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FINANCEIRO E ECONÔMICO
Desmistificando a Limitação de Empenho
Marcus Abraham
11/04/2019
Uma obrigação legal do gestor público, e não uma mera faculdade a partir do bom senso.
Em 15 de fevereiro deste ano, o Governo Federal publicou no Diário Oficial da União o Decreto nº 9.711, que dispôs sobre a programação orçamentária e financeira e estabeleceu o cronograma mensal de desembolso do Poder Executivo federal para o exercício de 2019, dentre outras providências.
Já na semana passada, esse decreto foi alterado pelo Decreto nº 9.741, de 29 de março de 2019, para realizar uma série de “limitações de empenho”, medida também conhecida como “contingenciamento” nas despesas orçamentárias. Através deste decreto, foi realizado um bloqueio nos gastos no montante de R$ 34,955 bilhões, sendo R$ 5,372 bilhões a título de “contingenciamento temporário” para futuros ajustes (fora do conceito de limitação de empenho).
O objetivo do bloqueio de gastos é o de não ultrapassar os R$ 139 bilhões de deficit fiscal previsto no orçamento para o ano de 2019.
Dentre as áreas atingidas, citamos a da Educação, que sofreu um contingenciamento de R$ 5,839 bilhões; a Defesa, que teve R$ 5,107 bilhões bloqueados; na Infraestrutura, foram cortados R$ 4,302 bilhões; e o Ministério de Minas e Energia teve uma limitação de 3,768 bilhões. Também foram bloqueados R$ 2,9 bilhões das denominadas emendas parlamentares impositivas individuais e de bancadas.
O nosso texto da Coluna Fiscal deste mês pretende explorar de maneira didática este importante instituto de responsabilidade fiscal denominado de limitação de empenho, fazendo a sua distinção para o popularmente conhecido contingenciamento de gastos.
Como a lei orçamentária estabelece dotações específicas, em cada área, em um valor total para ser gasto ao longo de todo o ano, em seguida à sua edição, o Poder Executivo precisa publicar um decreto que estabeleça a execução mensal do orçamento público. Isto vem previsto no artigo 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal, o qual determina que, em até trinta dias após a publicação dos orçamentos, o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso, conforme o que for previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Esta é a finalidade do primeiro decreto que citamos no início do texto: estabelecer o quantum mensal a ser gasto em cada despesa posta no orçamento público.
Ocorre que a despesa pública é fixada no orçamento a partir de uma previsão de receita que deverá financiá-la.
Ora, a previsão de receitas nada mais é do que uma estimativa de arrecadação resultante de certa metodologia de projeção adotada, processada através de fórmulas matemáticas e estatísticas que envolvem inúmeras variáveis, que vão desde a mera atualização monetária das receitas anteriores, até a avaliação do comportamento da economia nacional e estrangeira em cada segmento e as eventuais mudanças na legislação.
Levam-se, ainda, em consideração os dados econômicos, como o Produto Interno Bruto Real do Brasil – PIB real; o crescimento real das importações ou das exportações; a variação real na produção mineral do país; a variação real da produção industrial; a variação real da produção agrícola; o crescimento vegetativo da folha de pagamento do funcionalismo público; o crescimento da massa salarial; o aumento na arrecadação como função do aumento do número de fiscais no país ou mesmo do incremento tecnológico na forma de arrecadação; etc.
Portanto, como a previsão de receita é uma mera estimativa, ainda que a partir de critérios e metodologias racionais, esta pode se realizar em montante inferior ou superior ao inicialmente estimado. Se houver excedente, haverá superávit fiscal, mas se a arrecadação frustrar as expectativas e se der em valor menor do que o estimado, isso poderá gerar um déficit indesejado.
Com a intenção de buscar o equilíbrio fiscal, para acompanhar a evolução financeira entre arrecadação e gastos ao longo do exercício financeiro, a Constituição Federal prevê no §3º do seu artigo 165 que o Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO).
O RREO, disciplinado no artigo 52 da LRF, conterá: I – balanço orçamentário, que especificará, por categoria econômica, as: a) receitas por fonte, informando as realizadas e a realizar, bem como a previsão atualizada; b) despesas por grupo de natureza, discriminando a dotação para o exercício, a despesa liquidada e o saldo; II – demonstrativos da execução das: a) receitas, por categoria econômica e fonte, especificando a previsão inicial, a previsão atualizada para o exercício, a receita realizada no bimestre, a realizada no exercício e a previsão a realizar; b) despesas, por categoria econômica e grupo de natureza da despesa, discriminando dotação inicial, dotação para o exercício, despesas empenhada e liquidada, no bimestre e no exercício; c) despesas, por função e subfunção.
Ao final de cada bimestre, já é possível saber se a arrecadação estimada correspondeu ao valor previsto ou se esta foi em montante insuficiente, o que importará uma contenção de gasto.
Ocorrendo tal situação, o artigo 9º da LRF determina que, se verificado ao final de um bimestre que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. E, no caso de restabelecimento da receita prevista, ainda que parcial, a recomposição das dotações cujos empenhos foram limitados dar-se-á de forma proporcional às reduções efetivadas (§ 1º).
Entretanto, não serão objeto de qualquer limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias (§ 2º).
Portanto, a limitação de empenho nada mais é do que uma espécie de “fechamento de torneira” nos gastos públicos determinado por lei, quando se verificar que a arrecadação ocorreu em montante inferior do que o previsto.
Este mecanismo é derivado do budget sequestration do modelo fiscal norte-americano, que impõe uma contenção nos gastos públicos, em despesas consideradas discricionárias, quando a receita correspondente não se realizar como originalmente previsto na proposta orçamentária.
Assim, enquanto o Decreto nº 9.711/19 estabelecia a programação mensal de gastos para o ano, o Decreto nº 9.741/19 realizou cortes nos gastos a título de limitação de empenho, por determinação expressa da LRF.
Diferentemente desta situação, temos os contingenciamentos comuns, que também são cortes nos gastos, mas não por imposição legal, e sim por decisões discricionárias do Poder Executivo, por vezes motivadas por fins políticos ou na busca de austeridade fiscal.
A realização desses contingenciamentos discricionários sofre críticas, tanto por fazer sobrepor a vontade do Poder Executivo em detrimento da previsão de gastos contida na lei orçamentária votada e aprovada pelo Poder Legislativo, como por transformar as leis orçamentárias em meras “peças de ficção”, com toda a carga que isso implica ao não se executar uma lei aprovada pelos representantes do povo reunidos em Parlamento.
Afinal, a partir do contido nas leis orçamentárias, os governos sinalizam para a sociedade a realização de uma série de investimentos e políticas públicas, os quais, ao não se efetivarem, acabam por frustrar as expectativas do cidadão quando os contingenciamentos não obrigatórios são implementados, muitas vezes até de maneira imotivada.
De toda forma, a limitação de empenho prevista no artigo 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal – diferentemente do contingenciamento discricionário – constitui uma obrigação legal do gestor público – em nome do equilíbrio e da responsabilidade fiscal -, e não uma mera faculdade a partir do bom senso.
Esse instituto é fundamental para a boa administração dos recursos públicos e, quando é realizado, mais do que zelar pela saúde das contas públicas, sinaliza que há respeito pelos institutos e imperativos da LRF.
Fonte: Jota
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