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Conceito De Propriedade Em Função Da Sua Indústria, de Válter T. Álvares

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Conceito De Propriedade Em Função Da Sua Indústria, de Válter T. Álvares

REVISTA FORENSE 162

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08/03/2024

SUMÁRIO: Noção de Direito da Eletricidade. Bem em função da indústria. Domínio dos bens da concessão. Direito pessoal do concessionário.

1. Noção de Direito da Eletricidade

Apesar da natural resistência do Direito em admitir no seu âmbito novos institutos ou novas divisões de suas esferas disciplinadoras, uma indústria moderna tem aberto com notável capacidade criadora o caminho destinado a comunicar às suas diferentes relações o matiz jurídico próprio, esquematizadas segundo os padrões e técnica da ciência jurídica.

Queremos, nos referir á indústria da energia elétrica que tem em sua pequena existência de pouco mais de meio século provocado o aparecimento de legislação abundante em todos os países e com esta manifestação legislativa apresentado o difícil problema de sua classificação no quadro geral do Direito.

A indústria da energia elétrica surgiu no campo privado, mas, tendo tido aí o seu berço, em pouco tempo abandonou-o por imposições de sua própria natureza. As relações do direito privado, quer civilistas quer comerciais, não a comportavam e nem a esgotavam, incapazes de acompanhá-la em um desenvolvimento surpreendente.

2. Ora, a fim de seguir de perto esta prodigiosa indústria, o legislador foi formulando regras sucessivas, em geral sem o cuidado técnico que lhe seria exigido, se já estivesse firmado a qual setor da ciência jurídica pertenceria a legislação sôbre energia elétrica. Mas, nesta formulação de regras de modo empírico, cada uma irrompendo ao apêlo de necessidades prementes, o legislador foi se deixando levar pelas naturais imposições dos fatos que desejava disciplinar. E, cada nova lei regulando a indústria da energia elétrica representava, cada vez mais uma decidida penetração no campo do Direito Público.

Realmente. Quem compulsar a legislação sôbre energia elétrica, mesmo nos países de mais rigoroso e ainda vigoroso domínio do Direito Privado, como nos Estados Unidos, verificará como a legislação sôbre energia elétrica afasta-se dêste campo, tomando com firme deliberação o rumo que a conduz ao Direito Público.

3. Poderá parecer estranho que duma indústria possa ser objeto de um Direito Público. Melhor seria que a legislação que a regulamenta se ajustasse no setor privado. Ocorre, todavia, que a exploração da energia elétrica, por imposições de sua natureza, ultrapassa os esquemas privados e vem atingir com impacto seguro o campo do Direito Público.

Em conseqüência, só no quadro do Direito Público poderá ser colocado o Direito da Eletricidade, apesar de sobrevivências privadas contidas ainda na sua órbita. São remanescentes da sua linha de evolução, até atingir-se um momento de completa manifestação de relações consideradas de Direito Público.

4. A denominação “Direito da Eletricidade”, entre nós, não é conhecida. Sem representar nenhuma pretensão vaidosa, parece que somos quem primeiro a propõe no Brasil. Mas, mesmo aí, não vai nenhuma originalidade. Limitamo-nos a traduzir a denominação que vai ganhando foros científicos entre os alemães, como se encontra em STEINHAUSER, no seu “Deutsehes Elektrizitätsrecht”, ou entre os franceses, através do belo trabalho de JEANNENEY et COLLIARD, “Economie et Droit de l’Electricité“.

Esta deverá ser a denominação a ser universalmente aceita, e, na realidade, mais receptível do que a proposta pelo conselheiro ADAMASTOR LIMA, do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, a de Direito Elétrico.

Concluída esta rápida introdução, que nos pareceu indispensável, abordemos, agora, o problema da propriedade neste novo setor do Direito, que, no presente, pode ser colocado, na maioria dos países, nos limites entre o Direito Público e o Direito Privado, ainda que a sua marcha seja para o Direito Público. Enquanto no Brasil verifica-se êste equilíbrio, mais evidente que nos Estados Unidos, onde por vêzes sobressai o princípio privado, na França consumou-se a absorção pelo Direito Público, que vai sendo tentada na Inglaterra e é total na Rússia.

5. Antes de tentar-se o esbôço de conceito de propriedade neste novo campo, por causas metodológicas deve-se considerar, de passagem, a noção de bem neste novo setor. Entre nós o Cód. Penal equipara a energia elétrica a coisa móvel, como se verifica do art. 155, § 3.º. Não deixa de ser estranho que em um código penal, entre nós, apareça uma configuração legal da energia elétrica, que não foi definida frontalmente pela legislação própria.

O nosso Cód. Penal denunciaria influência italiana, no particular da energia elétrica, tendência, italiana transformada em lei no art. 814 do novo Cód. Civil italiano, como expõe RUGGIERO: “i gas, l’elettricità, la radio attivitàd, sebbene non tangilibi, sono pune esse cosi corporali in quanto si lasciano dominare ed utilizzare par i bisogni umani e sono quindi considerati dalla legge come bens mobili” (“Instituzioni di Diritto privato”, 8.ª ed., pág. 498, 1952).

6. Entre nós êste maravilhoso bem, equiparado a coisa móvel, está associado a um conceito novo e de grande alcance. Trata-se do que em Direito Brasileiro da

Eletricidade se denomina propriedade em função da sua indústria.

O dec.- lei n.º 3.128, de 1941, delineia, a nova figura, in verbis:

“Art. 3.°…

§ 1.º Por propriedade em função da sua indústria entender-se-á, no caso de energia destinada à venda, qualquer que seja a forma sob a qual esta se processe e quaisquer que sejam as pessoas dos compradores, a existente, no momento, em função exclusiva e permanente do aproveitamento hidráulico, quando existir; da produção hidro ou termelétrica, ou de ambas quando coexistirem; da transmissão, transformação e da distribuição de energia elétrica”.

7. No § 2.º do art. 5.° aquêle mesmo diploma legal fala em propriedade em serviço e posteriormente o dec.-lei número 7.062, de 1944, vinculava todos os bens e instalações ao serviço para o qual estivessem-concorrendo. Vejamos o texto:

“Art. 1.º Os bens e instalações utilizados na produção, transmissão, transformação, e distribuição de energia hidro ou termelétrica … concorrendo diretamente para aquelas atividades, são vinculados a êstes serviços, não podendo ser desmembrados, vendidos ou cedidos sem prévia e expressa autorização dos poderes competentes”.

Os textos citados revelam que o Direito da Eletricidade contribui com um conceito novo dentro da definição de bens ou coisas, isto é, o bem ou coisa em função permanente de sua indústria. O dec.-lei n.º 3.128 usa indevidamente o vocábulo propriedade, chegando mesmo a ser lamentável a falta de segurança técnica daquele diploma legal, de vez que se queria referir a um bem com uma destinação, a um bem com uma capacidade funcional, que o tornava parte de um todo empenhado na função. (O êrro é devido ao desconhecimento, por parte de engenheiros, dêstes pormenores, uma vez que êsses profissionais pràticamente redigiram êsses decretos-leis.)

O art. 1.° chega a conter êrro técnico-jurídico dêste teor: “organizar inventário de suas propriedades”, quando se queria dizer bens ou coisas, que são normalmente inventariadas, pois propriedade é conjunto de direitos reais e pessoais, ou como diz SAVATIER, com sua proverbial clareza: “la propriété est la somme des droits qu’on peut avoir sur un bien corporel” (“Cours de Droit Civil”, I, n.º 587).

8. O novo conceito importa que uma coisa qualquer desde que se venha a ligar ao sistema contamina-se da funcionalidade das instalações, em vista da destinação do serviço. Em conseqüência, uma vez que passa a funcionar, que adquire uma capacidade funcional como parte do todo, fica vinculada ao serviço, integra-se no sistema. Esta é a revolucionária criação do Direito da Eletricidade com a figura do bem em função permanente de sua indústria.

9. Trata-se justamente daquele tipo de objeto que ultrapassa as previsões do Direito Civil, como pondera SAVATIER: “L’apparition d’objets de propriété dépassant par leur importance les prévivions du code civil… Ainsi entrent dons le domaine public une série de biens d’importance considérable, que le code n’avait visés, et qui, désormais, vont être l’objet d’une propriété collective, seulement concédée à des grandes sociétés, chargées de gérer une sorte du service public“, (RENÉ SAVATIER, “Du Droit Civil au Droit Public”, Paris, 1950, págs. 43-44).

E esta presença de Direito Público, em matéria de energia elétrica, é percebida claramente na França, quando já se constitui assunto pacífico de que: “Les travaux accomplis par le concessionaire sont considérés par la jurisprudence comme des travaux publics. On retrouve en effet dans ces travaux le triple critère par lequel la jurisprudence administrative caractérise les travaux pública: le caractère immobilier que présentent les poteraux, consoles, pylônes et câblesconstitutifs du réseau, le but d’utilité générale, enfin l’exécution pcncr le compte d’une personne morale administratif, les ouvrages étant édifiés sous le contrôle de l’administration et devant surtout lui faire retour” (JEANNENEY et COLLIARD “Economie et Droit de l’Electricité”, Paris, 1950, pág. 172).

Não é outra a opinião de ACHILLE MESTRE, GASTON MESTRE, BLAEVOET, etc. (cf. GASTON MESTRE, “La concessionaire de chute d’eau et les propriétés prives”, Recueil Sirey, pág. 67, e, ainda, ANGE BLONDEAU, “La concession de service public”, Paris, 1933, pág. 106).

10. Teremos, assim, depois de haver passado pelo conceito de bem em Direito da Eletricidade, atingido a esfera da noção de propriedade neste mesmo setor da ciência jurídica.

Esta manifestação de Direito Pública, no âmbito do Direito da Eletricidade, não

significaria e nem importa, alteração na ordem dos interêsses privados, nem há impedimento algum à pacífica existência de direitos pessoais, de obrigações, exigíveis neste novo campo.

Domínio dos bens da concessão

11. Vamos a um exemplo. A administração outorga uma concessão, cabendo ao concessionário todos os investimentos a fim de realizar o aproveitamento da queda d’água e explorar a indústria de energia elétrica. A propriedade das instalações em função da indústria será sempre do poder concedente. Caberá ao concessionário uma indenização, justa pela sua inversão, mas não lhe assiste um direito real oponível ao poder concedente por haver construído as instalações. Assim, perante terceiros, o concessionário não exercita um jus in re propria quando garante, protege e defende as instalações da concessão. Representa êste exercício mesmo uma obrigação que lhe assiste pelo simples fato de explorar a concessão. Uma espécie de obrigação propter rem ou ob rem. A obrigação existe porque tem a concessão.

MIRANDA VALVERDE prefere a seguinte fórmula: “a companhia ou emprêsa tem, durante o prazo da concessão, a propriedade resolúvel dos bens, pois que ela se extingue com o advento do têrmo, revertendo êles ao poder concedente. Terá a companhia concessionária sòmente o uso e gôzo das obras, quando forem executadas em bens do domínio do poder concedente” (“Sociedades por ações”, I, in 43).

12. A nosso ver, seguindo a doutrina de CARVALHO DE MENDONÇA, repetida por MIRANDA DE CARVALHO, quando um concessionário empreende a realização de um serviço de utilidade pública está realizando uma verdadeira empreitada, na qual a sua remuneração e o seu capital ficam cobertos pelas taxas ou tarifas que lhe são permitidas coletar. CARVALHO DE MENDONÇA ensinou que o direito do concessionário receber taxas pelos serviços prestados equivale à moeda em que a União paga a empreitada ao construtor, isto é, o seu trabalho e capital empregados nas obras e o custeio e conservação destas durante o prazo estipulado (apud JOSÉ MARTINS RODRIGUES, artigo in “AEE”, II-8, pág. 7, e também TEMÍSTOCLES CAVALCÂNTI, “Tratado de Direito Administrativo”, ed. 1950, vol. V, pág. 78, e CHIAPPERELI, apud GUIDO LANDI, “La concessione amministrativa con clausula di esclusiva”, Milão, 1941, pág. 150, expondo o desembargador ANTÃO DE MORAIS que posteriormente o eminente tratadista inclinou-se para a explicação através da propriedade resolúvel, como se lê em “Poderes e Negócios Jurídicos”, “Direito Administrativo”, pág. 115).

13. Poder-se-ia argumentar que a concessão é do aproveitamento de queda d’água ou da distribuição, mas que as instalações, desde que construídas pelo concessionário, estariam fora da mesma e seriam sua propriedade. Parece-nos realmente muito difícil separar uma concessão de as suas instalações. Estas, sem a destinação, não têm função e, sendo inoperantes, não oferecem maior alcance sua consideração. Por sua vez, a concessão sem as instalações, isto é, não explorada igualmente nada oferece à observação.

Além disto, como ensina FLEINER, a ordem jurídica, no patrimônio administrativo, estabelece regras de ligação das coisas ao seu fim, à sua finalidade: “L’ordre juridique établit, par des règles de droit public, unes laison de ces choses à leur fin. Il lour impose une limitation de droit public en conséquence de laquelle chacune de ces choses est liée juridiquement à une tache administrative” (ob. cit., 222).

Esta doutrina, que é a melhor, no Direito Brasileiro da Eletricidade, então, encontra exemplo frisante, quando no dec. n.º 7.062 se dispõe:

“Art. 1.º Os bens e instalações utilizados na produção, transmissão, transformação e distribuição de energia hidro ou termelétrica … concorrendo diretamente para aquelas atividades, são vinculados a êstes serviços, não podendo ser desmembrados, vendidos ou cedidos sem prévia e expressa autorização dos poderes competentes“.

Nada, pois, a acrescentar, de vez que, neste caso, legem habemus. A vinculação está expressa, estando os bens ligados ao serviço, e sendo a concessão de exploração do mesmo outorgada pelo poder concedente, êste é na realidade o verdadeira titular da propriedade, que, aliás, até a protege tornando compulsório o seguro das instalações, pelo dec.-lei n.º 2.063 e dec. n.º 5.901, ambos de 1940.

14. Com efeito, a concessão não existe isoladamente, sem os bens e instalações, assim como êstes sem aquela não passam de aparelhos e instrumentos sem destinação. A concessão e instalações formam um todo perfeito, uma unidade indissociável.

A circunstância dos bens serem ligados à concessão imediatamente afeta-os de serviço público e passam, todos êles, a parte substancial da unidade, de maneira a perderem a sua natureza funcional ou sofrerem alteração na destinação no caso de desligamento do todo perfeito.

Não há como separar a concessão de os bens que a exploram. Ora, a concessão não importa transferência de domínio ao concessionário, assim como os bens da mesma, a ela aderidos, não podem dela ser desligados. Há vinculação lógica, indispensável e, entre nós, até legal.

Em resumo: o concessionário ao construir instalações para uma concessão vê as coisas passarem para o domínio do poder concedente. É como o comerciante que vende a prestação sem reserva de domínio. A sua mercadoria, em mãos do comprador, deixa de ser sua. Não há mais uma relação de direito real. O comerciante poderá exigir o que houver convencionado, mas dentro da esfera obrigacional.

15. Ora, com a concessão há o mesmo: os bens passam ao poder concedente, por se tornarem consubstanciais com a concessão, que jamais pode se desligar do poder concedente, com uma transferência de domínio. Sôbre êste último aspecto (e não sôbre a tese que vamos expondo) ensina TEMÍSTOCLES CAVALCANTI: “Nunca, porém, e mesmo se tratando de concessões (o princípio é absoluto) importa a utilização do domínio público transferência do domínio” (ob. cit., vol. V, pág. 78).

Em conseqüência, o concessionário perde, sôbre os bens que contribuiu para a concessão, tôda possibilidade de relação de direito real. Como o comerciante que, pela tradição, já não pode reivindicar a mercadoria, também o concessionário, pelo fato da concessão, vê desaparecer seu domínio sôbre coisas que incorpora ao serviço a ser explorado e outorgado pelo poder concedente.

16. Mas, assim como o comerciante não fica desprotegido, também o concessionário não é espoliado. O que há é uma alteração na técnica da prestação jurídica.

Cessa a relação real para ser substituída pela relação obrigacional, por um vinculum juris, por ser apenas pessoal o direito dos concessionários, como doutrinam EDUARDO ESPÍNOLA, BAUDRY-LACANTINERIE, BARTHÉLEMY, RUI BARBOSA, etc., na exposição do desembargador ANTÃO DE MORAIS, na obra citada, fLs. 143. O eminente magistrado opõe-se a esta interpretação.

Também pela tradição o comerciante perde a relação real sôbre sua mercadoria e surge a relação obrigacional protegendo o seu direito. É a lição CARVALHO DE MENDONÇA: “Depois da tradição, a coisa vendida incorpora-se ao patrimônio comprador, que sôbre ela adquire real” (J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, “Tratado de Direito Comercial Brasileiro”, 4.ª ed., vol. VI, 2.ª parte, n.º 644).

E no campo do Direito Civil não discrepa CARVALHO SANTOS: “No caso de compra e venda a crédito, só ao fim do prazo convencionado é que surge a obrigação do pagamento do preço. De maneira que a entrega da coisa vendida faz sem êste pagamento, o domínio se transfere, havendo daí para o vendedor tão-sòmente ação pessoal contra o comprador” (CARVALHO SANTOS, “Código Civil Brasileiro Interpretado”, 4.ª ed., volume XVI, pág. 59).

17. Também pelo fato da concessão, afetando todos os bens para sua exploração com um caráter funcional público, aderido e consubstancial com o serviço a ser executado, o concessionário perde a relação real sôbre os bens com que contribuir para a concessão, que passam ao domínio do poder concedente, pois não se pode dissociar a concessão de as suas instalações, mas fica o concessionário protegido pela relação, obrigacional, pelo vinculum juris, pela garantia de uma indenização justa pelo seu investimento.

E seria o suficiente, pois, não será demais acentuar que “le concessionaire d’un service public n’est pas propriétaire d’un fond de commerce” (WALINE, “Traité élémentaire de Droit administratif”, Paris, 6.ª ed., pág. 382).

Nada há, pois, de absurdo na exposição que se vem fazendo, não ocorrendo qualquer locupletação, nem tampouco sendo relegados os interêsses privados. Trata-se, sim, de uma imposição da natureza da concessão e do serviço público, determinando uma técnica própria na prestação jurídica.

Seria realmente inconveniente que a concessão fôsse do poder concedente, o serviço público uma exigência a satisfazer junto à população e que o concessionário mantivesse uma relação de direito real sôbre as coisas mediante as quais se realiza o serviço público outorgado na concessão. Além de dissociar o que é consubstancial, ficaria o serviço sujeito a arbítrio de medidas possíveis facultadas a um titular de domínio. Poder-se-á alegar que a desapropriação sanaria a dificuldade eventual, mas não será demais esquecer que não se realiza uma desapropriação com um automatismo capaz de evitar prejuízos, paralisação ou danos ao serviço público. Daí a conveniência de não existir a relação real em fator do concessionário, cujo interêsse privado é garantido pela obrigacional.

18. Também um outro pormenor da maior significação é o de que, no caso de decretação de caducidade da concessão, dá-se a reversão sem indenização.

Prescreve o Cód. de Águas:

“Art. 169. As concessões decretadas caducas serão reguladas na seguinte forma:

I) No caso de produção de energia elétrica destinada ao comércio de energia, o govêrno federal, por si ou por terceiro, substituirá o concessionário até o têrmo da concessão, perdendo o dito concessionário todos os seus bens relativos ao aproveitamento concedido e à exploração de energia, independentemente de qualquer procedimento judicial e sem indenização de espécie alguma”.

O texto refere-se a seus bens, como sendo do concessionário, mas devemos acentuar que o Cód. de Águas é anterior ao dec.-lei n.º 7.062, de 1944, e, além disto, o legislador não formulou bem a regra e nem podia em 1934 firmar com segurança o rumo cada vez mais acentuadamente público do serviço de energia elétrica, pois, ainda em 1940, também o dec.-lei n.º 1.989 impedia a transferência do que chama de propriedade de emprêsas de energia elétrica sem aquiescência do poder público, e o dec.-lei n.º 5.764, de 1943, no art. 6.º, ainda insiste na orientação:

“Sob pena de nulidade, a propriedade das emprêsas só poderá ser transferida, por qualquer motivo, com a aprovação prévia do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica”.

O C.N.A.E.E., por sua vez, tem decidido que “não vale, perante a administração, a transferência de usina elétrica que não é prèviamente autorizada pelo CN.A.E.E.” (“AEE”, I-3, pág. 67, acórdão n.º 521, de 1949).

Aliás, é muito significativo que o C.N.A.E.E., no presente, já se refira, sem sentir o alcance da fórmula usada, a “transferência dos bens que constituem o acervo da usina do Barreiro, operada pela Emprêsa São José, para a Prefeitura de Barreiros” (resolução, n.º 831, “Diário Oficial de 13-1-1953, seção IV, página 22).

Além disto, deve-se também fazer referência a que a penalidade imposta pela caducidade, se a propriedade fosse realmente do concessionário, será confiscatória e inconstitucional. Só mesmo por que o poder concedente é o titular da propriedade é que se pode justificar a reversão sem indenização de espécie alguma. Caso contrário, mesmo havendo as causas do art. 168 do Cód. de Águas, haveria um locupletamento muito imoral, pois não se explica a perda de consideráveis capitais só porque o concessionário reincide em utilizar descarga superior à permitida, interrompe os serviços por mais de 72 horas consecutivas, não haver mal de diretores brasileiros, poder de gerência não estar com brasileiros, não manter 2/3 de engenheiros e 3/4 de operários brasileiros no serviço.

19. Ainda um pormenor de grande importância. Na boa técnica jurídica clássica, uma desapropriação representa a utilização pelo poder público de bens dos particulares em um empreendimento público e nunca a fim de transferir o bem expropriado para o domínio de particular. É a lição de MAYER: “Die Enteignung ist ein obrigkeitlicher Einagriff in das unbe-wegliche Eigentum des Untertanen, um es ihn zu entziechen für ein öffentliches Unternhmen” (OTO MAYER, “Deutsches Verwaltungsrecht”, Leipzig, 1924, II, 1).

Ora, o poder concedente expropria e autoriza o concessionário a promover a desapropriação. Pergunta-se: para o concessionário? Seria contrariar o instituto da desapropriação em sua feição atual, que ficaria lesado ao ver passar a propriedade de um particular para o domínio de outro particular, constituindo-se o poder expropriante talvez um mero corretor do negócio. É evidente que o bem expropriado só pode entrar no domínio do poder expropriante, ainda que seja delegado ao concessionário promover a desapropriação. Pouco importa que já exista projeto de lei que autorize o expropriante a vender ou ceder bens expropriados a particulares, para uso privado, como já se observa na Itália através da expropriação e transferência compulsória de terrenos com objetivos de recomposição imobiliária (cf. RUGGIERO, ob. cit., ed. 1952, vol. I, pág. 525).

Direito pessoal do concessionário.

20. Em resumo: o concessionário tem um direito pessoal sôbre o valor das instalações, porém não um direito real sôbre os bens destinados à prestação do serviço público.

Como muito bem tem fixado a jurisprudência italiana, a respeito de direitos de concessionário em derivação de água pública, “le concessioni amministrative

bilaterali creano diritti subjettivi de natura patrimoniale a favore del concessionario” (apud FRANCESCO PACCELI, “Le acque pubbliche”, Pádua, 1934, pág. 328).

Ou ainda: “la natura stessa del diritto dello Stato esclude la possibilità dalla contemporanea esistenza di um diritto di proprietà del privato sul pubblico demanio” (loc. cit.).

21. Ora, as quedas d’água são bens públicos, incorporados ao patrimônio da União, como já acentuava o Cód. de Águas:

“Art. 147. As quedas d’água e outras fontes de emergia hidráulica existentes em águas públicas de uso comum ou dominicais são incorporadas ao patrimônio da Nação, como propriedade inalienável e imprescritível”.

O domínio público, como observa ZANOBINI, “è costituto da quei beni che servono al raggiungimento del fini pubblici… la condizioni giuridica di questi beni è determinata de una serie di principi, alcuni di ordine negativo, altrè di contenuto positivo. Le regole negative si riassumono nel fundamentale principio della incommerciabilità: “i beni demaniali sono per loro natura inalienabili” (ZANOBINI, “Corso di Diritto Amministrativo”, Milão, 1945, vol. IV, pág. 5).

A regra geral, entre nós, é também de inalienabilidade dos bens públicos (Código Civil, art. 67), e são públicos os bens domínio nacional pertencentes à União (Cód. Civil, art. 65).

22. Partindo dêste princípio, entre nós de jus conditum, de que as quedas d’água são bens públicos integrados no domínio nacional, não se pode fugir à conclusão de que êste domínio se estende a todos os pertences dos bens.

Valiosa e oportuna ainda a lição de ZANOBINI: “Le pertinenze sono cose fisicamente distante da altre, ma a queste connesse per la destinazione economica, in quanto dirette in modo stabile al servizio di esse. Per questo, seguono la condizione giuridica del bene a cui servono di complemento: se questo fa parte demanio anche le pertinenze ne fanno parte” (ZANOBINI, ob. cit., vol. IV, pág. 18).

A lição ajusta-se como uma luva à nossa observação. Vejamos:

a) a queda d’água é bem público de domínio nacional;

b) o domínio estende-se aos pertences;

c) os pertences são coisas físicas diferentes do bem público, mas a êstes ligados por destinação econômica;

d) os pertences seguem a natureza jurídica dos bens.

Ora, as instalações e equipamentos ligados à queda d’água, para uma destinação econômica comum, passam a ser pertences da queda d’água e, portanto, apresentam a mesma natureza jurídica. Então, se as quedas d’águas são bens públicos do domínio nacional, imprescritíveis e inalienáveis, assim também adquirem esta natureza os equipamentos e instalações a elas ligados e aderidos.

Se esta nos parece uma conclusão ao menos aceitável quanto a implicações no campo do direito real, por outro lado a relação obrigacional entre o poder concedente e o concessionário é sólida e não admite discussão. Está representada na cláusula de reversão da concessão, com indenização, a fim de ressarcir os interêsses privados do concessionário.

Válter T. Álvares, advogado em Belo Horizonte.

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