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CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
A missão do juiz, de Orozimbo Nonato

Revista Forense
21/07/2025
* Prezo, prezo em muito a distinção altíssima com que, por ato de V. Ex.ª, preclaro Sr. presidente da República e Grão-Mestre da Ordem Nacional do Mérito, de V. Ex.ª, egrégio Sr. ministro chanceler, de V. Exas., Srs. de seu insigne Conselho, se galardoam, com excessiva generosidade, os esforços de uma vida assinalada apenas por tenaz e obscuro devotamento ao bem público e à Justiça.
Não me sinto, porém, tão inebriado pelos fumos da vaidade que não veja, claramente visto, ir o alvo da homenagem muito além da modesta pessoa do agraciado para atingir as eminências em que se exalta o Poder Judiciário.
Os escassos títulos pessoais do homenageado não ornam com a grandeza da homenagem.
E aos que, de puro generosos, me congratularem a outorga, eu lhes direi que ela se endereça ao alto tribunal em que presido por mercê de meus eminentes colegas, varões de notável saber e probidade intemerata.
Ela se endereça à Justiça
Dizer que não na mereço, é enunciar verdade chaníssima, pôsto proclame o padre VIEIRA inexistir homem tão pigmeu ou tão formiga que não aspire a ser gigante. De outro lado, as protestações repetidas de humildade mostram-se ingratas e seu excesso muitas vêzes disfarça requintes de dessimplicidade, apuros de vaidade, aninhados nos latíbulos do coração e nos refegos da alma: simulatio humilitatis maior est superbia, no conceito de S. AGOSTINHO, chamado do padre insigne a “águia dos entendimentos humanos”. Sem falsa modéstia, reconheço e protesto receber eu a homenagem pela magistratura nacional.
Eu o sei, eu o sei de raiz.
Mas, essa circunstância, se, de um lado, vale por severa advertência a quaisquer assomos de fatuidade, de outro grandeia a responsabilidade do homenageado e a significação do ato que, ao cabo de contas, é uma solene afirmação de respeito e de aprêço à magistratura brasileira. E esta o merece, em verdade, a tôdas as luzes.
Não apenas pelo relêvo das suas funções, pelo momentoso de sua participação nos quadros constitucionais, na manutenção do equilíbrio do consórcio civil, senão, ainda, pela dignidade exemplar, pelo espírito de sacrifício, pela pureza sem fáculas com que os mais dos juízes vagam o espírito e as energias ao cumprimento de seus deveres, que envolvem vero sacerdócio.
Fôra inútil e baldio negar falhas e imperfeições no funcionamento do Poder Judiciário e que alguns de seus representantes delirem, acaso, das linhas rígidas do dever completo. A perfeição, como tantas vêzes se lembra, desertou a terra depois que o anjo de espada fulmínea surgiu no ádito do paraíso perdido.
Tôda instituição humana reflete o efêmero, o periturno, o imperfeito da humanidade.
Pena-me dizê-lo: juízes haverá, talvez, menos merecedores dêsse nome que, em verdade, por se manter lustroso e puro, exige atributos indeparáveis no comum dos homens, no ordinário das pessoas e, antes, constituem marcas dos sêres de eleição.
Mas, os juízes menos dignos constituem raras exceções, mercê de Deus exceções raríssimas na magistratura brasileira.
Em sua imensa maioria, e assoberbando, não raro, a inópia de recursos, a incompreensão de alguns, o ressentimento injusto de muitos, a cegueira de paixões de outros, o desestimulo do meio, adversando dificuldades sem conto, e pelejando, à arca partida, contra obstáculos, ao parecer, invencíveis, cumprem êles o seu dever, às vêzes amargo como o fel intransitivo dos grandes sacrifícios.
A reação dos interêsses e dos interessículos contrariados ostenta, às vêzes, desmedimentos que, sôbre revoltantemente injustos, podem provocar na consciência do povo, nem sempre lealmente esclarecida, a descrença na justiça, sentimento profundamente perigoso à segurança das instituições.
Detentor de um poder formidável, mas imbele, o juiz sempre contraria uma pretensão e os que a suscitaram e o seu séquito o elegem vítima piacular de recriminações, às vêzes excessivas em sua acidez e desenvoltura, e tão acesas de ódio que valem como perigosas sucessões da paz pública e por acenos ao tumulto e à aversão.
Dir-se-á tratar-se de palavras despedidas ab irato, no fervor dos embates, na rebentina das paixões, não se achando, demais disso, os juízes sobranceiros a censuras pelos erros em que incidam.
Fôra mover ao riso, sem dúvida, vindicar para os magistrados os foros divinos da inerrância.
Nunca se colocaram acima das críticas os maiores juízes e tribunais do mundo.
Estas, pôsto severas e ainda improcedentes, não desprestigiam a majestade da justiça quando impessoais no debate de teses e princípios, quando balizadas na boa-fé, na pureza de intenções e na retidão de propósitos. O que se condena é a remetida desleal e tençoeira contra a dignidade de juízes beneméritos de acatamento, ainda nos seus erros de inteligência.
O que se verbera é o ataque desenvolvido com língua malédica e desenvoltura tamanha que à mente sobe a imprecação de CÍCERO: quem ad sese effrenata iactdbit audacia?
Tais ataques, repitamos, pôsto de improcedência integra, podem calar na consciência do povo, nem sempre noticioso, às inteiras, dos imperativos jurídicos, das categorias legais, da técnica e do estilo de julgar a que os magistrados não devemos e não podemos fugir.
E os perigos que êles suscitam avultam ainda mais nas quadras agitadas, quando sopram ventos ponteiros e travessões.
Não vivemos uma quadra fagueira e tudo inculca o máximo de dedicação ao bem público e elevação moral e serenidade, perfeitamente harmonizáveis, de resto, com o exercício livre e a expansão irrestringida das atividades do mais ardente civismo.
Que as críticas aos juízes tenham baliza na honestidade e na boa-fé, não se bandeiem nos convícios, não se aviltem nas tortuosidades da carboteirice e da malícia. São advertências inspiradas menos na sensibilidade da classe do que na previsão de graves perigos à coletividade.
Porque o juiz digno dêsse nome há de ter o espírito intimorato do vir horacianus, e procurar sua glória não nos aplausos sinceros ou dessinceros de seus atos, mas no testemunho da própria consciência, como está na lição perene do Apóstolo das Gentes.
A consciência vale por mil testemunhos: conscientia mille testes.
Mas, vindicando para a classe os direitos que se traduzem nestas palavras, não deixo em oblívio os seus pesados deveres, cuja deserção é uma ignomínia e um opróbrio. Cumpre ao juiz amar a justiça com tôdas as veras e procurar realizá-la a todo trance, entre a dureza da literalidade do texto legal e os resvaladouros de exagerada eqüidade. Faz-se mister fugir, do mesmo passo, a injúria suprema da justiça excessiva (noli esse iustus multum) e o risco de enganosa eqüidade, propicia ao arbítrio e às outorgas proibidas.
Quando a lei oferece um só sentido possível, aplique-a o juiz, apesar de tudo: lex, res surda, inexorabilis. Mas, quando não ocorre o indesviável sentido único da lei, terá o juiz de atender ao bem comum, à eqüidade, à justiça e a todos os fatôres de sua humanização, sem esquecimento do “ditame da razão natural na consciência do vir probus“, dando-lhes acesso discreto e vigiado, ao que se dessume das sábias palavras de GORPHE, jurista e magistrado:
“… toutes les fois du moins que peut jouer la notion de justice, les juges essaient de juger en hommes, sous l’impulsion des sentiments qu’ils ressentent devant les misères matérielles, et morales, et ils éprouvent, une satisfaction quand un moyen de droit leur permet de les soulager.
Cependant, à la difference des profanes, ils ne se laissent pas emporter par des réactions spontanées, ils savent donner leurs émotions sous des sentiments idealisés et des principes directeurs…”
O juiz deve ser, sobretudo, uma consciência, e não há consciência vazia de princípios, como disse SCHLOSSMANN.
Daí, o zêlo, nêle sempre aceso, para reduzir ao mínimo aquela prevenção de que falava HELWIG e em que penetram hábitos e idéias políticas, morais e sociais que em todos influem.
O julgamento é ato de inteligência e de vontade, colocando-se o juiz, neste particular, como já foi observado, entre o sábio contemplativo da natureza, ou o pesquisador sereno e desanimado de paixões, e o realizador social, ou o homem de ação que combate na vida. Daí dizer KUNNPF dever o juiz servir ao direito com o máximo de serenidade e imparcialidade, mas tomar posição por ato de vontade, esforçada nas inspirações do bem comum e nos ideais de justiça.
Deve êle – adverte o jurista alemão – saber pensar lògicamente, mas também ter, e mostrar uma personalidade e um caráter.
O exercício de missão tão espinhada de dificuldades, sempre que nobilitado pela isenção e dignidade, deve levar os censores à indulgência quando se trate de erros de inteligência supostos ou reais, guardando-se êles de esvaziarem o seu carcás de contumélias sempre que seja uma sentença reformada ou esta lhes pareça improcedente.
A êsse apêlo, entretanto, de maior acatamento ao juiz, outro deve ser anumerado para que não deixe o magistrado, nunca por nunca, como fiéis companheiras de seu sacerdócio, a modéstia, a sisudez, a discrição, a serenidade. Ao juiz não lhe bastará a posse das altas virtudes da probidade, do desinterêsse, do saber, da coragem, da altivez e da independência.
Ainda se lhe exige que elas se exerçam em medida áurea, em supremo equilíbrio, temperadas na discrição, no amor da penumbra, na aversão dos arruídos da publicidade e das deselegâncias do exibicionismo.
Quem se dedica à sacratíssima das missões exercíveis no século – para lembrar conceito de RUI BARBOSA – vota-se à modéstia e ao quase obscurecimento.
Se os méritos pessoais do juiz avultam além da marca, ainda assim, apenas os celebram cenáculos reduzidos, pôsto de escol. Não desperta o magistrado na imaginação do povo a ardente admiração votada aos grandes artistas, oradores e jornalistas, aos grandes políticos e condutores de povos, aos grandes cabos de guerra, aos homens de luta, em suma. Nestes, o perigo e a pompa lhes dão à vida o elemento exterior que encandeia e fascina as imaginações. E para êles BERGSON escreveu que, na evolução do conjunto da vida, assim na existência das sociedades como nos destinos individuais, os êxitos mais rútilos são para os que fazem rosto aos maiores riscos. O heroísmo do juiz desenvolve-se obscuramente, na fieldade invariável à justiça, e só à justiça, pois aqui também, domina o nemo potest duobus dominis servire.
V. Ex.ª, Sr. presidente da República, e V. Exas. Srs. chanceler e conselheiros da Ordem Nacional do Mérito, retiram por instantes um magistrado das sombras de sua modesta vida para o grande brilho desta solenidade. Bem hajam pela intenção, que os anima, de um preito à justiça, ainda que na pessoa de um de seus mais modestos servidores.
V. Ex.ª, Sr. presidente da República, sempre e constantemente oferece arras de seu respeito ao Poder Judiciário, imbele, mas imponente às consciências de escol, e aos patriotas esclarecidos que sabem residir no acatamento completo e leal às suas decisões um dos pilares da República, para invocar o conceito do eloqüentíssimo dos oradores romanos.
Em mais de uma oportunidade, a palavra de V. Ex.ª, prestigiosa e eloqüente, tem protestado sua crença na justiça e acatamento aos seus ditames.
Com êsse teor de proceder, com essa orientação, cintará. V. Ex.ª, chefe supremo do país, cintará V. Ex.ª a nossa organização social de defesa robusta e resguardará a democracia de seus maiores riscos.
Já o profeta proclamava que Deus se ausentava de Israel quando as leis se quebravam e se vulnerava a justiça, aspiração maior das consciências livres.
A V. Ex.ª, a V. Exas., meu agradecimento cordial, com o registro da alta significação da homenagem dirigida aos magistrados brasileiros.
Por êles, eu a recebo com humildade, quando já tombam em minha fronte os desencantos do grande inverno, aniquiladores das ambições teimosas, ainda, no outono, e que tornam mais exacerbada e profunda a “compreensão dolorosa da vida”.
A velhice – creio já o ter lido algures – é, sobretudo, um exílio dalma, amargado da nostalgia do país da ilusão, dos sonhos dissipados e dos ímpetos da mocidade. Esta circunstância dará maior penhor de sinceridade à declaração – ainda uma vez – de não me sentir à altura da homenagem.
É o que me diz, sem ambages, “a consciência, vigia fiel da justiça no íntimo do ser”, a apresentar como “em espelho cristalino a imagem real de minha desvalia”.
Mas, se por sua via se insinuaram aqui sinais de desalento, que êles se evaporem nesta homenagem à justiça.
Duros são os tempos presentes, sem dúvida, tarjados os horizontes de sinais minazes e sombrios. Mas quando tudo se subvertesse, restaria às almas de eleição – para dar a estas palavras incompletas um remate luminoso, devido a ANÍBAL FREIRE – restaria o refúgio “nas verdades eternas, que dominam o mundo moral e nos envolvem em sua grandeza infinita”.
_____________________
Notas:
* N. da R.: Discurso pronunciado pelo ministro OROZIMBO NONATO, presidente do Supremo Tribunal Federal, na solenidade da entrega a S. Ex.ª, pelo presidente da República, da Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito, em junho de 1957.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
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