GENJURÍDICO
O efeito contágio na era das redes sociais

32

Ínicio

>

Artigos

>

Direito Digital

ARTIGOS

DIREITO DIGITAL

O efeito contágio na era das redes sociais

REDES SOCIAIS

Ana Frazão

Ana Frazão

12/06/2023

Nos últimos dias temos ouvido falar bastante do chamado “efeito contágio” por uma razão muito triste: os ataques contra professores e alunos praticados em escolas brasileiras, o que levantou diversos debates, dentre os quais o da necessidade de que a imprensa tradicional repense a forma de noticiar tais eventos, a fim de evitar estímulos ou incitações para condutas semelhantes. 

Em casos assim, a divulgação descuidada gera fundados riscos de que as condutas noticiadas se propaguem de modo semelhante à transmissão de uma doença infecciosa. Não é sem razão que se utiliza a expressão “contágio”. 

Discussões sobre o efeito contágio

A discussão sobre essa espécie de contágio social não é propriamente novidade. Há tempos que se discute a importância do exemplo, das práticas e costumes, bem como do contexto social para o comportamento humano. A experiência teórica e empírica acumulada já permitiu analisar a influência do contexto social sobre diferentes comportamentos humanos, que vão do tabagismo e hábitos de consumo até decisões existenciais, como engravidar, casar e se divorciar. 

Outra área em que o efeito contágio tem sido muito estudado é o suicídio, já que há muito se examina a relação entre o aumento da sua incidência e a divulgação de casos pela imprensa ou mesmo a veiculação de produções culturais que tratam do tema. No artigo Evidências entre mídia e suicídio: efeito contágio das produções jornalísticas e ficcionais, Raquel Carriço Ferreira e Kaippe Arnon Silva Reis, confirmam a correlação, analisando o tema sob o enfoque da teoria da aprendizagem social. 

Para essa teoria, as pessoas aprendem a partir da observação das outras pessoas, fenômeno que seria ainda mais forte nas crianças, cujo aprendizado ocorre naturalmente por meio da imitação. Daí por que, assim como a larga propagação de reportagens jornalísticas pode influenciar o aumento dos casos de suicídio, isso também pode ser observado em casos de produções artísticas.  

Papel das mídias no efeito contágio

Segundo os autores, as recentes produções 13 Reasons Why e Euphoria, ao tratarem do suicídio e de comportamentos destrutivos de forma descuidada, de fato incitaram o fenômeno, havendo uma estimativa de que, nos Estados Unidos, somente a primeira série está relacionada ao aumento significativo nos índices de suicídio entre crianças e adolescentes. 

Diante da conclusão de que “as pesquisas que buscam entender a conexão entre a comunicação social e o suicídio são claras ao identificar que a mídia produz o chamado efeito contágio que pode encorajar o suicídio de pessoas vulneráveis”, os autores consideram urgente a necessidade de normatização legal da produção e distribuição desse tipo de conteúdo nos meios de comunicação social.  

Vale ressaltar que tais observações obviamente não questionam o fato incontestável de que o comportamento humano não pode ser reduzido a apenas um fator explicativo, assim como não negam que cada indivíduo tem diferentes propensões, de forma que mesmo os estímulos sociais terão diferentes repercussões sobre cada um.  

O que fica evidente, entretanto, é que o contexto social importa e que, especialmente diante de determinados comportamentos, como o caso de suicídios e ataques, há determinadas ações individuais que funcionam como uma espécie de gatilho, deflagrando comportamentos em série que são normalmente explicados pelo efeito contágio. 

Daí por que, especialmente em situações nas quais já existe considerável experiência sobre a existência do efeito contágio, especial cuidado deve ser dado à divulgação de condutas individuais que podem suscitar a referida repercussão, influenciando ou mesmo encorajando ações semelhantes. No caso dos ataques, é fundamental entender qual é o móvel dos responsáveis por tais atos e como se dá o efeito contágio, o que está relacionado ao suposto desejo de fama e notoriedade que a divulgação da tragédia traria para o ofensor, especialmente perante as comunidades específicas que apoiam esse tipo de iniciativa.  

Não é sem razão que muito do debate ocorrido no âmbito da grande imprensa tem a ver com a necessidade de não sejam divulgados os nomes dos agressores, assim como as imagens e os pormenores da violência. Trata-se de medidas para conter o efeito contágio, inclusive para o fim de deixar claro, para aqueles que sentem propensão a praticar tais condutas, que futuras ocorrências não levarão à notoriedade de seus protagonistas. 

É inequívoco que muitos dos incentivos inerentes ao efeito contágio decorrem não somente da divulgação de certas informações, mas também da forma, da frequência, da abordagem e da intensidade com que são noticiadas. Se tal preocupação sempre foi fundamental, torna-se ainda mais crucial em uma sociedade da informação, em relação à qual o controle informacional é uma das principais – senão a principal – forma de poder.  

Daí por que é fundamental pensar no papel da grande mídia, o qual, aliás, já é estudado há muito tempo, inclusive no que diz respeito ao poder que decorre de pautar assuntos (agenda setting) e de lhes atribuir molduras (framing) que serão fundamentais para orientar a forma como os destinatários da informação a interpretarão. Aliás, conforme o caso, a mídia pode se transformar em verdadeiro instrumento de propaganda e não propriamente de informação. 

Entretanto, somente pensar no que pode ser feito pela mídia tradicional não resolve, diante do papel crescente das redes sociais no controle do fluxo informacional. Aliás, os recentes exemplos de massacres mostraram que a principal dificuldade para lidar com o tema ocorreu precisamente em plataformas digitais que podem ser consideradas redes sociais, em relação às quais diversos indivíduos ou grupos extremistas divulgaram com relativa facilidade conteúdos comemorando os ataques e incitando novas ocorrências. 

Regulação das plataformas digitais

Com efeito, se alguém tinha alguma dúvida sobre os riscos da ausência de regulação das plataformas digitais, teve uma excelente oportunidade de refletir sobre o tema diante dos recentes massacres, os quais permitiram à sociedade brasileira verificar, assombrada, que determinados ataques foram incentivados tanto antes como depois por diversos agentes, cujos conteúdos inclusive foram mantidos intencionalmente por algumas plataformas sob o fundamento de que seriam compatíveis com seus termos de uso. 

Como já tive a oportunidade de mencionar em coluna recente, o meio virtual vem possibilitando cada vez mais situações que, em termos de riscos, são análogas ao exemplo clássico em que, no mundo real, alguém grita fogo em um teatro lotado. Daí por que não há como endereçar o problema do efeito contágio sem considerar as características do fluxo informacional no mundo virtual e o papel dos gatekeepers informacionais, como é o caso das plataformas. 

Especialmente considerando a polarização e as inúmeras formas pelas quais grupos extremistas e propagadores de ódio e violência têm tido “palco” para veicular seus conteúdos, estamos assistindo a riscos de efeito contágio em proporções inimagináveis, até porque as redes sociais ainda reforçam um tipo de comportamento tribal que pode potencializar esse tipo de disseminação. 

Dessa maneira, assim como estamos refletindo sobre como a grande imprensa precisa reagir a tais fatos, é inequívoco que precisamos discutir também sobre qual deve ser a reação das plataformas digitais, sem prejuízo de uma série de outras medidas que, como a questão do letramento digital ou da educação midiática, se mostram imprescindíveis para uma solução mais abrangente do problema. 

Em um cenário em que são cada vez mais próximas as conexões entre capitalismo e poder informacional, é fundamental compreender que o potencial de contágio dos recentes massacres é questão que está diretamente imbricada com o modelo de negócios das plataformas digitais e com a ausência de regulação a esse respeito.

Fonte: Jota

CLIQUE E CONHEÇA O LIVRO DE ANA FRAZÃO!

Lei de Liberdade Econômica - Análise Crítica: conheça o lançamento


LEIA TAMBÉM

Assine nossa Newsletter

Li e aceito a Política de privacidade

GENJURÍDICO

De maneira independente, os autores e colaboradores do GEN Jurídico, renomados juristas e doutrinadores nacionais, se posicionam diante de questões relevantes do cotidiano e universo jurídico.

Áreas de Interesse

ÁREAS DE INTERESSE

Administrativo

Agronegócio

Ambiental

Biodireito

Civil

Constitucional

Consumidor

Direito Comparado

Direito Digital

Direitos Humanos e Fundamentais

ECA

Eleitoral

Empreendedorismo Jurídico

Empresarial

Ética

Filosofia do Direito

Financeiro e Econômico

História do Direito

Imobiliário

Internacional

Mediação e Arbitragem

Notarial e Registral

Penal

Português Jurídico

Previdenciário

Processo Civil

Segurança e Saúde no Trabalho

Trabalho

Tributário

SAIBA MAIS

    SAIBA MAIS
  • Autores
  • Contato
  • Quem Somos
  • Regulamento Geral
    • SIGA