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REVISTA FORENSE
Conselho Nacional Do Petróleo – Competência Para Fixar Preços – Critério E Limitações – Matéria De Apreciação Judicial, de J. Guimarães Menegale

Revista Forense
20/02/2024
Na ausência de critério específico para determinação dos limites, máximo e mínimo, de preços de venda de petróleo e seus derivados, deve prevalecer o do art. 151, parág. único, da Constituição, que prevê a justa remuneração do capital.
– A norma legal, de caráter restritivo, que autoriza o contrôle dos preços, só é aplicável, sem generalização, a cada produto de per si e não em conjunto.
– A competência do Conselho Nacional do Petróleo para determinar preços de venda do petróleo e seus derivados é vinculada aos objetivos da lei e à regra de direito expressa no critério da justa remuneração do capital, cuja violação, assumindo caráter confiscatório, fere direito individual e abre lugar à intervenção do Poder Judiciário.
CONSULTA
I. Que critério específico é o Conselho Nacional do Petróleo obrigado por lei a aplicar para formular a estrutura de preço ao fixar os preços dos produtos de petróleo subordinados ao seu contrôle?
Quais são as limitações legais a que o Conselho está subordinado ao exercer o seu poder de fixar preços?
II. Que normas legais ou de outra ordem devem ser seguidas pelo Conselho ao fazer provisões na estrutura de preço, a fim de dar uma margem que permita às companhias distribuidoras de petróleo realizar um lucro justo? Quais são as limitações à discrição do Conselho ao fixar a margem de lucro e que normas devem ser aplicadas ao determinar a eqüidade dessa margem? Pode o Conselho, legalmente, considerar lucras realizados sôbre a venda dos produtos não-controlados ao fixar o fator lucro relativo aos produtos controlados?
III. Que garantias e remédios legais e constitucionais existem para proteger as companhias distribuidoras de petróleo contra o fato de serem obrigadas a vender os produtos de petróleo aos preços fixados pelo Conselho, a) que não concedem um lucro justo, ou b) que não cobrem os custos?
PARECER
1. Pertence à União “legislar sôbre riquezas do subsolo”, sem prejuízo da legislação estadual, “supletiva ou complementar” (Constituição, art. 5 °, XV, l, e art. 6.º). Igualmente lhe cabe “decretar impostos sôbre produção, comércio, distribuição e consumo, bem assim importação e exportação de lubrificantes e de combustíveis líquidos ou gasosos de qualquer origem ou natureza”; tributação sob a forma de impôsto único, a incidir sôbre cada espécie de produto (Constituição, art. 15, III e § 2.º).
Considera-se “abastecimento nacional de petróleo” a produção, importação, transporte, distribuição e comércio de petróleo bruto e seus derivados (dec.-lei n.º 395, de 29 de abril de 1938, art. 1.°, parág. único).
Insere-se na competência exclusiva do govêrno federal autorizar, regular e controlar a importação, a exportação, o transporte e o comércio de petróleo e seus derivados, e estabelecer, sempre que julgar conveniente, os limites, máximo e mínimo, dos preços de venda dos produtos refinados, importados em estado final ou elaborados no país (dec.-lei n.º 538, de 7 de julho de 1938, art. 10, a e c).
2. Implantada, em têrmos tais, a jurisdição privativa da União com respeito às regras legais da produção, importação, transporte e comércio do petróleo e seus derivados, mais a de firmar, quando convenha, o limite máximo e o mínimo dos preços de venda, resta indicar o órgão, a que incumbe pôr por obra as medidas, legislativas e administrativas, em que essa competência se traduz. Ora, o dec.-lei n.º 538, já invocado, atribui ao Conselho Nacional do Petróleo, instituído pelo art. 4.º do dec.-lei n.º 395, o encargo de “determinar dentre os subprodutos de destilação do petróleo aquêles que devam ser incluídos no abastecimento nacional” (art. 10, l). O dec.-lei n.° 4.071, de 1.° de maio de 1939, a seu turno, torna dependente de sua autorização a importação, a exportação, o transporte, a distribuição e o comércio de petróleo e seus derivados” (art. 1.º).
3. Depreende-se que os textos legais, ao cogitarem da delimitação dos preços entre o máximo e o mínimo, deixam, contudo, de especificar o critério para obtê-la. Não ocorre, pois, critério específico, id est, apropositado exclusivamente à fixação dos preços de venda do petróleo e seus derivados. Como, no entanto, fôra inconcebível fixá-los sem critério preestabelecido, visto excluir-se a incidência de desmedido arbítrio, incompatível com o regime de direito do poder público, importa encontrar a dose de discrição, como quer que se gradue, de que semelhante critério deve temperar-se. Enfim, haverá certamente, na Constituição, nas leis em vigor, nos sistemas do direito administrativo, a norma constante, reguladora, oposta, aqui mais que alhures, à intromissão do poder discricionário, cujos contérminos dia a dia se estreitam com a multiplicação, na lei, dos vínculos à competência das autoridades administrativas.
4. Ao tentar-se a demarcação de limites de preço, não basta, é evidente, levar em conta os interêsses de ordem geral, invocáveis, ao ver dos tratadistas, como aferidor da legitimidade do uso do poder discricionário; tem-se que atentar à concorrência de fatôres econômicos e financeiros, que ingerem na atividade do produtor ou comerciante, variáveis com o tempo e outras circunstâncias. Ora, os interêsses do comerciante ou produtor, se inferiores, em pêso, aos interêsses gerais, não são, juridicamente, menos respeitáveis. Confrontá-los, portanto, com o fito de deduzir a linha de equilíbrio entre uns e outros, resulta em definir uma relação de custo e preço, matéria, por natureza, flutuante e, a muitos traços, teórica.
5. “The indefinite and often speculcative character of the factors involved makes the rate-fixing function an exercise of discretion“, registra FREUND, “Administrative Powers over Persons and Properties”, § 47. No tocante à inelutabilidade do critério discricional, como o caracterizamos, não há que debater; o ponto está em aplicá-lo com objetividade: “the question is whether the discretion should be classed as a technical or expert discretion or whether it occupies, in the grades of discretion, a place of its own“.
Para balizar o alcance das operações técnicas ou periciais na fixação de preços máximos e mínimos, prevê a Constituição, no art. 151, parág. único, que
“Será determinada a fiscalização e a revisão das tarifas dos serviços explorados por concessão, a fim de que os lucros dos concessionários, não excedendo à justa remuneração do capital, lhes permitam atender a necessidades de melhoramentos e expansão dêsses serviços…”
Princípio destinado a disciplinar a imposição de tarifas de serviços concedidos, torna-se comum, no entanto, à regulação de preços de utilidades de consumo geral, fornecidos por emprêsas que, se bem pratiquem o comércio sem privilégio ou concessão, se equiparam aos concessionários de serviços de utilidade pública, assim pelo vulto e extensão dos negócios, como pela generalização das necessidades, a que seu ramo de atividade provê.
6. O instituto da concessão – sabemos todos – implica execução de certo serviço público a cargo de um particular, mediante convenção ou contrato, que lhe faculta, a trôco de despesas e riscos, remuneração em forma de tarifas, pagas pelos usuários. Em tal fórmula compõem-se dois elementos, virtualmente antagônicos: o elemento de serviço público, que permanece ínsito, de interêsse geral, e o elemento de gestão particular, que pressupõe vantagem pessoal para o concessionário. Nada impede que a êsse regime de serviço – serviço público virtual – adotado, em regra, até hoje, para os de natureza industrial, se acomodem os de abastecimento comercial, como, de resto, se dá em relação a mercados públicos ou outras especialidades. Ainda nessa hipótese prevalece a coordenação dos dois elementos – o de serviço público e o de gestão privada – para fins de interêsse geral, que é o que predomina. Nem haverá que objetar com a extrema dilatação da noção de serviço público, para atender a essa assemelhação. A diversidade do elemento subjetivo – órgãos do Estado ou concessionário no serviço público, ou emprêsa privada na atividade comercial competitiva – não desfigura a característica em comum, a saber, a de serviços oferecidos indistintamente a todos os cidadãos ou a grandes categorias dêles, conforme assinala PRESUTTI, “Istituzioni de Diritto Amministrativo”, I, n.º 87. De mais a mais, a intervenção do Estado para limitar preços – por fôrça de uma legislação que, nesse particular, empresta ao govêrno todos os poderes jurídicos de realizar, na plenitude do têrmo, uma “economia dirigida”, como se exprime BUTTGENBACH, “Organisation et Moyens d’Action des Administrations Publiques”, ed. 1954, n.º 518 – identifica, sob êsse prisma, o comércio do petróleo e seus derivados com os serviços de interêsse geral.
7. Se, abandonando, si et in quantum, o ângulo do interêsse público, apreciarmos a estruturação das emprêsas de caráter industrial ou comercial em regime de livre concorrência, coligiremos, logo, que, salvante a especulação, a relação de custo e preço está sujeita à influência dos mesmos genes, econômicos ou financeiros, que se ponderam na autorização das tarifas de serviços concedidos, ou sejam: a) investimento; b) custo da produção; c) oferta e procura; d) valor monetário. Ora, essa paridade de condições tem de entrar em conta tôda vez que se quiser inculcar a emprêsas privadas em processo de competição um padrão de preços correspondentes às tarifas que se autorizam às emprêsas privadas em atividade no serviço público.
8. Admitindo-se – a título de esclarecimento – que a moeda equivale a uma mercadoria empregada habitualmente como objeto intermediário nas trocas, conclui-se que o preço de um produto ou de um serviço vem a ser o valor dêstes em relação à moeda, medido pelo número de unidades monetárias contra as quais se produz a troca (cf. COLSON, “Cours d’Economie Politique”, I, pág. 39). Em regime de concorrência – quer dizer, na luta estabelecida entre os indivíduos que pretendem concluir a mesma troca, no sentido de obterem a preferência daqueles que se dispõem à retribuição, em condições tão vantajosas quanto possível – pende da lei da oferta e da procura a determinação dos preços. Antes, porém, que os efeitos dessa lei, (subsistente, como fato natural, a despeito da intervenção do Estado na órbita econômica) se façam sentir, enquanto, pois, o produtor não oferece ao comprador a utilidade, que o comprador procura, releva-lhe suportar uma, série de despesas, com as quais se habilita a fornecer cada produto ou serviço no lugar e no momento em que possa vendê-los. A soma dessas despesas é que se apropria a denominação de preço de custo. Nesse total compreendem-se: a) o preço das matérias consumidas; b) a remuneração dos, elementos em concurso na produção, como sejam o trabalho, o capital e os agentes naturais ministrados pelo produtor. Ora, o lucro é a diferença, a favor do produtor, entre o preço de custo e o preço de venda.
9. A majoração do preço de venda além de determinado nível acarreta – observam os economistas – a deslocação de um consumo por outro, com limitação necessária dos recursos de que dispõem os consumidores. COLSON, ob. cit., I, pág. 213, formula a êsse propósito, a lei da substituição: tôda alta de preço de uma mercadoria conduz à substituição de uma parte da procura, de que ela era objeto, por uma procura de outras mercadorias.
O consumo de certos produtos, sem embargo, não comporta a interferência da lei de COLSON: como substituir, v. g., o consumo do carvão, do petróleo, da eletricidade por outras mercadorias? A essa inoperância da vontade do consumidor responde o Estado mais ou menos intervencionista, colocando-se em lugar dêle, não – claro está – para substituir o objeto do consumo, senão para, na impossibilidade de fazê-lo, fixar o justo preço da mercadoria.
Estamos aptos, agora, a chegar a esta ilação: as condições da emprêsa de serviço concedido e as da emprêsa em livre concorrênciasão idênticas, no que respeitaà aplicação da fórmula de justa remuneração do capital.
Em conseqüência, o critério prefixado na Constituição para a revisão das tarifas dos serviços concedidos é o adequado à revisão dos preços de venda do petróleo e seus produtos.
10. Ora, que se deve entender por justa remuneração do capital?
A locução adveio, como se sabe, do texto da lei norte-americana, o Interstate Commerce Act, após o Minnesota Rate Cases, a qual, na seção I, in fine, dispunha:
“Todos os preços por qualquer serviço prestado ou a prestar-se no transporte de passageiros e cargas nas condições mencionadas, ou por motivo de transporte ou recepção, entrega, armazenagem e remoção dessas cargas, serão razoáveis e justos. Proíbe-se e declara-se ilegal todo preço que não seja justo e razoável pela prestação dêsses serviços”.
Abstraindo-se especulações doutrinárias e até filosóficas, que o conceito de “justiça e razoabilidade” ensejaria (a propósito, BIELSA, “La locución justo y razonable en el derecho y en la jurisprudencia”, em “Estudios de derecho público”, ed. 1950, § 18), impõe-se reconhecer que a justa remuneração do capital supõe o confronto de dois dados com o interêsse dos consumidores: o custo real do serviço e juro compensatório do capital, que nêle se inverta. Seja a fórmula: justa remuneração do capital é aquela que, na determinação do preço do fornecimento, opõe ao consumidor a soma do custo da produção com o juro que o capital empregado-deve proporcionar.
Como corolário, inferimos não se poder eliminar da regulamentação dos preços – quer se trate de serviço concedido, quer de emprêsa particular – o fim lucrativo do investimento: sòmente o Estado, ao gerir diretamente um serviço público, prescinde, pode prescindir da retribuição do capital. Ora, a taxa de juro é a relação entre o preço pago pelo emprêgo de um capital, durante a unidade de tempo, e o valor dêsse capital medido em dinheiro.
Em suma: o critério de justa remuneração do capital, adequado à determinação dos limites, máximo e mínimo, dos preços de venda do petróleo e seus produtos, – por se tratar de serviço equiparável ao serviço concedido, tanto que o Estado, substituindo-se ao consumidor, intervém para fixar maior e o menor preço do fornecimento, a que as emprêsas se dedicam, – tem de encontrar a diferença entre o preço de custo do fornecimento do petróleo e seus derivados e o preço de venda dos produtos, a fim de verificar se a diferença se manifesta a favor do produtor, de forma a compensar o investimento por uma taxa de juro corrente em relação ao mercado de capitais.
11. Cometendo ao Conselho Nacional do Petróleo a atribuição de “estabelecer, sempre que julgar conveniente, os limites, máximo e mínimo, dos preços de venda dos produtos refinados”, sob o critério – como demonstramos – da justa remuneração do capital, não lhe outorga a lei adotar o cálculo de preço de venda dos produtos sujeitos a seu contrôle com a consideração dos lucros porventura decorrentes da venda de produtos que seu contrôle não abranja.
Em primeiro lugar, reage a essa estimativa a interpretação da norma legal.
Com submeter ao contrôle do órgão governamental os preços, maior e menor, de determinado produto ou produtos, o legislador usou de um poder de restrição, que sabidamente não se generaliza, antes é específico. De fato, toca ao Conselho
Nacional do Petróleo designar os produtos, cujos limites de preços fiquem sob sua dependência; poderá, em tese, vir a designá-los a todos; mas, ainda, teòricamente, a designação far-se-á de um por um. A possibilidade de alterar-se a discriminação dos produtos sob e sem contrôle de preços, basta para indicar que os efeitos do contrôle de um não repercutem em outro. Cada vez que o Conselho Nacional do Petróleo faz recair sôbre certo produto a fixação dos preços, cria, para êsse tipo de mercadoria, o regime da lei. No concernente a êsse produto, é como se a lei, até então, não existisse; e cessará pràticamente de existir, quando o órgão oficial julgar conveniente retirá-lo de sob o contrôle. Não custa insistir em que a lei permite o estabelecimento dos preços sempre que o Conselho Nacional do Petróleo julgar conveniente: a medida, porém, não se impõe necessàriamente em referência a todos os produtos; logo, não se lhes aplica em conjunto, mas de per si.
12. Do ponto de vista econômico, outra não será a exegese do dispositivo legal.
A experiência da indústria e do comércio patenteia que, se é menos dificultoso liquidar a soma das despesas especiais que recaem sôbre cada produto, para avaliar-lhe o preço de custo, a operação se torna complexa quando, em vez de uma fabricação ou de um comércio isolados, se encontra sob exame um de vários ramos de produção ou comércio, intimamente associados. Em tal exemplo, a contabilidade de cada produto só é exeqüível com facilidade no que diz respeito à compra de matérias-primas ou dos produtos destinados à revenda. O levantamento das despesas de pessoal e as de uso e funcionamento de instrumentos ou máquinas comum aos diversos domínios de atividade, assim como a distribuição das oficinas e armazéns, onde se exerça a atividade da emprêsa, fogem, por motivos curiais, à exatidão de um cálculo de simples proporção.
Observa COLSON, ob. cit., IV, pág. 32, que, se várias produções são de tal modo solidárias que todo o pessoal ocupado por uma trabalha ao mesmo tempo necessàriamente para outra, impossível se faz separar-lhes os preços de custo. Se, todavia, um dos produtos assume importância suficientemente preponderante para determinar, por si só, o desenvolvimento das instalações comuns, passam os outros a considerar-se como subprodutos. Surge, então, mais embaraçosa a dificuldade de distinguir entre despesas gerais e especiais, responsável, na lição de G. U. PAPI, “Economia Política Corporativa’, III, pág. 41, pela complexidade do conceito de custo.
Não se cuidando, portanto, de produções solidárias, mas de produções díspares, em que a fabricação ou comércio dos subprodutos acarreta, quando muito, despesas suplementares da produção principal, e dela deduzíveis, o cálculo do custo de cada subproduto é desigual. Por conseqüência, longe de serem solidários, produto e subprodutos (ou produtos associados) são autônomos.
Em conclusão, a norma legal, de caráter restritivo, que autoriza o contrôle de preços do petróleo e seus derivados, só se aplica, sem generalização, a cada produto sob contrôle de per si e não em conjunto, vedando-se, em conseqüência, incluir, para efeito de cálculo de lucro, na estimação do preço de custo do petróleo, o preço de custo dos produtos derivados, visto corresponderem, um e outro, a quantidades heterogêneas.
13. Se o Conselho Nacional do Petróleo Nacional, no exercício de seu poder de contrôle, exorbitar das balizas com que o circunlimita o critério da justa remuneração do capital nos têrmos jurídicos e econômicos aqui tomados à doutrina e à jurisprudência, abre-se à emprêsa interessada o acesso aos tribunais para vindicar direitos (e não interêsses) que os excessos do órgão governamental acaso lhe contundam.
O princípio geral é o da Constituição, art. 141, § 4.º, segundo o qual
“A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”.
Desde que o ato do Conselho Nacional do Petróleo, ao delimitar preços, atinja qualquer dos direitos individuais adnumerados no art. 141 da Constituição, facilita-se ao titular do direito lesado socorrer-se ao Poder Judiciário. Vejamos, todavia, em que pode consistir a exorbitância e como se consumará a lesão.
Restrito pela fórmula da justa, remuneração do capital, o poder de determinação de limites de preços conferidos ao Conselho Nacional do Petróleo não se revela, como ilusòriamente se pudera presumir, no uso de uma competência discricionária, a não ser quanto à liberdade, que se lhe reserva, de optar pela oportunidade da medida (“sempre que julgar conveniente”). Sua atividade, pois, é a expressão de uma competência vinculada, ou seja (a contrario sensu da famosa definição a MICHOUD, “Etude sur le pouvoir discrétionnaire”, “Revue générale d’administration”, III), a competência por fôrça da qual uma autoridade, não podendo agir livremente, tem sua conduta ditada de antemão por uma regra de direito.
Desde muito tempo admite o Conselho de Estado, em França, o exercício de seu contrôle sôbre atos administrativos oriundos de competências incontestàvelmente discricionárias e a censura dêles por incompetência do autor, desvio de poder, vícios de forma e erros de fato ou de direito. Especialmente o contrôle do desvio de poder é sempre possível, qualquer que seja a espécie do ato administrativo, pois, qualquer que seja, deve ter em foco um fim de interêsse geral. Em outras hipóteses, entretanto – vale acentuar – é sôbre o objeto mesmo do ato, e sua justificação pelos motivos que o provocaram, que o juízo do excesso de poder põe em prática seu contrôle, ainda nos domínios em que a lei parece conferir liberdade de ação ao administrador.
LAUBADÈRE, “Droit Administratif”, n.º 402, frisa resultar de tal jurisprudência que a lei não é a única fonte do poder vinculado: “Il résulte certainement de cette jurisprudence que la loi n’es pas la seule source du pouvoir lié, une autre source étant la jurisprudence elle-même; a côté de ce qu’on pourrait appeller le pouvoir lié par la loi, il existe un pouvoir lié par le juge lui-même”.
De sorte que ao Poder Judiciário é licito não sòmente apreciar se a autoridade se excedeu no exercício de sua competência, mas também decidir se, na espécie sub judice, a competência era discricionária ou vinculada. Em outros têrmos, o juiz cria novos casos de competência a vinculo. Eis aí – em abono à definição de MICHOUD, que alude, não a uma regra legal, senão a uma regra de direito, antecipada à ação da autoridade – eis aí como a noção de legalidade avassala a mera noção de lei.
14. Releva, neste passo, sublinhar que a determinação de limites de preços não tem por finalidade a contenção de lucros. Quando o govêrno federal, no preceito do art. 2.°, III, do dec.-lei n.º 395, de 1938, se arroga, com exclusividade, a competência para “estabelecer, sempre “que julgar conveniente, na defesa dos interêsses da economia nacional e cercando a indústria de refinação de petróleo de garantias capazes de assegurar-lhe êxito, os limites, máximo e mínimo, dos preços de venda dos produtos refinados”, competência que delegou, para execução, ao Conselho Nacional do Petróleo, pôs por objetivo “os interêsses da economia nacional” e as “garantias da indústria de refinação de petróleo’, tendo em vista o “abastecimento nacional”, declarado de utilidade pública. A fixação de maior e menor preço não visa, portanto, pelo menos principalmente, à defesa do consumidor: tem em conta, precìpuamente, como se enuncia na introdução ao dec.-lei n.º 395, “a conveniência de ordem econômica de prover à distribuição em todo o território nacional do petróleo e seus derivados”, erigida em “serviço de utilidade pública nacional”. Tais os marcos, impostos por lei à discrição do Conselho Nacional do Petróleo na tarefa de determinação do preço de venda do produto, qualificado com razão, pelo legislador, como a “fonte principal de energia para realização do transporte, principalmente aéreo e rodoviário, indispensável à defesa militar e econômica do país”. Qualquer determinação do órgão governamental que desdobre, em vista de semelhantes objetivos de economia e defesa nacionais, os traços lindeiros de sua competência, vinculada, no tocante ao interêsse das emprêsas fornecedoras, ao critério da justa remuneração do capital, contradirá, a essência e as enunciações da lei, constituindo, portanto, abuso, que ao Poder Judiciário caberá reprimir.
15. O defeito por excelência da determinação do órgão governamental, que porventura prejudique direito das emprêsas, qual seja o da justa retribuição do capital invertido na indústria ou no negócio do petróleo e seus derivados, será o de reduzir a um nível descompensador o juro respectivo, quer pela fixação de preços insuficientes, quer pelo cômputo de preços de venda de determinados produtos na avaliação dos lucros de outros. Aí o ato do Conselho Nacional do Petróleo seria confiscatório e afetaria, pois, o direito de propriedade.
Precisamente nesse sentido é que os atos do órgão controlador ficam sujeitos à apreciação do Poder Judiciário. O exemplo – se necessário – nos provém do país, onde mais presto e mais rigorosamente se subordinou à fiscalização do Poder Executivo a atividade das emprêsas de serviço de utilidade pública, beneficiárias, ou não, de favores ou privilégios. Não se ignora em que larga medida se reconhece aos tribunais, nos Estados Unidos, competência para dirimir conflitos entre o govêrno ou as comissões e as emprêsas concessionárias ou que, a exemplo das estradas de ferro, realizam serviço de utilidade geral. Mesmo quando os pontos de fricção se reduzem a questões de natureza técnica, tal – especificamente – a fixação de tarifas ou preços, as Côrtes interferem, se deprecadas, para proferir a palavra definitiva, vingando, se fôr o caso, o direito individual do empresário, molestado pelo ato arbitrário ou abusivo.
18. BAUER and GOLD, “Public Utility Valuation for Purpose of Rate Control”, ed. 1934 – para nos atermos, entre tantos, só a êsses autores – retratam, bem delineadamente, a função judicial no que concerne a essa relevante matéria.
Para principiar, a função judicial se contrapõe, aí, à função legislativa, obra cit., pág. 132:
“The judicial function appears mostly in the protection of private rights in the utilities, while the legislative function involves the positive action of dealing with the public interest, including fixing of reasonable rates, requiring proper service, and promoting such other matters of public interest as may be properly effected, without destroying private rights. The responsibility of the courts is to safeguard the intrinsic private interest against destruction through legislative regulation“.
Já em 1883, no Spring Valley Water Works v. Schottler Cases, a Suprema Côrte fundava restrições ao poder de fixar preços, ob. cit., pág. 33:
“That it is within the power of the government to regulate the prices at which water shall be sold by one who enjoys a virtual monopoly of the sale, we do not doubt. That question is settled by what was decided on full consideration in Munn v. Illinois… As was said in the case such regulations do not deprive a person of his property without due process of law. What may be done if the municipal authorities do not exercise an honest judgment, or if they fix upon a price which is manifestly unreasonable, need not now be considerer, for that proposition it not presented by this record“.
“O poder de regular” – proclamava a Côrte Suprema, dois anos após, no Railroad Commission Cases – “não é um poder de destruição”, pág. 34:
“From what has thus been said, it is not be inferred that this power of limitation or regulation is itself without limit. This power to regulate is not a power to destroy, and limitation is not the equivalent of confiscation“.
Mas a condenação formal e inequívoca a êsse descomedimento que, no limitar preços, “equivalia a um confisco”, viria em 1894, com o Reagan v. Farmers Loan & Trust Co. Cases, quando a Suprema Côrte tachou de “injustos e desrazoáveis os preços fixados pela Railroad Commission of Texas. Tomemos o depoimento dos autores: This decision” – escrevem êles às págs. 38 e segs. – “marked a complete reversal of the original position. In the Munn and granger cases, the Court stated explicity that if the legislative authority had been exercised unjustly, the proper recourse would be to the legislature or to the polls, and not the courts. Then followed a number of cases where the first definite position was left in doubt, even when the right of judicial review was established. But in the Reagan case, the Court not only affirmed the right to review – realçamos nós – but actually rejected the rates because they were found unreasonable”.
O Poder Judiciário investiu-se, daí por diante, na posição de árbitro final no estabelecimento dos preços:
“With the Reagan decision the Court became the final as to reasonableness of rates ordered by a legislature or a commission“.
17. A tôda a evidência inspirou-se a Suprema Côrte dos Estados Unidos na função, incumbida ao Poder Judiciário, de assegurar, pela fôrça de suas decisões, sobranceiras ao Poder Legislativo e ao, Poder Executivo, o gôzo dos direitos individuais, esculpidos na letra da Constituição. Ora, um abuso ou excesso no exercício da competência para fixar preços máximos e mínimos, converte-se em atentado ao direito de propriedade. Logo, para protegê-lo, se o legislador ou o administrador se obstina em lacerá-lo por medidas exorbitantes, só essa porta, guardada pela soberania dos tribunais, permanecerá franqueada a seus titulares.
Em arremate: a competência de determinar preços de venda do petróleo e seus derivados é vinculada aos objetivos da lei e à regra de direito expressa no critério da justa remuneração do capital, cuja violação, assumindo caráter confiscatório, fere direito individual e cede oportunidade à intervenção do Poder Judiciário.
Rio de Janeiro, 26 de setembro de 1955. – J. Guimarães Menegale, advogado no Distrito Federal.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
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