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Muito se fala hoje sobre Ancine. Mas afinal, a culpa é de quem?
Vinícius Alves Portela Martins
01/08/2019
A Ancine é uma agência reguladora responsável pelo fomento (incentivo), pela fiscalização e pela regulação da atividade audiovisual [1]. Entre as atividades de regulação, possui a de acompanhamento do cumprimento de obrigações regulatórias, informação, participação e formação de pareceres a órgãos e entidades de defesa da concorrência, além da análise de dados de mercado audiovisual.[2]
Exemplificativamente, hoje a Ancine está no cerne de um debate importantíssimo para o audiovisual brasileiro no que se refere à fusão no plano internacional (com reflexos em nosso país) das gigantes americanas At&T e grupo Time Warner.
Entre as atividades de fiscalização, fiscaliza remessas para exterior junto à Receita Federal do Brasil [3]; o cumprimento de obrigações acessórias tributárias e administrativas, provenientes de seu poder de polícia [4] sobre o mercado (muitas dessas informações que permitirão, depois, os estudos regulatórios e concorrenciais supracitados). Também fiscaliza, arrecada e administra [5] a cobrança da Condecine, tributo voltado para fomentar as atividades do setor, por meio do Fundo Setorial do Audiovisual. Inclusive está no centro de outro importante debate da atualidade: a tributação do segmento de video on demand – VOD, do qual pertence a Netflix. [6]
E entre as atividades de fomento (apenas uma das atividades desempenhadas hoje por essa agência regulatória), a agência aprova projetos para que captem recursos públicos, fomento direto (FSA) ou fomento indireto (renúncia fiscal) [7]. Ou seja, é uma atividade administrativa vinculada. Isto é, cumprindo determinados requisitos, um produtor passa a estar apto a captar recursos públicos para produção de conteúdo audiovisual (além de distribuição ou reforma de salas de exibição). Essa atividade de fomento, em virtude das caraterísticas econômicas [8] do setor audiovisual, ocorre no mundo inteiro, inclusive nos EUA [9].
Essas são as principais funções da Ancine como agência reguladora, independente, responsável pelo audiovisual brasileiro em muitos aspectos regulatórios.
Há uma velha máxima no direito administrativo de que não há direito adquirido a regime jurídico. Isso significa que mudanças podem ser feitas visando ao interesse público [10]. Mas faço a pergunta: será que os motivos apresentados até o momento devem levar ao fechamento dessa agência? Observe o número de funções e temas relacionados à Ancine, o que não se limita à sua função de fomento.
Na atividade de fomento, a Ancine, apenas, aprova os projetos, habilitando-os à captação. Não escolhe ou direciona recursos, diretamente, a nenhum filme [11]. Assim, ao que nos parece, a Ancine carrega uma culpa que não é sua. Ela apenas autoriza a captação de recursos públicos, mediante cumprimento de requisitos formais, permitindo que produtores de filmes captem recursos da Petrobras ou do FSA (formado por um comitê gestor de origem técnica, com representantes de diversas áreas [12]).
Por fim, sugerimos que pensem sobre os motivos apresentados para fechar a agência hoje, a partir das informações colocadas sobre as funções da Ancine. Lembrando-se de que agências reguladoras como ANS, ANP, Anac, Ancine etc. nascem, em sua origem e num contexto de um governo neoliberal, para serem entidades de Estado e não de governo [13]. E a Ancine, além de agência reguladora, relacionada à regulação de importante mercado estratégico, possui possibilidades interessantes, tal como o denominado fomento regulatório, que abordaremos em outro artigo.
Confira aqui as obras do autor
[1] Art. 5º da MP 2.228-1/2001.
[2] Vide Observatório do cinema e do audiovisual – OCA: https://oca.ancine.gov.br/.
[3] A Receita Federal, em conjunto com a Ancine, editou/atualizou a DBF, inserindo recursos provenientes de remessa para o exterior, o que permitiu melhor fiscalização dos benefícios fiscais provenientes de remessa para o exterior; parcerias com o mesmo órgão no campo operacional, como as que deram origem ao Ato Declaratório Executivo Codac nº 20/2009, que auxiliou na fiscalização de Imposto de Renda e Condecine incidente sobre operações para o exterior (inclusive quanto aos recursos destinados a paraísos fiscais). DBF – http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=39240 e Ato Declaratório Executivo CODAC nº 20, de 27 de março de 2009 – http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idato=3991
[4] Vide art. 29 da MP 2.228-1/2001 e arts. 9º, parágrafo único, 16 e 17 da Lei 12.485/2011.
[5] Exceto quanto ao rendimento e à remessa da Condecine – art. 32, parágrafo único, da MP 2.228-1/2001.
[6] Sobre o tema, vide artigo de minha autoria denominado “Analisando a CIDE – Condecine Licença a partir das consequências de sua incidência no segmento de vídeo por demanda programado (VOD – Netflix), 2018 – publicado na Revista de Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento – RFPTD, v. 6, nº 6, jan./jun. 2018. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfptd.
[7] Sobre essas classificações, vide MARTINS, Vinícius Alves Portela. Agência Nacional do Cinema – Ancine: Comentários à Medida Provisória nº 2.228-1/01, ao Decreto nº 4.121/02 e à Lei nº 12.485/11. São Paulo: Atlas, 2015. v. 1. 488p.
[8] Notadamente, as economias de escala decorrentes da exploração econômica do setor, a tendência à concentração e as barreiras à entrada para novos competidores.
[9] Nos EUA, há mecanismos de fomento e incentivo, especialmente voltados para incentivo a filmagem de filmes em determinados locais. O artigo “State film subsidies: not much bang for too many bucks de Robert Tannenwald” publicado no Center on Budget and police priorities, em 2010, aprofunda esse assunto, citando uma série de incentivos fiscais de vários estados dos Estados Unidos.
[10] Esse modelo vem passando por flexibilizações tendo em vista a aplicação do princípio da legítima confiança – derivada do valor jurídico segurança em sua dimensão subjetiva.
[11] Exceto pelo mecanismo PAR – art. 54 da MP 2.228-1/2001.
[12] Art. 5º do Decreto 6.299/2007.
[13] Nesse sentido, vide ARAGÃO, Alexandre. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
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