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Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
DIREITO COMPARADO
REVISTA FORENSE
A Côrte Suprema dos Estados Unidos e as liberdades de palavra e de imprensa, de Lêda Boechat Rodrigues

Revista Forense
28/03/2025
SUMÁRIO: A regra do perigo evidente e atual. A teoria das liberdades preferenciais. A liberdade de palavra e a ordem pública. Outras áreas abrangidas pela proteção à liberdade de palavra. Conclusão.
Até 1917 não houve, pràticamente, nos Estados Unidos, decisões judiciais satisfatórias sôbre o sentido da liberdade de palavra. O processo gradual de inclusão e exclusão, que tão bem ajudou a definir outras cláusulas da Constituição, através de configuração de situações concretas, ora num, ora noutro sentido, até ressaltar uma linha média, fora pouco usado em relação à Primeira Emenda Constitucional, garantidora das liberdades de palavra, religiosa e de reunião.
A Lei de Espionagem, de 15 de junho de 1917, e os processos nela, baseados abriram oportunidade, em 1919, para grandes pronunciamentos dos juízes OLIVER WENDELL HOLMES e LOUIS DEMBITZ BRANDEIS, em que êstes procuraram definir um critério judicial de avaliação dos limites do uso da liberdade de palavra: a regra do “perigo evidente e atual” (clear and present danger).
A REGRA DO PERIGO EVIDENTE E ATUAL
No primeiro caso a vir à Côrte Suprema, Schenk v. United States,1 como relator do acórdão unânime, em que o Tribunal confirmou a condenação de réus acusados de haverem enviado pelo Correio circulares visando causar insubordinação das fôrças militares e navais dos Estados Unidos, durante a guerra, disse HOLMES: “Admitimos que em muitos lugares e em tempos normais, ao dizer o que disseram os recorrentes na circular estariam apenas usando de seus direitos constitucionais. Mas o caráter de cada ato depende das circunstâncias de sua realização. …A mais rígida proteção da liberdade de palavra não protegeria um homem que falsamente gritasse “fogo” num teatro e, assim, causasse pânico. …A questão, em cada caso, é saber se as palavras foram usadas em tais circunstâncias e são de tal natureza que envolvem perigo evidente e atual de se produzirem os males substantivos que o Congresso tem o direito de prevenir. É uma questão de proximidade e grau”.
Uma semana mais tarde, sendo ainda HOLMES o relator do acórdão unânime, acrescentava êle: “A Primeira Emenda, ao proibir legislação contrária à liberdade de palavra, não podia pretender, e manifestamente não pretendeu, atribuir imunidade a qualquer uso possível da linguagem. Permitimo-nos acreditar que nem HAMILTON, nem MADISON, nem qualquer pessoa competente, então ou mais tarde, jamais supôs pudesse constituir interferência inconstitucional na liberdade de palavra definir o Congresso como criminoso o ato de aconselhar um assassinato”.2
Estas decisões, tomadas em março de 1919, representaram, segundo o professor CHAFEE, da Universidade de Harvard, grande choque para os liberais, sobretudo pelo fato de haverem sido escritas pelo juiz HOLMES, que há muito assumira, a seus olhos, dimensões heróicas. A perspectiva do tempo, entretanto, mostra ter êle servido, então, o melhor que pôde à liberdade de palavra, ao formular a regra do perigo evidente e atual, enquanto ficava à espreita de uma condenação tão patentemente errônea que lhe permitisse expressar suas convicções mais profundas sôbre a Primeira Emenda.3
Em novembro de 1919, a confirmação, pela Côrte Suprema, da pena de 20 anos de prisão cominada a Abrams,4 americano natural da Rússia, pelo fato de haver publicado dois folhetos, um em inglês e outro em iídiche, contra o envio de tropas americanas para combater a Revolução de 1917, levou HOLMES, acompanhado de BRANDEIS, a declarar, em voto vencido, não atingir a condenação o que os réus haviam feito, mas o que haviam pensado: “Sentenças de 20 anos de prisão foram impostas pela publicação de dois folhetos que, a meu ver, os réus tinham tanto direito de dar a lume quanto o govêrno tem o de publicar a Constituição dos Estados Unidos, agora inùtilmente invocada por êles. Desenvolvendo o princípio do perigo evidente e atual, exposto no caso Schenk, fêz HOLMES magnífica exposição da base filosófica da Primeira Emenda Constitucional: O livre intercurso das idéias era o melhor test da verdade e do grau de sua aceitação. Esta era, pelo menos, a teoria da Constituição, “uma experiência, como tudo mais na vida”. “Todos os anos, senão todos os dias, temos de confiar nossa salvação a alguma profecia baseada em conhecimentos imperfeitos. Enquanto essa experiência fizer parte do nosso sistema, creio que deveríamos estar eternamente vigilantes contra as tentativas de destruir a expressão de opiniões que abominamos e acreditamos injetadas de poder letal, salvo se ameaçarem de interferência tão iminente e imediata a execução da lei que seja necessária reação imediata para salvar o país. …Sòmente a emergência que torna imediatamente perigoso deixar a correção do mal ao tempo autoriza qualquer exceção ao imperativo genérico: “O Congresso não fará lei restringindo a liberdade de palavra”.
Onze Estados e Territórios, considerando insuficientes as restrições opostas às liberdades civis pela Lei de Espionagem, suplementaram-na com legislação ainda mais drástica contra a palavra escrita e falada. A propósito dessas leis, pela primeira vez enfrentou a Côrte Suprema importante questão preliminar: se lhe cabia competência para reformar condenação imposta por tribunal estadual, restringindo indevidamente a liberdade de palavra.5 Entendeu que sim, mas, por maioria de votos, confirmou a sentença recorrida, considerando-a fundada nos fatos. Em voto vencido, BRANDEIS sustentou, também pela primeira vez na Côrte Suprema, que a liberdade de opinião era protegida contra a ação do Estado pela 14ª Emenda Constitucional e que só o Congresso podia restringi-la: “Há momentos em que os responsáveis pelo govêrno, enfrentando perigo evidente e atual, são levados a concluir ser indispensável a supressão de opiniões divergentes… e, em tais emergências, existe o poder de supressão”. Mas só o Congresso pode determinar se o interêsse geral da nação exige restrição da liberdade de discussão… Nenhum Estado pode invadir tal atribuição do Congresso”.
Cinco anos mais tarde, a opinião insulada de BRANDEIS iria ser unânimemente apoiada pela Côrte Suprema, no famoso caso Gitlow v. New York.6 Gitlow fôra condenado, em janeiro de 1920, de acôrdo com a lei criminal contra a anarquia, de 1902, do Estado de New York à pena de 10 anos de prisão, pela publicação, em 1919, do “Manifesto da Ala Esquerdista”, ao separar-se esta do Partido Socialista. Vindo o processo à Côrte Suprema, a única questão constitucional levantada pela defesa baseara-se não na Primeira Emenda, mas na 14ª: “Nenhum Estado poderá privar qualquer pessoa da… liberdade… sem due process of law“, ou seja, por meio de legislação arbitrária e irrazoável (unreasonable). Em vários casos, diz o professor CHAFEE,7 evitara a Côrte cuidadosamente, decidir se a palavra “liberdade” de 14ª Emenda protegia a liberdade de palavra, do mesmo modo que a liberdade da pessoa e a de contrato. Ao manifestar-se sôbre a constitucionalidade da lei estadual admitiu a Côrte, pela primeira vez, estarem as “liberdades de palavra e de imprensa protegidas pela Primeira Emenda de restrições do Congresso – entre os direitos pessoais fundamentais e as liberdades” protegidas pela cláusula de due process da 14ª Emenda de diminuição pelos Estados”.8 A maioria, porém, ressalvando não ser tal direito absoluto, confirmou a pena que, a seu ver, não infringia a garantia constitucional.
Apesar de haver Gitlow advogado, teòricamente, a revolução social, disse o acórdão, “não se pode, razoàvelmente, exigir determine o Estado o perigo de cada manifestação segundo o delicado equilíbrio de uma balança de ourivesaria. Simples centelha revolucionária, conservada algum tempo no borralho, pode atear fogo capaz de crepitar em conflagração generalizada e destruidora. Não se pode acusar o Estado de agir arbitràriamente… quando procura extinguir a centelha antes de se transformar esta em chama ou resplandecer na conflagração”.
HOLMES, seguido de BRANDEIS, em voto vencido muito sucinto, negou tivesse havido, no caso, perigo de uma tentativa de derrubar o governo pela fôrça, por parte da minoria sabidamente pequena que apoiava a opinião do recorrente.
A declaração feita pela Côrte Suprema, no caso Gitlow, de gozar a liberdade de palavra da garantia da 14ª Emenda, contra as leis estaduais, serviria de base argüição de inconstitucionalidade de lei da Califórnia, de 1919, contra o sindicalismo criminoso.9 Anita Whitney, depois de longos anos dedicados a obras filantrópicas, filiou-se, quase sexagenária, em 1919, ao Partido Socialista. Quando houve a cisão dêste, tornou-se temporariamente membro do Partido Trabalhista Comunista e compareceu, na qualidade de sua delegada, a uma convenção em Oakland, em novembro. Em janeiro de 1920, foi prêsa pelo fato de haver participado daquela convenção e, posteriormente, processada e condenada. Unânimemente confirmou a Côrte Suprema a condenação, sendo que BRANDEIS, seguido por HOLMES, votou de acôrdo apenas pela conclusão, discordando vigorosamente da fundamentação do acórdão na parte referente à liberdade de palavra e sua aplicação à Lei Sindicalista.
Miss Whitney, dizia BRANDEIS, fôra condenada apenas pelo fato de pertencer a uma associação que ensinava o sindicalismo. Havia, na lei questionada, novidade condenável, pois não visava ela “à prática do sindicalismo criminoso, nem mesmo diretamente a pregação dêste, mas a associação com aquêles que se propõem pregá-lo”. O direito às liberdades de palavra e reunião era fundamental, mas não absoluto, por natureza. Seu exercício estava sujeito às restrições necessárias à proteção do Estado contra a destruição ou sério dano político, econômico ou moral. Não fixara ainda a Côrte Suprema o standard através do qual se determinaria se o perigo devia ser considerado evidente e atual. Para se alcançar conclusões válidas sôbre essas matérias, era preciso ter em mente porque, de ordinário, se negava ao Estado o poder de proibir a disseminação de doutrina social, econômica e politiza considerada falsa e perigosa, pela grande maioria dos seus cidadãos. A resposta., segundo BRANDEIS, era esta:
“Aquêles que conquistaram nossa independência acreditavam ser a finalidade do Estado tornar os homens livres para desenvolverem suas faculdades e deverem prevalecer, no seu govêrno as fôrças deliberativas sôbre as arbitrárias. Valorizavam a liberdade como fim e como meio. Acreditavam ser a liberdade o segrêdo da felicidade e a coragem o segrêdo da liberdade. Acreditavam ser a liberdade de pensar como quiser e de falar o que se pensa meios indispensáveis à descoberta e disseminação da verdade política; ser fatal a discussão sem liberdade de palavra e de reunião; ser a maior ameaça à liberdade um novo inerte; ser a discussão pública um dever político e princípio fundamental do povo americano. Reconheciam os riscos a que estão sujeitas tôdas as instituições humanas. Mas sabiam que a ordem não pode ser assegurada apenas através do mêdo de punição pela sua infração; que é perigoso desencorajar o pensamento, a esperança e a imaginação; que o mêdo gera repressão; que a repressão gera o ódio; que o ódio ameaça a estabilidade do govêrno; que o caminho da segurança está na oportunidade de discutir livremente os supostos agravos e os remédios propostos; e que o remédio adequado para maus conselhos é dá-los bons …. Reconhecendo a ocasional tirania das maiorias governantes, emendaram a Constituição, a fim de garantir a liberdade de palavra e de reunião. O mêdo de dano grave não pode, sòzinho, justificar a repressão da liberdade de palavra e de reunião. Os homens temeram as feiticeiras e queimaram mulheres. É função da palavra, libertar os homens livres do jugo de mêdos irracionais… Se houver tempo para expor, através da discussão, as falsidades e falácias, para evitar o perigo através dos processos de educação, o remédio a ser aplicado é mais palavra e não silêncio forçado. Sòmente uma emergência pode justificar a repressão. Tal deve ser a norma, se se quiser conciliar a autoridade e a liberdade. Isso, na minha opinião, é o que a Constituição ordena. Está, assim, sempre aberta aos americanos a possibilidade de atacar lei que restrinja a liberdade de palavra e de reunião, mostrando não existir estado de emergência que a justifique”. Mas, na hipótese dos autos, havia testemunhos tendentes a provar a existência de uma conspiração que seria ajudada pela associação de que Anita Whitney era membro e, por essa razão, devia ser confirmado o julgamento do tribunal estadual.10
No mesmo dia dessa decisão, reformou a Côrte Suprema, à unanimidade, acórdão do tribunal estadual, em Fiske v Kansas,11 por entender que a lei sindicalista do Estado de Kansas, segundo a interpretação que lhe dera o tribunal recorrido, constituía “exercício arbitrário e irrazoável do poder de polícia do Estado, violando injustamente a liberdade do acusado”. Apesar de não haver no aresto nenhuma referência às “liberdades de palavra e de reunião”, diz o professor CHAFEE, absolveu-se Fiske por haver sido privado da liberdade de palavra por uma lei que, apesar de constitucional, fôra interpretada de modo a ferir manifestações agora consideradas imunes, de acôrdo com a Constituição dos Estados Unidos. Pela primeira vez, continua, fazia a Côrte Suprema significar alguma coisa a liberdade de palavra.12
As opiniões vencidas de HOLMES e BRANDEIS estavam conquistando terreno e, em breve, lograriam a aprovação da maioria. Caberia a CHARLES EVANS HUGHES, presidente da Côrte a partir de 1930, redigir o acórdão no caso Near v. Minnesota,13 considerado por VIRGÍNIA WOOD como o mais importante a, respeito da liberdade de palavra e de imprensa desde a adoção da Primeira Emenda.14 Decidiu então a Côrte, pela primeira, vez, que infringia a liberdade de imprensa, garantida pela cláusula de due process da 14ª Emenda, lei estadual que impusesse restrição prévia a qualquer publicação. Depois de recorrer ao elemento histórico, citando BLACKSTONE e MADISON, assinalava HUGHES o grande valor atual da imunidade de censura prévia: “O fato de, durante cêrca de 150 anos, ter havido quase total ausência de tentativas de impor censura prévia às publicações relativas aos desmandos de autoridades públicas é significativo da profunda convicção de violarem tais restrições direito constitucional. As autoridades públicas, cujo caráter e procedimento estão sujeitos ao debate e à livre discussão na imprensa, encontram remédio contra as acusações falsas que lhe foram imputadas nas ações baseadas nas leis de difamação por meio da imprensa, que dispõem sôbre a reparação e a punição, e não em procedimentos para restringir a publicação de jornais e periódicos”. A crescente complexidade da administração e as oportunidades cada vez maiores de corrução e torpeza, ao lado de outros fatôres, “acentuam a necessidade primordial de uma imprensa vigilante e corajosa, sobretudo nas grandes cidades. O possível abuso da liberdade de imprensa, por parte de inescrupulosos fornecedores de escândalos, não torna menos necessária a imunidade da imprensa à censura prévia quando trata dos desmandos oficiais. A punição subseqüente de tais abusos, se houver, será o remédio adequado e em harmonia com o privilégio constitucional”.
A partir de 1937, a significação da regra do perigo evidente e atual foi interpretada diferentemente pelos juízes BLACK e FRANKFURTER. Segundo BLACK, “O que finalmente resulta dos casos em que foi aplicada a regra do perigo evidente e atual” é o princípio de dever o risco ser extremamente sério e o grau de iminência extremamente alto, antes de se poder punir a liberdade de expressão. …A linguagem da Primeira Emenda é categórica. Proíbe qualquer lei restringindo a liberdade de palavra ou de imprensa”. Deve ser tomada como ordem do mais amplo alcance admissível por uma sociedade amante da liberdade”.15 FRANKFURTER entende que tal regra jamais foi usada pelo juiz HOLMES a fim de expressar doutrina legal técnica ou fornecer fórmula para o julgamento. Era frase literária, que não devia ser torcida, tirando-se-a do seu contexto. Ao ser expressa serviu não só para indicar a importância da liberdade de palavra para uma sociedade livre, como para mostrar que o seu exercício deve ser compatível com a preservação de outras liberdades essenciais à democracia e garantidas pela nossa Constituição. Quando êsses outros atributos de uma democracia são ameaçados pelo uso da palavra, a Constituição não nega aos Estados o poder de restringi-la”.16
Desde que a Côrte Suprema abandonou a proteção à outrance do laissez faire econômico, adaptando a Constituição à necessidade de intervenção governamental na vida econômica, quase imediatamente passou a julgar-se particularmente responsável pela manutenção da liberdade de palavra, numa época em que as principais invasões da mesma passaram a provir do próprio Poder Legislativo.
O grupo mais liberal da Côrte ia, então, adotar a teoria das liberdades preferenciais, cuja origem se encontra em voto do juiz BENJAMIN N. CARDOZO, relativo à liberdade de expressão:
“Pode dizer-se que esta é a matriz, a condição indispensável de quase tôdas as outras formas de liberdades. …Assim é que o domínio da liberdade, subtraída pela 14ª Emenda de invasão pelos Estados, foi alargado per julgamentos posteriores, de modo a incluir a liberdade de pensamento e a liberdade de ação. A extensão tornou-se, na verdade, um imperativo lógico, quando se reconheceu, há muito tempo, que a liberdade é algo mais que a isenção de restrição física e que ainda no campo dos direitos e deveres substantivos o julgamento legislativo, se opressivo e arbitrário, pode ser revogado pelos tribunais”.17
Poucos meses mais tarde abordaria o juiz HARLAN FISKE STONE o mesmo tema e diria, em nota de pé de página: “A presunção de inconstitucionalidade pode sofrer limitações quando as leis questionadas vão, evidentemente, de encontro a uma proibição específica da Constituição, como as 10 primeiras Emendas, que são consideradas igualmente específicas, quando abrangidas pela 14ª Emenda”.18
A TEORIA DAS LIBERDADES PREFERENCIAIS
Em voto vencido caberia ainda a STONE afirmar que a Constituição, em virtude da Primeira e da 14ª Emendas, colocara as liberdades de palavra e de religião numa posição preferencial (a prejerred position), devendo presumir-se a inconstitucionalidade das leis que visassem prejudicá-las.18-a Essa expressão foi adotada, no ano seguinte, pelo juiz DOUGLAS em nome da maioria.19
A formulação mais clara dessa atitude judicial foi, porém, expressa pelo juiz RUTLEDGE, relator do acórdão no caso Thomas v. Collins.20 Disse êle: “Mais uma vez temos de enfrentar o dever, impôsto a esta Côrte, pelo nosso sistema constitucional, de dizer onde termina a liberdade individual e onde começa o poder do Estado. A escolha do limite, sempre delicada, é o ainda mais quando a presunção usual em favor da lei é contrabalançada pela posição preferencial dada, em nosso sistema constitucional, às grandes e indispensáveis liberdades democráticas asseguradas pela Primeira Emenda. …Esta prioridade dá a estas liberdades santidade e sanção que não permitem intromissões dúbias. E é o caráter do direito, não da limitação, que determina o standard guiador da escolha. Por essas razões, qualquer tentativa de restringir estas liberdades deve ser justificada por um evidente interêsse público, ameaçada “não por um perigo duvidoso e remoto, mas por um perigo evidente e atual”.
Em 1949, a maioria manifestou, diz o professor CORWIN,21 opinião muito menos entusiástica a propósito das liberdades de palavra e de imprensa. Apesar de aludir à “posição preferencial da liberdade de palavra numa sociedade que deseja a liberdade para todos”, afirmou-se, em acórdão redigido pelo juiz STANLEY REED, não se exigir que os legisladores sejam insensíveis às exigências de confôrto e conveniência dos cidadãos. Dar predomínio à liberdade de palavra, sem considerar os direitos de outrem, seria injusto e arbitrário”.22
Segundo o juiz FELIX FRANKFURTER – um dos líderes intelectuais da Côrte a partir de sua nomeação, em 1939, – esta frase entrou em alguns dos julgados do mais alto tribunal americano sem exercício do espírito crítico de seus juízes (uncritically). “Considero-a”, declarou, “frase danosa, caso envolva o pensamento, que sutilmente pode implicar, de valer em relação a tôdas as leis relativas à liberdade de expressão a presunção de inconstitucionalidade”.23
Anteriormente tivera FRANKFURTER ocasião de afirmar: “A vontade legislativa, se razoável, deve ser acatada, ainda quando está envolvida a liberdade, de consciência, desde que todos os meios de induzir a mudanças políticas sejam deixados livres de interferência”. O voto judicial, a seu ver, é essencialmente antidemocrático e as liberdades civis se preservam mais seguramente se os problemas do poder legislativo forem ventilados “no forum aberto da opinião pública”.24
Também se opôs abertamente à “posição preferencial” das liberdades civis o juiz ROBERT H. JACKSON, falecido em 1954. A seu ver, não se poderia atribuir a alguns direitos constitucionais posição preferencial sem relegar os outros a posição de segundo plano.25
Grandes defensores da teoria das “liberdades preferenciais” foram, até sua morte, em 1949, os juízes FRANK MURFHY e WILEY B. RUTLEDGE, e continua sendo até hoje o juiz HUGO L. BLACK, líder da corrente liberal da Côrte Suprema, a partir de 1937. Segundo BLACK, a linguagem da, Primeira Emenda é categórica.. Proíbe qualquer lei “restringindo a liberdade de palavra ou de imprensa e deve ser tomada como uma ordem do mais amplo alcance admissível por uma sociedade amante da liberdade”.26
Em face das leis de sedição de 1950, que puseram em perigo tão iminente e sério a liberdade de palavra, a ponto de poder o dano ocorrer antes de abrir-se oportunidade de discussão completa, tinham as divergências, naturalmente, de diminuir. FRANKFURTER mostra-se menos persuasivo no sustentar sua opinião e, de outro lado, a presunção contra o julgamento legislativo, implícita no caso Thomas v. Collins, pode ceder, especialmente quando se alega a segurança militar da nação, setor em que lavra grande controvérsia sôbre a competência do Judiciário. Os mesmos juízes, dizia em 1951 um professor de Harvard,27 que afirmaram não poder o Estado de Mississípi restringir a liberdade de expressão para obrigar ao juramento de lealdade, certamente hesitariam em substituir sua opinião pela do Congresso, tratando-se da defesa nacional.
Confirmou a jurisprudência posterior da Côrte Suprema esta previsão. A doutrina de HOLMES e BRANDEIS, de que o critério para a estimativa da validade das restrições impostas pelas leis limitadoras da liberdade de palavra devia ser o standard constitucional do “perigo evidente e atual”, já em 1950 era de certo modo limitada28 e, no ano seguinte, sofria séria restrição.
Isso ocorreu quando a Côrte Suprema, no caso Dennis v. United States,29 declarou a constitucionalidade da Lei Smith, de 1940, num processo contra 11 líderes comunistas. Falando pela maioria, dizia o juiz-presidente FRED VINSON não poder essa frase significar que “o Govêrno, para agir, deve esperar até que o putsch esteja pronto para ser executado, todos os planos feitos, aguardando-se apenas o sinal para a deflagração do movimento. Se o govêrno tem conhecimento de que um grupo, que pretende derrubá-lo pela fôrça, está tentando persuadir os seus membros à ação, quando se oferecer a oportunidade, é obrigado a agir. Não merece resposta o argumento de que o govêrno não precisa preocupar-se, porque é forte e possui amplos poderes para vencer a rebelião, e fàcilmente debelará a revolução. Não é esta a questão: Certamente, uma tentativa de derrubar o govêrno pela fôrça, ainda que desde o comêço fadada ao malôgro, devido ao”número e poder inadequado dos revolucionários, é um mal suficiente para ser prevenido pelo Congresso. Os danos advindos à nação em conseqüência de tais tentativas, tanto física como politicamente, tornam impossível medir a sua validade em têrmos de probabilidade de bom êxito ou do caráter imediato de uma tentativa capaz de vingar”. Cabe aos tribunais, em cada caso, indagar se a gravidade do perigo justifica a invasão da liberdade de palavra, a fim de preveni-la; domina, assim, no exame da matéria, a discrição judicial.
Em voto separado, concordante com a maioria, mais uma vez manifestou o juiz FRANKFURTER sua opinião sôbre as limitações do poder judicial: “Ensina a história sofrer a independência do Judiciário quando os tribunais se imiscuem nas paixões do dia e assumem a principal responsabilidade de escolha, entre as pressões políticas, econômicas e sociais concorrentes. A principal responsabilidade de ajustar os interêsses em conflito pertence, necessàriamente, ao Congresso. A natureza do poder a ser exercido por esta Côrte foi delineada em decisões desprovidas do apêlo emocional da situação que ora defrontamos. Só devemos afastar o julgamento daqueles cujo dever é legislar se o mesmo não assentar em base justificada”.
O juiz JACKSON pôs em relêvo o elemento da conspiração no caso e disse que a regra do “perigo evidente e atual”,
formulada por HOLMES e reiterada e aperfeiçoada por êle e por BRANDEIS, em casos anteriores à Segunda Guerra Mundial, já não mais satisfazia às necessidades atuais. “Se não quisermos manter o nosso Govêrno cativo de um alçapão verbal judicialmente formulado, temos de encarar o problema de uma conspiração bem organizada e de âmbito nacional, tal como a que foi descrita, de modo tão realista quanto os nossos predecessores encararam as trivialidades que ao seu tempo estavam sendo processadas, até encontrarem uma “regra de razão”. Penso não haver motivo para aplicar-se aquêle test a êste caso. …A Constituição não torna a conspiração um direito civil. Esta Côrte nunca julgou assim e creio não o fará agora. Temos, condenado conspirações de “uniões trabalhistas, de associações do comércio e de novos órgãos, apesar de planejadas provadas e levadas a cabo, como na hipótese atual, principalmente através de cartas, reuniões, discursos e organizações. Na verdade, esta Côrte parece estar aplicando suas doutrinas com crescente severidade, especialmente quando a conspiração tem fins econômicos. Embora considere a punição criminal da conspiração capaz de tornar-se um instrumento de injustiça nas mãos de um judiciário partidário ou complacente, ela tem lugar marcado em nosso sistema legal e não há nenhum motivo para aplicá-la apenas quando a ação combinada prejudica o comércio interestadual e não quando se trata de minar todo o nosso Govêrno”.
Votaram vencidos os juízes BLACK e WILLIAM O. DOUGLAS, dizendo o primeiro que a Côrte Suprema, com êsse julgamento, “diluíra a Primeira Emenda a ponto de torna-la pouco mais de uma advertência ao Congresso”. Concluía afirmando: “Sendo a opinião pública o que é hoje, poucos protestarão contra a condenação dos réus comunistas. É de esperar-se, porém, que em tempos mais calmos, quando as atuais pressões paixões e mêdos se acalmarem, restaure esta Côrte ou outra posterior as liberdades da Primeira Emenda à alta posição preferencial que lhes pertence numa sociedade livre”.
Segundo o juiz DOUGLAS, êste caso só envolvia a palavra e não qualquer ato aberto de sabotagem ou de procedimento ilegal. O govêrno baseara-se sobretudo em que os acusados “haviam organizado pessoas para ensinar e ensinavam êles próprios a doutrina marxista-leninista, contida principalmente em quatro livros: “Fundamentos do Leninismo”, por STALIN (1924), o “Manifesto Comunista”, por MARX e ENGELS (1848). “O Estado e a Revolução”, por LÊNINE (1917), e a “História do Partido Comunista da União Soviética” (1939). …Houve tempo, na Inglaterra, em que floresceu o conceito da traição por interpretação. Punia-se os homens não por levantarem a mão contra o rei, mas porque nutriam pensamentos assassinos contra êle. Os elaboradores da Constituição tinham consciência dêsse abuso e tomaram precauções para evitar florescesse êle aqui. Definiu-se a traição como exigindo atos abertos – a evolução de um plano contra o pais, em projeto atual. O caso presente não é de traição. Mas a analogia é estreita, quando se faz repousar a ilegalidade na intenção e não na natureza do ato. Começamos, então, a indagar, os motivos propósitos das mentes humanas; elas infringem a lei não pelo que fazem, mas pelo que pensam; são condenadas não pelo que dizem, mas pelo propósito com que o disseram”. Referindo-se à pequena influência dos comunistas na América, dizia que ali êles eram “míseros mercadores de idéias não desejadas; sua mercadoria não conseguia ser vendida.”
Tanto BLACK como DOUGLAS negaram se tratasse, no caso, de conspiração. Restrição fundamental à liberdade de palavra foi aprovada pela Côrte Suprema ao declarar a constitucionalidade da Lei Hatch de 1939, que proíbe a qualquer funcionário civil “tomar parte ativa em manobras ou campanhas políticas”, sob pena de demissão.30 Votaram vencidos os juízes BLACK, DOUGLAS e RUTLEDGE, condenando o primeiro a política de emudecer vários milhões de cidadãos e privar a vida pública de sua participação e interêsse político. Segundo BLACK dava essa lei à Comissão do Serviço Público “o terrível poder de censurar os pensamentos, as expressões e as atividades de cidadãos obedientes à lei, no campo da livre expressão, direito de que nenhuma pessoa devia ser privada por um Govêrno que proclama ser do, para e pelo povo – todo o povo”.
A LIBERDADE DE PALAVRA E A ORDEM PÚBLICA
O problema de conciliar as liberdades de palavra, imprensa e reunião com as necessidades de uma sociedade organizada e a manutenção da ordem pública
tem sido freqüentemente examinado pela Côrte Suprema que, numa busca de equilíbrio, ora pende mais para um lado, ora mais para outro, mas sempre reconhecendo não serem as mesmas absolutas. Dizia o juiz MURPHY, em 1942, como relator de acórdão unânime: “Há certos tipos de expressão cujos limites são bem definidos e estreitos e cuja prevenção e punição jamais suscitaria problema constitucional. Neste rol estão abrangidas as palavras obscenas, profanas, difamatórias, insultuosas, os clichês cuja simples enunciação constitui injúria ou incitamento à quebra imediata “da paz”.31 No mesmo sentido afirmava-se, em 1950: “As liberdades da Primeira Emenda não são absolutas, pois as liberdades civis garantidas na Constituição implicam a existência de uma sociedade organizada, mantendo a ordem pública, sem a qual a própria liberdade seria perdida nos excessos dos abusos irrestritos”.32 No ano seguinte, de novo voltava-se ao assunto: “A liberdade de palavra não significa se possa falar ou distribuir impressos onde, quando e como se escolher, porque o direito de fazê-lo deve ser ajustado aos direitos dos outros”.33 Justifica-se a punição dos usos da palavra atentatórios da moral e da ordem pública, como as que incitam ao crime,34 põem em perigo os alicerces do govêrno organizado ou ameaçam sua derrubada por meios ilícitos.35
Um dos casos mais comentados, dos últimos anos, a propósito do uso da palavra considerada como atentatória da paz pública foi apreciado pela Côrte Suprema em 1949.36 Terminiello, ex-padre católico especializado em ataques aos judeus e à administração de ROOSEVELT proferiu, em 1946, num auditório de Chicago, perante uns 800 simpatizantes, discurso de índole fascista altamente violento. O prédio estava cercado por uma pequena multidão, de tendência de esquerda de mais de 1.000 pessoas, que visava evitar se realizasse a reunião. A policia protegeu o orador e seu público, ajudando-os a entrar e a sair do prédio, apedrejado pela massa. Posteriormente foi Terminiello acuado e condenado pelos tribunais de Illinois por infringir postura municipal que proibia a “qualquer pessoa fazer, ajudar ou assistir na feitura de barulhos impróprios, rebelião, distúrbios, quebra da paz ou movimento tendente a quebrar a paz”.
Por cinco votos contra quatro, reformou a Côrte Suprema a decisão estadual e inocentou o réu. O aresto, muito breve, redigido pelo juiz DOUGLAS, não contém qualquer referência aos distúrbios ocorridos. O juiz JACKSON, vencido, examinou o mérito da causa sumariando pormenorizadamente os fatos e descrevendo o ambiente criado pelas palavras de Terminiello. Para JACKSON, promotor americano no julgamento dos crimino os de guerra em Nuremberg, esta exibição de conflito político, racial e ideológico não representava colisão de fôrças isolada e não intencional. “Era manifestação local de um conflito mundial e presente entre dois grupos organizados de fanáticos revolucionários, cada um dos quais importou para êste país a técnica do braço forte, desenvolvida na luta pela qual seus iguais devastaram a Europa”. As cidades americanas, disse, têm de enfrentar êsse problema e não podem ser paralisadas por decisões destruidoras, que encorajarão as fôrças ideológicas hostis a usar as ruas da cidade como campo de batalha, com a conseqüente destruição da ordem pública. A Constituição e os precedentes da Côrte Suprema, continuava, certamente não autorizavam tal esterilização dos poderes estatais. A liberdade de palavra está subordinada à lei e não independe dela. Terminiello não teria podido falar sem a proteção da polícia. As autoridades têm o direito de obstar aquêles cujo procedimento ou palavras excitam as multidões; e os tribunais devem apoiá-las, quando a invocação de “perigo à ordem pública” não é feita de má-fé, a fim de justificar a censura ou a supressão da liberdade de palavra. A invocação das liberdades constitucionais como parte da estratégia para derrubá-las apresenta um dilema para um povo livre que não pode ser resolvido apenas pela lógica constitucional. Terminava dizendo: “Esta Côrte foi muito longe aceitando a doutrina de significar a liberdade civil a remoção de tôdas as restrições da multidão e serem tôdas as tentativas locais de manutenção da ordem invasões da liberdade de cidadão. Não se trata de escolher entre a ordem e a liberdade, e sim entre a liberdade com ordem e a anarquia sem ambas. Se esta Côrte não temperar sua lógica doutrinária com um pouco de sabedoria prática, corremos o risco de converter o Bill of Rights num pacto suicida”.
Muito mais severa mostrou-se a Côrte, um ano e meio depois, ao apreciar o caso do estudante universitário Feiner.37 Êste se postara em cima de um caixote numa esquina da cidade de Syracuse, a fim de anunciar a reunião dos Jovens Progressistas da América, usando para isso um alto-falante instalado em cima de um automóvel. Formou-se um grupo de pessoas que tomou conta da calçada. Discursou Feiner violentamente contra as autoridades, incitando os negros à revolta, pela defesa de seus direitos. Houve protestos por parte dos ouvintes. Dois policiais intimaram-no a parar e, não sendo obedecidos, prenderam-no sob a alegação de procedimento desordeiro. Processado, foi condenado pelos tribunais estaduais. A Côrte Suprema confirmou a condenação, dizendo fazê-lo baseada “não no conteúdo do discurso, mas na reação a que dera lugar”.
Dissentiram os juízes DOUGLAS, BLACK e MINTON. Segundo BLACK, “êste era um dia negro para as liberdades civis na nossa nação”. DOUGLAS negou tivesse havido qualquer possibilidade de rebelião. Os fatos evidenciavam apenas “um auditório antipático ao orador”, tendo um dos ouvintes feito a ameaça de arrancá-lo de cima do caixote, com um xingamento de calão. “É contra esta espécie de ameaça que os oradores necessitam de proteção da polícia. Se não a recebem e, ao contrário, a polícia se põe ao lado daqueles que querem interromper os meetings, a polícia se torna a nova censora da palavra”.
Na verdade, comenta o professor PRITCHETT, o caso Feiner aprova fórmula que torna a supressão da palavra pela polícia ridìcularmente simples. Basta criar qualquer grupo que deseje silenciar o orador perturbações na assistência, para justificar a exigência da polícia no sentido de interromper êste o seu discurso. Se não o fizer, será culpado de procedimento desordeiro.38
Em 1952, novo test para a liberdade de palavra foi enfrentado pela Côrte Suprema.39 Lei do Estado de Illinois proibia a qualquer pessoa ou emprêsa “exibir qualquer escrito, quadro, drama ou filme que retrate a depravação, a criminalidade, a falta de castidade ou falta de virtude de uma classe de cidadãos, de qualquer raça, côr, credo ou religião… ou expor o cidadão de qualquer raça, côr, credo ou religião, ao desprêzo, irrisão ou calúnia, ou conduzir a perturbações da paz ou sublevações”. Joseph Beauharnais, diretor da White Circle League, fez circular em Chicago folhetos contra os negros e pedindo contribuições financeiras para a sua organização. Foi condenado por violação daquela lei estadual e multado em 200 dólares. Defendeu-se dizendo ser a referida lei atentatória da liberdade de palavra e de imprensa. Confirmou a Côrte Suprema a condenação, por cinco votos contra quatro. No acórdão, redigido por FRANKFURTER, acentua-se a importância dada aos grupos pelos recentes estudos dos cientistas sociais: “O trabalho da pessoa e suas oportunidades educacionais e a dignidade que se lhe atribui poderá depender tanto da reputação do grupo religioso e racial a que pertence quanto de seus próprios méritos”. Assim, quando o indivíduo está “indissociàvelmente envolvido” no grupo, as palavras que poderiam ser injuriosas, se dirigidas a êle pessoalmente, podem ser tratadas do mesmo modo quando dirigidas ao grupo.
Votando vencido, disse o juiz BLACK: “A experiência estadual de coibir a liberdade de expressão é doutrina surpreendente e assustadora num país dedicado pelo seu povo, ao autogovêrno”.
Também vencido, afirmou JACKSON: “A punição da palavra impressa, baseada na sua tendência seja a causar perturbação da ordem, seja a injuriar pessoas ou grupos, só se justifica, na minha opinião, quando a acusação sobrevive ao test do perigo evidente e atual. Êste é o standard mais justo e mais prático até hoje desenvolvido para determinar a criminalidade de palavras cujas tendências injuriosas ou incitadoras de desordem não são demonstradas pelos acontecimentos, mas decorrem de probabilidades. …Neste caso, nem o tribunal recorrido, nem o júri, encontraram, nem foi alegada, qualquer injúria a qualquer pessoa ou grupo, ou perturbação da paz pública, nem encontraram, sequer, qualquer probabilidade, já deixando de lado qualquer perigo claro e presente, de injúria a qualquer dêstes. Neste caso não se alegou nem provou qualquer violência ou injúria específica. O folheto foi considerado punível como libelo criminal per se, independente de suas conseqüências atuais ou prováveis”. Segundo JACKSON, isso era errado e a maioria falhara em estabelecer o equilíbrio constitucional entre o poder estadual e os direitos individuais.
Comentando esta decisão, como as relativas aos casos Douds e Dennis, já referidos, diz o professor FRANK estar a Côrte Suprema utilizando nessas hipóteses a presunção de constitucionalidade das leis estaduais contra as liberdades civis, ou algo muito próximo dela. Cria-se, assim, o círculo vicioso. “Um congressista vota uma lei, esperando que a Côrte Suprema a examine cuidadosamente; e alguns juízes, então, a validam, porque, presumidamente, o Congresso pensou detidamente no que estava fazendo. O resultado é que a responsabilidade primária para a proteção de nossa liberdade escapa a qualquer de nossas instituições”. Segundo o douto professor de Yale, o contrôle judicial devia ser algo mais que um cerimonial vazio, e os juízes só deviam manter leis restritivas dos direitos garantidos pela Primeira Emenda, quando estivessem pessoalmente convencidos de ser essa lei indispensável ao bem público.40
Tendo aceito, em 1941, a validade de postura municipal que exigia licença para a realização de paradas ou procissões,41 10 anos mais tarde julgou a Côrte Suprema inconstitucional uma outra que proibia reuniões religiosas nas ruas sem licença da polícia.42 Kunz obtivera licença de pregação pública para o ano de 1946 revogada após inquérito, em que se argüira haver êle ridicularizado e denunciado outras crenças religiosas em suas prédicas. Negados seus pedidos de licença, em 1947 e 1948, foi prêso e multado em 10 dólares ao falar, sem a mesma, em Columbus Circle. Entendeu a Côrte Suprema tratar-se de caso claro de censura prévia, visto que a postura municipal dava “ao funcionário administrativo poder discricionário para controlar prèviamente o direito dos cidadãos de falar sôbre matéria religiosa nas ruas de New York sem standards apropriados para proteger a paz e a ordem da comunidade, caso o discurso resultasse em desordem ou violência”.
Vencido, o juiz JACKSON disse ser atitude “quixotesca” atribuir “aos ataques odientos e levantadores de ódios contra as raças e crenças” as proteções clássicas da liberdade de palavra. New York era formada de um incrível aglomerado de nacionalidades, raças e religiões. “Nas ruas e nos lugares públicos, tôdas as raças e nacionalidades e homens de tôda espécie e condição andam, demoram e se misturam. Não é razoável proteja a cidade a dignidade dessas pessoas contra fanáticos que se apoderam das ruas para urrar contra a multidão epítetos difamatórios, que doem como pedras? Se existem dois assuntos intrinsecamente incendiários são a raça e a religião… São êsses os explosivos com os quais, segundo a Côrte, Kunz pode brincar nas ruas públicas, e a comunidade deve não só tolerá-lo como ajudá-lo. Não encontro tal doutrina na Constituição”.
Também o uso de ampliadores de som nas ruas e parques públicos foi discutido pela Côrte Suprema, ao decidir o caso Saia v. New York.43 Tratava-se de um ministro da seita das Testemunhas de Jeová, que pregava em certos domingos no parque público da cidade de Lockport, usando alto-falante instalado na capota de seu carro para alcançar maior público. Postura municipal exigia licença para o uso de alto-falantes. Quando a licença de Saia se esgotou, foi-lhe negada a renovação, por ter havido queixas contra êle. Inconformado, utilizou o equipamento sem licença, foi processado e condenado. Vindo o caso à Côrte Suprema, sendo relator do acórdão o juiz DOUGLAS, declarou-se a inconstitucionalidade da referida postura municipal, considerada, de plano, censura prévia ao direito de usar livremente da palavra, desde que não prescrevia standards limitativos do arbítrio denegatório do chefe de polícia. Era Peito coibir os abusos do uso de alto-falantes por meio de “leis estritamente redigidas”, mas não se podia dar ao chefe de polícia poder para negar-lhes totalmente o uso.
Votaram vencidos os juízes FRANKFURTER e JACKSON, acompanhados por REED e BURTON. Segundo FRANKFURTER, era, o parque pequeno e o alto-falante poderoso, capaz de perturbar os que procuravam recreação. O barulho constitui “intrusão na intimidade de cada um”; prejudica “o descanso pelo silêncio, a meditação ou a conversação calma”. JACKSON expressou-se em têrmos mais vigorosos. Não podia admitir vedasse a Constituição às municipalidades regular ou proibir “a introdução irresponsável de aparelhos dessa espécie nos lugares públicos”. Não se cuidava, na hipótese, de proteger a liberdade de palavra, mas de caber se a sociedade pode exercer contrôle sôbre “aparelhos que, quando empregados sem regulamentação, com fito de arregimentação, de propaganda ou comercial podem tornar a vida insuportável”.
No ano seguinte, outro caso de restrição aos alto-falantes veio à Côrte Suprema, proveniente de Trenton, New Jersey.44 Em acórdão redigido pelo juiz REED, interpretou a Côrte Suprema a postura municipal como proibitiva dos carros munidos de alto-falantes “com som alto e fanhoso”. A proibição absoluta do uso dêsses aparelhos dentro das cidades seria inconstitucional, mas o seu uso irrestrito seria também intolerável.
O direito a certo silêncio nos lugares públicos foi ainda discutido em caso do Distrito de Colúmbia, a propósito da irradiação, nos transportes locais, de programas de música, intervalados, cada hora, por três minutos de anúncios. Entendeu comissão regulamentadora das emprêsas de utilidade pública não prejudicarem tais programas o interêsse, o confôrto e a segurança públicas. Assim não pensaram alguns dos ouvintes forçados e suas reclamações se consubstanciaram em caso submetido à Côrte Suprema. Negou-lhes a Côrte razão, em acórdão redigido pelo juiz BURTON, afirmando não ser o direito individual à intimidade num veiculo público o mesmo que em casa.45
O juiz FRANKFURTER declarou-se impedido, por sentir-se, pessoalmente, “vítima da prática em questão”. O juiz DOUGLAS, vencido, dizia não se dever jamais permitir forçasse o govêrno o povo a ouvir qualquer programa de rádio. “O direito de ser deixado sòzinho é, na verdade, o principio de tôda liberdade”, Os passageiros de um veículo público constituem audiência cativa e não lhe devem ser impostos outros barulhos além dos resultantes da própria multidão, da conversa e do tráfico. “A música selecionada por um burocrata pode ser tão irritante para alguns quanto agradável para outros. As notícias escolhidas e irradiadas pelo comentarista poderão dar ênfase a fatos que agradem ao burocrata e desgostem à audiência cativa, do veículo. A filosofia política transmitida pelo speaker de rádio pode parecer ao encarregado do programa a melhor para o bem-estar do povo. Mas os ouvintes, no seu caminho de e para casa, de manhã e à noite, podem considerá-la capaz de destruir a República ….Invadida, desaparece a intimidade. Obrigando-se hoje alguém a escutar um programa de rádio, amanhã se poderá forçá-lo a ouvir outro. Daí a substituir programa cultural por outro político pode não ir senão pequeno passo”.
A formação de piquêtes de trabalhadores com cartazes, em frente ao estabelecimento contra o qual fazem greve (picketing), foi pela Côrte Suprema, em 1940, assemelhado à liberdade de palavra e colocado sob a proteção da Primeira Emenda Constitucional. Tal entendimento foi mais tarde reformado, afirmando-se a liberdade do Legislativo e do Judiciário na definição do interêsse publico capaz de impedir essa atitude coletiva dos trabalhadores. “Apesar de ser o picketing modo de comunicação do pensamento”, disse a Côrte, “o picketing industrial é mais que a liberdade de palavra, pois envolve o patrulhamento de certo local e a própria presença da linha de piquête pode induzir a ações inteiramente independentes da natureza das idéias que estão sendo disseminadas”.46
OUTRAS ÁREAS ABRANGIDAS PELA PROTEÇÃO A LIBERDADE DE PALAVRA
Alargou a Côrte Suprema, através da regra do perigo evidente e atual, a liberdade de expressão no tocante à discussão do processo judicial além dos limites marcados pela common law. Em 1907. recusara-se a Côrte, em acórdão redigido por HOLMES, a rever a condenação de um editor de jornal através do contempt of court (desacato ou desobediência ao tribunal), pelo fato, de haver publicado artigos e caricaturas criticando a ação do tribunal em um caso pendente.47 Nos últimos anos, porém, não só tem a Côrte Suprema se julgado competente em casos dessa natureza como examina os fatos com grande cuidado, não hesitando, inclusive, em reformar decisões de tribunais estaduais.
O caso-padrão, Bridges v. Califórnia,48 envolvia disputa entre uniões trabalhistas submetida ao julgamento de certo juiz de nome SCHMIDT. Depois da sentença, Harry Bridges, proeminente líder trabalhista, enviou ao secretário do Trabalho o seguinte telegrama: “Tentativa executar decisão SCHMIDT paralisará pôrto Los Angeles e envolverá tôda Costa do Pacífico”. Os tribunais da Califórnia julgaram Bridges culpado de contempt of court pela publicação dêsse telegrama e multaram-no em 125 dólares.
A Côrte Suprema, em acórdão redigido pelo juiz BLACK, reformou a decisão
recorrida, afirmando violar a mesma a liberdade de expressão garantida pela Primeira Emenda: “O mal que se procurou evitar foi descrito de moda diferente na instância inferior. Parece ser dúplice: desrespeito ao Judiciário e má administração da justiça. A presunção, de poder o respeito ao Judiciário ser conquistado protegendo os juízes contra críticas impressas avalia incorretamente o caráter da opinião pública americana. É estimado privilégio americano dizer o que pensa, nem sempre com perfeito bom gôsto, sôbre tôdas as instituições públicas. É um silêncio forçado, ainda limitado, visando apenas resguardar a dignidade do Judiciário, certamente engendraria ressentimento, suspeita e desrespeito em lugar de respeito”. Quanto ao segundo mal apontado, dizia: “Não podemos partir do pressuposto de ameaçarem publicações dessa espécie a reta aplicação da justiça e de ser elemento indispensável à imparcialidade dos juízes possuírem êstes o poder de punir o contempt e, através dêle o de fechar todos os canais da expressão pública sôbre tôdas as matérias concernentes aos casos pendentes”.
Em 1946 veio à Côrte Suprema outro caso de contempt, decorrente de comentário de jornal sôbre determinado processo judicial.49 Em acórdão redigido pelo juiz REED, afirmou-se: “Concluímos não apresentar o perigo argüido neste processo à justa administração da justiça o caráter evidente e imediato necessário ao trancamento aos comentários públicos. Quando essa porta é fechada, tôdas as outras fecham-se atrás “dela”. Vencido, sustentou o juiz FRANKFURTER que a Côrte Suprema devia restringir-se a verificar se o tribunal federal fôra além dos limites permissíveis do julgamento ao sustentar que o procedimento punido como contempt era razoàvelmente calculado a pôr em perigo o dever do Estado de administrar justiça imparcial numa controvérsia pendente”.
Quatro anos mais tarde, ao negar a Côrte Suprema certiorari para rever certo caso,50 FRANKFURTER fora de todos os hábitos em tal circunstância, de vez que as denegações de certiorari são sempre imotivadas, escreveu voto de 25 páginas para explicar que essa decisão não significava haver a Côrte, implicitamente, aprovado a conclusão do tribunal inferior. A seu ver, incluía “a liberdade constitucional de imprensa o direito de dizer ao público o que se passa nos tribunais, a fim de poder êste julgar se o nosso sistema de justiça criminal é justo e correto, mas não o direito de discutir a questão da culpa ou inocência do acusado”.
A supressão pelo secretário dos Correios do privilégio postal concedido aos periódicos, sob a forma de tarifa muito módica, constitui outra forma de contrôle da liberdade de palavra. Em 1946 teve a Côrte Suprema oportunidade de manifestar-se a tal respeito no caso da revista “Esquire” acusada de conter matéria obscena.51 Citando os votos vencidos de HOLMES e BRANDEIS em hipótese anterior,52 sustentou a Côrte Suprema, sendo relator do acórdão o juiz DOUGLAS, que admitir a revogação do privilégio porque o conteúdo da revista não parecia moral aquele funcionário permitiria, amanhã, suprimi-lo em relação a outros periódicos cujas opiniões, em matéria social ou econômica parecessem prejudiciais a outro funcionário. Só a distribuição não censurada podia preservar os valores básicos.
Em 1948 declarou-se estar o cinema abrangido na liberdade de imprensa, garantida pela Primeira Emenda, da mesma forma que os jornais e o rádio.53 Reafirmou-se tal entendimento a propósito da proibição do filme “Milagre” de Rosseline, após dois meses de exibição em New York. Motivou-a forte campanhas católica e serviu de base lei estadual em que se fazia referência à possibilidade de censura de filme “sacrílego”. Em acórdão redigido pelo juiz CLARK,54 afirmou a Côrte Suprema não poderem os Estados, constitucionalmente, censurar filmes cinematográficos por “sacrilégio”, pois, de outro modo, seria o censor “conduzido a um mar ilimitado de correntes religiosas em conflito, sem qualquer roteiro senão os providos pelas ortodoxias mais audíveis e poderosas”. O cinema não é simples espetáculo, mas “um meio significativo de comunicação de idéias” e, como tal, protegido pela Primeira e pela 14ª Emendas à Constituição. Também FRANKFURTER assinalou, em seu voto concorrente, o caráter vago da palavra “sacrilégio”, dizendo que erigi-la em standard certamente conduziria a uma situação em que o censor só baniria aquilo contra o qual se levantasse “o protesto substancial de um grupo religioso”.
Uma semana mais tarde, revendo a proibição, por uma cidade do Texas, da exibição do filme “Pinky”, que tratava de tema racial, declarou a Côrte Suprema a inconstitucionalidade da postura municipal autorizadora da denegação de licença, quando os censores julgassem o filme “de caráter prejudicial aos interêsses do povo da localidade”.55 Em seu voto concorrente, afirmou o juiz DOUGLAS ser a mesma forma flagrante de censura prévia. “Se um comitê de censores pode dizer ao povo americano o que melhor atende aos seus interêsses em matéria do que devem ver, ler ou ouvir, então o pensamento é arregimentado, a autoridade substitui a liberdade e é banido o grande propósito da Primeira Emenda, de manter fora de contrôle a liberdade de expressão”.
CONCLUSÃO
As decisões da Côrte Suprema restritivas das liberdades fundamentais da Primeira Emenda Constitucional nos ano de 1919 e 1920 corresponderam à época do chamado Red Scare, logo depois da Primeira Guerra Mundial. O efeito nervoso da guerra, o choque da Revolução Russa, a falta de preparo do povo americano para amplas divergências intelectuais; nas palavras do professor CHAFEE, contribuíram para a onda de intolerância que inundou o país após o conflito. Refletiu-se êsse estado de ânimo no Congresso onde, durante o inverno de 1919-1920, estavam em curso nada menos de 70 projetos de leis de sedição, e na Côrte Suprema, que não se conseguiu eximir á histeria reinante. Em 1919, escrevendo a, Sir FREDERICK POLLOCK, dizia HOLMES: “Tive de tratar de casos que me fizeram ferver o sangue; e, entretanto, não parece tenham os mesmos despertado qualquer sentimento no público ou, sequer, na maioria de meus colegas na Côrte Suprema”.
A regra do perigo evidente e atual, entretanto, então enunciada por HOLMES e desenvolvida por êle e BRANDEIS, iria produzir bons frutos. Entrou a jurisprudência da Côrte, em tempos mais normais, em fase de grande liberalismo, que atingiu o máximo na Côrte de ROOSEVELT, sob as presidências dos juízes CHARLES EVANS HUGHES (1930-1941) e HARLAN FISKE STONE (1941-1946), excetuadas certas decisões durante a guerra, em que se deu preeminência às invocadas razões de segurança militar contra as razões de direito. Derivada da regra do perigo evidente e atual a teoria das liberdades preferenciais, curto foi o seu domínio. O clima de pós-guerra e de guerra fria, com o mêdo do comunismo, ao lado do mêdo de mudança e subversão, levou de novo a Côrte Suprema, num reflexo da opinião pública dominante, sob a presidência do juiz FRED VINSON (1946-1953), a negar a sua proteção a muitos casos envolvendo as liberdades civis.
A grande tarefa da Côrte é, hoje, a de conciliar as liberdades democráticas com o problema da segurança nacional em face, sobretudo, das invasões dessas liberdades pelo próprio Congresso, através de leis como a do Registro de Estrangeiros, de 28 de junho de 1940, que estabeleceu, segundo o professor CHAFEE,56 as mais drásticas restrições à liberdade de palavra jamais promulgadas nos Estados Unidos durante a paz; o Programa de Lealdade de TRUMAN, de 22 de março de 1947, e o Programa de Lealdade e Segurança, de EISENHOWER, de 27 de abril de 1953 em conseqüência dos quais se precederam e procedem às investigações dos servidores do Estado numa escala nunca vista e num processo muito parecido com o da inquisição, sem acusação comunicada às partes e sem identificação das testemunhas; a Lei do Contrôle das Atividades Subversivas, ou Lei McCarran, de 23 de setembro de 1950; a Lei de Imigração e Nacionalidade, de 1952, que autorizou o presidente a proclamar a existência de emergência nacional e impor restrições à saída e entrada do país “de acôrdo com os interêsses dos Estados Unidos”. O exame da atual política de denegação de passaportes levou o professor JAFFE a dizer: “Tem-se forte impressão de que o passaporte pode ser negado a qualquer pessoa que, em qualquer tempo, expressou opiniões políticas ou morais não-ortodoxas; se tal impressão é errônea, autoriza-a, pelo menos, a recusa do Departamento de Estado de explicar ou justificar sua atitude”.57
Ao lado dessas leis há a ação deletéria de algumas Comissões Parlamentares de Inquérito, em razão das quais professôres, artistas, funcionários são demitidos pelo simples fato de apelarem para a garantia da 5ª Emenda Constitucional (de não se incriminar) a fim de não responderem às perguntas formuladas pelas mesmas sôbre filiação política ou associação com o Partido Comunista. Sob o domínio de MACCARTHY e da exploração do sentimento anticomunista cometeram-se numerosos atentados contra a liberdade de expressão. O ocaso do maccarthyismo assinala certa melhora no ambiente que, ainda assim, continua longe do normal.
Sob a presidência, a partir de outubro de 1953, do juiz EARL WARREN, parece a Côrte de novo inclinar-se à maior proteção das liberdades democráticas, num balanço mais equilibrado com as necessidades da segurança nacional. A democracia contém dentro dela mesma os princípios de correção e os abusos apontados e demonstrados à nação com admirável espírito crítico, que permite ao americano fazer introspecções extremamente corajosas em livros, na imprensa, no teatro e no cinema – provàvelmente cederão lugar ao bom-senso. Isso muito dependerá, naturalmente, dos futuros acontecimentos no plano internacional.
A volta da Côrte Suprema à teoria das liberdades preferenciais significará a adoção de uma concepção dualista do contrôle da constitucionalidade das leis: de deferência ao Congresso e de auto-restrição judicial em matéria de regulamentação da vida econômica; de presunção de inconstitucionalidade das invasões legais das liberdades de palavra, de imprensa, religiosa e de reunião. Estas são categorias superiores, que transcendem os interêsses do indivíduo e constituem elementos imprescindíveis ao perfeito funcionamento do sistema democrático de govêrno. Em face delas só deve o Estado intervir quando se caracteriza o abuso, que fere as liberdades e os direitos civis de outras pessoas ou põe em perigo a própria existência da coletividade. Aí é lícita a repressão porque, de outro modo, o excesso de liberdade levaria à morte da liberdade e estaria a democracia em risco de perecer por falta de defesa.
Pode e deve o Estado resguardar-se e a seus cidadãos. Mas não pode e não deve, a pretexto de salvar a democracia, matar as liberdades democráticas. Compete aos três poderes velar para que tal não aconteça, corrigindo-se uns aos outros, com as armas fornecidas pela Lei Maior. Mas alguns autores, como os professôres HERMANN C. PRITCHETT, de Chicago, EUGENE ROSTOW e JOHN P. FRANK, de Yale, sustentam, hoje, nos Estados Unidos caber principalmente ao Poder Judiciário, como supremo intérprete da Constituição, velar pela manutenção daqueles direitos e liberdades essenciais ao govêrno democrático. Dos grandes julgados da Côrte Suprema, um princípio resulta sempre bem nítido: a imunidade da palavra e da imprensa à censura prévia.
A atitude de vanguarda assumida pela Côrte Suprema ao declarar a inconstitucionalidade da segregação racial, em 1954, leva-nos a encarar com enorme curiosidade os próximos anos da Côrte, sob a decidida liderança do Chief-Justice WARREN, segundo o qual58 os juízes americanos “não são monges nem cientistas, mas participantes da corrente viva da nossa vida constitucional, guiando o direito entre os perigos da rigidez, de um lado, e da ausência de formalismo, de outro”. O sistema americano, diz êle, “não enfrenta dilema teórico, mas um único problema continuado: como aplicar às condições sempre variantes os princípios invariáveis da liberdade”.
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Notas:
1 249 U. S. 47 (1919).
2 Frohwerk v. United States, 249 U. S. 204 (1919). Também no caso do líder socialista Eugene V. Debs (Debs v. United States, 249 U. S. 211), julgado em 1919, a Côrte confirmou a condenação, à unanimidade.
3 ZECHARIAH CHAFEE, “Frée speech in the United States”, Harvard University Press. 1954, pág. 86.
4 Abrams v. United States, 250 U.S. 616 (1919). Em Schaefer v. United States (251 U.S. 468), julgado em 1920, outro caso importante baseado na Lei de Espionagem, HOLMES e BRANDEIS, de novo vencidos, foram acompanhados pelo juiz CLARKE.
5 Gilbert v. Minnesota, 254 S. S. 325 (1920).
6 268 U. S. 652 (1925).
7 ZECHARIAH CHAFEE, ob. cit., pág. 321.
8 Gitlow v. New York, 268 U.S. 652, 666 (1925).
9 Whitney v. Califórnia, 274 U. S. 357 (1927).
10 Citando muitas vêzes o voto de BRANDEIS, meses depois o governador C. G. Young, da Califórnia, perdoou Anita Whitney. Cf. CHAFEE, ob. cit., págs. 352-353.
11 274 U.S. 380 (1927).
12 CHAFEE, ob. cit., pág. 352.
13 283 U. S. 697 (1931).
14 VIRGINIA WOOD, “Due process of law, 1932-1949, The Supreme Court’s use of a constitution tool”, Baton Rouge, 1951, pág. 1.
15 Bridges v. Califórnia, 314 U. S. 252 (1941).
16 Pennekamp v. Flórida, 323 U.S. 516 (1945).
17 Palko v. Connecticut, 302 U.S.319 (1937).
18 Unilled States v. Carolene Products Co., 304 U.S. 144 (1938).
18-a Jones v. Opelika, 316 U. S. 584 (1942).
19 Murdock v. Pennsylvania, 319 U. S. 105 (1943).
20 328 U. S. 533 (1945).
21 “The Constitution of the United States, Analysis and interpretation”, edição de Edward S. Corwin, Washington,, U.S. Government Printing Office, 1953, pág. 790.
22 Kovacs v. Cooper, 336 U. S. 77, 33 (1949).
23 Kovacs v. Cooper, 336 U. S. 77, 88 (1949).
24 Minersville School Distriet v. Gobitis, 310 U.S. 586 (1940).
25 Brinegar v. United States, 338 U.S. 160 (1949).
26 Bridges v. Califórnia, 314 U.S.252 (1941).
27 ROBERT McCLOSKEY, “Free speech, sedition anel the Constitution”, in “American Political Science Review”, vol. 45 (1951), pág. 665.
28 Osman v. Douds, 339 U.S. 846 (1950).
29 341 U. S. 494 (1951).
30 United Public Workers v. Mitchell, 330 U. S. 75 (1947).
31 Chaplinsky v. New Hampshìre, 315 U. S. 588 (1942).
32 American Communications v. Douds, 339 U. S. 382 (1950).
33 Breard v. Alexandria, 341 U. S. 162 (1951).
34 Fox v. Washington, 236 U. S. 273 (1915).
35 Gitlow v. New York, 268 U. S. 652 (1925).
36 Terminiello v. Chicago, 337 U. S.1 (1949).
37 Feiner v. New York, 340 U. S. 315 (1951).
38 HERMANN C. PRITCHETT, “Civil liberties and the Vinson Court”, University of Chicago Press, 1954, pág. 03.
39 Beauharnais v. Illinois, 343 U.S. 250 (1952).
40 JOHN P. FRANK, “Review and basic liberties, in “Supreme Court and Supreme Law”, ed. De Edmond Cahn, Indiana University Press, 1954, pág. 134.
41 Cox v. New Hampshire, 312 U.S. 569 (1941).
42 Kunz v. New York, 340 U. S. 290 (1951).
43 334 U. S. 558 (1948).
44 Kovacs v. Cooper, 336 U. S. 77 (1949).
45 Public Utilities Commission v. Pollak, 343 U.S. 451 (1952).
46 International Brotherhood of Teamsters v. Hanke, 339 U. S. 47 (1950).
47 Patterson v. Colorado, 205 U.S. 454 (1907).
48 314 U. S. 252 (1941).
49 Pennekamp v. Flórida, 328 U.S. 331 (1946).
50 Maryland v. Baltimore Radie Show Inc., 338 U. S. 912 (1950).
51 Hannegan v. Esquire Inc. 327 U.S. 148 (1946).
52 Milwaukee Social Democratic Publishfng Co. v. Burleson, 255 U. S. 407 (1921).
53 United States v. Paramount Pictures, 334 U.S. 131 (1948).
54 Burstyn v. Wilson, 343 U. S. 495 (1952)
55 Gelling v. Texas, 344 U.S. 960 (1952).
56 ZECHARIAH CHAFEE, “Free speech in the United States”, Harvard University Press, 1954, pág. 441.
57 LOUIS L. JAFFE, “The right to travel: The passport problem”, in “Foreign Affairs”, vol. 35 (outubro de 1956) pág. 25.
58 Cf. “The Supreme Court ends a busy Term, draws a heavy fire”, in “Time” de 25-6-956.
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- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
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