocorrência que provocou agitação acadêmica e suscitou, de um contemporâneo seu, estudante da grande brilho, RAUL SOARES DE MOURA, palavras candentes de revolta.

Na sabatina de Direito Criminal são designados para enfrentar o moço fluminense, que vinha se salientando, sobremaneira, o seu rival em notas, JOSÉ AUGUSTO CÉSAR, e ainda ALARICO SILVEIRA, JACINTO DE SOUSA e ROSSINI TAVARES DE LIMA, um mineiro promissor que faleceu durante o curso.

Constituíam, em geral, acontecimento na vida da Academia essas provas de estudo e saber. Lastimo não ter presenciado aquelas “rezas de sábado” no meu curso de Direito.

Os estudantes orientavam-se nos exames pelas apostilas que condensavam as preleções dos mestres. Em regra, não se adotavam compêndios, dada a carência de livros didáticos. Como exceção, poderia mencionar, para o Direito Administrativo, os resumos de RIBAS e do VISCONDE DO URUGUAI; o de LABOULAVE e do MARQUÊS DE LOBOULAVE, para o Direito Constitucional: o “Programa”, de CARRARA, para o Direito Penal. Textos do “Direito de Família” e do “Direito das Coisas”, de LAFAYETTE, eram exigidos, de cor, aulas do VICENTE MAMEDE, tão severo para com os discípulos quão rigoroso para consigo no cumprimento do dever.

Aluno pobre e sem Sobrade dinheiro para a aquisição de obras de direito e, sobretudo, impelido pelo seu espírito de cooperação, RAUL FERNANDES apostilou quase tôdas as matérias do curso. Não sabendo taquigrafia, sentava-se no primeiro banco, o “banco da música”, como era denominado, apanhava as lições escrevendo as palavras quase só pelas iniciais. Para não falsear o pensamento do lente e reproduzi-lo com exatidão, recompunha, à noite, em casa, graças a uma memória fiel, o que anotara durante o dia, aprimorando a redação.

Êsses fascículos ficaram famosos e passaram de mão em mão, por várias gerações, lidos com proveito nas “repúblicas” de estudantes. Em alguns que perlustrei, senti também aquêle “calor do uso”, de que fala o EÇA DE QUEIRÓS. Um dêsses manuscritos, o de Filosofia do Direito, que resumia, as aulas de PEDRO LESSA, foi encadernado por VICENTE PRADO, de classe posterior à de RAUL FERNANDES, e constituiu o verdadeiro compêndio de Filosofia do Direito de diversas turmas.

Em 11 de agôsto de 1952, na sessão solene promovida pela Congregação da Faculdade de Direito de São Paulo, na qual RAUL FERNANDES foi condecorado com o título de “doutor honoris causa” distinção rara, até hoje só conferida a jurisconsultos da altura de RUI BARBOSA, CLÓVIS BEVILÁQUA e MENDES PIMENTEL, o laureado da turma de 1898 recebeu, surpreendido e emocionado, de antigo estudante, que não foi seu contemporâneo, aquela coletânea de lições de Filosofia do Direito, cujo texto se eleva a mais de 200 páginas maciças.

Estava, naqueles primórdios da República, em apogeu, a Congregação da Faculdade de Direito de São Paulo. Superintendia-a, com a sua presença, o nonagenário BARÃO DE RAMALHO, que no Processo Civil se fêz tratadista de renome. Era a sombra do passado que vagueava pelos corredores do velho Convento. Mas representava o que havia de mais puro e sedutor nas tradições acadêmicas. Em tôrno do ancião, que foi o sistematizador da praxe brasileira, viam-se PEDRO LESSA, o renovador do pensamento filosófico da Academia, o de maior influência no espírito dos moços; BRASÍLIO MACHADO, de voz nasalada, olhar chispante e frase cadenciada, príncipe da tribuna judiciária, defensor da unificação do direito privado; JOÃO MONTEIRO, orador que martelava as sílabas, destacava as vogais, poliglota, na processualística autoridade que de todo não envelheceu; PINTO FERRAZ, um BRUMMEL, límpido no transmitir, cultor de SAVIGNY e LAFAYETTE, inexplicável na sua posterior e constante ojeriza ao sábio e santo CLÓVIS BEVILÁQUA; LEÔNCIO DE CARVALHO, orador de recursos, tido como homem de talento; DINO BUENO, civilista consagrado, insuperável na arte didática; VILABOIM, hábil dialeta, ainda não enlevado pela “sereia” da política, acrescentava, nas suas preleções, aos “Ensaios de Direito Administrativo”, do VISCONDE DO URUGUAI, novidades de doutrina alemã; CÂNDIDO MOTA inovava o ensino do Direito Criminal, com FERRI, LOMBROSO e GAROFALO, a famosa trindade italiana da escola positiva: o apóstolo, o cientista, o magistrado; AMÂNCIO DE CARVALHO, médico baiano, didata por excelência; JOSÉ ULPIANO, de uma retentiva assombrosa, jurista de raça, iniciava a sua longa e fecunda carreira no magistério superior, acumulando o Direito das Obrigações com o Direito Romano; ALMEIDA NOGUEIRA, todo amenidade como expositor, cujo curso os estudantes, com laivos de injustiça e espírito galhofeiro, denominavam de “pilhérias econômicas”; recém-ingresso, REINALDO PORCHAT, artista da palavra falada, defendeu a tese “A posição jurídica dos Estados federados perante o Estado federal”, com sabor de novidade. Vultos que a perspectiva do tempo engrandeceu.

Os estudantes viviam em descuidadas tertúlias, em “repúblicas”, instituição que, com o gigantismo de São Paulo, desapareceu quase por completo. RAUL FERNANDES teve como primeiro procurador o Dr. JOÃO DA MOTA GONÇALVES CÉSAR e posteriormente o CÔNEGO ANDRADE, em cuja casa, situada na esquina do largo da Sé com a rua Santa Teresa, residiu como pensionista. Transferiu-se depois para uma “pensão” que existia na rua Municipal, hoje Tabatingueira. Um dos seus melhores amigos, companheiro de quarto, FIRMO VIANA, dedicou-se ao magistério secundário e tornou-se genro de AUGUSTO FREIRE DA SILVA. Ensinava êste velho professor, no Curso Anexo, gramática histórica e expositiva e as suas lições formam a “Gramática Portuguêsa”, obra que, naquela quadra, foi tão afamada quanto a de JÚLIO RIBEIRO. De outros companheiros de “pensão”, LINCOLN GUIMARÃES, BERNARDO VIANA, JOSÉ PAIVA GUIMARÃES, JOÃO DE CAMPOS CARVALHO VIDIGAL e PEREGRINO VIEIRA DA CUNHA, o tempo, que VIEIRA definia como a sepultura de tôdas as coisas, deliu, pelo menos para mim, que não os conheci, os traços da passagem pela terra. Outro amigo seu foi o benquisto HEITOR PENTEADO, o colega rico, de nobre estirpe campineira, que emprestou, ao estudante de roupa surrada a casaca obrigatória para a cerimônia da “chave simbólica”, uma tradição cara aos corações flamantes de ideal e sequiosos de amor ao próximo. As tradições, observava o sempre novo padre ANTÔNIO VIEIRA, passam por nós, mas não passam para nós.

RAUL FERNANDES ligou-se, desde o primeiro ano, a JOSÉ AUGUSTO CÉSAR e o considera a primeira figura de sua geração. Juízo idêntico, em relação ao seu velho companheiro, formulou o grande civilista, em 1927, num almôço intimo e restrito em que tive o prazer de tomar parte, ao lado de ERNESTO PUJOL, sob o protesto sincero do laureado. Ambos sem o sentimento inferior da inveja. Ambos com a capacidade superior da admiração.

JOSÉ AUGUSTO CÉSAR dedicava-se, quando aluno, ao “Círculo dos Estudantes Católicos”, que adotava a divisa: “Deus, Pátria e Liberdade”, presidido por JOSÉ BONIFÁCIO COUTINHO. Como órgão da mais antiga associação acadêmica, reapareceu, em 1896, o jornal “A Reação”, com os novos redatores: JOÃO BATISTA DE SOUSA, JOSÉ AUGUSTO CÉSAR, PEIO COSTA, CARDOSO RIBEIRO e LUCIANO ESTEVES JÚNIOR. O dístico da folha acadêmica – “Religião e Direito” – traduzia com exatidão os seus objetivos. JOSÉ AUGUSTO CÉSAR exerceu na imprensa grande atividade em prol de suas idéias religiosas. Em vários exemplares consecutivos, escreveu sôbre “As Bases da Fé”, de lord BALFOUR, “obra de eloqüência e de fé” e que tanto entusiasmo despertou em RUI BARBOSA, exilado na pátria dos livros, a Inglaterra. Em diversos números, criticou AUGUSTO COMTE em matemática, revelando-se assim um pendor que quase o levou a estudar engenharia. Ainda, em outro, fêz a apologia da religião de Cristo.

O “Círculo dos Estudantes Católicos” organizava, amiúde, defesas de teses, seguindo o exemplo do “Núcleo Jurídico”, que teve o seu esplendor na presidência do aluno RODRIGUES ALVES. Todos os temas versavam sôbre Direito Penal, que despertava maior interêsse do que o Direito Civil para os futuros bacharéis, em geral candidatos a, delegacias de polícia e promotorias públicas. JOSÉ AUGUSTO CÉSAR exibiu o seu preparo, dissertando sobre a seguinte proposição: “O júri é uma das causas do aumento da criminalidade em todos os países onde existem. JOÃO SAMPAIO, que foi estudante aplicado e em 1897 se elegeu orador da turma, discorreu sôbre o júri, no seu discurso de despedida.

Assunto que empolgava, como se vê, todos os que pretendiam se atirar sem detença à vida profissional. Em agôsto de 1897, JOÃO SAMPAIO foi escolhido para ser o vice-presidente do Grêmio Literário e Científico Acadêmico, que por proposta de VILHENA VALADÃO passou, no ano seguinte, a denominar-se “Centro Bernardo Guimarães”.

RAUL FERNANDES, que o presidia, foi substituído, sucessivamente, por HEITOR PENTEADO, CESÁRIO PEREIRA e RAUL SOARES. Ao deixarem a Faculdade, tanto RAUL FERNANDES como AUGUSTO CÉSAR e JOÃO SAMPAIO, por iniciativa de MANUEL VIOTTI, foram aclamados sócios honorários do Clube, que teve aura estudantil. Todos os três não tiveram, ao que parece, o dom de compor versos, o “sarampo” da inteligência. RAUL FERNANDES, nos órgãos acadêmicos, não se limitava, contudo, aos assuntos jurídicos. Em “A Autoridade”, de ÂNGELO MENDES, jornal monarquista, escreve o estudante fluminense sôbre a data de 11 de agôsto, estranhando com veemência que não fôsse tão festejado quão deveria ser o “Dia memorável”. Em “A Reação”, que o ultramontano CARDOSO RIBEIRO tachava de “jornal católico, porém muito liberal”, se me deparou a notícia de uma saudação de RAUL FERNANDES a VEIGA FILHO, na manifestação de estudantes de direito, efetuada na sede do Centro Comercial, àquele financista, que acabava de ser nomeado lente catedrático de História do Direito Nacional.

A Academia não é só direito nem só política. A Academia é também poesia. No frontispício do templo amado, vêem-se nomes de poetas, como sentinelas de suas tradições. Poetavam em jornais efêmeros, – “A Paulicéia”, “A Boêmia” e “A vida de hoje”, – ANTERO BLOEM, BATISTA CEPELOS, CIRO COSTA, ADOLFO ARAÚJO. As gerações que os ouviram recitar, guardaram na memória do coração o “Cristo de Martim”, de ANTERO, a “Esmola”, de ADOLFO ARAÚJO, e o “Pai João”, de CIRO COSTA. BATISTA CEPELOS era um improvisados. Certo dia, na Vila Fortunata, localizada na avenida Paulista, residência dos THIOLLIER, escreveu na parede do escritório essa quadrinha:

“Debaixo dêste céu escampo

Que luz! Que suavidade!

De um lado casas de campo

De outro lado a cidade”.

O panorama campestre da solidão, que se estendia naquele tempo até Santo Amaro, transformou-se, em menos de meio século, na opulenta visão dos bairros em que hoje se erguem mansões de milionários da Paulicéia.

A Academia é ainda civismo. Viveu, em agôsto de 1896, talvez, o seu momento de maior vibração patriótica.

Quando governava o Estado de São Paulo o ilibado cidadão MANUEL FERRAZ DE CAMPOS SALES, que teve a dita de presidir naquele ano, às conferências anchietanas, promovidas por EDUARDO PRADO, no templo do direito, houve o grave conflito, conhecido como a “questão dos protocolos”, entre a colônia italiana e brasileiros, notadamente estudantes de direito.

O govêrno da Itália havia exigido do Brasil indenização vultosa em virtude de prejuízos imaginários que alegou terem sofrido os seus súditos, no sul do país, por ocasião da revolta da Armada, o que provocou justa repulsa e manifestações populares de protesto.

Procedeu, naqueles dias agitados, não só com falta de fato, mas com grande arrogância, o cônsul italiano, em São Paulo, CONDE DE BRICHANTON, temperamento irrequieto e ousado.

Nos tumultos daqueles dias, foi ferido, gravemente, um conhecido tipo de rua e muito estimado entre os acadêmicos, o Prêto Leôncio, escravo liberto do professor de direito e ex-ministro do Império, conselheiro LEÔNCIO DE CARVALHO.

Estiveram à frente do movimento, que repeliu a injúria, estrangeira, JOSÉ MARIA WHITAKER, RAUL CARDOSO DE MELO e DARIO RIBEIRO, o qual foi uma espécie de líder e orador requestado, nos comícios.

Êsses acontecimentos, que poderiam ser evitados, se outra fôra a atuação daquela autoridade consular, não ocasionaram, como seria de temer, a interrupção da benéfica corrente imigratória italiana para o Estado de São Paulo.

Estava ainda reservada à turma de 1898 a contemplação de emocionante e triste espetáculo: o incêndio do Teatro São José, reduzido a cinzas em menos de 15 minutos.

Era uma tradição que se esboroava.

No seu palco desfilaram atores como Furtado Coelho e Joaquim Augusto Ribeiro de Sousa, o esquecido rival de João Caetano, cujo perfil foi gravado na história pela pena, imortal de JOAQUIM NABUCO, e atrizes como Eugênia Câmara, que foi a paixão de CASTRO ALVES.

Inaugurado, em 1864, com a peça “Túnica de Nessus”, do incorrigível boêmio, acadêmico de direito SIZENANDO, NABUCO, dois dias antes do sinistro subira à cena a “Morgadinha de Val Flor”, a encantadora peça romântica de PINHEIRO CHAGAS, que ainda não desertou os palcos portuguêses.

A Academia, que viveu tantas vêzes, no Teatro São José, momentos de civismo, associou-se ao luto da cidade da neblina, a “formosa sem dote” de outrora, que a juventude do largo de São Francisco sempre cortejou.

RAUL FERNANDES fêz o curso de direito em três anos. Outros o fizeram em dois, os tais “bacharéis elétricos”, apelidados os “galgos”. A explicação dessa estranha possibilidade no-la deu o professor ALMEIDA JÚNIOR, em seu interessante ensaio “A Faculdade de Direito e a Cidade”: “Valendo-se das franquias da lei, “muitos prestavam os exames de uma série em primeira época e em segunda os da série subseqüente. Alguns requeriam logo depois uma época extraordinária para nova série. Puderam dêste modo vir a diplomar-se em quatro, três e até dois anos”.

Os estudantes apressados, que receberam aos 18 anos o barrete doutoral e a quem o tempo deu notoriedade, eu poderia citar a granel. De pronto: ALCÂNTARA MACHADO e CARLOS PEIXOTO.

RAUL FERNANDES bacharelou-se em direito, em fins de março de 1898. Quem lhe impôs a borla simbólica foi JOÃO MONTEIRO e não o diretor, BARÃO DE RAMALHO, vítima de seus achaques.

A cerimônia, que se realizou a um canto de secretaria, RAUL FERNANDES, num grande dia, a descreveu com essa simplicidade: “Apresentava-me eu isolado, tendo por extrema necessidade antecipado a conclusão do curso, como os regulamentos da época facultavam. E se vinha sem os colegas da mesma turma, também não tinha paraninfo. Estava rigorosamente só, urgido pela necessidade de ganhar a vida e tendo no bôlso, por tôda a fortuna, o dinheiro para a passagem de volta à cidadezinha fluminense onde morava minha mãe viúva, mais vinte e cinco mil réis para uma certidão do grau: a carta em pergaminho, com sêlo encastoado em medalha de prata, enrolada no indefectível canudo de fôlha de Flandres, era um luxo inacessível”.

A turma que colou grau em 1898 é representada, como se deduz, nas duas figuras marcantes de JOSÉ AUGUSTO CÉSAR e RAUL FERNANDES.

O primeiro, aluno dileto de PEDRO LESSA, atraído pela Filosofia, teve desde cedo vocação para o magistério. Notabilizou-se, pela vastidão da cultura propedêutica e jurídica, em dois vitoriosos concursos: o de História Universal, no rigoroso Ginásio Oficial de Campinas; o de Direito Civil e Direito Romano, na Faculdade de Direito de São Paulo.

Em ambos teve como concorrente um moço encanecido pelo estudo, tão modesto e sábio quanto êle, SPENCER VAMPRÉ, cuja existência tem sido de constante devotamento à matriz da inteligência brasileira, a Faculdade de Direito de São Paulo.

De saúde frágil, retraído, absorto nos livros, deixou JOSÉ AUGUSTO CÉSAR obra diminuta, o que muito é para lamentar-se. Tudo ouro de lei. O “Ensaio sôbre os Atos Jurídicos”, redigido em 1912, na fase, em que ainda não se havia arrefecido o seu entusiasmo pelas obras de ANTÃO MENGER, é uma crítica rigorosa ao projeto do Cód. Civil brasileiro, sob o seu aspecto social, antecipada para uma época em. que se postergavam os direitos do proletariado. Provocou êsse livro certa reação de católicos menos esclarecidos, se bem que fôsse do agrado do monsenhor FRANCISCO DE PAULA, o grande Padre Chico, a personificação da bondade e da tolerância. Essa pequena obra-prima, o romanista CAETANO SCIASCIA a compara às melhores páginas de SCIALOJA e vai traduzi-la para o italiano em homenagem à cultura jurídica do Brasil.

O estudo “Rui e Cícero”, uma de suas afamadas produções, reeditado recentemente pela revista “Justitia”, atestado de pujante saber humanístico, é, no julgamento dos devotos das letras clássicas, impecável na análise do autor das “Catilinárias”.

O mesmo não se pode afirmar quanto ao que se refere a RUI BARBOSA. Impulsionado pelas suas convicções religiosas e políticas, JOSÉ AUGUSTO CÉSAR, que havia retornado aos sacramentos e continuava impenitente monarquista, se bem que reconhecesse a grandeza de RUI e não o diminuísse ante o orador romano, não o julgou, em várias passagens de seu valioso trabalho, com isenção plena.

A RAUL FERNANDES, de talento mais dúctil, mais ágil, mais objetivo, mais jovem de espírito, o destino sorriu reais do que ao seu companheiro de estudos. A êle se ajusta perfeitamente o que GILBERTO AMADO escreveu de BARTHOU e PONCARÉ: “No Barreau e no Parlamento entraram sabendo rigorosamente as leis a aplicar e conhecendo os princípios gerais do direito que discutiam. Seus gestos eram sóbrios, regulares, precisos suas palavras, nos discursos e nos escritos, precisas, sóbrias, regulares. Desestimavam tudo que fôsse excesso; reprovam tudo que fôsse indeciso e incerto. Lendo êsses períodos cantantes do estilista e pensador sergipano, a impressão que subsiste é a de que RAUL FERNANDES, na sua fulgurante carreira de advogado e político, teve como paradigma aquêles estadistas europeus.

A história da Faculdade de Direito de São Paulo é apaixonante. O professor SOARES DE MELO tomou a si a tarefa hercúlea de reconstituí-la, sob outros moldes, desprezando a crônica facêta, para mergulhar no seu passado glorioso de cultura e civismo. Patenteado há de ficar o que PEDRO LESSA escreveu como paraninfo aos bacharelandos nos albores da República: “Apague-se a história “Academias jurídicas do Brasil e a História da Nação brasileira será um enigma”.

Antônio Gontilo de Carvalho, advogado em São Paulo.

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Notas:

* N. da R.: Conferência pronunciada na Faculdade de Direito de São Paulo, sob os auspícios da Associação dos Antigos Alunos.

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