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CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
Penitência de um penitenciarista, de Roberto Lira

Revista Forense
13/06/2025
SUMÁRIO: 1. Guerra de 40 anos. 2. “Mea culpa”. Comissões de Códigos e Conselhos Técnicos. 3. Ver para não crer. 4. Estou só. 5. Dirijo-me ao futuro. 6. Presos. Soltos. 7. A verdade, tôda a verdade. 8. Prisões iníquas. 9. Minhas primeiras propostas.
1. Guerra de 40 anos.
Não me liga à matéria interêsse ou sentimento pessoal, mas sòmente a evolução das revoltas e angústias da adolescência. Minha primeira reportagem (“Correio da Manhã”, Paraíba, 1916) e meu primeiro tópico (“Rio-Jornal”, 1918) tratavam de prisões.
Fui um dos fundadores do Patronato Jurídico dos Condenados (Rio, 1920), sob a direção do Prof. CÂNDIDO MENDES. Mal coloquei o rubi no anular, passei logo afazer dos compromissos juvenis o agente de reação mais constante e pugnaz.
Na imprensa, no rádio, na tribuna, na cátedra, nas associações científicas, nos conselhos técnicos, nas comissões legislativas, nos congressos nacionais e internacionais perseverei na tentativa de curar os males da prisão com a prisão.
Em 1950, ARMANDO DIAS DA COSTA selecionou os meus trabalhos específicos em “Teoria e Prática Penitenciárias”. Vi, emocionadamente, as suas pastas de recortes com meus artigos, discursos, entrevistas, conferências, relatórios, votos, pareceres, apostilas universitárias, e até cartas, enfim, tôda a história de minhas campanhas, iniciativas, resistências.
O foco das pesquisas abrangeu o principal, desde o meu opúsculo “Condição Moral e Jurídica do Encarcerado” (Rio, 1924) às provas taquigráficas de minhas aulas de Criminologia (1950) no curso de doutorado da Faculdade Nacional de Direito.
Aquêle trabalho de estréia contém a palestra que realizei, a 19 de maio de 1923, na então Casa de Correção do Distrito Federal, quando impus ao público forçado a exorbitância de outro castigo: a minha palavra de neófito.
Escrevi na aludida conferência:
“Tracei, ao vivo, muitas vêzes, flagrantes tristes e aspectos clamorosos, que serviam à necessidade, cuja consciência preponderou, por muitas vêzes, no meu espírito, de mais um protesto contra as misérias de nossas prisões, os vícios de nossos julgamentos e as falhas da nossa legislação”.
“Tenho, cada vez maior e mais forte, a convicção de que não se deve poupar um grito aos ouvidos do poder público em favor do encarcerado”.
“Para prolongar o eco de mais uma voz revoltada, dei às minhas palavras esta forma duradoura, repisando, insistindo…”
A imprecisão dos conceitos não deve ser cobrada a um jovem que, exatamente àquela data, atingia à maioridade civil. Solenizei a transição magna ao lado dos presos.
De 1950 em diante prossegui na luta com a mentalidade da estréia aos 14 anos (1916).
Agora, entretanto, liberto do marginalismo circunstancial, concentro, sobranceiramente, um jacto de luz inexorável, de alto a baixo, do gabinete do diretor ao cubículo disciplinar (prisão dentro da prisão).
2. “Mea culpa”. Comissões de Códigos e Conselhos Técnicos.
Participei de todos os congressos especializados e de tôdas as comissões anteriormente incumbidas da elaboração de anteprojetos de Código Penitenciário, mas, então, não conhecia a verdade oculta à minha: pretensão doutoral, sem profundeza, sem descortino, sem sensibilidade e, principalmente, sem coragem.
Meus cabelos brancos aprenderam o bastante para o repúdio a qualquer tolerância, mesmo omissis. Escrevo, hoje, penitenciária, com perdão da palavra. Ela pertence à terminologia tanto legal quanto científica, porém exprime (sem hipocrisia, é certo) a recalcitrância bárbara.
As minhas transigências como codificador, fiscal, inspetor e conselheiro cessaram para sempre. O que, na realidade, levei para Comissões Legislativas e Conselhos Técnicos, além do desinterêsse, da boa vontade e do escrúpulo, foi, se não a fé, a esperança que me falta agora.
A minha consciência rompeu com os pressupostos, os fundamentos e os atributos do regime atual. É preciso purgar o pecado original – a prisão mesmo.
3. Ver para não crer.
Para não julgar pelo conhecimento direto apenas da situação latino-americana, fui observar na Europa os centros das últimas reformas e pôr em dia informações autorizadas sôbre os Estados Unidos e a Rússia. Ao contrário do que afirma o penitenciarista holandês N. MULLER, o regime, anterior à guerra não morreu.
Eu não cumpriria dever elementar de ser humano se deixasse de dizer: em linhas gerais, sob vários travestis, e com os mais diversos aparatos técnico-científicos e técnico-administrativos, o que se assinala é o retôrno até às concepções primitivas de fundo religioso e de forma militar. Desnatura-se o escoteirismo. Surgem cárceres comerciais e industriais no pior sentido.
A chamada “prisão aberta” trás o complexo de que não se libertaram os mais audazes – o da prisão em si. São palavras inimigas. Ou não é aberta ou não é prisão.
Ouvi e, sobretudo, vi, embarafustando, com simulada distração, pelos lugares proibidos e errando, de propósito, nos dias e horas prèviamente marcados. O que surpreendi, o que arranquei de confidências forçadas não diminuiu a humildade de minha solidão. E aumentou uma convicta, resoluta e premente combatividade.
Não trouxe idéias da Europa. Levei-as para lá e o que encontrei foi, na essência, o retrocesso disfarçado.
4. Estou só.
Acho-me só (não importa) nesta investida de pioneiro em favor de homens e mulheres excomungados, sem presente e sem futuro, sem voto para atrair a cobiça eleitoral, sem dinheiro e sem poder para a praça, dos privilégios.
Combato anexos, seguros, complementos e, mesmo, sucedâneos, sub-rogados penais.
Em “La Harpe de Saint François”, FELIX TIMMERMANN fala daquela bela e vasta prisão, “mais une prison quand même”.
Por outro lado, não há qualquer afinidade entre o meu plano e o dos partidários da “prisão sem grades” ou da “pena sem prisão” (ou não diria, sequer, pena), virtualmente adeptos daquela expiação que EUCLIDES DA CUNHA considerava “a prisão celular do homem na amplitude desafogada da terra”.
O Prof. BARRETO CAMPELO preconiza “residência e trabalho obrigatório em colônias penitenciárias agrícolas ou de mineração, localizáveis em zonas saneadas e a grande distância dos centros de povoação”.
O Prof. ATALIBA NOGUEIRA pretende “o emprêgo de delinqüentes na colonização do interior do Brasil”. E acrescenta: “por tôda a parte, em todos os tempos, foi sempre a mesma a origem de povos e nações. Prófugos expatriados, devedores perseguidos, libertinos repelidos por suas famílias, a escória, enfim, dos povos, é que fundaram cidades, províncias e nações”.
Não há qualquer vínculo entre tais anacronismos (o primeiro fala em “colonização da selva”) e o ideal a que sirvo por amor à ciência e à humanidade.
Aliás, os que criticaram aqueles mestres, em defesa do stato quo, não aceitaram o conselho de GILLIN: o de apurar se, na verdade, a prisão foi uma conquista sôbre o deslocamento no espaço, que, acrescento, não exclui as companhias do amor e da solidariedade.
Não secundo sugestões. Procuro criar com ansiosa absorção no futuro. Não viso a substituir a célula, mas a abolir tôda e qualquer prisão, inclusive all aperto. Ressalvo a internação e a custódia.
Quando aludo, eventualmente, aos “substitutivos penais” de FERRI, considero apenas o valor histórico do primeiro caminho aberto na rocha dos preconceitos. Seus expedientes estão longe de oferecer substância para a solução radical que defendo.
5. Dirijo-me ao futuro.
Não falo da planície normativa e institucional, do chamado direito positivo, que, aliás, é, no caso, o mais negativo, individual e socialmente, o mais impolítico sob todos os aspectos.
Ascendo a montanha para confiar a minha mensagem aos moços. Êles me trazem, todos os dias, o perfume, a vibração, o rumor do porvir. Costumo falar aos alunos na chama do porvir, grifando o “chamado” ardente. É junto aos jovens que a minha voz, autenticada pelas devoções do amor, pode ter alguma influência.
Nem há o que dizer, a respeito, aos ouvidos do mercador do presente. De mercador, sim. Não espero ser compreendido. Se obtivesse ressonância, hoje, desconfiaria das minhas idéias.
Dirijo-me à imaginação e não à experiência. Os se dizentes reformadores ainda se atrevem ao sarcasmo contra os que obedecem ao irresistível império da verdade e do bem.
Estou blindado por uma filosofia que já me permite ver, no pânico dos adversários, o personalíssimo receio de que as vagas nas prisões venham a caber aos extremistas da impiedade, aos ladrões e assassinos da esperança:
A vocação vanguardeira do Brasil precursor há de avançar para uma concepção revolucionária do tratamento do homem que viola as convenções da lei penal, não como enfermo, físico, moral ou mental, ou como infeliz, mas como homem, tout court.
Não sou ingênuo. Conheço bem a realidade para não contar com o aprêço de elites suicidas ou de massas ainda sob o comando de demagogos e reacionários.
Não velarei as luzes do fim da festa com o quadro do Brasil, quando a história lhe oferece, inùtilmente, a mão, para alça-lo ao Olimpo da riqueza generosa, da fôrça justa e progressista, da cultura fraterna e criadora.
Não citarei a mediocridade, o egoísmo e a esperteza que profanam as altitudes sociais.
Não desabafarei o ceticismo em que se homiziou a minha revolta de cidadão e de homem.
Evitemos a ênfase que vicia, igualmente, sentimentais e analgésicos do pólo afetivo, ao falar dos criminosos.
Ah! dos criminosos, isto é, a multidão de incursionistas ou incursionandos (todos nós).
Êstes, em dia com a rotina ética, e a aparência ordeira, acidentalmente colhidos além fronteiras, pagam pelas exceções sensacionalizadas para os caça-níqueis publicitários.
São transgressores mal sucedidos de preceitos na maior parte resultantes da trama efêmera de costumes e interêsses ou aplicados segundo critérios superficiais, relativos, flutuantes.
Há, certamente, crimes que alarmam, horrorizam, revoltam, mas, nem a justiça pode julgar e, muito menos, executar a sentença sob o signo da vingança, nem esta constitui defesa social útil e justa.
Em regra, o abalo público é provocado pela arte de jornalistas ou locutores, obrigados pelo cartaz rendoso a fabricar, cada dia, o pão sensacionalista com “facínoras honorários”, segundo a classificação de PEDRO VELHO, fundador da República no Rio Grande do Norte.
Ouvi, certa vez, um locutor proferir de tal forma a palavra – pavoroso – ao anunciar um incêndio-, que imaginei alguma coisa à altura do adjetivo catrastrófico. Verifiquei que o pavor, estava apenas na dramatização. do locutor. Nela, como no pavoroso incêndio, havia mais fumaça do que fogo.
BECCARIA consolava-se do desprêzo dó resto dos semelhantes com as bênçãos e as lágrimas de um só homem.
Não espero sequer isto, porque a minha voz não tem fôrça para chegar aos ouvidos martirizados, também, pelo reboar do exibicionismo administrativo e do pedantismo catedrático.
6. Presos e soltos.
A imprensa, e não na, seção humorística, registrou, a propósito de minhas entrevistas ao chegar da Europa (setembro, 1950), que eu queria soltar os presos. E eu que Ignorava possuir tanta fôrça!…
Fiquem descansados os, carcereiros. Infelizmente, não posso soltar ninguém. De qualquer forma, o mui de soltar seria menor do que o de deixar à vontade os criminosos imunes.
EUCLIDES DA CUNHA, convidado para dirigir um presídio, respondeu: “Só se eu puder escolher os presidiários…”
O problema penal, verdadeiramente importante, de hoje, não se refere aos presos, mas aos indevidamente soltos e ainda com o poder de mandar os outros para o lugar dêles. Há, também, os presos apenas para “juiz ver”.
Não posso, não devo, não quero desarmar, ou enfraquecer a segurança pública, que é a minha própria segurança. Só o anarquista fin de siêcle preferiria o incêndio de sua casa a chamar o Corpo de Bombeiros da burguesia.
Há até crimes de perigo comum. Considero ineficazes as armas em uso, assim velando, precisamente, pela coletividade prejudicada ou desonrada. Daí não se segue que, enquanto faltarem melhores meios tutelares, abandone os disponíveis, embora imprestáveis sob todos os aspectos.
Quando a imprensa atribuiu-me o propósito de esvaziar as prisões chegaram a responsabilizar-me, de certo modo, por dois ou três crimes “bárbaros” então ocorridos… Bárbaros? A palavra é imprópria, porque induz a doença mental ou moral, a anacronismo social.
“Se a vítima fôsse êle”…, escreveu um jornalista, elegante e leal, como vêem, embora capaz de confundir homem público – e homem particular ofendido, como se fôsse lícito cuidar de problemas gerais, era causa própria.
Se tratássemos de criminosos, supondo-nos vítimas, estaríamos, imaginàriamente, fazendo justiça privada e, o que é pior, covarde e clandestina.
Nem os crimes, nem as retaliações públicas ou privadas, resultam do primarismo das impressões, da superficialidade das reações e sim de causas essenciais, profundas, complexas, variáveis ao infinito, em tôdas as medidas, formas e efeitos.
A lei penal não pode ser a retorsão calculada ao ímpeto criminoso.
A Justiça não pode ser a reprodução desdobrada e ampliada do crime. O desespêro gera sempre o passional; o vicioso, o assistemático, em regra contraproducente.
Não me falem nos crimes que, realmente, abalam a consciência pública. Não se legisla, não se julga, em têrmos civilizados, sob. o tripúdio do linchamento moral.
Não se adoça ou salga a lei, ao ritmo das reações populares, tão versáteis, tão impulsivas e, na maioria das vêzes, “dirigidas” pelos jornais e, sobretudo, pelo rádio.
Um locutor “teatral”, um repórter imaginoso distribui coroas de louros ou de espinhos, despertando repugnância, simpatia, piedade. Por falta de assunto, eleva às manchettes, sob o colorido de empréstimo, episódios sêcos e triviais. E produzirão paroxismos que um interêsse eventual, o mais torpe, pode prolongar até criar clamor público mais terrível do que o “lincha, lincha”.
O súbito crispar de punhos rumo às prisões atingiria todos os processados e candidatos a benefícios, vitimas do despertar colérico de TÊMIS.
A vara da Justiça desceria, brutalmente, sôbre os desgraçados então no banco dos réus ou pendentes de recursos e petições de favores legais.
O objeto da indignação, natural ou artificial, escaparia muitas vêzes, da inopinada imolação, para ser julgado em ambiente tranqüilo e desvigiado.
Os apóstolos, que pediram a cabeça do bandido, esquecem, ràpidamente, o pregão, puro ou não, mas perturbador e desvirtuador da Justiça.
A réplica, na flagrância, pela explosão impessoal, é, substancialmente, menos selvagem do que o estudado e imune revide da autoridade policial ou judicial.
A sociedade prende os criminosos que fabrica. Sòmente quando libertar-se do sentimento de culpa, ela deixará de praticar crimes contra a humanidade.
7. A verdade, tôda a verdade.
Na parte negativa, isto é, no reconhecimento da imprestabilidade de todos os sistemas e regimes baseados no cárcere, só não estarão de acôrdo comigo os ignorantes, os hipócritas, os interessados funcionalmente, ou por vaidade, cobiça, mêdo, rotina, no meio suposto mais simples, que é enjaular os homens, enquanto se domesticam as feras. Não serve sequer para bicho.
A pedagogia, a medicina, a psicologia, a economia, a política, se não a própria moral, já não admitem discussão sôbre a monstruosidade antinatural, antiindividual e anti-social, de prender, isolar, segregar. É pior do que eliminar e transportar.
A psiquiatria abre as portas (opendoor) para os loucos, fornecendo-lhes assistência ocupacional e ergoterápica.
O juiz das execuções criminais (“O Jornal”, de 18-9-958) decidiu que o diretor do “Manicômio Judiciário Heitor Carrilho” tem a liberdade, como único “juiz” no caso, de mandar os doentes mentais, submetidos à medida de segurança de internação naquele estabelecimento, para as suas casas.
Nos jardins zoológicos, como, por exemplo, o de Vincennes (Paris), as feras vivem ao natural. Construíram até montes de pedra para cabra montês. E os animais que, na jaula, agitam-se, acendem os olhos, ensaiam gestos maus, aparecem no Bois tranqüilos e sociáveis.
Não precisamos de palavras, diante dêste fato: a Sociedade Internacional de Criminologia incluiu, no seu temário oficial, um item sôbre a influência criminógena da pena…
Como classificar uma instituição que se assinalou, històricamente, pelo enriquecimento do elenco das doenças mentais com a chamada psicose carcerária, psicose de situação, e pela incomparável, pela imprevisível subversão da própria patologia sexual?
E isto em milênios de evolução…
Já no “Gênesis” (cap. XL) lê-se:
…”dois eunucos, o copeiro do rei do Egito e o padeiro, pecaram contra o seu senhor. E Faraó, irado contra êles (porque um presidia aos copeiros, outro aos padeiros), mandou-os meter no cárcere do general do exército, no qual estava também prêso José. E o guarda do cárcere entregou-os a José, que também o servia”.
Era, a princípio, para animais, mas não se distinguia entre irracionais e racionais vencidos, dominados, “inferiores”. De início, amarrava-se o prêso pelo pé, pela mão, pelo pescoço. etc. Depois, o número de vítimas exigiu que se “estabelecessem” lugares para emparedá-los, engradá-los, aferrolhá-los. Em nossos dias, as leis protetoras de arrimais irracionais conseguem livra-los da, “selvageria”. Evolução?
As chamadas Nações Unidas aprovaram regras mínimas para o tratamento dos presos (Genebra, 1955), recomendando a proibição, como sanções disciplinares, de “castigos corporais, de recolhimento a calabouço escuro, assim como tôda sanção cruel, inumana ou degradante”. Confissão…
A prisão em si é cruel, inumana, degradante. A maldade rotineira, dissimulada, lenta, indiscriminada é a pior das maldades.
As chamadas Nações Unidas são realistas. Sabem que não “dispõem”. E quererão mesmo passar aos fatos? São contra aquelas desumanidades e, também, contra a “redução da comida”. Sim, mas se ocorrerem, estará tudo resolvido: serão chamados médicos sempre que “as medidas ponham em risco a saúde física e mental do prêso”. E o remédio curará as ignomínias, as atrocidades.
O Cód. Penal brasileiro proíbe as restrições e os castigos disciplinares “que exponham a perigo a saúde ou ofendam a dignidade humana” (art. 32). Considero-o o mais belo dispositivo de nossa lei penal. Belo para a contemplação e o êxtase.
A prisão já dispôs de tempo bastante para atuar, na prevenção geral e na prevenção especial da criminalidade. E sob todos os tipos, e por todos os meios, dós mais suaves aos mais duros, dos mais simples aos mais pretenciosos. De qualquer modo, as supostas inibições, por bem ou por mal, prontas a ceder à imersão na vida, não compensariam o preço cobrado ao homem.
As cifras da reincidência e – o mais doloroso – dê doentes mentais, fronteiriços, pervertidos sexuais, revoltados, hipócritas, cínicos, brutos, impiedosos, ímprobos, feitos à imagem e semelhança da prisão não deixam dúvida sôbre a lesão enormíssima da coletividade.
O “Correio da Manhã” (31-10-956) noticia a prisão em flagrante por furto de um indivíduo, logo depois de cumprir pena pelo mesmo crime.
Selam quais forem o fundamento e o fim atribuídos à pena, a prisão não os preenche: nem intimida nem regenera. Quando aflige, ela embrutece, insensibiliza, revolta. E sempre perverte, despersonaliza, desambienta.
A prisão, realmente temida, é a primeira, a que imaginam os homens de vergonha, “presos” aos valores morais e materiais da liberdade. O adaptado ao cárcere não repugna a volta. O risco é coberto pelas organizações celeradas que operam em segurosdotais…
Aos desesperados, ou agredidos pelo meio; aos rústicos, aos ingênuos, aos embotados morais não se oferece, oportunamente, o quadro para a esperada continência.
A prisão é torturante para os extrovertidos e indiferente para os ensimesmados, os reclusos espontâneos. De qualquer forma, a sociedade não há de responder ao crime, por mais grave, com uma série de crimes contra a família, a honra, a liberdade, a propriedade do prêso e de seus núcleos afetivos.
A própria vida é aviltada e reduzida em execuções lentas. Com a prisão, o Estado viola a correspondência, impede a manifestação do pensamento e o exercício da profissão, obriga ao trabalho mau pago ou à vadiagem forçada, realiza o confisco moral e sentimental, difunde a loucura e o vício, impõe orfandades e divórcios, sistematiza os envenenamentos morais. Multiplica-se ao máximo o mal do crime, inclusive contra a sociedade e a vítima. Quando não copia a violência do criminoso o Estado evolui, como êste, para a fraude, engendrando a disciplina astuta e traiçoeira, prendendo a consciência e soltando os instintos.
Foram inúteis os meus libelos de conselheiro e inspetor penitenciários contra diretores de estabelecimentos penais.
A prisão favorece e oculta os piores espetáculos da truculência, do cabotinismo e da prodigalidade irresponsáveis, da promiscuidade ociosa, da perversão e da corrupção transformadas em anedotas, da dor e da dignidade humanas convertidas em escárneo, em acinte e até em poses altruísticas.
Depois das confidências de presos, entre lágrimas pungentes e crispações revoltadas; depois das revelações de funcionários bons e honestos, esgotei o cálix da amargura. Soube de tudo, desde transações com a disciplina para comprar silêncios e acobertar delações, desvios de salários e pertences de presos, desde funcionários “bonzinhos” que se abastecem de pessoal e material à custa do Estado e dos sentenciados até plantações de maconha intramuros.
Associações de delinqüentes dirigem a ação externa dos agentes e, lá fora, chefes impunes sustentam os subordinados “infelizes”. Os grandes cartazes do crime são números dos diretores que os protegem etc. como empresários.
Certa vez, visitando uma prisão “preparada para receber”, pensei: a limpeza, de que carecem estas salas e escadas resplendentes, é a moral.
Os carrascos modernos não são menos cruéis, porém, sem dúvida, são mais hipócritas e desleais. A realidade oficial é, tout court, mais criminosa do que os criminosos. Ah! prender carcereiros! Muitas vêzes, os juízes condenam e os psiquiatras examinam… as vítimas!
8. Prisões iníquas.
Os prisionários não iludem o dilema: ou prisão mesmo, prisão que prende, sejam quais forem o sistema, o regime, o tipo, a direção, ou prisão nominal, sexo os bens da liberdade honesta, operosa e fecundamente exercida.
Os supostos salvadores do “regime” e do “sistema” atuais (que regime? que sistema?) nem conseguiram, nem conseguirão superar o “impasse”: ou a prisão, que se tornou o “eufemismo da pena de morte” (RUI BARBOSA), ou a prisão-privilégio, a prisão, além de tudo, iníqua, prisão atraente, aliciante e criminógena. Viram “Joyeuse prison, ces sacrées vacances”?
“Compensam” o crime, mediante um tratamento com que nem sonham virtuosos e beneméritos. Aquêle intermediário do “Anjo Gabriel”, o conto de MACHADO DE ASSIS, diria ao sentenciado: “Creio que isto não é tê-lo prêso”.
Daí desajustamentos futuros pela oferta de trem de vida que os presos nem conhecem, nem encontrarão lá fora.
Há, também, a prisão-mostruário, que, aqui ou ali, faz a fortuna de técnicos à la minute, e peritos apenas em acionar os cordéis da publicidade.
As penitenciárias monumentais, as colônias virgilianas são para número relativamente insignificante de presos.
Na mesma cidade, a maioria cumpre pena e, pior, aguarda julgamento, em enxovias inqualificáveis. Homens e mulheres presumidamente inocentes sofrem crimes maiores do que os de que são apenas acusados.
O juiz de direito, professor NEI CIDADE PALMEIRO, em conferência no Instituto de Criminologia (setembro, 1956), contou o seguinte: num xadrez policial da capital da República colocavam uma lata com água para beber (como se faz com certos bichos) do lado de fora da grade. E um prêso, depois de servir-se da casinha (sem tampa e com a descarga em regra defeituosa) atirava o papel servido na referida lata.
Ainda na Capital da República, houve insurreição de presos sem pão e água, mas com baralhos de papel de jornal, dados de miolo de pão, estiletes de tampa de marmita e cordas de carteira de cigarro.
Discursos de posse (é a hora de velhas verdades e novas mentiras), exposições de motivos, consideranda de sentenças, relatórios de administradores a fiscais – a palavra oficial, portanto – descrevem realidades que invertem as condições de carcereiros e delinqüentes.
E os presos inocentes?
A Justiça desperta, tardiamente (sobretudo se os condenados são pobres) para reconhecer erros grosseiros. Grosseiros, sim, porque a revisão pressupõe denegação de justiça, antagonismo gritante entre a sentença e a prova ou entre a sentença e a letra da lei.
Cada deferimento deveria acarretar, pelo menos, sanções disciplinares contra os magistrados negligentes ou ineptos.
Que dirão os inimigos do Júri dêsses juízes togados que julgam contra a evidência da lei e da prova? E os jurados, ao contrário dos juízes de direito, só devem submissão à consciência.
O inocente, reabilitado em grau de revisão, ainda pode pleitear “indenização” que talvez os netos venham a receber. Mesmo pago oportunamente, de que vale o dinheiro em moeda desvalorizada como reparação de extremos prejuízos físicos, mentais, morais, ínsitos na condição de encarcerado? Imagine-se – e, para tanto, é preciso imaginação apta a captar os paroxismos da dor humana – o que padece o prêso inocente.
O condenado, que obtém revisão, tem a faculdade de intentar a “indenização”. E os presos que vêm a ser absolvidos ou condenados a tempo menor do que o de prisão preventiva ou provisória etc.?
Até escritores frívolos e superficiais interessam-se, na chamada “ficção” pelos que teriam contra o Estado “crédito” de cadeia. ANATOLE FRANCE falou da “injustice des gens de justice“.
9. Minhas primeiras propostas.
Apareceram alguns explicadores de minhas definições. Obrigado, mas ninguém foi autorizado a tanto. Hei de encontrar energias e luzes para dispensar a espontânea, açodada e ruidosa exegese.
Creio que me compete formular as minhas idéias e opiniões. Dispenso os arquitetos tão ilegítimos quão superficiais e que, por ignorância, “descobrem” semelhanças no heterogêneo e até no antagônico. Pegar de raiz é dom das cultural dominadoras e entranhadas, com o senso das distinções e das proporções.
Estou convencido de que interpreto, com rigor, penetração e alcance, os verdadeiros interêsses sociais. Direi, em linhas gerais, o que preconizo, inicialmente, dando a cada palavra, na expressão de “meu” pensamento e de “meu” sentimento, a máxima eloqüência.
As sanções hão de justapor-se, caso a caso, a tôdas as condições e circunstâncias. O criminoso incide na sanção e esta há de coincidir a tôdas as causas, manifestações e conseqüências de cada crime, peculiar, complexa, profunda, discortinadamente.
Busco sanções que o condenado realmente sofra, reparando, integralmente, o crime, em todos os seus efeitos, desenvolvendo e aperfeiçoando qualidades, corrigindo defeitos, mas continuando a viver a vida tal como ela é, a estudar, a trabalhar, a cumprir os deveres de cidadão, de pai, de marido, de filho, de parente em geral, de amigo e colega, sem dissolver as células básicas, sem eliminar fôrças produtoras e criadoras.
A sanção implicará novas obrigações específicas e até personalíssimas.
Quero evitar, para a sociedade, ônus e desfalques, perturbações e prejuízos mais graves do que os causados pelo crime.
Pretendo ultrapassar a alternativa entre a vadiagem e o trabalho forçado, êste acumulando, de um lado, a exploração, além da opressão, e, de outro, a concorrência desleal.
O Estado inadimplente preencherá o mínimo ético, político, econômico, e o indivíduo obterá, não só a observância mecânica da lei penal, mas a sublimação, por obra sua, com o empenho da causa própria.
O crime pròpriamente dito acarretará sempre maiores deveres e menores direitos. O que defendo é, além de tudo, a individualização perfeita e efetiva; considerando, precisamente, a origem, a situação e o destino do condenado. Procuro sanções que contemplem passado, presente e futuro, em função das conveniências gerais e pessoais (criminosos e vítimas diretas ou indiretas), completa, radical e livremente manifestadas, porém joeiradas pelo juiz.
Não pleiteio outra reação ao crime, mas ação social que tem como objeto e, também, como causa e fim um homem, uma família, um meio – aquêle de onde veio e para onde, em regra, volta o criminoso – afetado, particularmente, pelo delito.
Como bases para as primeiras conjeturas, considero o infinito campo de captisdeminutio contemporâneamente sensível.
E reflito no âmbito Crescente, não só de intervenção, como de domínio, do Estado, e nas mil e uma maneiras de “cercar” tôda a vida e todo o destino do criminoso, “marcando-o” de ordens de fazer e de não-fazer, empenhando-o, de corpo e alma, em romper, o mais ràpidamente possível, o bloqueio jurídico.
Medito a respeito de tudo quanto possa, atingir, circularmente, a esfera do indivíduo, como sujeito ativo de direitos e expectativas, mediante medidas adequadas e atuantes.
Sugiro, desde logo, privações e restrições, inclusive de acessos, regalias, dignidades, vantagens, que disponham o criminoso, sincera e eficientemente, em extremoso, discreto e resoluto afã, a abster-se de outra crime e decidam o terceiro a não estrear.
Refiro-me à margem de liberdade atribuída à conduta humana. Mas se o crime não provém de opção da vontade, á luz da consciência, ainda assim será represado, é não excitado, como agora, o volume das determinações.
É possível que a ansiedade inovadora improvize projetos, como o daquele conselheiro do povoado de Alicante (Espanha) para combater o analfabetismo. O alcaide queria mandar as impressões digitais dos analfabetos para a Policia. E o conselheiro:
“Eu, senhor alcaide, creio que tenho o remédio: proibir a entrada no baile público a todos os analfabetos. Que ao “entrar apresentem um certificado de saber ler e escrever”.
Suspenda o sorriso, leitor de animusjocandi. E comova o fundo do coração com a grandeza rústica do espírito público e das intuições sociais. Não importa a insignificância do fruto. Outros; mais felizes ou mais capazes, beneficiarão as clareiras selvagens com as sementes da sabedoria.
Não se fale na liberdade individual, em nome da prisão… Aliás, a própria Constituição estabelece exceções no sistema de direitos e garantias tutelares, e a autoridade, por sua conta e sem risco, converte em regra as exceções.
O juiz estará armado, principalmente de amor, porque, como disse TAGORE, sòmente quem ama pode castigar. O amor abençoará as inclemências benéficas, as durezas salvadoras.
Por um só fragmento de pneu plano brotarão, nos homens de boa vontade além do verbo e da mímica, jorros fecundos para outras idéias.
Meditem: a perda ou limitação de prazeres, sobretudo os viciosos, operará para a correção de outros desajustamentos e Irregularidades e, assim, na prevenção de desvios que só atuam com a liberdade. Na prisão há, até, o mercado negro do fumo, do álcool, etc. Mais tarde esclarecerei o assunto.
Será atingida mesmo a elaboração pré-delitual. Aludimos, por exemplo, à isenção de impostos cívicos. Dispensar de deveres não é punir, mas premiar.
O direito de ser votado (jus honorum), êste, sim, a condenação suprimirá. O exercício do voto, que passou a dever, há de continuar a ser cobrado ao sentenciado. Deixar de votar sem justa causa é crime.
Falo para o futuro, na esperança de que a condenação, até por crimes culposos e contravenções, não degrade o cidadão e antes forneça-lhe, ao votar, momentos de compenetração cívica e identificação social, em haustos interiores de fé e honra.
Há um mundo de sanções que acudirão às inteligências funcionais, se acionadas com frêmito rijo e fecundo.
Sentir-me-ia recompensado se minha proposta desaparecesse no olvido sob a avalancha dos que a enriquecessem inspiradamente. Que venham os melhores, sem compromissos com um passado indefensável, insustentável, insuportável, de corações livres, de cérebros abastecidos de luz e ar, dóceis às exigências de uma defesa pública mais útil e mais justa.
O importante é livrar dos males da prisão a sociedade e, também, o criminoso, interessando-o em apagar, o mais depressa possível, os, maus passos.
Não é preciso prender, salvo em casos de internação, custódia etc., bastar, do apresentações rigorosas e freqüentes ao juiz, então aparelhado para tôdas as intervenções necessárias na vida do condenado.
Mas, dir-se-á – e eu mesmo disse quando meu horizonte era puramente visual – como tratar sem prender?
Não há, nas penitenciárias mais providas, as instalações, os materiais, os serviços necessários para cobrir a imprevisível flutuação das necessidades. Quero que os doentes sejam curados; que os ignorantes sejam instruídos; que os rústicos ou ingênuos sejam educados – efetiva e perfeitamente – nos lugares próprios; sem vincos burocráticos, sem prevenções conscientes ou inconscientes, sem debilidades ou rigores injustos, impróprios, indiscriminados.
A diferença está na obrigatoriedade intransigente, na fiscalização constante e minuciosa, na continência voluntária, no arrependimento sincero e conseqüente, na submissão à disciplina discreta, mas totalizadora, do juiz.
O próprio Estado, que conserva prisões monstruosas, dispõe de hospitais, casas de saúde, escolas, oficinas, fazendas, obras e serviços públicos, etc. para, conforme o caso e as condições do paciente, preencher, compulsòriamente, todos os deficits morais, mentais, intelectuais, físicos.
Promiscuidade? Os não-criminosos estarão naturalmente e poderão ser especialmente defendidos. E a promiscuidade interna com os piores, em comunhão intima e permanente, que expõe a tudo, sem nada e para nada? Há os preservativos inerentes à organização do trabalho, do estudo, do tratamento, as sugestões práticas dos benefícios, a educação pelo exemplo, a instrução pelo convívio, a atração da altura.
É claro que ò juiz há de atender às hipóteses excepcionais, não porque os criminosos carreguem estigmas e contágios, mas porque entre êles, como entre os não-criminosos, existirão elementos indesejáveis sob êste ou aquêle aspecto, nesta ou naquela ocasião, pára êste ou aquêle fim. Horários ou turnos e outros, recursos servirão em casos extraordinários e, portanto, pouco numerosos.
A verdade é, porém, que, hoje, o egresso fica habilitado à convivência social, a pretexto de uma regeneração fictícia, quando, muitas vêzes, tornou-se criminoso pròpriamente dito na rirão ou, nesta, aperfeiçoou ou desenvolveu os defeitos.
A vida, cada vez mais aglomerada e ligada, coloca, lado a lado, os piores e os melhores.
Em regra, o réu defende-se sôlto. E isto não impede o trabalho da Polícia e da Justiça. Para mim, aliás, a intervenção de juiz, ainda que só preparador ou instrutor, deve ocorrer desde o conhecimento do fato.
Se o réu não comparece ou o sentenciado não cumpre os deveres impostos pela sentença, o dispositivo poderá ser ajustado às novas circunstâncias e condições, inclusive a revelia. Esta tornará a condenação imprescritível.
É difícil ao criminoso subtrair-se às autoridades policiais e judiciárias, cada vez mais aparelhadas, informadas, controladas, orientadas, através de múltiplos e crescentes registros, identificações, carteiras, entrelaçamentos familiares, afetivos, cívicos, profissionais, recreativos, etc.
Admita-se, porém, que escape à apresentação compulsória, “debaixo de vara”, e ao sistema de vigilância e fiscalização.
Condenar-se-á, então, as dificuldades, ônus e perigos da vida ilegal, da vida de quem é procurado e seguido em tôda a parte e, não só pelas autoridades, pelos interessados no cumprimento das obrigações de tôda a ordem específica e individualizadamente irrogados.
Há de apresentar, constantemente, provas negativas, numa sociedade cada vez mais enredada, mais comunicante, mais expansiva; mais exigente de formalidades e intervenções.
Que acontecerá ao remisso? O mesmo que ao fugitivo ou revel, atualmente, sem a imprescritibilidade, sem a escrituração e a fiscalização confiadas às maravilhas da técnica e do mecanismo sempre em progresso e a pessoal compenetrado, competente, idôneo e laborioso.
Pelo meu plano, o criminoso não terá interêsse em fugir. Ao contrário. De duas, uma. Ou adapta-se às reprovações e imposições da lei penal – e estará obtido o fim da sanção – ou não, e a nova infração ensejará a cobrança, das obrigações anteriores.
Note-se que serão imprescritíveis os dispositivos da sentença, flexíveis inrebus sic stantibus e, assim, mesmo em relação ao não-reincidente, há oportunidade para a execução da parte fiscal ou administrativa ou da parte civil, com juros de mora, custas, despesas judiciais, honorários de advogado, etc.
Lembremo-nos das infrações impune, dos crimes de que a Polícia nem toma conhecimento, dos processos arquivados, anulados, prescritos, dos mandados não cumpridos, da Justiça ludibriada por todos os meios e formas.
O que chamamos, hoje, prisão, será o refúgio contra a vingança privada em fase aguda, o recinto de permanência à disposição de Justiça, de internação ou de custódia pelo tempo estritamente imprescindível.
O “exílio local” (o legendário “destêrro para fora da comarca”), o trabalho educativo para a União ou o Estado converte-se-iam em instrumentos ordinários. A aproximação dos antípodas pelos crescentes meios de comunicação e, melhor, de convivência virtual, desfaz a idéia primitiva de destêrro.
A quitação dos deveres para com a Justiça Penal há de ser exibida para todos os fins ligados, direta ou indiretamente, à prevenção da criminalidade e da periculosidade. Não se tratará de certidão negativa expedida ou examinada burocràticamente e sim de certidão positiva de reabilitação.
A fiscalização alcançará o indivíduo em todo o território brasileiro e, em certos casos, no estrangeiro (embaixadas, consulados, missões, serviços etc.). Os registros, com permuta de dados, hão de ser organizados, à imagem de serviços públicos, como o militar e o da polícia-política, constando de fichários vivos, de expedientes e não de arquivos. Não haverá fôlha-corrida de pequeno curso e, ainda assim, rotineiramente informada.
No meu sistema, o sentenciado pagará ao Estado (e não ao escrivão) as despesas com o processo e as taxas para o custeio da Justiça, cabendo aos ricos, eqüitativamente, sobretaxa destinada à cobertura dos insolventes.
Mas é possível, com a organização do trabalho extraordinário, proporcionar a todos meios de satisfazer as contribuições devidas.
Por outro lado, o sentenciado cumprirá, realmente, tôdas as obrigações (civis, administrativas e assistenciais) para com as vítimas diretas ou indiretas do crime, conservando a liberdade. Ele totalizará as indenizações com os serões de atividades controladas.
Tenho pensado, a respeito, na previdência social que já conhece modalidades de pensão para a família do sentenciado. É claro que tudo isto implica a indeterminação das sanções, mediante elencos plásticos e arbítrio judicial, controlado através de recursos e reclamações, de meios e oportunidades para a defesa.
Os efeitos da condenação e as interdições atuais (vêde o direito comparado) ensejam uma idéia anais concreta, embora remota e isolada, de um aspecto do que pode vir a ser o início de outra terapêutica e, se necessário, de cirurgia essencialmente generosa.
Há ainda os achados da imaginação legislativa premida pela necessidade de conter gigantescas fraudes econômicas e financeiras, entrando, cuidadosamente, no campo dos privilégios constitutivos da organização social.
Entretanto, os ricos, êstes, sim, têm mêdo de cadeia, como MÁRIO BULHÕES PEDREIRA demonstrou na Segunda Conferência Latino-Americana de Criminologia (Santiago, 1941).
Sòmente fora do mundo dos donos da matéria tive palavras de compreensão. Os técnicos mais indulgentes chamaram–me de exagerado. Comparam o que nem sequer foi sistematizado na concepção do autor com o milenàriamente executado; melhorado, requintado.
A rebeldia não pode deixar de ser veemente e impetuosa.
O que prego não é só exagerado é absurdo diante dos quadros vigentes. Pois se eu quero, precisamente, romper êstes quadros, se eu convido os técnicos a… sair da prisão!
A sociedade é oceano. A prisão é aquário. Como habilitar ao oceano num aquário ? Que experimentem a minha solução por etapas, se pretendem colocar a mal empregada timidez acima de desesperados clamores humanos e sociais.
Comecem, por exemplo, pelos crimes culposos. Que vai fazer, na prisão, o imprudente, o negligente, o imperito, se a pena não é castigo puro e simples? Ou impuro e complicado ?
É castigo contraproducente pelo desgaste nervoso, pela absorção de sentidos e faculdades noutro mundo, pelo alheamento físio-psicológico, pelas mudanças vertiginosas da ciência, da arte, da técnica?
Um simples caso – o do motorista – revela como o egresso há de precisar de nova adaptação ao material, às regras, à disciplina do trânsito e do tráfego, etc.
E as contravenções?
São de FRANCISCO CAMPOS estas palavras:
“Quando se misturam coisas de somenos importância com outras de maior valor, correm estas o risco de se verem amesquinhadas”.
A lei já dispensa o contraventor do rigor penitenciário e torna facultativo o isolamento noturno e o próprio trabalho, se a pena de prisão não excede a 15 dias.
Que pressupõe a opinião oficial quando persegue os “homens marcados”, os egressos, os que cumpriram pena, mesmo com rigor penitenciário? E a opinião pública que dêles desconfia?
Não será, certamente, a regeneração.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
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