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Mediação e Arbitragem
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MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM
O Dever de Revelação do Árbitro e a Ação de Anulação da Sentença Arbitral
Selma Maria Ferreira Lemes
23/10/2017
Em artigo anterior denominado “A independência e a Imparcialidade do Árbitro e o Dever de Revelação”2 abordamos sobre o dever de revelação do árbitro à luz dos princípios da independência e imparcialidade e do conceito da confiança no árbitro como critério definidor para ser indicado. Neste artigo, avançamos em nossos estudos para aferir os reflexos do dever de revelação, o conceito de confiança previsto no art. 13 da Lei de Arbitragem, na ação de anulação de sentença arbitral.
O tema proposto está vinculado ao Direito da Arbitragem e suas especificidades conceituais referentes ao árbitro; os princípios da independência e da imparcialidade; o dever de revelação e o que seriam as dúvidas justificadas mencionadas no art. 14, § 1º da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996,3 Lei de Arbitragem (“lei 9.307”); o conceito da confiança no árbitro; e a ação de anulação de sentença arbitral, art. 32,§ 2º (“emanou de quem não poderia ser árbitro”).
Árbitro. Princípios da independência e da imparcialidade
O árbitro é aquele terceiro indicado pelas partes para solucionar a controvérsia referente a direitos patrimoniais disponíveis. O árbitro deve ser independente das partes (princípio da independência) e não ter interesse na solução da controvérsia (princípio da imparcialidade).
A independência e a imparcialidade representam standards de comportamento. A independência é definida como a manutenção pelo árbitro, num plano de objetividade tal, que no cumprimento de seu mister não ceda a pressões nem de terceiros nem das partes. A independência do árbitro está vinculada a critérios objetivos de verificação. Já a imparcialidade vincula-se a critérios subjetivos e de difícil aferição, pois externa um estado de espírito (state of mind).4
Três conceitos cunhados pela jurisprudência francesa são fundamentais para se aquilatar a independência do árbitro: (i) “a independência do árbitro é da essência da função jurisdicional.” As circunstâncias para contestar essa independência devem caracterizar-se (ii) “pela existência de vínculos materiais ou intelectuais, uma situação de natureza a afetar o julgamento do árbitro, constituindo um risco certo de prevenção com respeito a uma das partes na arbitragem”.5 Quanto ao dever de revelação estatui (iii) “o árbitro deve revelar todas as circunstâncias de natureza a afetar seu julgamento e a provocar no espírito das partes uma dúvida razoável sobre suas qualidades de imparcialidade e de independência, que são da própria essência da função arbitral.” 6 (tradução livre)
O Conceito de confiança
O art. 13 da lei n. 9.307 esclarece que “pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança da parte.”
A capacidade é a civil para atuar e contrair obrigações. Pode ser também a capacidade técnica, quando assim for estabelecido pelas partes como condição para a indicação do árbitro, por exemplo, o árbitro deve ser engenheiro civil com 10 anos de atuação em determinado segmento, ou conhecer e estar afeito ao mercado de capitais etc.
O conceito de confiança da parte no árbitro, na dicção da lei, tem duas ópticas de análise. A primeira, intrínseca, significa que o árbitro deve ser pessoa de bem, honesta e proba. É o que se denomina de probidade arbitral.7 A honorabilidade de uma pessoa para ser indicada como árbitro representa a sua idoneidade legal para o exercício da função.8 A segunda, extrínseca, representa a certeza de ser pessoa capaz de exarar decisão sem se deixar influenciar por elementos estranhos e que não tenha interesse no litígio. O árbitro deve ser e permanecer independente e imparcial, antes e durante todo o procedimento arbitral, até ditar a sentença, quando se põe fim ao seu mister de árbitro, pois este, o árbitro, é investido de uma competência de atribuição e decorrente do consensualismo das partes.9
A confiança da parte depositada na pessoa do árbitro representa a certeza que este terá independência para julgar com imparcialidade, posto que a independência é um pré-requisito da imparcialidade.
Aquele indicado a atuar como árbitro tem o dever, antes de aceitar a nomeação, de efetuar verificação da existência de fatos que possam comprometer a sua independência e imparcialidade. Reitere-se, etse dever se mantém durante todo o procedimento arbitral. Assim é que uma pessoa indicada a funcionar como árbitro deve perquirir sobre quem são as partes, seus vínculos societários, relações comerciais ou empresariais que possam denotar dependência funcional ou econômica. O dever de revelação se presta a demonstrar a inexistência de liames de natureza social (amigo íntimo ou inimigo figadal), financeira, comercial e de parentesco entre os árbitros e as partes.
O dever de revelação
Para garantir a verificação destes dois atributos indispensáveis à expedição de um julgamento justo (independência e imparcialidade),10 a lei 9.307, criou um sistema de aferição desses princípios, por meio do dever de revelação do árbitro. Dispõe o art. 14: “Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil. § 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.” (grifo acrescentado)
Dúvidas justificadas
Os fatos que devem ser revelados são aqueles que possam despertar nas partes dúvidas justificadas quanto à sua independência e imparcialidade (art. 14, § 1º da lei 9.307).
Os códigos deontológicos11 editados por diversas instituições internacionais e nacionais, a título sugestivo, orientam os prováveis árbitros a como devem se pautar na arbitragem12 e na pesquisa do que deve ser revelado e mencionado, esclarecendo que o árbitro deverá revelar às partes, frente à sua nomeação, qualquer interesse ou relacionamento de qualquer natureza (negocial, profissional ou social) que possa ter ou que tenha tido com qualquer uma delas ou com qualquer pessoa que possa ser considerada como testemunha potencial da arbitragem, e que possa de alguma forma, em relação de sua substancialidade, afetar a sua imparcialidade e ou sua independência. 13 Portanto, dúvidas justificadas são aquelas que possam afetar a independência e a imparcialidade do árbitro no ato de julgar.
Muitas vezes o árbitro indicado tem dúvidas se determinado fato ou situação seria importante a ponto de merecer a dita revelação, neste momento, deve o árbitro efetuar a pergunta a si, se fosse parte gostaria de conhecer mencionado fato. O dever de revelação e transparência regem a indicação do árbitro no sentido de verificar a sua independência e imparcialidade. Após a revelação as partes aferirão se aquele fato poderá afetar o ato de julgar e podem, se for o caso, impugnar a indicação do árbitro em questão.
O Regulamento de Arbitragem da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional -CCI, por exemplo, adota como critério para revelação do árbitro “qualquer fato ou circunstância susceptível, do ponto de vista das partes, de colocar em dúvida a sua independência, assim como qualquer circunstância que possa dar lugar a dúvidas razoáveis quanto a sua imparcialidade” (art. 11.2 Regulamento ICC/2012).
Marta GISBERT POMATA ao comentar a Lei Espanhola de Arbitragem, que possui enunciado similar ao da Lei Brasileira, assevera: “ao utilizar a lei o termo ‘dúvidas justificadas’ se elimina a simples presunção, necessitando algo mais do que esta para ter o árbitro a obrigação de revelar as partes aquelas circunstâncias que possam fazer com que estas considere que sua imparcialidade e independência estejam menoscabadas” (tradução livre).14
É evidente que a expressão dúvidas justificadas exara conceito subjetivo e indeterminado, o que faz surgir uma zona de incerteza quanto ao que possa ser relevante para ser revelado. O árbitro tem o direito de ser razoável na extensão de suas investigações e revelações, afirma James H CARTER. 15
Como elemento direcionador e considerando o que deve ser revelado seja algo que esteja diretamente vinculado ao ato de julgar com independência e imparcialidade, o fato deve, em primeiro lugar, ser importante a ponto de suscitar questionamentos e insegurança no espírito da parte. É justamente essa insegurança que poderia abalar a confiança no árbitro, ou seja, pode fazer surgir na parte a desconfiança de que o árbitro indicado não tenha capacidade de exarar um julgamento isento e justo.
Portanto, a independência e a imparcialidade estão na base da confiança depositada pela parte no árbitro. A condição primeira da confiança é a independência do julgador, assevera Pierre TERCIER.16
Neste ponto, se observa que qualquer alegação alheia e indiferente a uma causa justificada que não tenha nenhuma interferência nos binômios “confiança – independência” ou “confiança – imparcialidade” será alegação insubsistente e desarrazoada.
Portanto no que concerne ao dever de revelação, somente a ausência de revelação de fato notório e importante que impediria o árbitro de atuar com independência e imparcialidade poderia constituir violação ao princípio da confiança (art. 13 da lei 9.307).
Ao se efetuar a análise de um caso concreto para se verificar se o dever de revelação teria sido violado, o que interessa é saber se esses fatos teriam a conotação de abalar a confiança da parte e influenciado no ato de julgar com independência e imparcialidade.
A confiança da parte na pessoa do árbitro está vinculada também aos aspectos morais e a reputação do árbitro. Luiz Olavo BAPTISTA aduz “A integridade do árbitro, que se mede objetivamente pela boa reputação que construiu, é fundamental. A reputação das pessoas é o julgamento que delas fazem os que a conhecem ao longo da vida”.17
O mister de árbitro envolve um contrato de investidura, sendo contratual na fonte e jurisdicional no objeto.18 Tem natureza privada na sua formação, mas pública no seu objeto (ditar sentença arbitral justa). Em ambas as fases se regem segundo a Constituição Federal, a Lei e o Direito.
É importante asseverar que o dever de revelação não se rege por suposições, mas por fatos objetivos (dúvidas justificadas) e que pesem no julgamento do árbitro (afetar sua independência e imparcialidade). Por isso, o fato que for alegado como quebra de confiança, deve ter relação com o ato de julgar e quanto à pessoa do árbitro (probidade).
A expressão da lei a “dúvida justificada” faz afastar, por óbvio, alegações frívolas ou desconectadas com o ato de julgar com independência e imparcialidade. Tais alegações são classificadas como inexistentes.
Foi neste sentido que a jurisprudência espanhola se manifestou em ação de anulação de sentença arbitral oriunda da Audiencia Provincial de Madrid de 2008. No caso, havia falta de relação lógica entre o motivo não revelado como causa para abalar a independência e imparcialidade dos árbitros e a relação com a sentença emitida. Os motivos alegados foram a existência de relação de amizade entre um dos árbitros e o advogado de uma das partes e que os árbitros integravam uma associação civil (Club Español de Arbitraje). O julgado assevera que os motivos de impedimentos para os árbitros atuarem referem-se às relações profissionais, comerciais e pessoais com as partes e em relação de parentesco dos árbitros com as partes e advogados. A sentença ressaltou que as causas alegadas são inexistentes e que não é possível fazer inferência lógica que esses motivos representaram a quebra da independência dos árbitros: “…Com efeito, se sustenta a recusa colocada na relação de amizade e de pertencer a junta diretiva de uma associação de dois dos árbitros e advogados de uma das partes. Dessas circunstâncias não se pode inferir, de forma inequívoca, que a imparcialidade que deve presidir a atuação do tribunal arbitral foi violada, sobretudo tendo em conta que não se sustenta em dados objetivos, em relação às partes nem em relação ao parentesco com os advogados, unicamente pela presumida amizade e conhecimento que ostentam por pertencer a uma associação, sendo irrelevantes ao efeitos colocados a importância que se quer atribuir aos cargos ostentados por eles [árbitros] naquela associação, e pela relação mantida por um dos árbitros com o advogado no âmbito docente. Referidas circunstâncias não estão legalmente previstas como objetivas de abstenção e recusa, nem podem fazer presumir, mediante inferência lógica, que os árbitros vulneraram a exigência em tal sentido contida no art. 17 , p. 1 da Lei de Arbitragem de ser e permanecer independente e imparcial. O acima expressado exclui as considerações da impugnante em relação ao manifestado pelos árbitros com respeito ao momento que se colocou a causa de recusa, assim como se pertencer à referida associação era ou não conhecida, circunstâncias irrelevantes aos efeitos formais do momento em que foi colocada a recusa, por não ocasionar causa alguma que a justifique em relação ao exposto” (tradução livre). Considerando que os motivos alegados não se sustentam por simples inferência lógica e as causas de recusa terem sido consideradas legalmente inexistentes, a ação de anulação da sentença arbitral foi julgada improcedente. (Sentença da Audiencia Provincial de Madrid, Sessão 25, n. 75/2008, de 15.02.2008. Red Eléctrica de España, S/A e Iberdrola Distribución Eléctrica, S/A, Revista de la Corte Española de Arbitraje, 2009, p. 149).
No mesmo sentido a Corte de Apelação de Paris, em 1º de julho de 2011, 1º Câmara, afastou a alegação de ausência de revelação como motivo para anular uma sentença arbitral. No caso, a parte que desejava impugnar a sentença arbitral alegou que desconhecia a circunstância de que o árbitro presidente era membro de um comitê científico de uma revista especializada em Direito Societário e que participou na elaboração de um artigo sob a direção de um dos co-árbitros numa outra revista de Direito Comercial em que ele era membro do conselho editorial. A Corte de Paris, como não poderia deixar de ser, exarou que tal fato não criava nenhum vínculo de subordinação nem liame negocial com o co-árbitro, pois não existe interferência ou relação, de uma parte em contribuir com um artigo para uma revista especializada e a função de árbitro e, de outra, sua participação no comitê cientifico e editorial das revistas jurídicas. Acentuou o referido julgado que ao contrário, denota a indicação pelos co-árbitros (também professores de direito), a excelência da escolha em indicar como presidente do tribunal arbitral pessoa afeita às questões jurídicas a serem dirimidas na causa. Concluiu a Corte francesa que a alegação dos recorrentes não passava pelo teste de um observador de bom senso (“aos olhos de um observador razoável”) e asseverou que o presidente do tribunal arbitral não violou o dever de revelação.19 Conclui-se, portanto, que o motivo alegado era inexistente.
Portanto, pode-se dizer que o dever de revelação vinculado à dúvida justificada, deve, antes de tudo, guardar razoabilidade quanto à matéria fática para que encontre respaldo e reflexo jurídico e que seja passível de influenciar no ato de julgar.
Assim é que os fatos a serem revelados devem ser reais e substanciais, pois o que a lei objetiva é a aferição da independência e da imparcialidade do julgador. Portanto, suposições e presunções não se classificam como dúvidas justificadas e não abalam a confiança (no aspecto intrínseco como extrínseco) na pessoa do árbitro.20
É evidente que quando se aduz sobre o dever de revelação há de se respeitar e limitar a revelação aos aspectos profissionais e sociais vinculados ao conceito de exarar um julgamento independente e imparcial. Portanto, a exigência de revelar fatos que não guardam relação com o ato de julgar, conforme acima mencionado, ultrapassa os lindes do dever de revelação previstos no Direito da Arbitragem, e podem, muitas vezes repercutir na esfera da privacidade do árbitro, protegida na ordem dos princípios e valores constitucionais (art. 5, X da Constituição Federal). 21
O direito de obter informação que a parte possa ter encontra e tem como limite o dever de respeitar os princípios e valores constitucionais (princípios da legalidade e da privacidade).
É o ordenamento legal que rege a conduta das partes e dos árbitros. O dever de revelação observa a Lei e não se presta a casuísmos, suposições e presunções infundadas quanto à pessoa do árbitro, a confiança e o ato de julgar com imparcialidade e independência.
Em trabalho anterior previamente mencionado advertimos quanto aos abusos em invocar o dever de revelação: “… a inconsistência da revelação objetada não pode ser a condutora da impugnação de árbitro ou de demanda anulatória de sentença arbitral, cujo motivo, em muitas circunstâncias, ou será a prévia constatação de que a sentença arbitral não lhe será favorável ou o mero inconformismo da parte vencida, que devem ser coibidos, respectivamente pelas instituições de arbitragem e pelos tribunais judiciais.” 22
Portanto, o dever de revelação previsto no art. 14, § 1º da lei 9.307, não se presta para agasalhar alegações inconsistentes, infundadas e até ilegais, bem como se transformar numa armadilha para a arbitragem, bem como numa muleta para a parte vencida.
As conseqüências da falta de revelação e a Ação de Anulação de Sentença Arbitral
A questão referente ao dever de revelação tem contornos e reflexos na ação de anulação da sentença arbitral, pois o art. 32, inciso II da lei 9.307, prevê como motivo ensejador da referida ação, a indicação de árbitro que não revestia as características para ser árbitro.
Nesta fase de aferição em ação de anulação de sentença arbitral o que deve ser verificado é o reflexo da ausência de revelação relacionada à independência e imparcialidade do árbitro na sentença arbitral. Neste momento, não se afere mais a falta de revelação simplesmente, mas o fato não revelado e sua influência a ensejar e macular a sentença arbitral proferida.
Jean-François POUDRET e Sébastien BESSON efetuam a seguinte indagação: “A violação do árbitro de seu dever de revelação é suficiente para justificar a anulação da sentença arbitral?”23 (tradução livre). Invocando as jurisprudências francesa e inglesa, os referidos autores salientam “o juiz não poderá anular a sentença sem que a independência ou a imparcialidade do tribunal arbitral tenha sido comprometida, a omissão por um árbitro de divulgar certos fatos não seria mais que um elemento de apreciação entre outros.” 24 (tradução livre)
Marc HENRY, após analisar a obrigação de independência e de informação do árbitro aduz que “a ausência da obrigação de revelação não substitui a obrigação de independência e não é a falta de revelação que justifica a ação de anulação, mas atentar à exigência de independência que o silêncio do árbitro poderia revelar.” 25 (tradução livre)
Portanto não é a falta de revelação que justifica a ação de anulação, mas se o fato não revelado é importante, real e capaz de influenciar o julgamento do árbitro. A jurisprudência comparada adverte quanto à ausência de revelação do árbitro e a ação de anulação: “a falta desta informação prévia não ocasiona automaticamente a anulação da sentença arbitral”26 (tradução livre).
Para o Tribunal Federal Suíço a “alegação de falta de independência deve se fundar na existência de fatos objetivos, de natureza tal que a um observador razoável suscitaria a suspeita quanto à independência do árbitro. Ao contrário, as reações puramente subjetivas de uma parte não haverá de ser levadas em conta.”27(tradução livre)
Assim é que a causa não revelada deve ser analisada de forma objetiva à luz da “sana crítica”, como dizem os espanhóis, e pelas lentes de um observador de bom-senso, a fim de se perquirir se aquele fato não revelado teria o condão de influenciar no julgamento com independência de espírito e de opinião do árbitro. Não seriam, portanto, fatos subjetivos a serem considerados, mas apenas situações objetivas reais e existentes. Outro ponto importante a considerar é que o fato objetivo deve “ser notório e ter incidência razoavelmente previsível sobre o julgamento do árbitro”. 28
Questão interessante refere-se a como conciliar a obrigação de independência e de informação do árbitro de fatos objetivos e o conceito de confiança, que envolve avaliação subjetiva. Neste sentido ponderou o mencionado autor francês “é a falta de independência que justifica a
anulação da sentença e não a perda da confiança. A confiança é um conceito muito subjetivo. A validade de uma sentença não será dependente de uma apreciação puramente subjetiva e arbitrária das partes sobre a pessoa e competência dos árbitros.” 29 (tradução livre)
Conclusão
Assim, pode-se concluir quanto ao dever de revelação do árbitro, o princípio da confiança e seus reflexos na ação de anulação da sentença arbitral que:
a) em ação de anulação de sentença arbitral tendo como fundamento o disposto no art. 32, II da lei 9.307 (“emanou de quem não podia ser árbitro”) e a ausência de revelação pelo árbitro, o que deve ser avaliado pelo juiz não é a falta de revelação, mas se o fato não revelado era capaz de influenciar no julgamento e se representaria falta de independência e imparcialidade do árbitro;
b) o critério a nortear a verificação pelo juiz quanto a obrigação de independência do árbitro se pauta em fatos objetivos, reais e existentes e não meras suposições ou opiniões subjetivas das partes;
c) o fato objetivo deve ser notório e ter incidência razoavelmente previsível sobre o julgamento do árbitro;
d) é a falta de independência que justifica a anulação da sentença e não a perda da confiança. A confiança é um conceito subjetivo. A validade de uma sentença arbitral não será dependente de apreciação puramente subjetiva e arbitrária das partes sobre a pessoa e competência dos árbitros;
e) não é a omissão do fato que gera a anulação, mas o motivo não revelado que deve ser analisado pelo juiz, bem como que este fato objetivo seja real e efetivo e possa influenciar no julgamento isento do árbitro;
Ressalte-se, por fim, que as hipóteses para anulação da sentença arbitral previstas no artigo 32 da Lei 9307 exigem a demonstração, por meio de provas contundentes, da violação de um dos pilares do procedimento arbitral, no caso analisado neste artigo, a independência e imparcialidade do árbitro. Do contrário, a anulação de sentença arbitral com base em meras alegações injustificadas afetaria de forma direta a segurança jurídica garantida pelos procedimentos arbitrais, assim como o prestígio da instituição. Ademais, “não se pode permitir, que por vias oblíquas, a lei de arbitragem seja reduzida a inutilidade.” 30
2 Publicado nos Anais do III Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (Centro de Arbitragem Comercial), 17 de julho de 2009 em Lisboa. Coimbra: Almedina, 2010, p. 41 a 57. Também publicado na Revista Brasileira de Arbitragem, n º 26, abr./maio/jun 2010, p.21/34.
3 Art. 14 § 1º “As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.”
4 Selma Ferreira LEMES, Árbitro. Princípios da independência e da imparcialidade, São Paulo: LTr, 2001, p. 53.
5 Cf Philippe FOUCHARD, Le Statut de l’ Arbitre dans la Jurisprudence Française, Revue de L’ Arbitrage, 1996, 325/72 e op. cit. p. 54.
6 Corte de Apelação de Paris, 1º Câmara, 10.03.2011, Société Nykcool AB e Société Dole France e outros. Revue de l’ Arbitrage, 2011, p. 568.
7 Félix ALONSO Y ROYANO “Deontologia y Arbitrage”, em Comentario Breve a La Ley de Arbitraje, Estudios Vascos sobre Derecho Procesal n. 6, Antonio M. LORCA NAVARRETE (coord.), San Sebastian: Instituto Vasco de Derecho Procesal, 1989, p.30.
8 Cf José F. MERINO MERCHÁN, Estatuto y Responsabilidad del Árbitro, Navarra: Editorial Aranzadi, 2004, p. 41.
9 Cf Serge LAZAREFF, “L´Arbitre est-il um Juge ?”, Liber Amicorum Claude Reymond, Paris: Litec, 2004, p.173. Como contraponto entre a figura do árbitro e do juiz o citado autor pondera: “O juiz detém seu poder da lei e é institucional. Sua competência é delegada e permanente. (p. 173.)
10 “A existência da independência e da imparcialidade constitui a garantia de um julgamento justo e é o baluarte de uma justiça honesta.”, Selma Ferreira LEMES, “Dos Árbitros”, Aspectos Fundamentais da Lei de Arbitragem, Pedro Batista MARTINS, Selma Ferreira LEMES e Carlos Alberto CARMONA, Forense: Rio de Janeiro, 1999, p. 245.
11 O traço diferencial dos códigos deontológicos ou códigos de ética é a ausência do caráter obrigatório de suas normas. O elemento essencial é de ser norma de autocontrole. É um instrumento de persuasão moral em que se valorizam atitudes responsáveis. CF Gérard FARJAT, “Réflexions sur les Codes de Conduite Privés”, IN: Le Droit des Relations Économiques Internationales, Études Offertes à Berthold Goldman, Paris: Litec, 1987, p. 47/66.
12 Além disso, os Códigos de Ética para os árbitros servem, também, de norte de comportamento para as partes em relação ao árbitro. A latere, vale observar que quando participamos da elaboração de Códigos de Ética de instituições arbitrais no Brasil, tivemos a oportunidade de inserir esta orientação, pois é tão importante para o árbitro saber o que pode e o que não deve fazer na condição de árbitro (enquanto árbitro), como a parte saber se comportar em relação ao árbitro. Verificar, por exemplo, a Introdução do Código de Ética do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil – Canadá – CCBC, Introdução: “…Objetiva, igualmente, servir como norte às partes e procuradores no trato com o árbitro ou árbitros que integram cada tribunal arbitral.” (cf. www.ccbc.org.br )
13 No artigo “Árbitro. Padrão de Conduta Ideal”, abordamos sobre os códigos de conduta da “Internacional Bar Association – IBA” e da “American Bar Association – AAA”. Selma Ferreira LEMES, Arbitragem. Lei brasileira e praxe internacional, Paulo Borba CASELLA (Coord.), São Paulo: LTr, 2ª ed., 1999, p. 233/268. também disponível em : www.selmalemes.com.br (seção artigos). De edição mais recente (2004) as Diretrizes da IBA relativas a Conflitos de Interesses em Arbitragens Internacionais (IBA Guidelines) também fornecem interessante forma de orientação por meio de verificação de situações classificadas em listas, verde, amarela e vermelha (www.ibanet.org ). No âmbito nacional cite-se o Código de Ética do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá – CCCBC (www.ccbc.org.br ).
14 Marta GISBERT POMATA “De los Árbitros”, Comentarios a la nueva ley de Arbitraje, Rafael HINOJOSA SEGOVIA (coord.),Barcelona: Grupo Difusión, 2004, p. 101. Lei Espanhola de Arbitragem n. 60/2003, art. 17, 2 “ a pessoa proposta para ser árbitro deve revelar todas as circunstâncias que possam dar lugar a dúvidas justificadas sobre sua imparcialidade e independência. O árbitro, a partir de sua nomeação, revelará as partes, sem demora, qualquer circunstância sobrevinda.” (tradução libre).
15 James H CARTER, “The Rights and Duties of the Arbitrator: Six Aspects of the Rule of Reasonableness”, The Status of the Arbitrator, ICC International Court of Arbitration, Paris: ICC Publication n. 564, 1995, p. 25.
16 Cf. Pierre TERCIER, Prefácio, Bulletin de La Cour Internationale d’Arbitrage da CCI, “L’Indépendence de l’arbitre. Supplément Spécial,” Paris, 2007, p. 5
17 Luiz Olavo BAPTISTA. Arbitragem Comercial e Internacional, São Paulo: Lex Magister, 2011, p. 155).
18 No nosso livro sobre o Árbitro tivemos a oportunidade de estudar a natureza jurídica da atividade do árbitro à luz da doutrina comparada. Para Jean ROBERT o contrato de investidura arbitral caracteriza-se em um “tissu d`obligations réciproques” no qual se entrelaçam várias relações contratuais. René DAVID denomina o contrato das partes com o árbitro de “receptum arbitrii”, reportando-se às origens romanas argumenta que o árbitro “recebe” a arbitragem, ou seja, aceita sua missão. (Cf Selma Maria Ferreira LEMES, Árbitro. Princípios da Independência e da Imparcialidade, São Paulo: LTr, 2001, p. 47/51).
19 Cour d´appel de Paris, Ch. 1, 1º julho de 2011. SA Emivir e outros/ SAS ITM Entreprises, Revue de L´Arbitrage, 2011, p. 840/41.
20 Na seção seguinte abordaremos sobre os efeitos da ausência de revelação na ação de anulação de sentença arbitral.
21 Cf Christoph FABIAN, O Dever de Informar no Direito Civil, São Paulo: RT, 2002, p. 155.
22 Selma Ferreira LEMES, “A Independência e a Imparcialidade do Árbitro e o Dever de Revelação”, III Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (Centro de Arbitragem), Coimbra: Almedina, 2010, p.48. Também publicado na Revista Brasileira de Arbitragem, n º 26, abr./maio/jun 2010, p. 27.
23 Jean-Franços POUDRET e Sébastien BESSON, Droit Compare de L’Arbitrage International, Bruxelles: Bruylant, 2002, p. 382.
24 Op.cit. p. 382.
25 Marc HENRY, “Les Obligations d’ independence et d’ information de l’ arbitre à la lumière de la jurisprudence recente”, Revue de l’ Arbitrage, 1999, p. 223.
26 Corte de Apelação de Paris, 1ª Câmara, 12.01.1996 Etat du Qatar e Creighton Ltd., Revue de l’Arbitrage, 1996, p. 434/440.
27 Tribunal Federal Suíço, 1ª. Câmara Civil, Autores (A. B) [ nomes não revelados] v. Comitê International Olympique, Fédération Internationale de Ski e Tribunal Arbitral du Sport, 4 P.267/2002, 27.05.2003 DFT 129, III 445, p. 16. Disponível em: http://www.bger.ch/fr/index/juridiction/jurisdiction-inherit-template/jurisdiction- recht/jurisdiction-recht-leitentscheide1954-direct.htm
28 Corte de Apelação de Paris, 1ª Câmara Civil, 08.07.1994. Société Siab e outras e Societé Valmont e outras. Revue de l`Arbitrage, 1996, p. 428/434. No mesmo sentido os seguintes julgados: Corte de Apelação Civil, 1ª Câmara Civil, 18.12.2008, Société SARL Avelines Conseil e Jean Mansuy, Revue de l’ Arbitrage, 2011, p. 682; Corte de Apelação de Paris, 1º Câmara Civil, j. 09.09.2010, Consorts Allaire e SAS SGS Holding France, Revue de l’ Arbitrage, 2011, p.686.
29 Marc HENRY, op, cit. p. 206.
30 Selma Ferreira LEMES, Jurisprudência brasileira sobre arbitragem e sociedade de economia mista.Umaliçãopedagógica.Disponívelem: http://www.selmalemes.com.br/artigos/artigo_juri09.pdf
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