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Compra de imóveis: atraso na entrega e suas consequências

Luiz Antônio Scavone Júnior
10/04/2025
No contrato bilateral, a prestação de uma das partes tem como causa, como motivo de sua existência, a obrigação do outro contratante.
Se o adquirente cumpre a sua obrigação (pagamento do preço), é porque vislumbra, além das demais obrigações da construtora, a efetiva entrega do imóvel na data convencionada. É preciso observar que as obrigações de entrega do imóvel aos adquirentes qualificam-se como prestações positivas (dar e fazer) e líquidas (certas quanto a sua existência e determinadas quanto ao seu objeto).
O seu inadimplemento constitui de pleno direito em mora o devedor (independentemente de notificação ou qualquer outra providência do credor), acorde com o art. 397 do Código Civil.
É a consagração do princípio segundo o qual dies interpellat pro homine (o dia do vencimento interpela pelo homem), considerado o vencimento após o esgotamento da carência legal de 180 (cento e oitenta) dias insculpida no art. 43-A da Lei 4.591/1964.
Duas são as soluções jurídicas para enfrentar a questão.
A primeira delas é a resolução do contrato.
De fato, assim como ao promitente vendedor é possível a resolução do contrato por inadimplemento do promitente comprador, este último pode aforar ação de resolução contratual no caso de atraso na entrega das chaves, que constitui inegável descumprimento do contrato pela construtora que prometeu o imóvel em data certa.
Nada obstante a possibilidade de requerer a resolução do contrato, a segunda solução jurídica permite ao adquirente, nos termos do art. 475 do Código Civil, optar por exigir da construtora/incorporadora a entrega (cumprimento da obrigação), requerendo, também, a multa moratória de caráter punitivo, como vimos, e as perdas e danos.
Mister se faz atentar para aplicação do Código de Defesa do Consumidor,1 uma vez que, de acordo com o critério objetivo e legal, em regra estão presentes consumidor e fornecedor, definidos nos arts. 2º e 3º da Lei 8.078/1990.
No art. 6º da Lei 8.078/1990 encontra-se o seguinte dispositivo: “São direitos básicos do consumidor: VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.”
O adquirente faz jus, nesses casos, tanto se optar pela resolução quanto se optar por exigir a entrega:
a) à indenização por danos materiais consubstanciados no mínimo pelo aluguel que poderia render o imóvel;
b) por eventuais danos morais a partir do atraso;
c) à suspensão do pagamento das parcelas eventualmente devidas em razão da exceção do contrato não cumprido (Código Civil, art. 476), ficando responsável, apenas, se optar por exigir o cumprimento da obrigação de entrega das chaves, pelas atualizaçõesprevistas no contrato, mas não pelos juros, compensatórios ou moratórios, e demais penalidades contratuais como, aliás, é a orientação do Tribunal de Justiça de São Paulo na Súmula 163 nos seguintes termos: “O descumprimento do prazo de entrega do imóvel objeto do compromisso de venda e compra não cessa a incidência de correção monetária, mas tão somente dos encargos contratuais sobre o saldo devedor.”
d) a ser ressarcido ou não pagar os condomínios e impostos que eventualmente recaírem sobre a unidade condominial enquanto não receber as chaves, posto que devem ser carreados à construtora/incorporadora que deu causa ao atraso, independentemente do que estiver previsto no contrato por ser cláusula em sentido contrário considerada abusiva. (…)
É muito comum a pretensão do adquirente de impor à construtora, por extensão, a multa prevista no contrato para o seu descumprimento, invocando, para tanto, o princípio da igualdade contratual.
Embora o pedido seja plausível no meu entendimento, em São Paulo o Tribunal estadual indeferia a pretensão, aplicando o art. 411 do Código Civil literalmente nos termos da sua Súmula 159: “É incabível a condenação da vendedora ao pagamento de multa ajustada apenas para a hipótese de mora do comprador, afastando-se a aplicação da penalidade por equidade, ainda que descumprido o prazo para a entrega do imóvel objeto do compromisso de venda e compra. Incidência do disposto no artigo 411, do Código Civil.”
Esse entendimento, que se aplicava apenas aos contratos anteriores à Lei 13.786 de 27.12.2018, foi afastado pelo STJ.
Nos REsps 1.614.721 e 1.631.485, o STJ definiu que é possível inverter, em desfavor da construtora, a cláusula penal estipulada exclusivamente para o consumidor para o caso de inadimplemento, também pelo atraso na entrega (tema 971).
Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial representativo de controvérsia. Compra e venda de imóvel na planta. Atraso na entrega. Novel lei n. 13.786/2018. Contrato firmado entre as partes anteriormente à sua vigência. Não incidência. Contrato de adesão. Omissão de multa em benefício do aderente. Inadimplemento da incorporadora. Arbitramento judicial da indenização, tomando-se como parâmetro objetivo a multa estipulada em proveito de apenas uma das partes, para manutenção do equilíbrio contratual. 1. A tese a ser firmada, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, é a seguinte: No contrato de adesão firmado entre o compradore a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplementodo adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento dovendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro,por arbitramento judicial. 2. No caso concreto, recurso especial parcialmente provido. (REsp 1614721/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, j. 22.05.2019, DJe 25.06.2019).
Para contratos firmados depois da Lei 13.786, de 27.11.2018, tanto se o adquirente optar pela resolução do contrato por inadimplemento, expressamente possibilitada pelo art. 35, III, do Código de Defesa do Consumidor e pelo art. 475 do Código Civil, quanto se optar por exigir o cumprimento, a construtora/incorporadora inadimplente responderapelos prejuizos a que der causa, ou seja, pelas perdas e danos materiais (os alugueis), alem
dos morais em casos extremos, independentemente das multas legais compensatórias ou moratórias, respectivamente, que deverão estar presentes no contrato, não se tratando mais de inversão, sendo ambas de caráter exclusivamente punitivo (e não de predeterminação das perdas e danos), insculpidas no art. 43-A, §§ 1º e 2º, da Lei 4.591/1964.2
A diferença é que, se exigir o cumprimento, o adquirente deverá, em razão da entrega, pagar o que deve com as atualizações previstas no contrato sem as penalidades impostas às prestações suspensas em razão da exceção do contrato não cumprido, exigindo a multa moratória imposta à construtora por lei (art. 43-A, § 2º da Lei 4.591/1964) e, se requerer a resolução do contrato por inadimplemento da construtora/incorporadora, fará jus à restituição integral do que pagou com as atualizações desde cada desembolso, além dos juros legais desde a citação (CC, arts. 405 e 406) e multa compensatória prevista no contrato (art. 43-A, § 1º da Lei 4.591/1964).
O Superior Tribunal de Justiça entende que os lucros cessantes podem ser presumidos ante a não entrega do imóvel na data convencionada.
Com isso, admite a indenização por lucros cessantes correspondente aos alugueres que o adquirente poderia ter recebido em razão da não entrega na data estipulada (confira-se, nesse sentido: STJ, REsp 644.984/RJ e AgRg no REsp 826.745/RJ).

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NOTAS
1Vide capítulo 2 deste Livro II.
2 Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador. (Incluído pela Lei 13.786, de 2018)
§ 1º Se a entrega do imóvel ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei. (Incluído pela Lei 13.786, de 2018)
§ 2º Na hipótese de a entrega do imóvel estender-se por prazo superior àquele previsto no caput deste artigo, e não se tratar de resolução do contrato, será devida ao adquirente adimplente, por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora,para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato. (Incluído pela Lei 13.786, de 2018).
§ 3º A multa prevista no § 2º deste artigo, referente a mora no cumprimento da obrigação, em hipótese alguma poderá ser cumulada com a multa estabelecida no § 1º deste artigo, que trata da inexecução total da obrigação. (Incluído pela Lei 13.786, de 2018).