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Quando o imóvel rural é impenhorável?

Arnaldo Rizzardo

Arnaldo Rizzardo

29/07/2024

O CPC/2015, no inc. VIII do art. 833, como já vinha no art. 649, VIII, do CPC/1973, exclui da penhorabilidade o bem imóvel constituído da pequena propriedade, que pode alcançar uma área de até quatro módulos fiscais.

Todavia, há de se observar o entendimento já esposado pelo STJ, de que existe uma concepção de equivalerem o módulo rural, a Fração Mínima de Parcelamento e o módulo fiscal, visando a impenhorabilidade.

Na verdade, para a impenhorabilidade, existem diversas situações.

A impenhorabilidade da pequena propriedade

Quanto à pequena propriedade, a regra da impenhorabilidade encontra apoio no STJ:

“Para se saber se o imóvel possui as características para enquadramento na legislação protecionista é necessário ponderar as regras estabelecidas pela Lei 8.629/1993 que, em seu art. 4º, estabelece que a pequena propriedade rural é aquela cuja área tenha entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais. Identificação, na espécie.

Assim, o imóvel rural, identificado como pequena propriedade, utilizado para subsistência da família, é impenhorável. Precedentes desta e. 3ª Turma.”1

A proteção da pequena propriedade rural depende da condição de estar sendo trabalhada pela família. Não há a impenhorabilidade se alugada a propriedade, ou se não utilizada para a produção rural. Na eventualidade de incluída com outros imóveis no cultivo de lavouras agrícolas ou na criação de animais, o afastamento da constrição em exame se limita ao equivalente da pequena propriedade, admitindo-se a penhora no restante do patrimônio.

Necessário ater-se ao significado da regra: o imóvel fica livre da constrição, e não o todo do patrimônio rural. Se a área é constituída, v. g., de três módulos, não importa em se buscar a impenhorabilidade desse imóvel e em mais um módulo rural de outro imóvel, mesmo que também empregado na atividade agrária. Havendo o domínio e a utilização de dois ou mais imóveis para igual finalidade, ao proprietário reserva-se a iniciativa da escolha de um dos imóveis, mas sempre até o limite de quatro módulos fiscais.

Não é necessário que no imóvel protegido se encontre a moradia do titular do domínio ou da posse. A tutela tem uma dimensão econômica, e não residencial.

45.3. A impenhorabilidade da moradia em imóvel rural e da pequena propriedade rural

A proteção residencial ou da moradia, bem como da pequena propriedade (e quanto a esta a par do que previa o art. 649, VIII, do CPC/1973 e consta no art. 833, VIII, do CPC/2015) encontra-se contemplada em outro dispositivo, que é o § 2º do art. 4º da Lei 8.009/1990:

“Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir- se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inc. XXVI, da CF, à área limitada como pequena propriedade rural”.

Mister que se tenha em conta o art. 5º, XXVI, da CF/1988, que protege a pequena propriedade rural, tornando-a impenhorável por dívidas contraídas para financiar a atividade produtiva: “A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento”.

Daí dirigir-se a norma do § 2º do art. 4º da Lei 8.009/1990 para duas situações:

a) a proteção da moradia, no quanto necessário, o que envolve a área adjacente e própria para a locomoção e circulação;

b) a proteção da pequena propriedade, desde que satisfeita a exigência constante do art. 5º, XXVI, da CF/1988, consistente na origem da dívida de financiamento para a exploração da área em até quatro módulos fiscais.

Pela visão, pois, dos diversos dispositivos acima colocados, emergem situações diferenciadas, impondo-se a necessária distinção, ao se invocar o direito à impenhorabilidade.

O STJ tem colocado em prática os dispositivos vistos:

“Segundo a jurisprudência desta Corte, é impenhorável o imóvel que se enquadra como pequena propriedade rural, indispensável à sobrevivência do agricultor e de sua família (art. 4º, § 2º, da Lei 8.009/1990). Agravo a que se nega provimento”.2210

“Nos termos da jurisprudência assente do STJ, ‘o imóvel que se enquadra como pequena propriedade rural, indispensável à sobrevivência do agricultor e de sua família, é impenhorável, consoante disposto no parágrafo 2º do artigo 4º da Lei n. 8.009/1990, norma cogente e de ordem pública que tem por escopo a proteção do bem de família, calcado no direito fundamental à moradia’ (EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 222.936/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 26.02.2014).

No caso em análise, o Tribunal regional ratificou a decisão de primeira instância, expressando que, ‘se trata de imóvel com área de 12 hectares e que o módulo fiscal no município é de 22 hectares, dentro, portanto, do limite legal de 4 (quatro) módulos fiscais. A Corte assentou também que, ‘denota-se a existência de tal prova [terra trabalhada pela família], conforme comprovantes de compra de sementes e adubo, assim como a venda de milho’ (fl. 649, e-STJ).

Dessa forma, além de o aresto recorrido encontrar apoio na orientação jurisprudencial firmada pelo STJ sobre a matéria, o que atrai o não conhecimento pela incidência da Súmula 83/STJ, infirmar as conclusões a que chegou o Tribunal de origem acerca da impenhorabilidade do imóvel rural demanda reexame das provas carreadas aos autos, o que é vedado pela Súmula 7/STJ”.3

Relativamente à condição de se originar a dívida de financiamento e à extensão do imóvel equivalente à pequena propriedade, e não ao módulo rural, decidiu o STJ:

“Sem embargo de assumir conclusão contrária à pretensão da parte recorrente, a Corte local apresentou fundamentação idônea, afastando a alegação de ofensa ao art. 535, II, do CPC.

O art. 4º, § 2º, da Lei 8.009/1990 não restringe a declaração de impenhorabilidade do imóvel rural à ‘sede da moradia’, mas nos casos do art. 5º, XXVI, da CF/1988, como na hipótese dos autos, à área limitada como pequena propriedade rural.

As circunstâncias fáticas que levaram a Corte de origem a considerar o imóvel impenhorável, definindo-o como pequena propriedade rural, impossibilitam o seu reexame no âmbito do recurso especial (Súmula 7/STJ).

Segundo orientação pacífica deste Superior Tribunal, a impenhorabilidade do bem de família pode ser suscitada até o final da fase de execução. Precedente do STJ.

Diversamente dos paradigmas apresentados pela agravante, o acórdão recorrido teve por fundamento a superveniente alteração legislativa do art. 649, VIII, do CPC – com a redação conferida pela Lei 11.382/2006 –, que deixou de tomar o módulo rural como parâmetro de impenhorabilidade dos imóveis rurais. Donde se conclui inexistir similitude entre os acórdãos confrontados”.4

Os referidos arts. 535, II e 649, VIII, correspondem, respectivamente, aos arts. 1.022, II, e 833, VIII, do CPC/2015, mantendo-se o sentido.

No voto da Relatora, quanto à impenhorabilidade do imóvel rural nos casos do art. 5º, XXVI, da CF/1988:

“Sob outro aspecto, o art. 4º, § 2º, da Lei 8.009/1990 não restringe a declaração de impenhorabilidade do imóvel rural à ‘sede da moradia’, mas nos casos do art. 5º, XXVI, da CF/1988, como na hipótese dos autos, à área limitada como pequena propriedade rural”.

No pertinente à proteção da pequena propriedade e não à área correspondente ao módulo rural: “(…) Por fim, diversamente dos paradigmas apresentados pela agravante, o acórdão recorrido teve por fundamento a superveniente alteração legislativa do art. 649, VIII, do CPC – com a redação conferida pela Lei 11.382/2006 –, que deixou de tomar o módulo rural como parâmetro de impenhorabilidade dos imóveis rurais. Donde concluo, portanto, inexistir similitude entre os acórdãos confrontados. Em face do exposto, nego provimento ao agravo regimental”. O dispositivo invocado corresponde ao art. 833, VIII, do CPC/2015, com a mesma redação.

Em conclusão, têm-se as situações do art. 649, VIII, do CPC/1973 e art. 833, VIII, do CPC/2015, do § 2º do art. 4º da Lei 8.009/1990 e do art. 5º, XXVI, da CF/1988, que conduzem à impenhorabilidade, não se revelando iguais os conteúdos, exceto o § 2º do art. 4º da Lei 8.009/1990, que em parte coincide com o art. 5º, XXVI, da CF/1988, no que engloba a pequena propriedade. Todavia, no texto deste último dispositivo, à primeira vista parece que está a condição de se configurar a impenhorabilidade caso decorra a dívida da exigência do pagamento de débitos decorrentes da atividade produtiva, condição que não estava presente no art. 649, VIII, do CPC/1973, e não está no art. 833, VIII, do CPC/2015. A melhor inteligência do inc. XXVI do art. 5º da CF/1988 é que recaia a impenhorabilidade mesmo que a origem da dívida seja o pagamento de débitos originados do financiamento da atividade produtiva. Não encontra sentido uma exegese que leva a excluir da proteção em dívidas de outra origem. Se consta expresso que inclusive nas obrigações advindas de financiamento da atividade produtiva agrícola se dá a impenhorabilidade, com mais razão se estende o benefício nas dívidas de natureza diferente.

Em relação ao § 2º do art. 4º da Lei 8.009/1990, possível o afastamento da penhora concomitantemente no imóvel que constitui a sede da moradia e da área constituída como pequena propriedade; ou do imóvel onde está a moradia, mesmo se maior que outro imóvel também aproveitado para a agricultura. Assim entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Embargos de terceiro. Penhora sobre o imóvel rural em que residem o casal e seus filhos. Improcedência. Apelação. Inteligência do art. 5º, caput, e de seu parágrafo único da Lei 8.009/1990. A impenhorabilidade atinge o imóvel utilizado para fim de moradia, embora seja maior que o outro, aproveitado como fonte de renda. Precedentes do STJ. Entendimento do art. 5º, XXVI, da CF/1988 c/c o art. 4º, § 2º, da Lei 8.009/1990 e art. 649 do CPC. Proteção a toda extensão da pequena propriedade rural. Ausência de lei regulamentadora do dispositivo. Jurisprudência. Pequena propriedade rural como aquela de tamanho igual ou inferior a um módulo rural ou módulo fiscal. Precedentes do STJ. Imóvel em testilha com dimensão de 0,11 módulo rural e 0,31 módulo fiscal. Minifúndio. Depoimentos coligidos no sentido de que o imóvel é utilizado para sustento da família, que nele trabalha. Inversão da sucumbência. Sentença reformada. Recurso provido, com observação”5.

O citado art. 649 corresponde ao art. 833 do CPC/2015.

Há as exceções discriminadas no art. 3º da Lei 8.009/1990, com o acréscimo da Lei 8.245/1991, e modificação da Lei 13.144/2015, e que devem ser especificadas: “A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições

previdenciárias;

II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;

IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.

VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”.

Relativamente ao inc. I do art. 3º acima transcrito, o STJ reafirmou a exceção da impenhorabilidade:

“Não se pode presumir que a garantia tenha sido dada em benefício da família, para, assim, afastar a impenhorabilidade do bem com base no art. 3º, V, da Lei 8.009/1990.

Somente é admissível a penhora do bem de família hipotecado quando a garantia foi prestada em benefício da própria entidade familiar, e não para assegurar empréstimo obtido por terceiro.

Na hipótese dos autos, a hipoteca foi dada em garantia de dívida de terceiro, sociedade empresária, a qual celebrou contrato de mútuo com o banco. Desse modo, a garantia da hipoteca, cujo objeto era o imóvel residencial dos ora recorrentes, foi feita em favor da pessoa jurídica, e não em benefício próprio dos titulares ou de sua família, ainda que únicos sócios da empresa, o que afasta a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inc. V do art. 3º da Lei 8.009/1990.”6

VIII – providenciar o oportuno acompanhamento de toda a operação de queima, até sua extinção, com vistas à adoção de medidas adequadas de contenção do fogo na área definida para o emprego do fogo.”


NOTAS

1 REsp 1.284.708/PR, 3ª T., j. 22.11.2011, rel. Min. Massami Uyeda, DJe 9.12.2011.

2 AgRg no REsp 261.350/RS, 3ª T., j. 4.4.2002, rel. Min. Castro Filho, DJ 6.5.2002.

3 REsp 1.756.066/PR, 2ª Turma, rel. Min. Herman Benjamin, j. em 26.02.2019, DJe de 11.03.2019.

4 AgRg no REsp 1.076.317/PR, 4ª T., j. 5.4.2011, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 11.4.2011.

5 Ap 19011520088260069 SP 0001901-15.2008.8.26.0069, 21ª Câm. de Direito Privado, j. 21.9.2011, rel.

Des. Virgílio de Oliveira Junior, DJ 29.9.2011.

6 REsp 988.915/SP, 4ª T., j. 15.2.2012, rel. Min. Raul Araújo, DJe 8.6.2012.

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