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CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
Limitação e isenção de responsabilidade dos transportadores por água em razão de perdas e danos a cargas
Revista Forense
09/11/2023
SUMÁRIO: A lei norte-americana limitando a responsabilidade. Antecedentes históricos. Interpretação judicial da lei. O “Harter Act”. A lei dos EE. UU., de 1936, relativa ao transportador de mercadorias por mar. Conclusão.
*Muito tempo a Lei da Inglaterra constrangeu os transportadores a servir de seguradores das mercadorias que lhes haviam sido confiadas para transporte, excetuando-se os prejuízos devidos a caso fortuito, a ato do inimigo público, a vício próprio das mercadorias e culpa do carregador, sem nenhuma outra limitação a extensão de sua responsabilidade.
Durante os séculos XIV a XVI o comércio oceânico passou em grande parte às mãos dos inglêses e ampliando-se os caminhos comerciais aumentou a necessidade de investimento e capital. A extensão crescente das rotas comerciais não permitiu mais aos armadores acompanhar seus navios, onde a falta de contrôle sobre os capitães e tripulações aumentar consideràvelmente o risco de prejuízo, e, sendo assim, para encorajar a navegação e comércio marítimos, tornou-se necessário relevar os proprietários de navios do dever de responder totalmente pelos danos conseqüentes dos atos culposos e da negligência de capitães e tripulações, porque êstes ficavam largamente fora do seu contrôle. Evidentemente, como a maior e ilimitada responsabilidade dos proprietários de navios os colocava em desvantagem em relação aos continentais, a Inglaterra, como resultado de uma petição feita à Câmara dos Comuns pelos proprietários de navios, promulgou em 1734 um Estatuto limitando a responsabilidade dos ditos proprietários de navios. Êsse Estatuto é conhecido como a Lei 7, de GEORGE II. Seu preâmbulo manifesta que “é da maior conseqüência e importância para êste Reino promover o aumento no movimento dos navios e impedir qualquer desencorajamento dos mercadores e outros, nos interêsses relativos e concernentes ao mesmo”.
Essa lei estabelecia substancialmente que nenhum proprietário de navio seria responsável pela perda ou dano de mercadorias a bordo do navio em razão de qualquer ato, matéria ou coisa, dano ou ato ilícito, ocasionado ou incorrido pelo capitão ou marinheiro, ou qualquer deles, sem o conhecimento e a colaboração do proprietário ou proprietários, além do valor do navio ou embarcação com todos os seus pertences e importância por inteiro do frete devido ou a cobrar para ou durante a viagem”. Essa lei deu origem ao princípio de que o proprietário do navio não poderia ser responsabilizado além da sua quota na emprêsa, a saber, o navio e o frete.
Leis posteriores do Parlamento Britânico estenderam a limitação da responsabilidade dos proprietários dos navios com relação ao valor dos navio e frete a todos os prejuízos em que o capitão e tripulação não houvessem participado e aos prejuízos por abalroação, mesmo que devida a sua negligência.
Além disso, foi concedida isenção completa da responsabilidade por perdas e danos ao ouro, joalheria, e cargas preciosas especificadas, a menos que o carregador declarasse sua natureza e valor.
Em 1786, por uma lei posterior do Parlamento, a responsabilidade por perda causada por fogo foi inteiramente abolida. Mais tarde esta isenção estatutária foi condicionada ao fogo ocasionado sem “o conhecimento ou culpa real” do proprietário.
Tal era o estado da lei na Inglaterra e em outras nações marítimas da Europa em 1789 quando os EE. UU. tomaram seu lugar entre as nações soberanas. A princípio não aproveitaram as lições dadas pela história e o desenvolvimento das leis marítimas das nações que até então dominavam os mares e seguiram a primitiva lei inglêsa, que fizera o carregador comum absolutamente responsável pelas perdas e danos das mercadorias a ele confiadas para transporte, ainda que nenhuma culpa lhe fôsse imputável, exceto as ocasionadas por caso fortuito, ato de inimigo, culpa do embarcador ou vício próprio das mercadorias embarcadas.
Deve ser notado que esta regra se aplicava sòmente aos carregadores “comuns”, os quais devem ser distinguidos dos carregadores “privados”. Os primeiros contratavam o transporte de mercadorias de muitos embarcadores e usualmente operavam um serviço regular e fixo. Ao contrário, o carregador “privado”, segundo a lei, é aquêle que faz contratos especiais para carregar mercadorias de um só embarcador de cada vez e raramente mantém um serviço regular, mas irá sempre onde cada contrato requeira.
Durante a primeira metade do século XIX fizeram os EE. UU. um notável progresso em navegação, porém não houve esfôrço no sentido de dar aos proprietários americanos o privilégio da responsabilidade limitada.
Em 1848 a Suprema Côrte dos EE. UU. considerou um proprietário inteiramente responsável pela perda causada, por fogo, de uma grande quantia de moedas de ouro embarcadas em engradados de madeira, a despeito do embarcador ter declarado que o seu conteúdo correria sob seu risco. A natureza e o valor do conteúdo não foram declarados. O fogo foi devido a negligência. Esta decisão causou uma grande apreensão entre os proprietários e, como resultado, um projeto foi apresentado ao Congresso no sentido de colocar os proprietários americanos em condições de igualdade com os inglêses e os de outras potências marítimas européias.
Em março de 1851 êsse projeto tornou-se lei e com algumas emendas, particularmente aquelas referentes a reclamações por danos pessoais e morte, é ainda hoje a lei vigente. Em razão das emendas posteriores, as disposições pertinentes às mercadorias são as seguintes:
“46 U.S.C. 181 (R.S. 4.281). Se algum embarcador de platina, ouro, ouro em pó, prata, barras de ouro, ou de outros metais preciosos, moedas, jóias, títulos de Bancos ou entidades públicas, diamantes ou outras pedras preciosas ou qualquer ouro ou prata manufaturada, ou não, relógios de bôlso ou parede, ou contadores de tempo de qualquer natureza que seja, adornos, ordens, notas ou garantias para pagamento de dinheiro, selos, mapas, manuscritos, títulos de propriedade, impressos, gravuras, pinturas, artigos chapeados ou laminados de ouro ou prata, porcelana, sêdas manufaturadas, ou não, trabalhadas, ou não, com qualquer outro material, peles, fitas, ou quaisquer outras coisas contidas
em qualquer embrulho, caixa ou mais que os carrega a frete ou à bagagem em qualquer navio sem que ao tempo de tal carregamento dê ao capitão, empregado, agente ou proprietário de tal navio, aviso da verdadeira natureza e valor dessas coisas, recebendo dos mesmos uma nota por escrito e sem fazer as declarações acima no conhecimento, o capitão ou o proprietário só serão responsáveis por tais coisas até o valor é de acôrdo com a natureza dos mesmos que tiver sido notificado e transcrito no conhecimento”.
“46 U.S.C. 182 (R.S. 4.282). Nenhum proprietário de navio responderá ou terá que indenizar, a qualquer pessoa, as perdas e danos que possam acontecer a qualquer mercadoria embarcada ou posta a bordo dêsse navio, em conseqüência e por efeito de incêndio a bordo, a menos que êsse incêndio seja causado intencionalmente ou negligentemente por tal proprietário
“46 U.S.C. 183 (R.S. 4.283). A responsabilidade do proprietário de qualquer navio, seja americano ou estrangeiro, por qualquer apropriação indébita, perda ou destruição causada por qualquer pessoa, ou de qualquer propriedade, bens ou mercadorias embarcadas ou postas a bordo de tal navio ou por qualquer prejuízo, dano ou estrago por abalroação, ou por qualquer ato, ocorrência, coisa, perda, prejuízo, dano ou prevaricação, feito, ocasionado, ou incorrido sem a ciência ou conhecimento de tal proprietário ou proprietários, não excederá a quantidade ou valor do interêsse de tal proprietário nesse navio em seu frete a cobrar, excetuando os casos respondidos na subseção b desta seção”.
Nossa Côrte Suprema manifestou-se em relação à lei de 1851. “Essa lei foi elaborada no sentido da incentivar a construção de navios, de encorajar as pessoas que se dedicam ao comércio marítimo e de colocar êste país em igualdade com a Inglaterra e o continente europeu”.
*
A lei norte-americana limitando a responsabilidade. Antecedentes históricos
1. A limitação da responsabilidade relativa às cargas preciosas embarcadas sem declaração de sua natureza ou valor, conforme está regulada na seção 181 da nossa lei, pode-se dizer quase letra morta hoje. Nossos Tribunais têm decidido que a regra opera sòmente no sentido de limitar a responsabilidade do proprietário “como transportador”, deixando-o responsável por negligência como “depositário” ou pessoa na posse das mercadorias. Como pela nossa lei em vigor o transportador é responsável sòmente por negligência, diferença entre a posição do transportado, relativamente a perda ou dano de outras mercadorias e com relação às cargas preciosas mencionadas na lei fica sendo apenas matéria de prova.
2. A seção 182 da lei libera completamente de responsabilidade com respeito à “mercadoria” perdida ou avariada por incêndio, desde que: 1°) o incêndio ocorra a bordo; e 2°) aconteça sem propósito ou negligência do dono do navio.
Essa lei se aplica única e simplesmente em favor dos proprietários de navios e não dos transportadores em geral. Destarte, se um transportador freta um navio com contrato time charter para transportar mercadorias não terá o benefício dessa lei. Entretanto, essa questão é relativamente sem importância, porque, como mostraremos abaixo, uma isenção idêntica é atualmente outorgada aos transportadores pela lei do transporte de mercadorias por mar de 1936.
Relativamente ao incêndio ocasionado por “propósito ou negligência” do proprietário, não há isenção de responsabilidade. O “propósito ou negligência” mencionados na lei são entendidos como o propósito e a negligência pessoal do proprietário do navio e não os atos, propósitos ou negligências do capitão, da tripulação e outros empregados e agentes. O que se entende por negligência “pessoal” será explicado adiante.
3. O art. 183 da lei estabelece um limite à responsabilidade do proprietário do navio, representado pelo valor do seu interêsse no navio e frete a cobrar. Aplicam-se as responsabilidades que tenham surgido “sem a ciência ou conhecimento” do proprietário e abrange a maior parte das responsabilidades que o proprietário de navio pode incorrer. Entretanto, o ônus de provar a ausência da “ciência ou conhecimento” se entende a participação pessoal do proprietário em alguma falta ou negligência, distinta da do seu capitão, tripulação e outros empregados ou agentes. Assim, essa lei é uma outra adaptação do princípio proibitivo da lei continental tendente a limitar a responsabilidade do proprietário do navio pelos atos de seus agentes, mas não pelos seus atos “pessoais”.
Como, porém, atualmente, quase todos os proprietários dos navios são sociedades, surgiu naturalmente a questão de saber o que se deve entender por “ciência ou conhecimento” de uma sociedade e o que constitui a participação “pessoal” dos mesmos. Os Tribunais deram sua resposta nos casos particulares de que conheceram. De uma forma geral a “ciência ou conhecimento” deve ser dos diretores da sociedade. Isto não está restrito apenas aos diretores, mas a todos os funcionários da sociedade com poderes de administração.
Enquanto essa limitação aplica-se à maior parte das responsabilidades que podem recair sôbre o proprietário de navio, neste país foi decidido que têm também aplicação as responsabilidades oriundas da quebra de um contrato “pessoal”. Um exemplo de contrato “pessoal” seria uma carta-partida, assinada pelo proprietário ou o gerente de uma sociedade proprietária de navios. Os conhecimentos de transporte não são considerados contratos pessoais.
A lei determina que a responsabilidade do proprietário do navio deve ser limitada à importância ou valor do interêsse do proprietário nesse navio e no seu frete a cobrar. Suscitou-se a questão de se saber em que tempo o valor do navio devia ser considerado para os fins dessa limitação. Foi decidido que a responsabilidade do proprietário não deve ser maior do que se êle fizesse o abandono depois do acidente ou viagem, ou então, na terminação da viagem em que o desastre ocorreu, se a viagem não tivesse terminado com êste acidente. Pela prática dos nossos Tribunais o proprietário do navio pode pagar êsse valor ao Tribunal ou prestar caução em lugar de entregar o navio ou seu interêsse no navio. Assim, se o navio fôsse totalmente perdido, a quantia a ser entregue seria sòmente o frete a cobrar. Se apenas um bote salva-vida subsistisse do navio, a entrega seria do valor dêsse bote e do frete pendente. Esta medida de responsabilidade está em contraste com a lei inglêsa atual, segundo a qual o valor do navio é fixado duma importância baseada numa soma especifica calculada sôbre a tonelagem bruta do navio. Assim, a importância pela qual o proprietário de um navio inglês pode limitar a sua responsabilidade é sempre uma quantia certa, qualquer que seja a extensão da avaria no navio e ainda mesmo que êste se perca totalmente.
Em conseqüência de alguns desastres trágicos que resultaram em perdas de muitas vidas, o Congresso emendou a lei em 1935 e 1936, no sentido seguinte:
“b) Na hipótese em que a responsabilidade do proprietário de um navio de mar limitada de acôrdo com a subseção a fôr insuficiente para pagar todos os prejuízos por inteiro, e a parte de tal importância aplicável ao pagamento de prejuízos relativos a perdas de vidas ou danos pessoais fôr menos do que 60 dólares por tonelada da tonelagem do dito navio, essa parte será aumentada de uma importância igual a 60 dólares por tonelada a ser empregada sòmente na paga dos prejuízos referentes a perdas de vidas e danos pessoais. Se tal parte assim aumentada é insuficiente para pagar êsses prejuízos no todo, proceder-se-á a uma contribuição proporcional às suas respectivas importâncias”.
A tonelagem referida é a tonelagem bruta, isto é, que não inclui o espaço ocupado pelos marinheiros, aprendizes e apropriados a seu uso. Devemos notar que essa emenda não se aplica ou afeta perda ou dano às mercadorias.
A expressão “frete pendente” é considerada significar o frete devido, quer tenha sido recebido ou não, e inclui o dinheiro das passagens.
Enquanto, como se diz acima, a lei se refere sòmente ao proprietário de qualquer navio, uma de suas disposições reza que “o fretador de qualquer navio, na hipótese em que êle ponha tripulação, víveres e faça navegar êsse navio às suas expensas e sob sua administração, se considerará proprietário de tal navio”. Assim, pela nossa lei o proprietário do navio ou fretador nessas condições podem gozar da limitação.
Foi também decidido que os salvados ganhos durante a viagem não se contam em favor do proprietário do navio ou do seu segurador em relação à perda ou dano ao navio resultante de desastre.
No caso do “The Titanic”, 233 U.B. 718, a Côrte Suprema decidiu que nossa lei e o remédio previsto na mesma é aplicado igualmente aos navios americanos e estrangeiros, donde ter-se decidido que na hipótese a lei de limitação nos Estados Unidos era a aplicável e não a inglêsa, embora o navio fôsse inglês, os contratos feitos na Inglaterra, ou pelo menos a maior parte dêles, e a perda tivesse ocorrido em alto-mar.
Para terminar deve ser mencionado que, pela nossa prática, que se distingue da inglêsa, o proprietário do navio pode em seguida a um prejuízo pedir ao mesmo isenção ou limitação de responsabilidade e nossos Tribunais determinarão em primeiro lugar, num julgamento, se há alguma limitação e se esta pode ser concedida ao proprietário. Na Inglaterra, porém, a limitação só é investigada depois que a responsabilidade foi decretada.
O “Harter Act”
Enquanto, como foi notado, as leis acima citadas são aplicáveis sòmente aos proprietários dos navios, quer êles sejam ou não transportadores de mercadorias, o “Harter Act” aplica-se de um modo geral ao transportador, ainda mesmo que sòmente a fretadores do navio.
Os carregadores neste país e na Inglaterra usaram o contrato de carregamento, o qual comumente é o conhecimento, para livrar-se da responsabilidade que lhes impunham as leis comerciais. Na Inglaterra, os Tribunais permitiam a liberdade contratual neste particular até o ponto de consentir que o carregador se exonerasse da responsabilidade das perdas e avarias devidas à sua negligência. Por outro lado, nossas Côrtes federais, porém, ratificavam essa cláusula sòmente enquanto não exoneravam o carregador da sua negligência e daquela de seus empregados, ou, para sermos mais explícitos, não exonerava o carregador de um dos seus deveres essenciais, pois considerava que se o fizesse iria contra a nossa ordem pública. Também nossos Tribunais fulminavam essas cláusulas, mesmo se no seu país de origem elas fôssem consideradas válidas e obrigatórias.
Deve-se notar que enquanto nossos Tribunais recusavam validar essas cláusulas, êles reconheciam outras cláusulas dos conhecimentos que até certo modo conduziam ao mesmo resultado, a saber: cláusula limitando a responsabilidade do transportador a uma quantia arbitrária, como seja de US$ 100,00 por volume, ou então limitando o tempo dentro do qual devia ser proposta ação ou notificada a perda ou a reclamação, quer o prejuízo fôsse devido ou não à negligência.
Em 1873 fundou-se a International Law Association, embora, até 1895, ela fôsse conhecida como sociedade para reforma e codificação das leis das nações. Um dos primeiros esforços foi dirigido no sentido de elaborar um modêlo de conhecimento uniforme, justo para tôdas as partes. Esse modêlo foi preparado em 1882 e designado como “Modêlo para conferência”. Continha uma enumeração das causas específicas e espécies de perdas e determinava, a respeito das mesmas, que o transportador não seria responsável, mas em quid pro quo essas isenções de responsabilidade eram outorgadas sob condição de que o transportador usasse do cuidado devido no sentido de fazer o navio navegável. Esse modêlo de conhecimento suscitou grande interêsse e foi empregado com muita freqüência.
Posteriormente a 1882, várias entidades de associações dedicaram muita atenção ao assunto. Por exemplo, a New York Produce Exchange e a Câmara do Comércio de Hamburgo prepararam minutas em 1885, ambas no sentido de emendar-se o “Modêlo para conferência”. A minuta de Hamburgo foi por sua vez revista e emendada em New York de 1887 a 1889.
A lei dos EE. UU., de 1936, relativa ao transportador de mercadorias por mar
Enquanto tais esforços para uniformizar os conhecimentos marítimos continuavam, o Congresso dos EE. UU., em 1893, promulgou a lei conhecida sob o nome de “Harter Act” (assim chamada porque em parte foi aprovada graças aos esforços do representante de Ohio, HARTER). Essa lei era notável por dois aspectos principais: 1) permitia que o transportador reduzisse mediante contrato a garantia absoluta de navegabilidade, à garantia da devida diligência para fazer o navio navegável; e 2) embora declarasse que as cláusulas no sentido de relevar o transportador a responsabilidade pelos prejuízos devidos à negligência, culpa ou omissão no mister de carregar, estivar, guardar, cuidar e entregar a carga, eram nulas e sem efeito, especificamente exonerava o carregador dá responsabilidade de certas causas específicas, entre as quais as resultantes da culpa ou êrro de navegação, no manejo do navio, contanto que o carregador exercesse a devida diligência no sentido de tornar o navio a todos os respeitos navegável, convenientemente tripulado, equipado e provido.
A expressão da lei “a todos os respeitos” apresentava alguma dificuldade de interpretação, porque uma condição de inavegabilidade, assim como a falta de devida diligência, poderiam existir sem relação causal de espécie alguma com o prejuízo. Por exemplo, no caso de abalroação ou encalhe devido à negligencia de um oficial de bordo, negava-se a exoneração ao carregador pelo fato de ter vitualhas ou combustível insuficientes. Esse problema ainda não foi completamente resolvido. Como notaremos adiante, a expressão “a todos os respeitos” não foi incluída na lei relativa ao transporte de mercadorias por mar.
De acôrdo com o “Harter Act”, a obrigação de empregar a devida diligência no sentido de tornar o navio navegável referia-se ao tempo de saída do pôrto de carregamento, exceto naqueles casos muito raros em que o transportador tivesse tomado efetivamente contrôle pessoal do seu navio num pôrto de escala.
Enquanto essa lei exonerava o carregador de certas causas específicas de dano, como sejam perigos do mar, caso fortuito, atos de inimigos públicos, vício próprio das mercadorias e insuficiência de embalagem, atos dos carregadores (isenções da lei comum) e, nos assuntos mencionados, estendia-se até, o ponto de exonerar o carregador de responsabilidade por negligência de seus empregados, não aboliu, ao contrário, a responsabilidade dos seguradores dos carregadores. Conseqüentemente, os transportadores continuaram a incluir cláusulas nos seus conhecimentos, comumente chamadas cláusulasexoneratórias, destinadas a relevá-los dessa responsabilidade dos seguradores em numerosos casos de perdas e danos.
Como pouco foi realizado pelo “Harer Act” no sentido da uniformização internacional dos conhecimentos, essa matéria continuou a merecer a atenção da international Law Association. Em 1896 oi instituído o Comitê Marítimo Internacional com o fim de dirigir os esforços da International Law Association na esfera marítima. A princípio os esforços o Comitê foram dirigidos principalmente para outros assuntos, tais como salvamento, abalroação e hipoteca de navios. Só em 1812 é que sua atenção foi sèriamente dirigida no sentido da uniformidade dos conhecimentos. Essa orientação foi impulsionada em razão de um voto da Maritime Law Association dos EE. UU., no sentido seguinte:
“Resolvido, que esta Associação recomende respeitosamente ao Comitê Marítimo Internacional o estudo da regulação internacional dos conhecimentos estrangeiros”.
O Comitê pediu sugestões a tôdas as associações marítimas nacionais. A primeira guerra mundial interrompeu todo o progresso nesse sentido, porém, em 1920, os interêsses do comércio fizeram esforços consideráveis para promulgar na Inglaterra uma lei que limitasse a liberdade com a qual um transportador podia contratar sob as leis de então, no sentido de exonerar-se da responsabilidade.
Nesse ínterim, leis paralelas ao nosso “Harter Act” haviam sido adotadas no Canadá, Austrália, Nova Zelândia. Em 1921, a Câmara de Comércio dos EE. UU. e a Câmara Internacional de Comércio atenderam a êsse assunto e a última recebeu o projeto de um conhecimento uniforme, preparado por um Comitê do qual participaram representantes da Grã-Bretanha, França, Itália, Holanda, Bélgica, Noruega, Suécia e Dinamarca. A êsses projetos foi dada uma larga publicação e circulação e as partes interessadas foram convidadas a expressar os seus pontos de vista a respeito e a comparecer à conferência que se realizaria no mesmo ano na idade de Haia. Na conferência, de Haia, em setembro de 1921, o projeto foi apreciado, revisto e melhorado e o texto resultante foi denominado: “Regras de Haia de 1921”. Primeiramente pensou-se em incorporar essas regras ao conhecimento de carga, mas isso acabou sendo afastado por impraticável, sobretudo em relação aos EE. UU., porque nossos Tribunais não reconheciam validade às condições contratuais elaboradas no sentido de exonerar o transportador de responsabilidade em razão da negligência.
Depois de outras revisões, uma convenção sôbre conhecimentos foi assinada pelos EE. UU., Bélgica, Estônia, França, Alemanha, Inglaterra, Hungria, Itália, Japão e Espanha.
Diversas outras nações ficaram de ratificar a convenção ou de outra forma dar-lhe fôrça legal. Dentro de dois anos a Austrália, Índia e a Inglaterra assim procederam, com algumas mudanças muito ligeiras. Os Países-Baixos seguiram-se em 1927, a Bélgica em 1929, muitas das Colônias Britânicas em 1931, a Terra Nova em 1932, o Canadá e EE. UU. em 1936; a França em 1937, o Curaçao, a Dinamarca, Suécia e Noruega em 1939, a Alemanha em 1940.
Essas regras, com poucas alterações, tornaram-se a lei estadunidense de transporte de mercadorias por mar de 1936. Em grande parte suplantou o “Harter Act” no campo do comércio estrangeiro, e neste país foi tornado obrigatória em relação aos conhecimentos para os embarques, tanto no exterior como no interior, sem tomar em consideração o país em que o conhecimento é emitido ou a nacionalidade do navio.
As regras foram adotadas pelo menos por 19 nações e domínios, além de 54 Colônias Britânicas, isto é, quase todos os países marítimos do mundo, excetuando os da América do Sul.
Essas regras mudaram fundamentalmente a responsabilidade primitiva do transportador e, distinguindo-se nisso do “Harter Act”, constituíram um Código no sentido de cobrir a responsabilidade do transportador por perdas e danos à carga, matéria que o “Harter Act” não contemplou. Estas regras aplicam-se no comércio estrangeiro e a todos os apetrechos do navio. Tornaram desnecessária a inclusão das chamadas cláusulas exonerativas nos conhecimentos.
Entre outras coisas, a lei determinou que o transportador não será responsável por perda ou dano resultante da inavegabilidade, provando que exerceu a devida diligência para tornar o navio navegável, tripulado, equipado e suprido em condições. Também o carregador é exonerado de responsabilidade em relação aos:
“a) ato, negligência ou faltas do capitão, marinheiros, pilotos ou quaisquer outros empregados do transportador, navegação ou govêrno do navio;
“b) incêndio, a menos que seja causado por culpa ou participação do carregador”.
Em geral, essa lei determina que o transportador não é responsável, exceto em relação à sua negligência ou à dos seus agentes ou empregados.
Enquanto a disposição que isenta o carregador de erros na navegação e faltas na direção do navio é semelhante à do “Harter Act”, esta e as outras isenções, excetuando aquelas da inavegabilidade, não são condicionadas ao exercício da devida diligência para tornar o navio navegável e nenhuma referência é feita à navegabilidade “sob todos os aspectos”.
Existem outras disposições da lei, tais como as que tratam da matéria que o transportador tem obrigação de inserir nos conhecimentos, que os carregadores garantem a veracidade de algumas de suas declarações, que a ação em razão de perda ou dano à carga seja proposta dentro de um ano, e disposições limitando a responsabilidade do carregador a US$ 500,00 por volume. Contudo, não está no programa dêste estudo comentar estas e outras disposições da lei e sua interpretação pelas nossas Côrtes.
Assim, pela nossa lei, um proprietário de navio ou armador pode não sòmente limitar a sua responsabilidade no caso de perda ou desastre ao valor do seu interêsse no navio no fim da viagem e fretes pendentes, mas também um transportador qualquer está exonerado de tôda a responsabilidade por negligência de seus empregados no caso de incêndio, êrro de navegação, usualmente os casos em que acontece abalroação ou encalhe, e na direção do navio que se distinguiu do cuidado com a carga.
Também o transportador pode ressarcir-se na avaria grossa, embora o prejuízo seja devido à negligência assim excetuada, desde que isso seja estipulado no conhecimento de transporte. E como o Congresso, por lei especial, livrou o transportador da responsabilidade por negligência de seus empregados em tais casos, um contrato no sentido de que o carregador poderá ressarcir-se efetivamente da avaria grossa não é mais contra a ordem pública. Esta cláusula do conhecimento é conhecida em geral com a nome de “Cláusula Jason”.
Não somos familiares com as leis das Repúblicas da América do Sul, mas parece-nos que estas, ou pelo menos as da maior parte dos países, não isentam o carregador da responsabilidade pela sua negligência ou dos seus empregados, em qualquer caso. Qualquer disposição contratual em sentido contrário é inválida.
E, como tais isenções, ou o direito de contraí-las, tornaram-se lei na maior parte dos outros países marítimos do mundo, é possível que os países da América do Sul, particularmente aquêles de marinhas mercantes florescentes, queiram considerar a conveniência de adotar leis semelhantes.
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Notas:
* Tradução de JOÃO VICENTE CAMPOS: advogado no Distrito Federal.
Sobre o autor
L. de Grove Potter, advogado em New York.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
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- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
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