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O perdão judicial, de Arnaldo Sampaio

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CLÁSSICOS FORENSE

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O perdão judicial, de Arnaldo Sampaio

ARNALDO SAMPAIO

REVISTA FORENSE 168 - ANO DE 1954

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28/01/2025

SUMÁRIO: 1. O perdão judicial na lei brasileira. 2. Origens do instituto e sua adoção nos códigos modernos. 3. Significação e alcance da medida. 4. Causas de sua reduzida aplicação. 5. Pronunciamento dos tribunais. 6. Confronto com a suspensão condicional da pena. 7. Técnica da aplicação da indulgência. 8. O verdadeiro sentido do remédio legal. 9. Omissão do legislador pátrio. 10. Causa extintiva do crime. 11. Solução para os problemas da moderna política criminal.

1 – O perdão judicial na lei brasileira

No § 3° do art. 180 do Cód. Penal lê-se que “o juiz pode, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena”. Não é sòmente aí que encontramos, inserta naquele diploma legal, a concessão, ao julgador, da faculdade de deixar de aplicar a pena cominada a determinado delito. Vemo-la, por mais quatro vêzes, em diferentes dispositivos, o que, de certo modo, revela a parcimônia com que andou o moderno legislador penal brasileiro, ao utilizar-se de um instituto até então inaplicado entre nós: o perdãojudicial.

Não ficou bem clara, parece certo, a intenção do legislador, no que respeita à significação e ao alcance do perdãojudicial, no Direito Positivo brasileiro. Perfilhando a medida, tudo indica que êle se in pirou no Código italiano, fonte tradicional do nosso Direito punitivo, mas, ao fazê-lo, mostrou-se temeroso, talvez, das conseqüências de sua aplicação com amplitude difícil de ser controlada, tratando-se de providência da mas alta importância, justificada pela moderna política criminal. Talvez por isso, limitou-se a salpicar o Código, em algumas de suas páginas, dêsse vigoroso remédio, sem ousar um passo além do insopitado desejo de inovar na superfície. E a conseqüência disso se traduz, clara e inapelàvelmente, na circunstância de vermos perdido, no corpo do nosso Direito Penal, instituto de tão grande relevância, sem que dêle tenhamos podido auferir as grandes vantagens que pode oferecer no campo da moderna sociologia.

2. Origens do instituto e sua adoção nos códigos modernos

Que vem a ser, em suas justas proporções, o chamado perdão Judicial? Suas origens, podemos encontrá-la na necessidade de não impor condenação a determinadas pessoas, que devem ser resguardadas dos rigores da lei, por fôrça de circunstâncias especiais. É certo que a idéia inspiradora dessa espécie de indulgentia prende-se, de comêço, à condição especial do menor em face da lei penal. GIUSEPPE LAMPIS defende, a propósito, a conveniência de evitar que, por fôrça da condenação, “apporti uno smarrimento nel lori animo, quando, d’altra parte, si abbia la presunzione de ottenere anche senta la condanna, la emenda del colpevole” (“Perdono Giudiziale”, in “Nuevo Digesto Italiano”, volume 3º, pág. 839).

Na Inglaterra, através do Children Act, vamos surpreender o instituto, em reduzido alcance, desde 1908. E a partir de 1931, uma lei introduziu a medida, no direito penal tcheco. Muito antes, porém, a idéia de sua inclusão no sistema do Direito Positivo italiano germinava, desde 1903, através da iniciativa de LUCCHINI para sòmente vir a concretizar-se no Código vigente.

É certo que muito poucos são os países cujas legislações acolhem o perdãojudicial. Na Europa, a todos sobreleva a União Soviética, ao conferir ao julgador a faculdade de eliminar por completo a pena (art. 8° do Cód. Penal), uma vez que reconheça a ausência de periculosidade do autor do fato incriminado ou, neste, falta de nocividade. O Código italiano limita o alcance do instituto aos menores de 18 anos (ali a responsabilidade penal começa aos 14). Neste hemisfério, a Colômbia e o Uruguai deram tratamento adequado ao perdãojudicial, notadamente neste último país, onde ao juiz é facultado valer-se da permissão legal para, inclusive, beneficiar o réu de homicídio por eutanásia e flagrante de adultério. Mantém-se, assim, em reduzida área legislativa, na Europa e na América.

Vê-se, claramente, que o perdãojudicial é um instituto que, apenas, ensaia seus primeiros passos, procurando libertar-se do limitado conceito que restringia sua aplicação ao menor. Ignorado pelas demais legislações, teve êle frustrada a tentativa de sua introdução na França, apesar de consignado no anteprojeto do Cód. Penal. Combateu DONNEDIEU DE VABRES a inovação, por considerá-la desnecessária, entendendo, precipitadamente, que basta o sursis para atender às exigências objetivadas no campo da indulgência.

Não é, portanto, de estranhar que o perdãojudicial tenha chegado até nós cercado de tão grandes reservas, na que concerne ao seu verdadeiro alcance.

3. Significação e alcance da medida

Mais isso não exime de crítica o legislador brasileiro, pela maneira, indecisa do seu comportamento, esquivando-se de dar ao instituto melhor consideração. Na verdade, foi além: absteve-se, mesmo, de uma definição que seria de todo desejável, quanto à disciplina a ser dada ao perdãojudicial, no sistema do moderno Direito Penal brasileiro. Imperdoável é, sem sombra de dúvida, o silêncio da “Exposição de motivos”, a respeito de um instituto que, pela primeira vez, vinha figurar em nosso direito positivo. Incompreensível é, ainda, a omissão relativa à sua disciplina processual.

Por todos êsses motivos, acumularam-se dúvidas, favorecendo a controvérsia em tôrno da conceituação do instituto. Pergunta-se, por exemplo, se o perdãojudicial, entre nós, constitui causa extintiva da punibilidade. O art. 108 do Código Penal, que enumera tais causas, não o inclui em seus dispositivos. Mas é NÉLSON HUNGRIA, com a responsabilidade de membro da Comissão Revisora, que vem declarar que a enumeração do art. 108 da Cód. Penal não é taxativa” (“Novas Questões Jurídico-Penais”, página 105). Abre-se, assim, um largo campo à controvérsia, abrigando opiniões respeitáveis em contraste.

Por outro lado, é o próprio HUNGRIA quem aponta outras causas extintiva da punibilidade (além das enumeradas no art. 108) e cita, especialmente, como exemplo, o perdão judicial (ob. cit., página 105). É ainda a GIUSEPPE LAMPIS que recorremos, na tentativa de esclarecer a vexataquaestio. Escreve êle:

“Ora, se bene si rifletti, il perdono giudiciale, più che sul reato in se stesso, esercita il suo effetto estintivo sul diritto – dovere dell’ostato, che consegne alla comissione del reato, di punir il colpevole. Ma, poi che la estinzione de questo diritto dovere, in consequenza della rinunzia avvenuta com il perdono giudiziale, porta a considerare il reato como estimo, estatamente il codice italiano ha colocato il perdono fra le cause di estinzione del reato” (ob. cit., pág. 842).

Partindo do pressuposto de que foi o direito peninsular a fonte em que o legislador brasileiro foi buscar o novo instituto, para lhe dar aplicação entre nós, há de prevalecer a tendência que se manifesta ali, na doutrina, através de seus intérpretes, no sentido da maior amplitude na aplicação da medida. Há de prevalecer, repetimos, sôbre outras manifestações de caráter restritivo, tais como a que nos dá SEBASTIAN SOLER, ao afirmar (“Derecho Penal Argentino”, volume 2, pág. 475) que, ao contrário do indulto ou da graça, aplicáveis a todos os delitos, o perdãojudicial é um instituto de muito menor alcance porque visa evitar as penas privativas de liberdade de pequena duração, as quais êle substitui. Vê-se que o eminente jurista argentino refere-se superficialmente ao instituto, preocupado, apenas, em estabelecer distinção entre êle e a graça e o indulto. Mas acolher, sem reservas, o conceito que emite sôbre o perdãojudicial, na sua inexpressiva simplicidade, seria o mesmo que admitir a inutilidade do instituto, dado que, “para evitar a imposição das penas privativas da liberdade, de curta duração”, existe, no sursis, o remédio adequado, como, de resto, entende DONNEDIEU DE VABRES.

4. Causas de sua reduzida aplicação

Muito poucas vêzes a controvérsia, aqui, tem chegado aos tribunais. Justifica-se êste fato porque, raramente, entre nós, ocorre ao juiz valer-se da faculdade que lhe confere a lei, preferindo utilizar-se da suspensão condicional da pena para beneficiar o réu, quase sempre, na suposição de que, por êste último caminho, atinge o mesmo desiderato. Por outra parte, em apenas cinco hipóteses, na parte especial do Código, tal faculdade aparece expressa, a saber: injúria (artigo 140, § 1°, ns. I e II), fraude no pagamento de serviços (art. 176, parág. único), receptaçãoculposa (art. 180, § 3°), adultério (art. 240, § 4º, ns. I e II) e subtração de incapazes (art. 249, § 2º).

Haverá, por certo, uma razão para que o juiz se abstenha de lançar mão do instituto, quando se lhe apresente a hipótese. Dêle não cuidava a legislação anterior. E a inovação, introduzida na lei atual, com as imperfeições que acentuamos, não parece encorajar o magistrado, que, de ordinário, passa a encará-la como faculdade mais ou menos supérflua, já que a suspensão condicional da pena parece, à primeira vista, supri-la inteiramente, na sua finalidade, assim, mal interpretada. Por isso mesmo urge avivar o delate e nêle interessar, como se torna imperioso, a grande maioria dos nossos magistrados que se vêm mantendo, em relação ao perdão judicial, numa atitude de discreto alheamento.

Entretanto, já o Tribunal de Justiça de São Paulo, em mais de uma oportunidade, teve ocasião de abordar o assunto, com a autoridade que os círculos jurídicos do País lhe reconhecem e justamente proclamam. Também o egrégio Supremo Tribunal já se pronunciou a respeito do alcance do perdão judicial, como causa extintiva da punibilidade, com base num voto altamente significativo do ministro ANÍBAL FREIRE. Não obstante, é sensível a ausência de interêsse nos meios jurídicos pelo debate em tôrno desse instituto de tão fascinante conteúdo.

5. Pronunciamento dos tribunais

Num processo por injúria, certo juiz do interior de São Paulo, julgando a queixa, entendeu procedente o pedido de condenação do querelado, mas, considerando que houve provocação nos parte dos querelantes, deixou de aplicar a pena, usando da faculdade que lhe é conferida pelo § 1º, ns. I e II, da art. 140 do Código Penal. Houve apelação, por parte dos querelantes, que pleitearam, além da reforma, da sentença, ficasse o querelado, não só obrigado pelo pagamento das custas, mas tivesse, ainda, o seu nome lançado no rol dos culpados, em conseqüência da condenação. A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, através da sua 2ª Câmara Criminal, foi, unânime, em dar provimento parcial ao recurso, contemplando o pedido, apenas, na sua parte final, isto é, pelo lançamento do nome do réu no rol dos condenados. E o fundamento dessa decisão foi o de que a não-imposição da pena, conquanto seja uma faculdade conferida ao juiz, pressupõe a existência do delito no seu elemento moral e nos seus componentes objetivos. Houve recurso extraordinário (nº 14.817, de São Paulo), por ofensa ao art. 337 do Cód. de Proc. Penal, e o egrégio Supremo Tribunal, em acórdão firmado pelos ministros componentes de sua 1ª Turma, foi unânime no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento (em 27-7-949). Na qualidade de relator, teve o ministro ANÍBAL FREIRE ensejo de apreciar a matéria, nos seguintes têrmos:

“Cabe considerar se o perdão judicial se inclui entre as causas extintivas da condenação. Afigura-se-me que a boa lógica e a natureza do instituto conduzam à afirmativa. Em tôda a evidência, o perdão é a renúncia à punição e daí sua similitude com a suspensão condicional da pena”.

6. Confronto com a suspensão condicional da pena

Pôsto que o perdãojudicial possa vir a ser, no sistema do nosso direito positivo, causa extintiva da punibilidade, não pode nem deve ser confundido, nos seus efeitos, com a suspensãocondicionaldapena, que esta, de pronto, não extingue a punibilidade mas apenas a suspende, durante certo lapso de tempo, sob condição, até que o têrmo final do prazo venha completar o benefício. É bem de ver que a similitude apontada pelo eminente ministro ANÍBAL FREIRE, entre os dois institutos, não implica esposar o ponto de vista de DONNEDIEU DE VABRES, de que o segundo supre os efeitos do primeiro, o que não é exato. No caso do sursis há uma pena aplicada em concreto, cuja imposição se suspende. O mesmo, entretanto, não é da essência do perdãojudicial, cuja aplicação deve pressupor, exatamente, o contrário: ausência de pena aplicada.

Daí, a nosso ver, o ponto de partida para a controvérsia que se abre quanto aos efeitos do novel instituto. Nasce ela da falta de justa compreensão de seu verdadeiro sentido, por parte de certo, magistrados não convenientemente informados no que concerne à exatidão do seu emprêgo.

À margem de tais pronunciamentos, parece certo, ressalta um ponto sensível a esclarecer. Quando se diz que o perdãojudicial constitui uma renúncia à punição – e nesse particular é apontada sua similitude com a suspensão condicional da pena – está-se longe de falar em identidade. Para ser mais claro, deve dizer-se que no perdãojudicial há renúncia à imposiçãodapena, enquanto que no sursis o que existe é renúncia à execuçãodeuma pena anteriormente imposta. É sutil a distinção, mas, evidentemente, da maior importância.

Com efeito, quando se fala em suspender, condicionalmente, a pena, isso pressupõe a existência mesma dessa pena, não em sentido abstrato, mas concreto. Existe um réu já condenado. E o de que cogita, o instituto, é sustar a execução da pena, isto é, impedir que o condenado seja levado à prisão, concedendo-lhe um privilégio: o de cumprir a pena em liberdade. Tanto que, por todo tempo que durar o períododeprova, estará êle sujeito a ver revogado o benefício.

Já no caso do perdãojudicial, outro é o problema. Não se suspende a execução de uma pena já imposta mas simplesmente deixa-se de aplicar a pena, que, em outras circunstâncias, seria a aplicável à espécie. Não há falar em execução quando, na realidade, pena não existe nem nunca existiu, eis que deixou de ser aplicada. E se não houve pena, seria, é bem de ver, um contra-senso falar-se em condenação e, muito menos, pretender-se que o indivíduo possa sujeitar-se aos seus efeitos, tais como a obrigação de indenizar o dano, o pagamento das custas e o lançamento do seu nome no rol dos culpados.

Dêsse modo, à luz da semelhança existe entre os dois institutos, sobressai essa diferença fundamental que os distingue individualmente.

7. Técnica da aplicação da indulgência

Uma vez apresentada a hipótese, tudo o que tem a fazer o juiz é verificar se a natureza do ilícito permite a aplicação da medida. Para isso, nenhuma dificuldade há de encontrar, eis que o Código estabelece, taxativamente, os casos em que êle tem a faculdade de deixar de aplicar a pena. Dado que o denunciado reúne as condições exigidas para fazer jus à indulgência, deve o magistrado limitar-se, na sentença, a considerá-lo incurso no artigo correspondente ao ilícito e, portanto, sujeito às sanções a êle cominadas. Nunca, porém, deverá estabelecer o quantum da pena, que isso implica em condená-lo, para depois perdoar. Assim, considerando o denunciado imputável, declarará o juiz que, embora esteja êle sujeito à pena cominada (ao ilícita) em abstrato, simplesmente se abstém de aplicá-la. Nestas condições, manifesta a renúncia de punir, usando da faculdade que a lei lhe confere.

Tal procedimento faz desaparecer a presunção da existência de uma condenação que se não cumpriu. E afasta, de vez, tôda a possibilidade de controvérsia em tôrno de saber-se se deve ou não o beneficiário responder pelas custas ou ter seu nome lançado no rol dos culpados, ou, ainda, indenizar o dano eventual, que são efeitos da condenação.

Condenar para depois deixar de aplicar a pena, é o mesmo que conceder o sursis, sem o chamado período de prova. Confundir-se-ão, assim, os dois institutos, pois que, em rigor, para muitos, o perdãojudicial implica em causa extintiva da punibilidade, o que não acontece com a suspensão condicional da pena. Por outra parte, admitir-se a condenação nos casos do perdão judicial seria, em última análise, confundi-lo com o indulto, o que é de todo desaconselhável, por motivos de ordem técnica.

8. O verdadeiro sentido do remédio legal

Tomemos, como exemplo, o caso do § 3º do art. 180 do Cód. Penal. Distinguindo entre a receptação dolosa e a culposa, que a lei anterior equiparava errôneamente, o legislador mostrou-se atento às sutilezas que envolvem o delito, a que deu características próprias, apresentando-o com figura autônoma, no elenco dos crimes contra o patrimônio. Na sua modalidade culposa, o crimes é praticado por omissão. O agente há de adquirir, receber ou guardar coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou, ainda, pela condição de quem a oferece, deva presumir-se obtida por meio criminoso. Temos, assim, que ao indivíduo impõe, no caso, a lei o dever da presumir ter sido a coisa obtida criminosamente. Para isso, mostra-lhe o caminho a seguir, advertindo-o sôbre:

a) a natureza da coisa;

b) a desproporção entre o valor e o preço;

c) a condição de quem a oferece.

Admitamos que, quanto à sua natureza, nada indique ter sido a coisa produto de crime. De resto, nem sempre é fácil esta presunção. Também, é possível que se não manifeste, à primeira vista, desproporção entre o valor e o preço. Pode, afinal, dar-se o caso de merecer, a pessoa que oferece, por motivos de fôro íntimo, a confiança de quem a adquire, recebe ou guarda (muita vez, para lhe presta um favor) e abuse dessa confiança, silenciando a verdade sôbre o crime praticado. Ainda assim, o delito está configurado na sua modalidade culposa, muito embora se não possa exigir, sob o ponto de vista penal, a cautela peculiar ao homoconstantissimus. Mas é isso que, implìcitamente, a lei exige, na conceituação ao ilícito, em sua modalidade culposa.

Como deverá proceder, no caso, o juiz que encontra elementos para admitir provada, por êsse modo, a denúncia, embora reconhecendo, por outro lado, a possibilidade da existência de boa-fé ou, mesmo certa dose de negligência, da parte do réu, que é primário, tem boa vida pregressa e as circunstâncias fazem-no credor do benefício previsto no § 3º do art. 180? Terá êle, lògicamente, dois caminhos a seguir: condenar o réu, fixando a pena entre um mês e um ano de detenção ou multa de Cr$ 300,00 a Cr$ 10.000,00 (ou ambas as penas, cumulativamente) e, a seguir, na própria sentença, declarar que deixa de aplicar a pena. Êste é o caminho que vem sendo seguido até então, mas, a nosso ver, errôneamente. O outro será considerar simplesmente o réu incurso no art. 180, § 1°, mas abster-se de apenar, com base no § 3° do mesmo artigo, mediante a necessária fundamentação da sentença.

Dêsse modo – de acôrdo com a última hipótese – não terá havido condenação, por falta de pena aplicada em concreto. Desaparecerá, automàticamente, o debate em tôrno de saber-se se está ou não o beneficiário sujeito aos demais efeitos da condenação, que não houve. Não se lhe maculará a fôlha de antecedentes. E todo o incidente do processo não irá além de uma advertência que o Estado faz ao denunciado, para que, de agora por diante, se mantenha alerta, e confie desconfiando sempre.

9. Omissão do legislador pátrio

Não é demais insistir na omissão do legislador brasileiro, quando tratou do perdãojudicial: Como bem acentua BASILEU GARCIA, é lamentável a “carência de dispositivos gerais” sôbre o instituto, “que o legislador pátrio nem se deu ao trabalho de batizar ostensivamente”, acrescentando que, “teria sido benéfico que o nosso Código o perfilhasse sem tergiversações, para clareza” (“Instituições de Direito Penal”, vol. I, t. II, pág. 857). Sem maiores explicações do Cód. Penal e com o silêncio do de Processo, ao tratar da sentença, não se sabe que papel deve caber ao perdãojudicial, como espécie autônoma, entre a condenação e absolvição.

Volta-se a indagar se, na realidade, deve a decisão que perdoa o acusado figurar, implicitamente, entre as causas extintivas da punibilidade, de que trata o art. 108 do Código. Se isso pudesse ser admitido, pacìficamente, poder-se-ia compreender que, extinguindo a pena, o perdãojudicial conservaria intacto, em sua realidade, o crime, mantidos os demais efeitos da condenação, no que se relaciona com a reincidência e outras conseqüências.

Chegaríamos, assim, a uma conclusão desconcertante. E tècnicamente falha.

Porque, na verdade, indefensável é a orientação que, nesse sentido, vem sendo seguida, no campo da jurisprudência, como é o caso de um aresto afirmando ser a sentença em que o juiz perdoa o acusado condenatória, para os efeitos do pagamento de custas, inclusão do seu nome no rol dos culpados, perdendo êle a condição de primário (“Rev. dos Tribunais”, São Paulo, 1947, vol. 170, pág. 70). Ora, se o juiz deixa de aplicar a pena (e assim determina a lei) não se pode falar em sentença condenatória, que esta inexiste sem imposição de pena, consoante o estabelecido no nº III do art. 387 do Cód. de Processo Penal.

10. Causa extintiva do crime

Dizer-se, como o ilustre desembargador SILOS CINTRA (“REVISTA FORENSE”, vol. 119, pág 46) que, “tal como o indulto, o perdãojudicial não apaga o crime” mas, ùnicamente, “extingue os efeitos da condenação, quanto à pena, que deixa de ser aplicada, subsistindo os demais efeitos, inclusive os que se relacionam com a reincidência e, também, o lançamento do nome do réu no rol dos culpados, imposição do pagamento das custas e da taxa penitenciária e aplicação de medidas de segurança”, seria subestimar, senão anular, a natureza do instituto, reduzindo-o à impotência. Nem haveria razão para incorporá-lo ao Código, eis que, nestas condições, o sursis o substituiria inteiramente. Teríamos, afinal, uma redundância pomposa.

Ao contrário, é amplo, muito mais extenso do que, à primeira vista, pode parecer, o sentido do beneficio que se encerra no perdão judicial. Sua finalidade é amparar uma determinada classe de indivíduos a quem circunstância, especiais envolvem na teia de certos ilícitos penais. Antes de tudo, há de ser pessoa levada a infringir a lei por negligência ou boa-fé (art.180, § 3°), ou por fôrça de um impulso incontrolável (art. 140, § 1º, números I e II), ou por necessidade premente e justificável (art. 176 parág. único), ou pelos motivos especialíssimos de que tratam os arts. 240, § 40, ns. I e II, e 249, § 2º. Fora dêsses casos, no Código (o perdãojudicial é encontrado, ainda, em duas hipóteses, na legislação especial) não há mais lugar para a aplicação da medida e isso mostra o quanto é restrito o seu campo de ação (ao contrário do que acontece com o sursis), razão bastante para tornar evidente a sua importância, que não pode ser subestimada, nem dràsticamente reduzido o campo de seu alcance.

Aquêle que pode receber o benefício do perdão judicial não é, em rigor, um delinqüente e assim deve ser considerado. E tanto isso é verdade que a lei lhe oferece uma oportunidade excepcional, através daquele instituto, possibilitando à pessoa visada uma saída honrosa da trama sutil que a envolveu, em face dos dispositivos legais. Não é, portanto, o mesmo caso do criminoso que se beneficia da suspensão condicional da pena e, muito menos, do indulto.

Assim como a legítima defesa, o estado de necessidade, o exercício regalar de um direito e o estrito cumprimento do dever legal tornam o crime inexistente, o perdãojudicial faz apagar o delito, anulando o caráter criminoso do ato praticado nas condições que possibilitam sua aplicação. E, assim, uma causa extintiva do crime, naquele sentido esposado por PANNAIN (in “Gli elementi essenziali e accidentali del reato”, Roma, 1936, página 41).

11. Solução para os problemas da moderna política criminal

No vasto campo da moderna política criminal, horizontes muito amplos se abrem à volução dêsse instituto de tão profundo significado humano. Admitir-se que o perdãojudicial é só o que êle representa para o momento atual, mera concessão ao magistrado, para proceder com maior amplitude, de acordo com suas própria inclinações, libertando-o; temporàriamente, do círculo restrito que a lei delimita à sua livre convicção, seria obra de puro negativismo. Temos que olhar para a frente, descortinar-horizontes mais amplos, alcançar perspectivas mais profundas, neste mundo de compreensão com que a humanidade sonha e que ardentemente deseja para os dias futuros.

Viemos dos rigores da escola clássica e tropeçamos no liberalismo incontrolado da escola positiva. Teríamos, porventura, avançado em demasia, com idéias de profunda generosidade que o mundo de então não estava à altura de compreender. Estacamos, sùbitamente, diante dos obstáculos de uma reação que encontrava raízes na necessidade de evitar viesse a Ciência Penal a mergulhar no caos. O ecletismo foi a ducha de água fria no fervor daquelas idéias que se não ajustavam à realidade flagrante de uma época de transição.

Mas a Ciência Penal, é bem de ver, não se detêm. Aí estão novas tendências palpitando no dinamismo do seu destino histórico. Ainda no crepúsculo do século passado, a Escola da Política Criminal delineava novos rumos, rasgando horizontes muito amplos à tendência humanizadora do direito punitivo, sobrepondo aos processos de repressão os de caráter acentuadamente preventivos. Suas notáveis conquistas – medidas de segurança, livramento condicional, sursis – aí estão informando as legislações penais contemporâneas. Do idealismoatual (CROCE, EPÍRITO), o princípio da função educativa da pena, emana como alentadora contribuição ao aperfeiçoamento de corajosas tendências orientadas no sentido de que “o ilícito penal é, antes de tudo, um ilícito moral” (Escola Humanística).

Agora, porém, que o ímpeto renovador cedeu à ponderação do bom-senso, seguramente, já estamos em condições de voltar a pensar em têrmos altos, olhando, corajosamente, para a figura do delinqüente, em meios às vicissitudes do mundo dos nossos dias. E, neste particular, não há que temer os rigores do neoclassicismo da EscolaTécnicoJurídica. Porque, sem sombra de dúvida, estamos capacitados a prosseguir, evoluindo, metòdicamente, sem receio de nos perdermos, outra vez, em divagações de puralirismo.

O perdãojudicial pode ser um remédio heróico, no quadro da moderna Ciência Penal. Sobretudo, se soubermos encontrar, no seu conteúdo, o muito de vantagens que oferece, aos estudiosos, no tratamento de certos problemas jurídico-penais ligados à pré-delinqüência, utilizando-o como fator de advertência àqueles que, em determinadas condições, absorvidos pela órbita da criminalidade, podem ser desviados dela sem mácula, sem constrangimento, sem desprimor, e conservados imunes à desconsideração do meio social, o que, de outro modo, não seria possível, embora sua culpa não vá além de mero pecado venial.

Pelas suas peculiaridades, pelo que de fascinante encerre em seu humaníssimo sentido de indulgência, o perdãojudicial pode constituir-se, de futuro, numa espécie de trincheira para o combate ao crime. Especialmente naquilo que êle representa como solução de profundidade para muitos dos problemas, sempre novos e cada vez mais amplos, que dominam a moderna política criminal.

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