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Extensão do julgado na ação demarcatória, de Everardo de Sousa

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Extensão do julgado na ação demarcatória, de Everardo de Sousa

REVISTA FORENSE 164

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18/06/2024

SUMÁRIO: Ação de demarcação. Sua natureza real. Efeitos da sentença que julga a demarcatória. Caráter reivindicatório da ação. Conclusão.

Inspirando-se num texto de JUSTINIANO, das “Institutas”, alguns escritores sustentam que as ações do juízo divisório, em meio às quais se acha a actiofiniumregundorum, são mistas, por isso que nascem, simultâneamente, de uma obrigação pessoal e de um direito real. Quer dizer: têm por objeto não só a coisa, res, cuja divisão colimam, senão também as prestações pessoais, personalesproestationes (MACKELDEY, “Droit Romain”, § 204, nº 5; SERAFINI, comentando ARNDTZ – “Comm. alle Pandette”, volume 1, pág. 178; PESCATORE, “Sposizione compendiose della procedure civile e criminale”, vol. 1, pág. 129-130; HEINÉCIO, “Inst. de setionibus”, Comm. a VINNIUS, § 1°; apud AURELIANO DE GUSMÃO, “Processo Civil e Comercial”, vol. 1-11, pág. 326-327, nota 1, e “Manual de Jurisprudência”, vol. 3, pág. 14, nota 2.

Certos autores, porém, afirmam que tôdas as ações divisórias são pessoais, porque se fundam na obrigação legal de dividir, demarcar ou partilhar, segundo uns, ou nascem do quase-contrato de vizinhança, segundo outros.

MAYNZ (“Cours de Droit Romain”, tomo 1, 4ª ed., 504), por exemplo, assevera que tais ações são puramente pessoais, quanto à sua origem, quanto à sua direção e quanto ao seu fim, porque derivam das relações obrigatórias que existem entre os condôminos e confrontantes, são dirigidas contra pessoas certas e de antemão determinadas por êsse vínculo de obrigatoriedade e tendem justamente a fazer cessar as relações de direito existentes e não a manter essas mesmas relações. “Tais caracteres”, diz WHITAKER, “só existem nas ações exclusivamente pessoais” (“Terras”, 6ª ed., página 90).

Também influenciados pela doutrina de MAYNZ, professam as mesmas idéias outros autores indígenas, e da maior autoridade, como JOÃO MONTEIRO (“Processo Civil e Comercial”, 5ª ed., § 23, nº 3, IV, pág. 99), GUSMÃO (ob. cit., pág. 312), MACEDO SOARES (“Tratado das Medições de Demarcações”, liv. 1, nº 10, d), COSTA CARVALHO (“Direito Judiciário Civil”, pág. 128), RODRIGO OTÁVIO (“Divisão e Demarcação de Terras Particulares”, § 4º, pág. 28).

Nós nos persuadimos do contrário. É que reputamos as ações do juízo divisório, como a da demarcação, de natureza real, por isso que se fundam em o direito de propriedade, sendo sempre imanentes a êsse direito as controvérsias a que dão causa, conforme se expressa FRAGA.

Como preleciona TITO FULGÊNCIO (“Direitos de Vizinhança”, nº 12), “o direito ou é real, ou pessoal, e não há lugar para classificação intermédia, não se compreendendo direito bifronte ou misto”.

“Só se pode chegar a admitir a existência de ações mistas, observa GUSMÃO (ob. cit., pág. 312), pela concepção de um hibridismo jurídico absurdo, qual seria a concepção da possibilidade de direitos mistos, isto é, de direitos simultâneamente reais e pessoais“.

Do mesmo modo, FRAGA (“Instituições”, tomo 1, pág. 171, nº 353), invocando a própria fonte do direito romano, deixa resoluto que a existência das chamadas ações mistas não se assenta em razão de ordem jurídica, pois JUSTINIANO apenas diz e claramente quaedamactionesmistamcausamobtinerevidentur, isto é, que certas ações parecem possuir uma dupla causa. Conclui, daí, que a admissão das ações mistas constitui verdadeiro disparate, porque, se não existe direito misto, real e pessoal ao mesmo tempo, ou simultâneamente absoluto e relativo, é também indisputável, que não podem existir ações com êsse caráter”.

Ação de demarcação

Não convencem, por igual, os argumentos apresentados em prol da personalidade das ações divisórias, porque as obrigações resultantes da comunhão se originam da própria coisa comum, obrigações que, ainda que pudessem ser atribuídas a um quase-contrato, como insinuam alguns, supõem preexistente a direito real, na pessoa do titular da coisa. De modo que, sem êsse direito, que é o fundamento da própria ação, não existe nem pode existir a obrigação legal de dividir ou demarcar e, tampouco, as demais oriundas da vizinhança. “De fato, como ser alguém obrigado à demarcação de um prédio e a responder pelas obrigações pessoais decorrentes do respectivo processo, sem ser proprietário ou senhor do mesmo? O domínio, pois, antecede às citadas obrigações, e, assim, como fundamento de todo o juízo divisório, é êle que firma e estabelece a natureza da ação de demarcação, ou melhor, esta é a mesma jus in re, pôsto em movimento na tela judiciária para o efeito de manter a certeza e distinção entre as propriedades privadas” (cf. FRAGA, “Terras”, 4ª ed., pág. 117).

Caráter reivindicatório da ação

Por aí se vê, nìtidamente visto, que a demarcatória, ação do juízo divisório, encontra seu fundamento no domínio. Assume, por sua natureza, o verdadeiro aspecto de uma ação real, de uma ação petitória, pelo seu implícito sentido de reivindicar.

No direito italiano, há duas ações para delimitar a propriedade. Uma para aposição de marcos (opposisionedeitermini), prevista expressamente pelo Código Civil (art. 441), e outra para determinação das estremas, com as mesmas características da actiofiniumregundorum.

A primeira, diz RUGGIERO (“Instituições”, vol. II, pág. 418), tem caráter pessoal e faz supor que os limites sejam certos e precisos, em ordem a não ensejar discussão alguma acêrca do direito de propriedade. A segunda, ao contrário, pressupõe que os confins sejam incertos e promíscuos, destinando-se, assim, ao estremar os prédios limítrofes, a dirimir uma questão de propriedade. “É, porém”, adscreve o autor, “uma ação com caráter real, resolvendo-se numa espécie de reivindicatio, uma reivindicação mútua, na qual cada um dos proprietários contíguos apresenta contra o outro uma pretensão sôbre a parte intermédia das propriedades”.

Na lição de RICCI (“Corso teorico-pratico di diritto civile”, vol. 7, nº 69), quando a ação demarcatória deriva a incerteza de limites, pressupõe sempre uma usurpação por parte de um dos proprietários confinantes, e. pois, nela se contém, implìcitamente, a reivindicação (apud “Manual de Jurisprudência”, vol. cit., página 11).

“En lui même le bornage”, escreve PLANIOL (“Droit Civil”, tomo 1, 3ª ed., nº 2.370, pág. 763), “est une opération très simple, mais parfois il se complique d’une question de propriété, chacun des deux voisins prétendant s’attribuer une pari de terrain que l’autre lui dénie; alors laffaire prend une tournure plus grave parce qu’elle contient au fond une revendication immobilière”.

Outros autores franceses como LAURENT, BAUDRY-LACANTINERIE ET CHAUVEAU, RIPERT ET PICARD, entendem que a ação de demarcação é uma ação real, fundada em os atributos de propriedade (apud LAFAILLE, “Derecho Civil”, vol. 11, nº 327, pág. 338).

É, também, e por sem dúvida, a doutrina consagrada pelo nosso direito positivo.

Com efeito, o Cód. Civil (art. 570) prevê a possibilidade de se efetuarem adjudicações aos confinantes, quando não seja possível a divisão cômoda do terreno contestado. Ocorrida a hipótese, o prédio é atribuído a quem nenhum domínio tinha sôbre êle.

Evidentemente que êsse ato atributivo de domínio na pessoa de um dos litigantes, como diz FRAGA. “não pode resultar da ação de demarcação, se esta fôr pessoal ou defluente de uma obrigação quase ex contractu“.

À semelhança do Cód. Civil (artigo 253, 2), o Cód. de Proc. Civil (art. 81) dispõe que,

“Nas causas que versarem sôbre bens imóveis, ou sôbre direitos a êles relativos, o marido não poderá demandar, sem exibir outorga uxória, e, quando réu, será citado juntamente com a mulher”.

Ainda, na parte em que especialmente regula as ações de divisão e demarcação de terras, o Cód. de Processo (art. 420) prescreve que

“A mulher casada intervirá quando se questionar sôbre domínio ou posse”.

Ora, se a lei exige a presença, da mulher casada nas divisórias, quando se discute domínio ou posse, e se nêles se pode decidir, preliminarmente, o domínio (Cód. Civil, art. 631), lógico e irrecusável que tais ações são reais, e não pessoais.

De ponderar, por derradeiro, que o chamamento à autoria, permitido nas ações divisórias, é instituto específico das ações reais.

Escrevendo sôbre o direito argentino, LAFAILLE (ob. cit., pág. 338-339) observa que a ação de demarcação só tem fôrça declarativa de direitos, pois sua finalidade exclusiva é determinar limites confusos, “demarcándolos con fijeza en la materialidad del terreno”. Quer dizer que, tratando-se de limites questionados ou confusos ou no caso de a linha divisória traçada positivar a invasão das terras de um dos confinantes por outro, o pedido de restituição da coisa só se poderá verificar por meio da ação direta de reivindicação. Assim, em verdade, deve ser ante o Cód. Civil argentino, que, em seu artigo 2.747, é expresso e categórico, ao dispor:

“Cuando los limites de los terrenos estén cuestionados, o cuando hubiesen quedado sin majanes por haber sido éstos destruidos, la acción competente a los colindantes es la acción de reivindicación para que a uno de los poseedores se le restituya el terreno en cuya posesión estuviese el otro”.

Tal entendimento, porém, desconvizinha-se, conforme já o fizemos sentir, do direito brasileiro, em que o julgado na ação demarcatória não se cinge, tão-sòmente, a pôr têrmo à incerteza e confusão dos limites. Êle produz efeito mais amplo, implicando uma verdadeira reivindicatória, pelo caráter atributivo de direitos, que lhe é imanente. Assim, caso haja usurpação de uma parte da propriedade, apurada nela determinação dos limites, a restituição do terreno há de vir como conseqüência da demarcatória, só dependendo da execução da sentença torná-la efetiva.

“A finium regundorum“, ensina MORATO (“Miscelânea Jurídica”, 1° volume, pág. 230), “traz latente em seu bôjo a fôrça de restituir o seu a seu dono por via de conseqüência das operações demarcatórias”.

Partilha, o mesmo entendimento PENAFORTE MENDES (“Engastes em ouro”, in “Terras” de WHITAKER, pág. 41), dizendo que a ação de demarcação “contém proprianatura, como no Direito Romano e no nosso, antigo e moderno, a reivindicação. Entra no pedido ipsojure“.

Bem se está a ver filie a demarcatória tem caráter petitório, de reivindicação, não se fazendo, assim, necessário pedido expresso de restituição da posse originada na confusão dos rumos, pois o direito a essa restituição é uma conseqüência fatal da sentença que decide a causa.

A jurisprudência dos tribunais do país está firmemente orientada em tal sentido (ac. do Supremo Tribunal Federal, in “Diário da Justiça” da União de 14-12-944 e 4-1-945; idem do Tribunal de São Paulo, in “Rev. dos Tribunais”, vols. 112, página 543, 118, pág. 653, 121, pág. 153, 135, pág. 91, e 186, pág. 864; in “REVISTA FORENSE”, vol. 99, pág. 451. Vide, ainda, “Rev. de Direito”, vol. 142, pág. 60; “REVISTA FORENSE”, vols. 92, pág. 198, 112, pág. 577, 185, pág. 884, 187, pág. 638; “Rev. Goiana de Jurisprudência e Legislação”, vol. 3, pág. 33.

Não padece dúvida, pois, que a ação de demarcação, pela sua índole real, é, por si só e independente de reunião de pedidos, poderosa a resolver o domínio e, como tal, a produzir efeitos reivindicatórios, desde que ocorra a confusão dos confins e dela se originem usurpações das propriedades.

EverardodeSousa, professor na Faculdade de Direito de Goiás.

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