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Em defesa de uma definição de greve, de Valdomiro Lôbo da Costa

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Em defesa de uma definição de greve, de Valdomiro Lôbo da Costa

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17/06/2024

SUMÁRIO: Conceito de trabalho no direito social. Relação contratual e sinalagmática. Inexecução de obrigações contratuais. Conseqüências da greve. Greve patronal. Doutrina estrangeira. Direito penal. Objetivos da greve. Conclusão.

Conceito de trabalho no direito social

Para definir a greve – fenômeno cuja primeira conseqüência é a cessação do trabalho – faz-se necessário verificar o sentido que a expressão “trabalho” tem no chamado Direito Social.

Do ponto de vista da Legislação Social, ensina o professor A. F. CESARINO JÚNIOR (“Direito Social Brasileiro”, 1ª ed., pág. 365), “só se considera o trabalho prestado a outrem em vista de uma retribuição. Daí o definir-se: trabalho é o desenvolvimento da atividade humana em proveito de alguém que o retribui”.

Entretanto, acrescenta o ilustre mestre, êste conceito ainda não é completo. Com efeito, não é tôda prestação de serviço contra retribuição que constitui o trabalho protegido pela legislação do trabalho. E apenas o trabalho subordinado, o trabalho prestado sob a dependência de outra pessoa – o empregador.

Assim também o entende a lei, quando, no art. 3° da Consolidação das Leis do Trabalho, definindo o “empregado”, declara:

“Considera-se empregado tôda pessoa física que prestar serviços de natureza não-eventual a empregador, sob a dependência dêste e mediante salário”.

O mesmo pensamento expende LODOVICO BARASSI (“Elementi di Diritto dei Lavoro”, 5ª ed., Milão, Giuffré, 1950, página 2): “Se noi ci restringiamo a quest’ultimo (diritto), e profiliano il lavoro sotto l’aspetto di prestazione fondamentale in un rapporto obbligatorio, esso ci appare como lo spiegamento retribuito che l’uomo fa di energie destinate all’utilitá di un’altra persona”.

Com pequenas diferenças de forma, é a idéia que se encontrará desenvolvida por todos os escritores que já versaram o assunto do ângulo estritamente jurídico.

Relação contratual e sinalagmática

Resulta, pois, incontestável, diante dessa concepção uniforme, que o trabalho se apresenta, para o Direito Social. como uma relação essencialmente contratual, sinalagmática, cuja fonte de juridicidade reside no próprio Direito Civil. Estatui, de fato, o Cód. Civil brasileiro, no art. 1.216, reproduzindo o princípio expresso no art. 1.710 do Cód. Civil francês, que

“Tôda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição”.

A justiça social tem-se mostrado, através da História, incapaz de dirimir, pelos meios ordinários de procedimento, os naturais litígios oriundos da execução do contrato de trabalho, entre locadores e locatários, vindo o Direito em conseqüência, de transação em transação, até legitimar, nos dias que correm, a ação de autotutela – verdadeira via de fato – pela qual uma das partes contratantes, em determinadas circunstâncias, deixa de cumprir, temporàriamente, as obrigações de seu cargo, com o fim de constranger a outra parte – a satisfazer os motivos dessa atitude, sem, contudo, incidir, pelo voluntário inadimplemento, em qualquer punição civil.

Nêsse descumprimento unilateral das obrigações contratuais é que consiste a greve, instância histórica fadada a desaparecer, na opinião de DE LA CUEVA,1 com o aperfeiçoamento das instituições humanas.

Daqui resulta que o fenômeno da greve, para o jurista, deve aparecer, em primeiro lugar, como suspensão provisória do contrato, decidida e executada, por uma das partes em detrimento da outra, sem qualquer sanção comum.

É o pensamento que se encerra, sem dúvida possível, na lição de EDUARDO J. COUTURE e AMÉRICO PLA RODRÍGUEZ:2“La huelga es, antes que nada, una omisión de trabajo: el dejar de realizar la prestación de tareas a que estaría obligado cada empleado u obrero en virtud del contrato de trabajo. La omisión es el elemento más aparente, más notorio, de la huelga. Esta siempre se presenta como una injecución de la labor. No parece necesario insistir al respecto, porque nadie dada que huelga y trabajo resultan términos antinómicos; quien presta un trabajo no está en huelga y quien se halle en huelga, no trabaja. No es, un simple incumplimento del trabajo: es un incumplimento del contrato con un sentido”.

Idêntica é a opinião de FRANCESCO SANTORO-PASSARELLI:3“In quanto incide sull’adempimento delle obbligazione gravanti su chi partecipa all’azione diretta essa altera il rapporto di lavoro e costituisce una violazione del contrato individuale”.

Ambos êstes escritores assim consideram, no fato da greve, como principal característica, a inexecução, que ela acarreta, das relações contratuais.

Note-se que escrevem depois que em seus respectivos países o direito de greve foi elevado à categoria de princípio constitucional expresso.

Justifica-se, destarte, na definição por nós elaborada, a preferência que demos ao caráter de precípua suspensão unilateral do contrato de trabalho, com que a greve se apresenta no cenário jurídico.

Não desconhecíamos a existência de autorizadas definições, em que a realidade da ofensa ao contrato não é posta em realce, preterida, aliás, pelo maior relêvo atribuído aos efeitos e objetivos do inadimplemento existente.

Para o padre MÜLLER, por exemplo, a greve “é a recusa coletiva e combinada do trabalho com o fim de obter, pela coação exercida sôbre os patrões, sôbre o público ou sôbre os poderes do Estado, melhores condições de emprêgo ou a correção de certos males dos trabalhadores”.4

Conseqüências da greve

A recusa coletiva e combinada do trabalho não retrata, porém, jurìdicamente, o fenômeno que se quer definir. Pode ser, e é, freqüentemente, uma das primeiras conseqüências da greve. Não constitui, entretanto, o requisito essencial à sua completa conceituação, uma vez que muitas greves se conhecem, em relação às quais não é possível falar-se em “recusa do trabalho”, pois êste nem sequer se interrompe, mas passa a ser executado em flagrante desacôrdo com as condições contratuais. São dêste número, como atesta o professor CESARINO JÚNIOR,5 as greves com ocupação da usina, chamadas na França surletas; a greve perlada e as que nos Estados Unidos se denominam sitdown ou stayin.

De igual modo, o “fim” indicado carece de amplitude para conter a totalidade dos fins que a greve colima. Não só as melhores condições de emprêgo ou a correção de certos males dos trabalhadores costumam determinar a deflagração da greve. É preciso não esquecer as greves de simples solidariedade ou de protesto, as puramente políticas ou revolucionárias, e até mesmo aquelas que, em certas épocas de crise econômica, tenham por objetivo não a melhoria das condições do emprêgo, mas, ao contrário, a manutenção do statu quo.

Na mesma crítica incidem as conhecidas definições de MÁRIO DE LA CUEVA, RAFAEL CALDERA e HUECK NIPPERDEY.

Escreve o primeiro (“Derecho Mexicano del Trabajo”, México 1949, pág. 810): “La huelga es el ejercicio de la facultad legal de las mayorías obreras, para suspender las labores en las empresas, previa observancia de las formalidades legales, para obtener el equilibrio de tos derechos e intereses colectivos de trabajadores y patronos”.

Ensina o segundo (“Derecho del Trabajo”, Caracas, 1939): “La huelga es la suspensión concertada del trabajo, realizada por un grupo de trabajadores con el objeto de obtener alguna finalidad determinada”.

Afirma o último, citado por MÁRIO DE LA CUEVA (ob. cit., pág. 809): “La huelga es la suspención colectiva y concertada del trabajo, llevada a cabo por un número considerable de trabajadores en una empresa o profesión, como medio de lucha del Trabajo contra el Capital y con el propósito de reanudar las labores al obtener éxito o terminar la lucha”.6

Em tôdas elas, como se vê, a greve é limitada à hipótese da suspensão do trabalho, quando é certo que a greve pode verificar-se sem que se suspenda o trabalho, continuando êste por conta exclusiva dos empregados, à revelia ou contra a vontade do empregador.

Foi o que se viu, antes do regime fascista, em Turim, na Itália, por ocasião da greve dos operários das fábricas de automóveis “Fiat”, e, em 1936, se constatou na França, com tanta freqüência ao ponto de obrigar o govêrno a apresentar ao Legislativo o projeto que se converteu na lei de 31 de dezembro de 1936.7

Acresce não ter a palavra “suspensão” o significado exato do procedimento, que, em razão da greve, se quer emprestar aos trabalhadores. Suspender, fora da idéia de manter, fisicamente, alguma coisa acima do solo, ou, melhor dizendo, de erguer, significa fazercessar, temporàriamente, algum ato ou fato. É ação que pressupõe ordem de autoridade. O empregador pode determinar a suspensão do trabalho. Os empregados, não. Êstes poderão interrompê-lo, diminuí-lo, paralisá-lo ou abandoná-lo. Nenhum dêstes procedimentos, nem mesmo o último que representa o extremo da faculdade reconhecida aos trabalhadores, corresponde ao que a Língua e o Direito sempre entenderam por suspender.

Inexecução de obrigações contratuais

Ao circunlóquio das definições citadas, preferimos a fórmula concisa – inexecuçãotemporáriadocontratodetrabalho, unilateralmente decidida, visando à consecução de um objetivo predeterminado – na qual se contêm todos os elementos necessários à integral compreensão do objeto definido.

Se erramos na maneira de conceituar o fenômeno, consola-nos a certeza de que o não fazemos desacompanhado da autoridade de alguém que possa, no assunto, falar excathedra.

Idêntica é a opinião do doutíssimo GARCIA OVIEDO (“Tratado Elementar de Derecho Social”, Madri, 1948, página 596): “La huelga es una ruptura o una suspensión del contrato de trabajo y, en todo caso, un arbitrio a que recurren los trabajadores para obrigar al patrono a ceder en aquello que le reclaman”.

É verdade que não nos restringimos á greve dos empregados, procurando, ao revés, abranger na definição também a greve do empregador, ou lockout da terminologia norte-americana.

Justifica-se a atitude em face do Direito?

Uma das primeiras Constituições a consagrar, no mundo, o direito de greve, é a uruguaia de 1934, que em seu art. 56 estabelece o princípio reproduzido no artigo 56 da atual Constituição: “Declárase que la huelga es un derecho gremial. Sobre esta base se reglamentará su ejercicio y efectividad”.

Greve patronal

Na discussão do texto dêsse artigo, que é sem, dúvida, a fonte inspiradora da “declaração” inserta no preâmbulo da Constituição francesa de 27 de outubro de 1946, do art. 40 da Constituição italiana e do art. 158 da Constituição brasileira, não descuidou a Constituinte uruguaia de indagar se o direito de greve alcança e protege. Igualmente, a greve patronal, concluindo pelo reconhecimento de que, embora ao direito de greve dos trabalhadores seja, exclusivamente, outorgada a garantia constitucional de não poder ser modificado pelo legislador ordinário, não era possível negar que o direito à greve patronal sempre reconhecido pelo Direito, continuava a subsistir sob as mesmas garantias legais anteriores.

São bastante expressivas, a respeito, as palavras proferidas pelo deputado Dr. JOSÉ SALGADO e que afastaram as dúvidas reinantes até o momento na Assembléia: “Fica esclarecido que, segundo o Dr. SECCO ILLA, dentro dêste artigo, cabe perfeitamente bem a greve patronal, embora não se empregue o têrmo técnico que usam os tratadistas. Seria o cúmulo que a Convenção saneio nasce o direito de greve para os trabalhadores e não o reconhecesse, também, para os patrões”.8

Doutrina estrangeira

Em relação à doutrina italiana, convém lembrar os pronunciamentos do economista LUIGI EINAUDI e do jurista FRANCESCO MESSINEO.

EINAUDI, com a atestação de BRIOSCHI-SETTI (“Lo sciopero nel diritto”, Milão, Giuffrè, 1949, pág. 96), parte do pressuposto de que, se é justo e legítimo o direito de greve, se, como é evidente, também o consumidor tem o seu direito de greve, porquanto não é obrigado a comprar e pagar a mercadoria que lhe é oferecida pelo preço da oferta, sendo-lhe perfeitamente lícito reduzir ou abolir o consumo, neste sistema econômico chancelado pela liberdade, também o consumidor tem o seu direito de greve, porquanto não é a conclusão nos seguintes têrmos: “Epperciò, l’tmprenditore posto tra l’incudine e il martelo (il diritto di sciopero dei lavoratori e il diritto di non consumare i prodotti rincarati da parte dei consumatori) ha il diritto serrata, ossia di riorganizzare da sua impresa, di mutare il genere della produzione, di ridurre o crescere il numero degli operai, di tentare nuovi mercati per adattarsi alle condizioni contemporaneamente poste dai lavoratori e dai consumatori, tra le quali egli deve pur trovare un mezzo di conciliazione. Diritto di sciopero e diritto di serrata sono due fattori o condizioni di un sistema economico improntato a libertà. Se togliamo un diritto aboliamo anehe b’altro. Se l’tmprenditore non può aprire, chiudere, allargare, restringere l’impresa; se il lavoratore non può abbandonare il lavoro, ciò significa que noi viviamo nel clima economico della schiavitù; in quel clima nel quale un’autorità superiore, un tirano dice al lavoratore: “tu lavoverai tante e tante ore al giorno, per tale e tale salario”; all’imprenditore: “tu comprerai la materia prima a tal prezzo, pagherai i lavoratori con tale salario e venderai à prodotti tuoi a tale prezzo; ed al consumatore: “io ti distribiuirò l’autorità i prodotti dell’industria in tale quantità e ad un prezzo tale che tutto ciò che è stato prodotto secondo il nuovo piano sia compensato interamente ed a tempo debito”. Ma gli uomini non amano vivere in un siffato clima, odiano la schiavitú e sono persuadi di aver diritto, nelle diverse loro manifestazioni di lavoratori, di imprenditori, di consumatori a scioperare çontro chi pretende di farli vivere secondo la regole poste dai potenti delta terra”.9

MESSINEO sustenta o mesmo princípio: “Ma chi proclama il diritto di sciopero non può ignorare che esso ha, come suo termine simmetrico, il diritto di serrata: non si potrebbe accettare la legittimità dell’uno e respingere la legitimità dell’altro. Il principio della libertà del lavoro opera sino alle sue ultime conseguenze e, fra queste conseguenze, c’è anche che l’mprenditore, sulla base della bilateralità del rapporto di lavoro, ha il diritto di non prestarsi alta continuazione del lavoro, se costretto da serie ragioni economiche… Dal punto di vista penalistico, la serrata si sottrae alla sanzione per il danno del’economia generale, per la ragione medesima per la quale vi si sottrae to sciopero… Diritto di serrata significa che, se la situazione economica lo esige, il datore di lavoro può chiudere la sua azienda temporariamente o definitivamente, senza che i lavoratori possano legitimamente imporgli di riapriria o di continuaria, o possano legittimamente chierere la corresponsione del salario sebbene non prestino la toro attività… Se in tempi di libertà il rapporto di lavoro si stringe liberamente, altrettanto deve potersi liberamente sospendere dall’una o dall’altra delle due parti, ove ragioni di ordine economico to giustifichino. Sciopero e serrata si implicano mutuamente, proprio in omaggio al principio della libertà di lavoro”.10

SERMONTI, citado por ALBERTO MONTEL (“Derecho de huelga y “lock-out”, in “Derecho del Trabajo”, de agôsto de 1950), comentando o art. 40 da Constituição italiana, escreve: “… se bem que o silêncio da Constituição signifique sòmente que se quis deixar “imprejulgado” o sistema, a proclamação do direito de greve deve produzir seus efeitos também quanto à regulamentação do lock-out, já que os argumentos que levam a admitir um direito de greve podem com intuitiva adaptação repetir-se para o lock-out” (“Diritto di Lavoro”, 1948).

A jurisprudência italiana orienta-se no mesmo sentido, como faz certo a sentença do pretor de Turim, proferida em 28 de janeiro de 1950, na qual o magistrado, pronunciando-se sôbre a greve e a delicada questão da licitude do lockout no estado atual da legislação italiana, reconhece e proclama o direito do empresário, por entendê-lo necessário complemento da liberdade de greve.11

No Brasil, a licitude da greve patronal nunca foi contestada.

Durante o regime colonial, com o sistema das corporações de ofícios, a greve dos trabalhadores não poderia, evidentemente, encontrar clima propício, mas a liberdade dos patrões não sofria qualquer restrição quanto ao direito de trabalho, mesmo quando contratualmente prestado por homens livres.

A Constituição do Império, embora sem revogar a instituição servil, extinguiu as corporações (art. 179, nº 25), e, estatuindo a garantia da propriedade “em tôda a sua plenitude” (nº 22) e do livre exercício de qualquer “gênero de trabalho, de cultura, indústria ou comércio” (nº 24), tornou, sem dúvida, legítima a greve, tanto de empregadores, quanto de empregados, máxime porque proclamara como pedra de canto da ordem jurídica implantada no país o princípio de que nenhum cidadão poderia ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, “senão em virtude da lei” (nº 1). Esta regra basilar da liberdade individual subsistiu até o advento do Estado Novo, quando então, pela primeira vez no direito nacional, a greve de uma ou de outra classe passou a constituir “recurso anti-social, nocivo ao trabalho e ao capital e incompatível com os superiores interêsses da produção nacional” (Carta de 10 de novembro de 1937, art. 139, in fine), incluindo-se, na legislação ordinária, em categoria de delito expresso (Consolidação das Leis do Trabalho, artigos 722 e 723).

Restaurado o regime democrático com a Constituição de 18 de setembro de 1946, nela não só de novo se repetem, quase pelas mesmas palavras, tôdas as antigas franquias igualmente asseguradas ao trabalho, como ainda, expressamente, se reconhece o direito de greve, cometendo à lei a regulamentação do seu exercício (art. 158).

O preceito fala em greve, pura e simplesmente. Não faz o direito reconhecido privilégio apenas dos trabalhadores. Inscreveu-o a Assembléia Constituinte fora dos preceitos enumerados no art. 157, em que se descrevem direitos privativos do empregado, que a legislação do trabalho é obrigada a respeitar, dando-lhe, ao contrário, lugar à parte, em artigo destacado. Nem podem os que entendam a disposição excludente do direito dos patrões pretender que a matéria tratada no cap. V da Constituição interêsse ùnicamente ao trabalhador: com exceção do art. 157, tôdas as disposições restantes objetivam o direito também do patrão.

Direito penal

Em abono da tese de que, entre nós, a greve patronal sempre foi lícita, não havendo, portanto, razão alguma para considerá-la diferentemente agora que a greve dos empregados é posta sob o pálio da Constituição, temos, ainda, o depoimento inequívoco do Direito Penal.

No Cód. Criminal, de 1830, a única previsão em que se poderiam enquadrar possíveis atentados à liberdade do trabalho era o art. 285, no qual, sob a figura delituosa do “ajuntamento ilícito”, se cominavam penas à ação de três ou mais pessoas reunidas com a intenção de se ajudarem mùtuamente para cometerem algum crime, ou para privarem alguém do gôzo ou do exercício de algum direito ou dever (cf. TOMÁS ALVES JÚNIOR, “Anotações teóricas e práticas ao Código Criminal”, Rio, Garnier, 1883).

Não era, portanto, o fato da greve que o Código punia, fôsse ela de empregado, fôsse de empregador, mas o ato do grupo objetivando privar, por exemplo, o patrão do direito de cerrar o estabelecimento, ou a exação pelo empregado do seu dever de trabalho.

Proclamada a República, o Cód. Penal baixado com o dec. nº 847, de 11 de outubro de 1890, punia, no art. 204, quem constrangesse ou impedisse alguém de exercer a sua indústria, comércio ou ofício; de abrir ou fechar os seus estabelecimentos e oficina de trabalho ou negócio; de trabalhar ou deixar de trabalhar em certas e determinados dias.

Legitimava, como se vê, a greve do empregador.

Os arts. 205 e 206, por sua vez, não consideravam crime a cessação do trabalho pelos empregados: cominavam pena ùnicamente a quem seduzisse ou aliciasse operários e trabalhadores, sob promessa de recompensa ou ameaça de algum mal, a deixarem os estabelecimentos em que fôssem empregados, e a quem causasse ou provocasse cessação ou suspensão de trabalho, a fim de impor aos operários ou patrões aumento ou diminuição de serviço ou salário.

Esta última disposição, positivamente, visava o lock-out. Quer o art. 205, quer o 206, tiveram, no entanto, duração muito curta. Substituiu-os o dec. nº 1.162, de 12 de dezembro de 1890, que lhes deu nos ns. 1 e 2 do art. 1° a redação com que, convertidos em §§ 1° e 2° do artigo 204, chegaram até a Consolidação das Leis Penais aprovada pelo dec. nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932.

Rezavam os referidos textos:

§ 1º Desviar operários e trabalhadores dos estabelecimentos em que forem empregados, por meio de ameaças, constrangimento ou manobras fraudulentas.

§ 2º Causar ou provocar cessação ou suspensão de trabalho, por meio de ameaças ou violências, para impor aos operários ou patrões, aumento ou diminuição de salário ou serviço”.

O direito ao lockout, desde que exercido sem ser por meio de ameaças ou violências, continuou, assim, plenamente assegurado até o golpe de Estado de 1937.

Já vimos que a Constituição de 10 de novembro o considerava “recurso anti-social”.

O Cód. Penal aprovado pelo dec.-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, conquanto haja previsto várias modalidades novas de delitos contra a organização do trabalho, relativamente à greve de empregados ou de empregadores, apenas responsabiliza o autor do fato se obrar com violência ou grave ameaça, ou quem dêle participar praticando violência contra pessoa ou contra coisa.

O exercício puro e simples da faculdade da abandonar, cessar ou interromper o trabalho, ou impedir sua execução pelo fechamento da oficina, a despeito da definição constitucional, não tinha na lei penal nenhuma proibição.

Sobrevém, todavia, em 1° de maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho, cujos arts. 722 e 723 introduzem sérias restrições ao direito de greve patronal e obreira, sujeitando os patrões e os empregados a determinadas penalidades no caso de ser dito direito exercitado “sem prévia autorização do tribunal competente” ou com violação “de decisão proferida em dissídio coletivo”.

Em face da Constituição atual, são disposições destituídas de eficácia, mas revelam que, mesmo na época em que tiveram garantida a plenitude de sua obrigatoriedade, não desconheciam a licitude da greve de patrões ou de trabalhadores uma vez que ela obtivesse a prévia autorização judiciária ou não se verificasse com desobediência ou violação de sentença proferida em dissídio coletivo.

Não era, pois, admissível, sem menosprêzo aos preceitos claríssimos do nosso direito positivo, que ao tentarmos uma definição sintética de greve, deixássemos de compreender nela a greve, patronal, comumente chamada lock-out. Nessa tarefa, é óbvio, não nos interessava a questão de saber se a garantia constitucional, contida no art. 158, era privativa do direito dos trabalhadores, ou se abrangia, igualmente, o direito do empregador: nosso intuito era definir o fenômeno em têrmos de sua precisa conceituação no Direito Social. Segundo esta, a greve consiste, antes de mais nada, no descumprimento por uma das partes, das obrigações reguladas pelo contrato de trabalho. É o pensamento nuclear da definição que elaboramos.

Objetivos da greve

Resta indagar se os “fins que atribuímos à greve se ajustam aos que, efetivamente, ela colima”.

Dissemos que o fim da inexecução temporária do contrato de trabalho é “a consecução de um objetivo predeterminado”. A predeterminação parece-nos essencial: é necessário que os motivos determinantes da ação sejam de antemão conhecidos do sujeito ativo da greve. Sem causa anterior, ou procurada justificar posteriormente à sua eclosão, perderá a greve o caráter de ato lícito.

Tantos e de tão variada natureza podem ser tais motivos, que esfôrço inútil faria quem quisesse especificá-los nos limites razoáveis d.e uma definição científica. Optamos, em conseqüência, pela fórmula indefinida “um objetivo predeterminado”, em que, indiscutìvelmente, cabem tôdas as hipóteses.

Teremos, ainda uma vez, caído em êrro?

De novo, entretanto, nos encontraremos na melhor das companhias: também RAFAEL CALDERA, na definição que mencionamos, prefere uma fórmula semelhante. Para o festejado autor, a suspensão concertada do trabalho caracteriza a greve, quando se realiza “con el objeto de obtener alguna finalidad”.

Acreditamos ter demonstrado que o exame do direito pátrio, da doutrina e da legislação comparada, abona com grande autoridade o conceito por nós expendido.

No contrato de trabalho o jurista surpreende um aspecto obrigacional suigeneris: para satisfazer determinado interêsse, pode uma das partes, por ato próprio, sustar, temporàriamente, as obrigações assumidas, sem incidir na rescisão do contrato ou sujeitar-se a compor as perdas e danos do inadimplemento.

A essa faculdade considerada lícita de fazer justiça pelas próprias mãos, é que se convencionou chamar “greve”.

Valdomiro Lôbo da Costa

_______________

Notas:

1 “Derecho Mexicano Del Trabajo”, México, 1949, t. 2, pág. 889.

2 “La huelga en el Derecho Uruguayo”, Montevidéu, 1951, pág. 82.

3 “Nozioni di Diritto del Lavoro”, Dott. Eugenio Jovene, Nápoles, 1951, pág. 48.

4 A. F. CESARINO JÚNIOR, “Direito Social Brasileiro”, Livraria Martins, Editora, 1940, pág. 290.

5 Idem, pág. 292.

6 Ob. cit., pág. 809.

7 JULIEN DURAND, “La Grève”, Paris, 1952, pág. 12.

8 “Diario de Sesiones de la Convención Nacional Constituyente”, t. I, pág. 392, apud EDUARDO J. COUTURE e AMÉRICO PLA RODRIGUEZ, ob. cit., pág. 40.

9-10 “Lo Sciopero nel Diritto”, Milão, Giuffrè, 1948, págs. 96 e 97.
11 ALBERTO MONTEL, “Derecho de Huelga y “Lock-out”, in “Derecho del Trabajo”, ano X nº 8, agôsto de 1950, pág. 459.

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