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Umas palavras sobre confiança e sobre urnas eletrônicas

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Umas palavras sobre confiança e sobre urnas eletrônicas

DIREITO ELEITORAL

ELEIÇÕES

FRAUDE

URNAS ELETRÔNICAS

VOTAÇÃO

VOTO IMPRESSO

10/05/2021

Fui Procurador Regional Eleitoral por quatro vezes, se eu puder contar também o período em que atuei como substituto. Ao longo desses anos, não houve uma só eleição na qual alguns candidatos derrotados – e até, surpreendentemente, vencedores – não alegaram fraude na contagem dos votos. Como membro do Ministério Público, considerei meu dever ouvir essas pessoas e pedir as evidências que tivessem.

Um relato comum dizia que, a despeito de uma excelente campanha, a urna eletrônica não computava sequer o voto da mulher do político, que votava em determinada seção. Nesses casos, eu dizia:

– Convém passar mais tempo em casa.

Recebi gente bem intencionada que apontava erros na programação das urnas eletrônicas, que seriam vulneráveis a fraudes. Dei a estas notícias a devida atenção e pedi o suporte de experts no assunto, sem que, no entanto, problemas tivessem sido encontrados.

O que muitos parecem não ser dar conta, é que a urna eletrônica não é conectada à internet. Não há um vírus de ampla dispersão que possa ser utilizado para contaminá-las de forma a produzir um resultado relevante, como ocorre com máquinas conectadas. Quanto ao programa comum a todas, ele é apresentado pela Justiça Eleitoral ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e aos Partidos Políticos, que podem analisá-lo na busca de fraquezas ou itens ocultos. No dia da votação, os candidatos e fiscais de partido têm plena liberdade para  fiscalizar tudo.

Acompanhei os testes públicos de segurança promovidos pelo TSE, que convida e chega a custear a viagem de estudiosos que apontem fragilidades no sistema. Assisti a lacração do programa, para a qual todos os partidos são convidados.

Em São Paulo, presenciei a votação simulada e a zerésima, ou seja, confirmação de que não havia dados de votação preexistente na urna. Fiscalizei o sorteio de seções eleitorais, ao longo do Estado, para auditoria das urnas. Sim, elas são auditáveis.

Depois de seguidas eleições, sinto-me com a responsabilidade e o dever de prestar o seguinte depoimento pessoal:

 Confio nas urnas eletrônicas: não há nenhum indício consistente que sugira a possibilidade de fraudes. 

E ainda, deponho:

– O voto impresso seria um largo passo para trás, que favoreceria a compra de votos e geraria tumulto nas seções de votação.

Como sugestão que faço ao excelente corpo de comunicação social do Tribunal Superior Eleitoral, penso que seria o caso de divulgar esses fatos com a linguagem da gente comum do povo, chamando líderes populares, sindicais e religiosos para conhecer de perto essa vibrante tecnologia brasileira.

Feita essa introdução, pedi autorização ao Prof. Walter Claudius Rothenburg, Procurador Regional da República da 3a. Região, para divulgar parecer que ele ofereceu em Ação Civil Pública. Pede-se que o Poder Judiciário obrigue a Presidência da República a apresentar, para conhecimento geral, evidências de burlas ou inconsistências do sistema eletrônico de votação, por ela mencionadas.

Não me cabe fazer juízos sobre a oportunidade ou a conveniência desta ação, nem prognósticos sobre seu êxito.  Tampouco subscrevo ou deixo de subscrever o parecer, pois não é um caso a mim distribuído. Todavia, considerei que o tema é digno de ser trazido para a consideração dos leitores (ou tomadores) desta “Cachaça”.

Aqui vai a manifestação, com os grifos do original:

“Este é o parecer (intimação em ID 156249502) relacionado à apelação (ID 155810491) da sentença (ID 155810487, repetido em ID 155810488) que extinguiu, sem julgamento de mérito, ação civil pública promovida por Associação Livres contra o Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, cujo pedido está assim articulado: “a obrigação de que o Presidente da República anexe as supostas provas de que ocorreu, eventualmente, fraude no resultado das Eleições de 2018” (item “d”, ID 155810457).

O insigne Magistrado, após reconhecer, acertadamente, sua competência e não a do Supremo Tribunal Federal para o julgamento da demanda, entendeu que falecia legitimidade passiva à associação autora, sob o seguinte fundamento: “não se vislumbra nexo evidente entre os fins institucionais da associação autora – relacionados às liberdades, políticas públicas, formação de líderes, gestores e empreendedores e apoio a campanhas políticas – e o bem jurídico que se busca tutelar na presente ação civil pública” (ID 155810473). Esse entendimento foi ratificado na sentença. Havia sido determinada a inclusão da União Federal no polo passivo da demanda (ID 155810467, repetido em 155810468 e 155810469). Contrarrazões no ID 155810496.

Assiste razão à Apelante.

 Legitimidade da associação autora 

Narra a petição inicial (ID 155810457):

“O presidente Jair Bolsonaro declarou, durante evento nos Estados Unidos, em 10/03/2020, que houve “fraude” na eleição presidencial de 2018 e afirmou ter “provas” de que venceu o pleito no primeiro turno – mas não apresentou ou citou qualquer indicativo oficial para justificar a assertiva”. 

Em entrevista à emissora Jovem Pan, no programa “Os Pingos nos Is”, em 21/01/2021, o Presidente da República voltou ao assunto:

“E daí chegou uma pessoa para mim e mostrou, numa tela do computador, a apuração minuto a minuto que vinha ocorrendo no TSE. Coisas que vocês não têm aí. Nós acabamos tendo aqui.

     Então, em mais ou menos duas horas, duas horas de apuração, uma hora dava (que) eu ganhava, num minuto era eu e no minuto seguinte era o (Fernando) Haddad. Eu, Haddad, eu, Haddad. Por aproximadamente 120 vezes. Eu, ele, eu, ele. Se você for falar em estatística, a chance disso acontecer é de você ganhar três vezes seguidas na Mega Sena da virada. Quer maior indício disso? Além de outros, de outro grupo (que teria chamado atenção para outro indício de fraude)”.

Tais declarações foram amplamente reverberadas e seu teor não foi negado.

A Autora (Associação Livres)  pede, com base nessas declarações e seu potencial de lesão à lisura das eleições e à democracia, que o Presidente da República (Jair Messias Bolsonaro) seja instado a comprová-las. Com efeito, quando o Presidente da República afirma publicamente que o pleito eleitoral no qual ele própiro sagrou-se vencedor está maculado de fraude, atinge-se gravemente a credibilidade do sistema eleitoral, das instituições responsáveis pela eleição e da participação popular, com comprometimento da democracia, que é constitutiva da República Federativa do Brasil, conforme o art. 1º da Constituição.

Parece evidente, portanto, que a discussão posta nesta causa tem tudo a ver com direito de voto, participação política, atuação partidária e eleições. Pois constam como objetivos da associação autora “I – promover as liberdades política, econômica, civil e individual; II – promover, coordenar e executar estudos, ações, projetos e programas relacionados a políticas públicas, financiados por recursos nacionais e internacionais, de fontes privadas ou públicas; III – formar líderes, gestores e empreendedores nas áreas de políticas públicas e sociais; IV – formar e apoiar pessoas interessadas em em candidatar-se a cargos eletivos, bem como em participar e trabalhar em campanhas e outras atividades políticas” (art. 3º do estatuto conforme o ID 155810459; a redação é parcialmente convergente com o novo estatuto – aprovado antes da propositura da ação – em ID 155810481, que inclui entre os modos de consecução dos objetivos “promover o ativismo judicial por meio de Ação Civil Pública e quaisquer outras ações que possuir legitimidade”: art. 5º, VII).

Soa lógica e coerente a relação entre tais objetivos associativos e o objeto da presente ação civil pública. Promover as liberdades política e individual (art. 3º, I, do Estatuto) corresponde à preocupação com a participação popular e o direito de voto. Promover e executar ações relacionadas a políticas públicas (art. 3º, II, do Estatuto) corresponde à adoção de medidas de esclarecimento da lisura do processo eleitoral. A formação de líderes e gestores nas áreas de políticas públicas (art. 3º, III, do Estatuto) compreende as possibilidades de fiscalização difusa do processo eleitoral. A formação e o apoio de pessoas interessadas em candidatar-se a cargos eletivos, bem como em participar e trabalhar em campanhas e outras atividades políticas (art. 3º, IV, do Estatuto) compreende, além do que foi dito, o interesse em que sejam respeitadas as regras do jogo democrático.

Essas relações não esgotam as interconexões óbvias e estreitas entre finalidades associativas voltadas à participação política e o objeto desta ação civil pública. Calha enfatizar que tais objetivos da associação autora dizem com interesses específicos da associação (constituída exatamente para perseguir os fins correlacionados) e com o interesse geral da sociedade brasileira no bom funcionamento do sistema eleitoral, caracterizando-se como interesses coletivos (os interesses dos associados, nos termos da definição consagrada no art. 81, parágrafo único, II, do Código de Defesa do Consumidor) e como interesses difusos (os interesses da sociedade brasileira, nos termos do art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor). Ora, “qualsquer outro interesse difuso ou coletivo” pode ser objeto de ação civil pública, conforme disposto no art. 1º, IV, da Lei 7.347/1985, que dá conformação legislativa ao preceito constitucional que assinala à ação civil pública “a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, III).

A sentença, ao entender pela inexistência de “nexo evidente entre os fins institucionais da associação autora… e o bem jurídico que se busca tutelar na presente ação civil pública”, equivocou-se por não perceber essa clara relação. Ainda, a decisão não fundamentou a falta de nexo “evidente”, revelando inconsistência ante a aparente evidência, justamente, da relação entre os objetivos associativos e a pretensão deduzida. Então, além do equívoco quanto ao mérito, a sentença não se sustenta por força da deficiência formal de falta de fundamentação adequada, nos precisos termos do art. 489, § 1º, do Código de Processo Civil, que desenvolve o princípio da necessária motivação estampado no art. 93, IX, da Constituição da República.

Embora o Ministério Público Federal em primeiro grau tenha optado por não assumir o polo ativo da demanda, consignou expressamente, em parecer da lavra da Procuradora da República Priscila Costa Schreiner Röder: “em consonância com a jurisprudência pátria, entende-se que os objetivos e finalidades das associações não precisam refletir exclusivamente os objetos de futuras ações coletivas, sendo possível a definição, em determinada medida, de objetivos sociais genéricos”. Trouxe à colação jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: REsp 1357618 DF 2012/0259843-5, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 29/09/2017, 4ª T., DJe 24/11/2017; AgRg no REsp 901.936/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª T., j. em 16/10/2008, DJe 16/03/2009 (ID 155810486).

Outrossim, a ação civil pública presta-se a enfrentar os danos causados “ao patrimônio público e social” (Lei 7.347/1985, art. 1º, VIII). A presente demanda também se funda, juridicamente, nesse objeto, eis que a associação autora, no contexto de seus objetivos estatutários, promove o esclarecimento de um suposto incidente gravíssimo nas eleições presidenciais de 2018, alegado por ninguém menos do que o Presidente da República eleito, o que afeta o patrimônio imaterial da nação brasileira, bem como o sistema eleitoral – Tribunal Superior Eleitoral à cabeceira – com seu dispêndio gigantesco de esforços e com seus vultosos custos econômicos. Mais uma razão que aponta para o equívoco da sentença ora questionada.

A propósito, o Tribunal Superior Eleitoral emitiu nota em que “reafirma a absoluta confiabilidade e segurança do sistema eletrônico de votação e, sobretudo, a sua auditabilidade, a permitir a apuração de eventuais denúncias e suspeitas, sem que jamais tenha sido comprovado um caso de fraude, ao longo de mais de 20 anos de sua utilização” (notícia em https://www.conjur.com.br/2020-mar-10/tse-divulga-nota-rebater-declaracoes, acesso na data de 07 de maio de 2021).

A pertinência dos objetivos da associação autora ao objeto da presente ação civil pública justifica, pois, o acolhimento das razões de apelação.

     Foro e ação adequados para a discussão

A competência jurisdicional para esta ação civil pública foi bem reconhecida pelo Magistrado em primeira grau, conforme apontado. Importa notar que o Poder Judiciário pode e deve enfrentar a questãodeduzida, que não se circunscreve à mera opinião do alto mandatário do Estado brasileiro: este vai ao ponto de anunciar publicamente, em mais de uma ocasião, que houve fraude nas eleições presidenciais de 2018 e que o provará. Por conseguinte, livre e deliberadamente, o Presidente da República assumiu o compromisso público de demonstrar que essas eleições – as mesmas que o consagraram nas urnas – foram fraudadas. Tal não é, definitivamente, uma afirmação destituída de relevância jurídica.

A adequação da presente ação civil pública também foi atestada pela decisão de ID 155810473, que avaliou a existência de anterior ação popular (0805545-88.2020.4.05.8100), na Seção Judiciária do Ceará, para “determinar o acostamento, aos presentes autos, das supostas provas de eventual fraude nas Eleições de 2018 para o cargo de Presidente da República”. A ação popular foi sentenciada (pela improcedência) em 30/07/2020, o que afasta a conexão pretendida pela União Federal.

Ressalte-se que o Magistrado federal do Ceará reconheceu “que a ação popular em exame aponta uma omissão da conduta obrigatória do Presidente da República”, bem como ser “manifesto o prejuízo ao patrimônio público e à confiabilidade das instituições representativas brasileiras, e à Justiça Eleitoral, se o Presidente dispõe de fato de provas de que o sistema eleitoral está comprometido na segurança e sigilo das urnas eletrônicas e, mesmo assim, se recusa a fornecê-las, consentindo em que tais falhas se perpetuem no tempo e, ao mesmo tempo, impedindo que as investigações de tão graves suspeitas se debrucem sobre a veracidade da denúncia”. Todavia, entendeu aquele Magistrado que ao autor popular caberia demonstrar a existência das provas (as quais o Presidente da República alegou publicamente que poderia apresentar) e que não haveria “nenhum indício da realidade dessas provas e do que elas demonstrariam” (ID 155810474).

Em outro caso, que envolvia acusações proferidas pelo então Ministro da Educação, Abraham Weintraub – de que, por exemplo, as universidades públicas, seus docentes e estudantes estariam envolvidos com “”plantações extensivas de maconha” e “laboratórios de metanfetamina” –, houve propositura de ação (autos 5025911-73.2019.4.03.6100), com sentença de procedência proferida pela 26ª Vara Cível da Seção Judiciária de São Paulo (Juíza federal Dra. Sílvia Figueiredo Marques). Em segundo grau de jurisdição, o parecer do Ministério Público Federal, da lavra da Procuradora Regional da República e Professora Denise Neves Abade, destacou: “As declarações de um Ministro de Estado – ainda mais quando se trata do titular da pasta afeta à área sobre a qual se pronuncia – possuem um peso muito relevante, já que, por gerir um Ministério, presume-se sua hipersuficiência em relação às informações técnicas de sua competência.”

Verifica-se, assim, que as afirmações públicas de altas autoridades da república, que comprometem as instituições públicas, constituem atos prenhes de relevância e passíveis de enfrentamento judicial.

Nessa ação civil pública, foi admitida a legitimidade ativa da União Nacional dos Estudantes – UNE.

Conclui-se que a situação narrada na presente ação – afirmações públicas do Presidente da República, de que houve fraude nas eleições presidenciais de 2018 e que o provaria – é de extrema gravidade para a credibilidade do sistema eleitoral brasileiro, conforme expressamente reconhecido pelo Juízo de primeiro grau, ao se referir à “relevância de um processo com tamanha projeção social e repercussão”.

O pedido articulado na ação civil pública é ponderado, pois apenas pretende obter obrigação de fazer, consistente em que “o Presidente da República anexe as supostas provas de que ocorreu, eventualmente, fraude no resultado das Eleições de 2018”. A apreciação judicial desses fatos é calcada na discussão acerca da ilicitude do comportamento específico do Presidente da República e não se confunde com a repercussão que possam ter no âmbito jurídico-político da avaliação de crimes de responsabilidade e no âmbito político das comissões parlamentares de inquérito.

A legitimidade ativa da associação autora (ASSOCIAÇÃO LIVRES) evidencia-se pela pertinência em relação a seus objetivos estatutários.

No mérito, é de ser dado provimento à apelação, para afastar a extinção por ilegitimidade passiva e condenar o réu (Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO); a apresentar as provas da fraude nas eleições presidenciais de 2018, que alega existentes.

São Paulo, 26 de abril de 2021. – Walter Claudius Rothenburg, PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA”

E aí? O que acharam?

FONTE: A CACHAÇA ELEITORAL

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