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Educação e Carreira: Como a Inteligência Artificial está redefinindo a formação e o futuro dos profissionais do Direito

Andrea Ramal
09/04/2025
Andrea Ramal, Doutora em Educação pela PUC-Rio
A revolução silenciosa que a inteligência artificial (IA) tem promovido em diversas áreas do conhecimento não passou ao largo da educação. Se já vínhamos assistindo à digitalização do ensino ao longo da última década, a chegada de modelos generativos como o ChatGPT, aliados a algoritmos de personalização, aprendizado de máquina e big data, trouxe uma mudança de paradigma. Nesse novo cenário, a formação profissional também se depara com oportunidades e desafios inéditos – e a área jurídica não é uma exceção.
Uma das contribuições mais imediatas da IA para a educação é a possibilidade de personalização do aprendizado. Plataformas educacionais adaptativas conseguem identificar os pontos fortes e fracos de cada estudante, oferecendo trilhas de estudo customizadas, recursos sob medida e feedbacks em tempo real. Quando já formados, os profissionais do Direito, por sua vez, podem revisar jurisprudências com apoio de ferramentas que resumem decisões, indicam precedentes e até auxiliam na compreensão de temas complexos com linguagem acessível. Isso reduz barreiras e amplia o acesso ao conhecimento em diferentes etapas da jornada profissional, desde a formação inicial até a qualificação contínua.
Historicamente baseado na exposição oral e na decoração de normas, o ensino jurídico precisa agora dialogar com novos métodos, mais interativos e voltados para o desenvolvimento de competências práticas. A tecnologia tem muito a colaborar nesse sentido. Simulações com IA, por exemplo, permitem que estudantes experimentem a atuação como advogados ou magistrados em casos fictícios, com respostas automatizadas dos “personagens” processuais. Além disso, o uso de plataformas como o ChatGPT como tutor virtual pode enriquecer o estudo individual, desde que acompanhado de senso crítico e orientação adequada.
Um estudo da Goldman Sachs divulgado em 2023 estimou que cerca de 44% das tarefas do setor jurídico poderiam ser automatizadas com o uso de inteligência artificial generativa. Isso não significa menos profissionais, mas sim uma pressão crescente para que eles adotem um novo posicionamento: menos execução repetitiva, mais interpretação estratégica.
Na prática, escritórios já utilizam IA para revisar grandes volumes de contratos, mapear riscos em tempo real e até gerar esboços de petições. E o movimento não é restrito à advocacia: órgãos como o STF e o CNJ também vêm adotando soluções baseadas em tecnologia inteligente, como o sistema Victor, que auxilia na triagem de recursos extraordinários, e a plataforma Sinapses, que organiza documentos legais com base em aprendizado de máquina. Isso abre espaço para que o advogado atue de forma mais criativa e analítica — desde que saiba usar essas ferramentas com competência e discernimento.
Há inúmeras possibilidades para quem deseja começar a usar esses modelos computacionais na rotina de forma ética e produtiva. Um advogado, por exemplo, pode gerar simulações realistas para se preparar melhor para audiências; estudantes podem criar quizzes e resumos para revisar conteúdos de concursos e da OAB; assistentes podem produzir relatórios com análise automatizada de jurisprudência; escritórios podem elaborar scripts de atendimento ao cliente com uma linguagem mais simples e acessível; e professores podem traduzir termos técnicos complexos para o público leigo ou para alunos em formação.
Na era da IA, o verdadeiro talento está em saber fazer boas perguntas, e não em ter todas as respostas. O profissional que dominar a arte de dialogar com a máquina, ou prompt engineering, terá uma vantagem decisiva. Não se trata de competir com a IA, mas de cooperar com ela para extrair o melhor.
Dito isso, é preciso lembrar que, apesar dos benefícios evidentes, o uso da IA na educação e no Direito também levanta questões sensíveis. Como evitar o plágio automatizado? É ético usar ferramentas algorítmicas para elaborar pareceres ou petições? Como garantir que o conhecimento gerado por algoritmos seja confiável e juridicamente seguro?
As instituições de ensino, os órgãos de classe e o próprio Poder Judiciário precisarão estabelecer diretrizes claras sobre o uso dessas tecnologias. Mais do que isso, caberá a essas entidades promover a formação crítica, reforçando valores como a ética, a responsabilidade e o pensamento reflexivo.
Curiosamente, à medida que a IA se torna mais presente, também cresce a importância das habilidades humanas. Empatia, escuta ativa, pensamento crítico e criatividade são diferenciais que nenhuma máquina consegue replicar com profundidade. Na prática jurídica, isso se traduz em saber interpretar nuances, negociar com sensibilidade e construir soluções que considerem o contexto humano dos conflitos.
Assim, cada vez podemos afirmar com mais segurança que o profissional do futuro não é aquele que sabe tudo, mas aquele que sabe aprender, desaprender e reaprender com agilidade. É aquele que combina o uso inteligente da tecnologia com a inteligência emocional e a ética na atuação.
Em síntese, diria que a IA não é o fim da educação tradicional, mas um convite à sua reinvenção. No Direito, essa transformação está apenas começando, e exige abertura para o novo, curiosidade intelectual e coragem para repensar velhas práticas. Aqueles que souberem integrar o potencial da tecnologia com a profundidade da formação jurídica serão os protagonistas de um futuro mais eficiente, justo e humano.
Nesse novo cenário, aprendizagem e carreira deixam de ser fases estanques e se tornam um ciclo contínuo de transformação. E a inteligência artificial, longe de ser uma ameaça, pode ser a ponte para uma formação mais personalizada, inclusiva e alinhada às exigências do século XXI.