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O que é o Sistema Financeiro Imobiliário? As diferenças em relação ao Sistema Financeiro de Habitação
Melhim Namem Chalhub
05/08/2024
O Sistema Financeiro da Habitação – SFH foi criado pela Lei nº 4.380/1964, visando a implantação de uma política habitacional com prioridade para a habitação de interesse social. Para esse fim, criou o Banco Nacional da Habitação – BNH, ao qual atribuiu as funções de orientador, disciplinador e controlador do SFH.
Na sua formação original, o SFH era integrado pelo BNH, tendo como seus agentes financeiros órgãos federais, estaduais, inclusive sociedades de economia mista que operassem no financiamento habitacional, sociedades de crédito imobiliário, associações de poupança e empréstimo, fundações, cooperativas e outras associações organizadas com a finalidade de construção ou aquisição de casa própria para seus associados.
Competia ao BNH o estabelecimento da política habitacional, fixando as diretrizes gerais das operações dos órgãos e agentes do SFH, inclusive limites operacionais, taxas, juros, normas gerais de captação e de aplicação de recursos. Além disso, prestava assistência financeira aos seus agentes financeiros e, como banco de segunda linha, refinanciava determinadas operações de financiamento habitacional.
Além do SFH, o BNH tinha ainda competência para orientar e controlar o Sistema Financeiro do Saneamento – SFS e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPE, este destinado a operar segundo condições do livre mercado, sendo integrado por sociedades de crédito imobiliário e associações de poupança e empréstimo, operando na captação e na aplicação de recursos, especialmente mediante colocação de Letras Imobiliárias e captação de depósitos de poupança.
As operações de crédito típicas do SFH, assim como do SBPE, são o empréstimo ou o financiamento com garantia real, com reajuste monetário do saldo devedor e das parcelas de amortização e juros, seguro compreensivo (morte e invalidez permanente, danos físicos no imóvel).
O Decreto-lei nº 2.291/1986 extinguiu o BNH e transferiu suas funções para o Banco Central do Brasil.
Em razão de problemas conjunturais verificados desde a extinção do BNH, além de outros fatores, entre eles sucessivas alterações de comando da questão habitacional, mas, sobretudo, em razão da ausência de uma política habitacional, as operações do setor reduziram-se significativamente.
Esses problemas suscitaram a realização de estudos e debates por parte dos setores interessados e, notadamente, por parte do Congresso Nacional, no âmbito de duas Comissões Especiais. A partir desses estudos, foram identificadas as causas do fracasso da política habitacional do SFH e foram traçadas as linhas gerais a que deverá se ajustar uma nova política habitacional, entre elas a rigorosa separação entre as operações de mercado e os programas habitacionais de interesse social, definindo-se para estes últimos uma política de subsídios explícitos.
Na linha desse diagnóstico foram elaborados vários estudos visando a implantação de uma nova política habitacional, destacando-se a Proposta de Emenda Constitucional nº 131/1992, do Deputado Ulisses Guimarães e outros, pela qual se instituiria um “Sistema Nacional de Habitação com o objetivo de articular, compatibilizar e apoiar a atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios no campo habitacional.” De acordo com a proposta, esses entes deveriam aplicar no SNH pelo menos 2% da receita resultante dos impostos de sua competência.
De outra parte, o Congresso veio a aprovar o Projeto de Lei nº 3.242/1997, do Poder Executivo, convertendo-o na Lei nº 9.514/1997, que criou o Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI, introduzindo importantes alterações nas condições dos negócios imobiliários ligados à produção e à comercialização de imóveis, visando criar condições de desenvolvimento do livre mercado de financiamento imobiliário em geral.
Um dos pressupostos da formulação da Lei do SFI é a exaustão dos instrumentos de captação de recursos utilizados no passado no âmbito do SFH, sobretudo porque, daquele Sistema, o único instrumento de captação que restou foi o contrato de depósito de poupança. O prazo desses depósitos, entretanto, é mensal e, portanto, esse instrumento de captação não se ajusta às necessidades de concessão de empréstimos de longo prazo, como são os empréstimos imobiliários, que se prolongam por 180 meses ou mais.
Para suprir essa lacuna, a Lei nº 9.514/1997 visa a criação de novas fontes de recursos para o financiamento imobiliário e, para tal fim, estabeleceu condições para desenvolvimento de um mercado secundário de créditos imobiliários. Nesse mercado seriam colocados títulos lastreados em créditos constituídos originalmente pelos construtores e incorporadores. Por esse meio, o mercado secundário pode vir a constituir fonte de recursos compatível com as características e com as necessidades do setor imobiliário.
Para esse fim, a lei
a) articula mecanismos de negócios no campo imobiliário, valendo-se das modalidades contratuais já tipificadas em nosso direito positivo;
b) estabelece as condições essenciais básicas dos financiamentos do setor;
c) cria novas garantias reais imobiliárias;
d) define a securitização de créditos e as companhias securitizadoras; e
e) cria novo título de crédito.
É característica dessa legislação a redução da interferência do Estado nas atividades econômicas e nas relações contratuais, abrindo caminho para que o setor se desenvolva de acordo com a dinâmica natural do mercado, em sintonia com o princípio da livre concorrência.
Para facilitar a captação de recursos no mercado secundário, a Lei nº 9.514/1997 criou um novo título de crédito, denominado Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI), e uma nova espécie de companhia – companhia securitizadora – que tem a função específica de adquirir créditos imobiliários, emitir títulos lastreados nesses créditos e colocar os títulos nos mercados financeiro e de capitais.
As normas específicas de emissão de CRIs foram derrogadas em razão da instituição de um regime jurídico geral de securitização de direitos creditórios pela Lei nº 14.430, de 3 de agosto de 2022, que institui “as regras gerais aplicáveis à securitização de direitos creditórios e à emissão de Certificados de Recebíveis”, definindo-os como “títulos de crédito nominativos, emitidos de forma escritural, de emissão exclusiva de companhia securitizadora, de livre negociação, constituem promessa de pagamento em dinheiro, preservada a possibilidade de dação em pagamento, e são títulos executivos extrajudiciais.” (Lei nº 14.430/2022, art. 20). Enquanto a Lei nº 9.514/1997 regulamentava a securitização tendo como objeto apenas créditos imobiliários, a Lei nº 14.430/2022 institui um regime jurídico geral, que compreende a emissão de títulos e valores mobiliários lastreados em direitos creditórios de qualquer natureza, oriundos de todos os setores da economia, envolvendo créditos financeiros, comerciais, de prestação de serviços, os precatórios, os oriundos de ações judiciais, entre outros.
Caracteriza-se como “operação de securitização a aquisição de direitos creditórios para lastrear a emissão de Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários perante investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios e dos demais bens, direitos e garantias que o lastreiam” (art. 18, parágrafo único da Lei nº 14.430/2022).
Em relação ao mercado imobiliário, os Certificados de Recebíveis são destinados a exprimir créditos oriundos de operações imobiliárias no seu mais amplo sentido, observadas as características estabelecidas pela Lei nº 9.514/1997 destinadas a padronização que viabilizem sua circulação sem obstáculos e com celeridade, movimentando o mercado secundário, funcionando as companhias securitizadoras como elemento catalisador, capazes de abrir canais de negociação de créditos entre o mercado produtor e o mercado investidor.
Com efeito, na dinâmica natural da comercialização, no mercado imobiliário, o construtor ou o incorporador firma com o adquirente um contrato de venda de imóvel (ou qualquer outra modalidade de contrato de comercialização), convencionando o parcelamento do pagamento e garantindo-se o crédito do construtor ou do incorporador com o próprio imóvel objeto da operação; sendo titular desse crédito, com garantia imobiliária, e necessitando de recursos para prosseguir girando seu negócio, o construtor ou o incorporador busca negociá-lo com uma companhia securitizadora ou com uma entidade financeira, o que faz mediante cessão de crédito; adquirido o crédito pela companhia securitizadora, esta emite títulos (CRs, debêntures ou outra modalidade de título) vinculados aos créditos que adquiriu e promove a colocação desses títulos no mercado financeiro ou no mercado de capitais. Os recursos financeiros de que necessita o setor imobiliário deverão provir da negociação dos créditos oriundos da comercialização de imóveis e dos títulos lastreados nesses créditos, que serão colocados no mercado secundário.
A Lei nº 9.514/1997 abre acesso ao mercado secundário de crédito a qualquer pessoa (natural ou jurídica), mas esses créditos devem seguir determinada padronização em termos operacionais e de garantias. Em outras palavras, as condições gerais dos negócios, no que tange a juros, seguros, reajuste monetário etc. devem ser homogêneas, de modo que haja sintonia entre as condições estabelecidas na formação do crédito (na relação entre o incorporador/construtor e o adquirente) e as condições praticadas no mercado secundário, pois só assim os créditos podem vir a ser assimilados nesse mercado.
Para atender a esse propósito, o legislador cuidou de tornar homogêneas as condições do crédito imobiliário, de modo que em todo o ciclo do crédito sejam utilizados os mesmos métodos de cálculo de juros, de correção monetária, de garantia etc. Essas condições estão previstas nos arts. 5º, 17 e 22 da Lei nº 9.514/1997, o primeiro tratando das condições monetárias, financeiras e securitárias, o segundo cuidando das garantias e o terceiro dizendo respeito especificamente à garantia fiduciária.
O art. 5º, caput, define os aspectos monetários, financeiros e securitários dos financiamentos no âmbito do SFI, e seu § 2º estende essas condições à comercialização de imóveis, em geral.1
Em todo esse contexto, ao permitir a contratação dos financiamentos imobiliários, em geral, mediante as mesmas condições permitidas para as entidades autorizadas a operar no SFI, e sendo essas entidades as caixas econômicas e outras entidades que operam com depósitos de poupança, a lei estendeu ao mercado imobiliário em geral a utilização dos índices de reajuste do mercado financeiro.
A lógica é elementar: se o propósito da lei é criar as condições para funcionamento de um mercado secundário, no qual quem quer que seja titular de um crédito imobiliário possa descontá-lo, mediante cessão do crédito a uma companhia securitizadora, então as condições do crédito devem ser compatíveis com as condições próprias das companhias securitizadoras e dos investidores que operam no mercado secundário.
De outra parte, para assegurar a sintonia das condições operacionais, é igualmente necessário que fique facultado às entidades financeiras a contratação de reajuste com base em outros índices, além daquele que atualiza os depósitos de poupança. Essa permissão está contida na Lei nº 10.931/2004, cujo art. 46 autoriza qualquer pessoa, natural ou jurídica, a, nos contratos de comercialização de imóveis com prazo igual ou superior a 36 meses, contratar reajustes com índices de preços, gerais ou setoriais, ou com o índice de remuneração básica dos depósitos de poupança.2
Esse dispositivo soluciona a aparente antinomia que existia entre o § 2º do art. 5º e o art. 36 da Lei nº 9.514/1997, pois, enquanto o primeiro privilegia a padronização, estabelecendo que as operações de comercialização de imóveis, com pagamento parcelado, podem ser pactuadas nas mesmas condições permitidas para as entidades autorizadas a operar no SFI, o art. 36 abria perspectivas para incertezas quanto à homogeneidade do reajuste monetário, ao ressalvar que a cláusula de reajuste seria admitida desde que “respeitada a legislação pertinente”. Ora, a Lei nº 9.514/1997 é lei especial e estabelece regime especial para as operações de comercialização de imóveis com pagamento parcelado, mas há as regras que integram as normas gerais, e essas estabelecem critérios diferentes daqueles constantes da Lei nº 9.514/1997, circunstância que poderia dar origem a dúvidas não só quanto aos índices como, também, quanto à periodicidade dos reajustes.
Para eliminar essa aparente antinomia, a Lei nº 10.931/2004, ao facultar a uniformidade de reajustes, no seu art. 46, e ao derrogar o art. 36 da Lei nº 9.514/1997, veio consagrar de maneira inequívoca a homogeneidade de condições e critérios relativamente ao parcelamento do pagamento do preço de imóveis, deixando claro que, nos contratos de comercialização de imóveis em geral (compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária, promessa de compra e venda, compra e venda com pacto adjeto de hipoteca etc.) com prazo de resgate igual ou superior a 36 meses, o incorporador, construtor e o adquirente poderão estipular o reajuste do preço e das parcelas de amortização de acordo com índices de preços gerais ou setoriais ou, ainda, de acordo com a variação dos índices de atualização dos depósitos de poupança, podendo esses reajustes ser computados e cobrados mensalmente.
O art. 1.358-U dispõe que as convenções de condomínio, assim como “memoriais de loteamento e os instrumentos de venda de lotes (…) poderão limitar ou impedir a instituição da multipropriedade nos respectivos imóveis”, admitido o afastamento dessa vedação pela “maioria absoluta dos condôminos”. Embora coerente com a natureza do condomínio, a norma é incompatível com a caracterização dos loteamentos, pois, ao referir-se sua parte final à alteração “pela maioria absoluta dos condôminos”, sua aplicação restringe-se aos condomínios, admitindo-se sua aplicação até aos condomínios de lotes, mas não aos loteamentos.
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NOTAS
1 Diz o § 2º do art. 5º da Lei nº 9.514/1997, com a redação dada pela Lei nº 10.931/2004:“Art. 5º (…) § 2º As operações de comercialização de imóveis, com pagamento parcelado, de arrendamento mercantil de imóveis e de financiamento imobiliário em geral, poderão ser pactuadas nas mesmas condições permitidas para as entidades autorizadas a operar no SFI.”
2 Art. 46. Nos contratos de comercialização de imóveis, de financiamento imobiliário em geral e nos de arrendamento mercantil de imóveis, bem como nos títulos e valores mobiliários por eles originados, com prazo mínimo de trinta e seis meses, é admitida estipulação de cláusula de reajuste, com periodicidade mensal, por índices de preços setoriais ou gerais ou pelo índice de remuneração básica dos depósitos de poupança.”