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CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
Nacionalidade – Perda Pela Aquisição De Outra – Manifestação Indireta Da Vontade – Serviço Militar, de L. C. De Miranda Lima
Revista Forense
07/10/2024
– Perde a nacionalidade brasileira o brasileiro que, espontâneamente, por solicitação ou aceitação, adquire outra.
– Para o direito brasileiro, o silêncio vale como prova da aceitação de nacionalidade oferecida; a manifestação da vontade de adquirir uma nacionalidade pode dar-se tàcitamente, sem declaração expressa.
– A prestação voluntária de serviço militar pelo brasileiro a estado estrangeiro de si só, importa perda da nacionalidade, “ex vi” do nº II do artigo 130 da Constituição, ainda no caso de polipatria.
– Inteligência do art. 130, I e II, da Constituição federal, e do art. 2º, “b” 2, da Lei sôbre a Nacionalidade de Israel.
PARECER
Examina-se neste processo a perda, ou não, da nacionalidade pelo brasileiro que, residindo em Israel, à época em que êsse país editou a sua lei sôbre a nacionalidade (1 de abril de 1952), não declarou, antes de sua entrada em vigor (14 de julho de 1952), não desejar tornar-se israelense. Na hipótese dos autos, o interessado, além de calar a declaração em favor da nacionalidade brasileira, haveria prestado serviço militar no Estado de Israel.
2. Segundo a Constituição federal (art 130, I), perde a nacionalidade o brasileiro que, por naturalização voluntária, adquirir outra nacionalidade.
3. É princípio do direito das gentes o de que, para se determinar se uma nacionalidade foi adquirida, é necessário consultar-se a lei estrangeira, do Estado dessa nacionalidade.
4. Assim, para saber se o brasileiro adquiriu a nacionalidade israelense, forçoso é consultar a lei de Israel.
5. A Lei sôbre a Nacionalidade de Israel, após proclamar (art. 1º) que “a nacionalidade israelense se adquire pelo retôrno (art. 2°), que todo oleh (emigrante), no sentido da Lei do Retôrno do ano 5.710 (1950), se tornará israelita (art. 2º, a) reza, no seu art. 2º:…
“b) a nacionalidade israelense pelo retôrno é adquirida:
1) por todo indivíduo entrado no país como oleh, ou que nêle haja nascido, antes da fundação do Estado, a partir da data da fundação do Estado;
2) por todo indivíduo chegado a Israel como oleh após a fundação do Estado a partir de seu aliyah;
3) por todo indivíduo nascido em Israel após a fundação do Estado, desde o seu nascimento;
4) por todo indivíduo que recebeu um certificado de oleh nos têrmos do art. 3º da Lei do Retôrno do ano 5.710-1950, desde a data da emissão do certificado.
c) o presente artigo não se aplica:…
2) a todo indivíduo maior que, imediatamente antes da entrada em vigor desta lei, ou, se vem a Israel como oleh após esta data, imediatamente antes da data do seu aliyah ou da emissão de seu certificado de oleh, é nacional estrangeiro e haja declarado, nesta data, ou anteriormente, não desejar tornar-se israelense”.
6. Cingindo-nos à hipótese dos autos, temos que para a aquisição da nacionalidade israelense, conformemente ao disposto no art. 2º, b, 2, da lei de Israel, basta ao judeu, nacional estrangeiro, maior, a satisfação das seguintes condições: I, entrada em Israel, depois da fundação do Estado, com a intenção de ali permanecer ou estabelecer-se; II, não haver declarado que não deseja tornar-se israelense (antes de 14-7-1952, para os que em Israel já se encontravam quando publicada a sua Lei de Nacionalidade; antes de emigrar ou de receber o certificado de oleh, para os que para lá foram após 14-7-1952).
Satisfeitos tais requisitos, adquire o judeu, nacional estrangeiro e maior, automàticamente, a nacionalidade israelense e a partir da data de seu aliyah.
7. Logo, o brasileiro que responde às exigências dos mandamentos citados da lei de Israel, sem sombra de dúvida possível, adquire a nacionalidade israelense. Dêsse modo, adquirindo-a, porém, perderá êle a brasileira? A resposta a esta pergunta, sòmente a lei brasileira poderá dar-nos. Vejamo-la, pois.
8. A Constituição federal, no seu art. 130, taxativamente, aponta os casos de perda da nacionalidade:
“Art. 130. Perde a nacionalidade o brasileiro:
I, que, por naturalização voluntária, adquirir outra nacionalidade;
II, que, sem licença do presidente da República, aceitar de govêrno estrangeiro comissão, emprego ou pensão;
III, que, por sentença judiciária, em processo que a lei estabelecer, tiver cancelada a sua naturalização, por exercer atividade nociva ao interêsse nacional”.
Êstes, os casos únicos em que o brasileiro perderá a nacionalidade. Taxativa e não exemplificativamente, dispôs a Constituição, retirando ao legislador ordinário a faculdade de alargar os casos de perda da nacionalidade brasileira. Por isso, repetido, pura e simplesmente, é o seu texto na lei nº 818, de 18 de setembro de 1949 (art. 22).
9. Para a perda da nacionalidade pelo brasileiro capaz, pela aquisição de outra, quer a Constituição que a nova se adquira voluntàriamente. Não a perderá o brasileiro ao qual a lei estrangeira atribua, de pleno direito, sem lhe consultar a vontade, outra nacionalidade. Sem a livre manifestação de vontade do brasileiro no sentido de adquirir nova nacionalidade, não perderá êle a brasileira. Sòmente por deliberação espontânea sua, para a nossa lei, poderá abandonar ar nacionalidade brasileira.
10. Mas, quando fala em naturalização voluntária, referir-se-á a lei pátria tão-sòmente à naturalização pedida, solicitada, ou o qualificativo voluntária por ela se adotou em oposição a obrigatória, imposta? Não aceitará ela o abandono da nacionalidade brasileira pela aceitação de outra oferecida pelo Estado estrangeiro, conferida ao brasileiro sem pedido, ruas também sem coação ou imposição?
11. Estamos em que o vocábulo voluntária se usou na Constituição para adversar a obrigatória, imposta ou forçada. Por êle, assinalou o constituinte pátrio a sua repulsa ao modo de atribuição de nacionalidade pleno jure, sem atenção à vontade do interessado. Não quis, empregando-o, repelir o caso de aceitação, pelo brasileiro, de outra nacionalidade, oferecida e não imposta por Estado estrangeiro.
12. Em tal caso, porém, para afirmar a perda da nacionalidade brasileira, exigiria a no sa lei manifestação expressa do brasileiro em relação à oferecida, ou satisfar-se-ia com a aceitação tácita? Reclamaria o repúdio declarado da nacionalidade brasileira ou admitiria o repúdio tácito dela pela omissão de declaração a favor de sua conservação?
13. A resposta razoável a tais indagações, a nosso entender, há de ser a de que a nos a lei não exige o repúdio expresso, satisfazendo-se com a manifestação tácita da vontade do brasileiro.
14. Quisesse o constituinte declaração expressa da vontade, e não deixaria da referir, em têrmos claros, a sua intenção. Não o havendo feito, satisfazendo-se com o qualificar de voluntária a naturalização, há-se de aceitar que não repeliu a hipótese da expressão tácita, indireta, da voluntariedade, dado que se não lhe pode atribuir, sem grave injustiça, a ignorância do valor do silêncio como manifestação da vontade. E, para não calar a referência, presente não poderia deixar de ser-lhe o conhecimento dos efeitos da grande naturalização por nós mesmos decretaria, inclusive em texto constitucional, na aplicação da qual se emprestou ao silêncio dos estrangeiros por ela alcançados o caráter de aceitação da nacionalidade que lhes oferecíamos, de concordância com a oferta, de manifestação de consentimento.
15. Tal exegese responde à melhor doutrina e à tradição mesma do nosso direito na matéria. Ademais de outras, há em nossa legislação norma explícita no assertar que a manifestação da vontade pode ser tácita, quando a lei não exigir que seja expressa Cód. Civil, artigo 1.079. A regra de direito privado embora, pode, como achega à elaboração interpretativa, invocar-se, mesmo no exame de texto de direito público, para demonstrar que o legislador pátrio de há muito se enfileirou entre o que afirmam poder a vontade expressar-se tàcitamente, reconhecendo valor lógico e jurídico de aceitação ao silêncio de quem recebe uma oferta. Na redação de textos relativos à nacionalidade, pois, não lhe olvidaria a circunstância, a qual, se desejasse remover, declaradamente o faria. Como não exigiu que a manifestação da vontade do brasileiro na aquisição de outra nacionalidade fôsse expressa, ùnicamente e sempre, é porque a admitiu tácita ou indireta.
16. A doutrina, pátria e alienígena, não repulsa o silêncio, a manifestação indireta da vontade como expressão da aceitação de uma nacionalidade (SANTI ROMANO, “Principia di Diritto Costituzionale Generale”, 2ª ed., 1947, página 188, nº 3; NIBOYET, “Traité de Droit International Privé Français”, 1938, vol. I pág. 385, nº 325; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1946”, 1ª ed., vol. III, págs. 102-105, números 3 e 4; “Nacionalidade de Origem e Naturalização no Direito Brasileiro”, 2ª ed., págs. 115, nº 1; 117, ns, 3 e 4; 186-187, nº 2; 190, nº 2; A. DARDEAU DE CARVALHO, “Nacionalidade e Cidadania”, 1ª ed., págs. 75-77; OSVALDO ARANHA BANDEIRA DE MELO, in “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 16, páginas 19 e segs.).
17. Da tradição do nosso direito, como do de vários Estados estrangeiros, êsse modo de entender. Proclamou-o, urbi et orbi, o Brasil, quando respondeu aos protestos de potências estrangeiras, em virtude de leis por nós editadas após a proclamação da República, acolhedoras da naturalização tácita.
18. Não há, portanto, como deixar de reconhecer que, para o direito brasileiro, o silêncio vale como prova da aceitação de nacionalidade oferecida; a manifestação da vontade de adquirir uma nacionalidade pode dar-se indiretamente, sem declaração expressa.
19. O que assim adquire outra nacionalidade, portanto, perde a brasileira, pois tal acontece ao que se naturaliza estrangeiro voluntàriamente, “quer se trate de naturalização individual, quer coletiva, desde que para essa se exija qualquer ato interpretado como vontade e o brasileiro dê ensejo a que o Estado estrangeiro o considere seu nacional”, como observa PONTES DE MIRANDA (“Comentários”, cit., III, página 102, nº 3).
20. Aplicadas ao caso submetido ao nosso exame as considerações retro, a conclusão há de ser a de que o suplicante perdeu a nacionalidade brasileira, pela aquisição da israelense, conforme o art. 2º, b, 2, da Lei de Nacionalidade de Israel.
21. Contràriamente ao que alega em sua defesa, a nacionalidade israelita não lhe foi imposta pleno jure. Antes, foi-lhe oferecida, assegurando-se-lhe prazo – de 1-4-1952 a 14-7-1952 – para revelar a sua vontade de conservar a nacionalidade brasileira, declarando não desejar tornar-se israelense. Pouco importa se fizesse o oferecimento sob condição que, não atendida, implicava presunção da sua vontade, valeria aceitação. Respeitado foi o seu querer. Se não desejasse adquirir a nacionalidade israelense, devera declará-lo.
22. O silêncio, no caso em exame, é, até, circunstanciado, atentas as condições de o interessado haver viajado para Israel com a intenção de lá permanecer, como confessa em sua defesa, e de ali haver prestado serviço militar, antes mesmo de adquirir a nacionalidade israelense, incorporado que foi em 14 de novembro de 1951. Alega, é certo, que a prestá-lo foi obrigado, como residente, mas não oferece mínima prova disso. A prestação voluntária de serviço militar pelo brasileiro a Estado estrangeiro, de si só, importa perda da nacionalidade, ex vi do nº II do art, 130 da Constituição, ainda no caso de polipatria. Para evitar a sanção do dispositivo constitucional, em caso como o presente, há de o brasileiro provar que o serviço militar lhe foi impôsto pelo govêrno estrangeiro, que o prestou sob coação e protesto. E prova disso não ofereceu o interessado.
23. Pelo exposto, somos de parecer que Maurício Sinovetz perdeu a nacionalidade brasileira, pela aquisição voluntária da israelense.
Rio de Janeiro, 18 de julho de 1956. – L. C. de Miranda Lima, consultor jurídico, interino, do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
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