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STF, Ficha Limpa e Tribunais de Contas

FICHA LIMPA

INELEGIBILIDADE

RE 848826

STF

TRIBUNAL DE CONTAS

Luiz Henrique Lima

Luiz Henrique Lima

25/08/2016

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O mundo jurídico e o mundo político foram surpreendidos com a decisão adotada esta semana pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento com repercussão geral do RE 848826. Em breve síntese, o STF entendeu que os julgamentos pelos Tribunais de Contas pela irregularidade das contas de gestão de prefeitos não produzem efeito de inelegibilidade, como prescreve a Lei da Ficha Limpa, devendo tais juízos ser referendados pelas respectivas Câmaras de Vereadores.

Até então, prevalecia o entendimento de que o julgamento pelos Tribunais de Contas das contas de gestão de prefeitos ordenadores de despesas ensejaria a sua inelegibilidade, nos termos do art. 1º, I, g da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei das Inelegibilidades), com a redação dada pela Lei Complementar nº 135/2010 (lei da Ficha Limpa). Segundo o dispositivo, são inelegíveis aqueles que “tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável QUE CONFIGURE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”. É com fulcro nessa norma que os Tribunais de Contas elaboram as listas de gestores com contas julgadas irregulares e as encaminham à Justiça Eleitoral, a quem compete registrar, ou não, as candidaturas.

A surpresa com a nova interpretação prende-se ao fato de que na semana anterior o Relator da matéria, Ministro Luis Roberto Barroso, apresentou voto muito bem fundamentado no sentido oposto, isto é, explicitando que a condenação pela irregularidade das contas em julgamento colegiado das Cortes de Contas era sim motivo de inelegibilidade.

Em seu voto, o Ministro Barroso seguiu a própria jurisprudência do STF que, ao apreciar Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4.578 contra a Lei da Ficha Limpa, considerou a norma integralmente constitucional, mesmo resultado das Ações Declaratórias de Constitucionalidade – ADCs 29 e 30.

Assim, a nova decisão é contraditória, não apenas com o julgamento das referidas ADI e ADCs, mas com diversas outras manifestações da Corte Suprema, a exemplo da ADI 3.715 e das Reclamações 13.965 e 15.902.

É certo que a decisão produzirá efeitos diretos, imediatos e devastadores já nas eleições municipais previstas para outubro. Isso porque poderão ser registrados como candidatos centenas de prefeitos de todo o Brasil, condenados por graves irregularidades na aplicação dos recursos públicos, caracterizando atos de improbidade, em completa afronta ao espírito da Lei da Ficha Limpa, resultante, como se sabe, da mobilização de milhões de brasileiros inconformados com a corrupção e os desmandos na administração pública. Ainda que as Câmaras Municipais se dispusessem a ratificar todas as decisões condenatórias do TCU, TCEs e TCMs, não haveria tempo hábil para fazê-lo antes do prazo de registro das candidaturas. Apenas para contextualizar: em 2014, 84% das declarações de inelegibilidade pela Justiça Eleitoral foram motivadas pela reprovação das contas pelos TCs.

O resultado da mal inspirada decisão produz ainda outras aberrações jurídicas. Um exemplo: se pelo mesmo motivo foram condenados solidariamente o prefeito e o secretário de saúde, o secretário, que é subordinado, continuará ficha-suja e inelegível, enquanto o prefeito, que é o principal responsável, passa a ser ficha-limpa e elegível até que a Câmara Municipal delibere novamente sobre o tema. E se a Câmara inocentar o prefeito, as penalidades pecuniárias aplicadas, como a restituição de valores ao erário, ficarão apenas sob a responsabilidade do subordinado?

Outro exemplo: o prefeito que geriu incorretamente um orçamento de R$ 300 milhões e foi condenado pelo TCE é elegível, mas outro, que aplicou indevidamente recursos de um convênio federal de R$ 300 mil, e por isso foi condenado pelo TCU, continua inelegível, pois a decisão do STF menciona apenas as contas de gestão e não as tomadas de contas especiais.

Observou-se na sessão de julgamento que há alguma incompreensão acerca das competências constitucionais dos órgãos de controle externo e do seu papel fundamental no funcionamento do Estado Democrático de Direito, especialmente a distinção entre as competências previstas nos incisos I e II do art. 71 da Carta Magna: apreciar as contas de governo mediante parecer prévio submetido a julgamento pelo Legislativo e julgas as contas de gestão dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.

Houve até quem expressasse a impropriedade de que o Tribunal de Contas é mero “órgão auxiliar” do Poder Legislativo, desconsiderando que essa formulação foi expressamente derrotada na Assembleia Constituinte de 1988, que prestigiou as Cortes de Contas como órgãos de extração constitucional, com autonomia e independência, como bem leciona o ex-Ministro Ayres Britto, cuja inteligência e cultura jurídicas abrilhantaram o STF.

A referida decisão prevaleceu por mínima maioria, de seis votos contra cinco, o que alimenta a esperança de que em breve a matéria possa ser reexaminada e o equívoco corrigido.


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