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FINANCEIRO E ECONÔMICO
Controle compartilhado x proteção do investimento
Ana Frazão
18/09/2024
Recente decisão do Cade (Processo Administrativo para Apuração de Ato de Concentração 08700.000641/2023-83, relator conselheiro Victor Fernandes, julgado em 20 de março último) traz importantes discussões sobre os critérios para a identificação do controle compartilhado, diferenciando-o de outros indicadores que estão associados à mera proteção do investimento.
O julgamento tinha como pano de fundo a interpretação das normas do Cade que tratam dos critérios para a obrigatoriedade de notificação de atos de concentração envolvendo fundos de investimento. Na ocasião, houve intenso debate sobre a melhor interpretação das referidas normas, inclusive para o fim de se chegar à conclusão de que seria necessário que o Cade reconsiderasse os requisitos de notificação obrigatória de atos de concentração, notadamente diante da emergência de novas e complexas estruturas societárias com participações acionárias dispersas e pulverizadas.
Não obstante, interessa ao presente artigo menos as questões sobre critérios de notificação obrigatória no caso de fundos de investimentos e mais a discussão a respeito dos critérios configuradores do controle compartilhado. Nesse sentido, pode-se afirmar que o Cade avançou tanto na questão da prova do controle compartilhado como na questão dos critérios materiais para a sua identificação.
A primeira contribuição diz respeito precisamente a como se comprovar a existência desse tipo de controle. Como o voto do conselheiro relator Victor Fernandes reconhece, a jurisprudência do Cade adota três abordagens principais para a identificação de controle compartilhado: (i) verificação concreta do exercício do poder de controle; (ii) análise dos direitos dos minoritários previstos nos instrumentos societários (estatutos ou acordos de Acionistas); e (iii) inferência do controle a partir da mera detenção de 20% ou mais de participação acionária.
Para o relator, tanto as primeira e terceira hipóteses são falhas. No que diz respeito especialmente à primeira, são consideráveis as dificuldades para a sua implementação, pois o controle é essencialmente um poder de fato. Nesse sentido, o voto apresenta interessante revisão de literatura, citando, dentre outros, a professora Laura Patella, na parte em que sustenta que a distinção entre acordos de controle individual e acordos de controle conjunto pode ser muito sutil, o que exige um exame individual e qualificado de cada situação.
O relator também cita a presente articulista, em lição doutrinária na qual procura mostrar que, diante da inviabilidade prática de aferição concreta do controle por parte do Cade em inúmeras situações, não há outra alternativa senão a de que o Direito da Concorrência trabalhe com presunções, ainda que seja desejável que estas não sejam simplistas.
Daí por que, para o relator, a melhor abordagem metodológica seria a segunda, baseada na identificação de direitos especiais atribuídos a acionistas minoritários a partir da avaliação de instrumentos como o estatuto da companhia ou acordo de acionistas.
Indicadores de controle compartilhado
A partir daí, o relator faz a seguinte sistematização dos indicadores de controle compartilhado:
“1. Direito de veto ou necessidade de quórum qualificado para aprovação em Assembleia Geral de matérias como:
a) Aprovação do plano de negócios;
b) Aprovação do orçamento anual;
c) Qualquer alteração no estatuto social que afetem os direitos dos acionistas, independentemente da matéria.
2. Direito de veto ou necessidade de quórum qualificado para aprovação em Conselho de Administração de matérias como:
a) Aprovação do plano de negócios;
b) Aprovação do orçamento anual;
c) Eleição e destituição de diretores da companhia;
d) Aprovação da política de negócios.
3. Direito de indicar membros para o Conselho de Administração, especificamente quando combinado com direitos de veto sobre matérias concorrencialmente estratégicas.
4. Direito de veto sobre decisões relacionadas a investimentos, empréstimos, contratações e outras operações acima de determinados valores.
5. Direito de veto sobre a aprovação de relatórios gerenciais, demonstrações financeiras e a indicação de auditores independentes”.
Em decorrência, quando previstos em estatutos ou acordos de acionistas, os direitos acima listados podem ser considerados como instrumentos que vão além da mera proteção ao investimento, na medida em que conferem ao acionista minoritário a capacidade de influenciar decisões estratégicas e de gestão da companhia.
Essa é a razão pela qual podem ser interpretados como indicativos de controle compartilhado, mesmo quando o minoritário tem participação inferior a 50% do capital social.
Direitos que devem ser considerados como meras proteções ao investimento
Por outro lado, o relator considera que os seguintes direitos devem ser considerados como meras proteções ao investimento:
“1. Direito de veto ou necessidade de quórum qualificado para aprovação em Assembleia Geral de matérias como:
a) Operações societárias relevantes, como fusões, incorporações, aquisições e criação de subsidiárias integrais;
b) Emissão de títulos da sociedade a terceiros;
c) Obtenção de registro de sociedade aberta e negociação de ações em bolsa de valores;
d) Aprovação de dividendos ou outras formas de distribuição de lucros;
e) Aprovação da remuneração máxima dos membros da administração;
f) Pedidos de falência, recuperação judicial ou extrajudicial;
g) Aumento ou redução do capital social autorizado.
2. Direito de veto ou necessidade de quórum qualificado para aprovação em Conselho de Administração de matérias como:
a) Eleição e destituição de membros do comitê de auditoria;
b) Eleição e destituição do diretor presidente ou do presidente do Conselho de Administração;
c) Aprovação do plano geral de negócios propostos pela Diretoria, desde que, em caso de impasse, a matéria seja submetida à deliberação do Conselho de Administração e aprovada por maioria simples.
3. Direito de indicar membros para o Conselho de Administração, desde que não combinado com direitos de veto sobre matérias estratégicas.
4. Direito de veto sobre contratos entre a companhia e o acionista controlador ou outras sociedades nas quais o acionista controlador tenha interesse.
5. Direito de veto sobre a avaliação de bens destinados à integralização de aumento de capital”.
Como se pode observar, os critérios distintivos obedecem a uma importante gradação, uma vez que não tratam dos direitos de veto ou de indicação de membros para órgãos administrativos de forma absoluta, procurando contextualizá-los diante da importância da matéria e do grau de poder decorrente.
Exemplo interessante é o indicador de controle compartilhado número 3, que envolve uma análise sistemática do direito de indicar membros para o Conselho de Administração com a possibilidade de exercício de direitos de veto sobre matérias concorrencialmente estratégicas, o que possibilita uma avaliação mais contextual e sistemática da situação.
Apesar de todas as dificuldades inerentes ao tema, os critérios propostos, além de coerentes com o grau de poder decorrente de cada solução apontada, apresentam objetividade suficiente para permitir a diferenciação pretendida, ao mesmo tempo em que possibilitam alguma flexibilidade para adaptações que se mostrem necessárias nos casos concretos.
Ainda que discussão de tal calibre dificilmente possa ser considerada exaurida, tem-se que a sistematização proposta pela última decisão do Cade representa, sem dúvida, uma contribuição importante para a análise do tema, ainda mais considerando o estado anterior da jurisprudência do Cade, em relação ao qual não havia propriamente entendimento que poderia ser considerado dominante.
Mais do que isso, os referidos critérios, que refletem a necessária interdependência entre o Direito da Concorrência e o Direito Societário, também se mostram úteis na prática societária para a identificação do controle compartilhado.
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