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Coluna Fiscal: Prós e contras da Desvinculação das Receitas da União
Marcus Abraham
05/04/2016
Um importante tema de Direito Financeiro que entrará em breve na pauta de discussão no Congresso Nacional, e por isso passará a frequentar os noticiários do país, é o da Desvinculação das Receitas da União, conhecida como DRU, objeto da PEC nº 78/2015. A proposta prevê a prorrogação até 31/12/2023 das desvinculações de recursos constitucionalmente vinculados a despesas específicas (os chamados “recursos carimbados”), majorando-as de 20% para 30%.
O mecanismo constitucional da Desvinculação de Receitas da União (DRU) foi instituído – no artigo 76 do ADCT, inicialmente pela EC nº 27/2000 – para permitir que 20% (vinte por cento) das receitas vinculadas da União fossem destinadas de maneira livre e flexível pelo governo, com a justificativa de propiciar uma alocação mais adequada de recursos orçamentários, além de não permitir que determinadas despesas ficassem com excesso de receitas vinculadas, enquanto outras áreas apresentassem carência de recursos, possibilitando, ao final, o financiamento de despesas “incomprimíveis” sem endividamento adicional da União.
Isso porque o volume de vinculações de recursos financeiros no Orçamento Geral da União foi se elevando muito ao longo das décadas, a partir de inúmeras emendas constitucionais que alteraram o relativo equilíbrio financeiro do texto original, levando a União a buscar outras fontes de recursos (no caso, a dívida pública) para arcar com o pagamento de despesas obrigatórias quando dispunha de recursos excedentes em outros itens. Tais vinculações, somadas a gastos em boa medida inexoráveis – pagamento de pessoal, benefícios previdenciários, contrapartidas de empréstimos externos – restringiam a capacidade do governo federal em alocar recursos de acordo com suas prioridades sem trazer endividamento adicional para a União.
Naquele cenário, o Poder Executivo propôs ao Congresso Nacional, em 1994, um projeto de emenda à Constituição que autorizava a desvinculação de 20% de todos os impostos e contribuições federais, formando uma fonte de recursos livre de carimbos. Foi criado, então, o Fundo Social de Emergência, posteriormente denominado Fundo de Estabilização Fiscal, que vigorou até 31 de dezembro de 1999.
A partir do ano 2000, foi reformulado e passou a se chamar DRU – Desvinculação de Receitas da União, tendo sua última prorrogação aprovada pelo Congresso Nacional até 31 de dezembro de 2015, pela Emenda Constitucional nº 68/2011.
Neste momento, o mecanismo da DRU não está mais vigendo, razão do tema encontrar-se dentro das prioridades da pauta de “ajustes fiscais” do governo federal.
Segundo o texto da Proposta de Emenda à Constituição nº 87/2015, uma vez aprovado, o artigo 76 do ADCT passará a vigorar da seguinte maneira:
“São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, trinta por cento da arrecadação da União relativa às contribuições sociais, sem prejuízo do pagamento das despesas do Regime Geral da Previdência Social, às contribuições de intervenção no domínio econômico, às taxas e à participação no resultado da exploração de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais, já instituídas ou que vierem a ser criadas até a referida data, e às destinações a que se refere a alínea “c” do inciso I do caput do art. 159 da Constituição. Parágrafo único. Excetuam-se da desvinculação de que trata o caput a arrecadação da contribuição social do salário-educação a que se refere o § 5º do art. 212 da Constituição, a participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural e as transferências aos Estados, Distrito Federal e Municípios previstas no § 1º do art. 20 da Constituição.”
Conforme sua exposição de motivos, essa PEC “altera a forma de cálculo da DRU, de forma a limitar seu alcance e aumentar sua efetividade”. Percebe-se que a nova proposta, além de majorar de 20% para 30% a desvinculação das receitas das Contribuições Sociais e das CIDEs, não mais menciona os impostos, mas passam a integrar o mecanismo as receitas dos Fundos Constitucionais FCO/FNE/FNO, das Taxas e das Compensações Financeiras da União de Recursos Hídricos e Minerais. Ficam fora da desvinculação o salário-educação, destinado ao financiamento de programas, projetos e ações voltados para o financiamento da educação básica pública, e a distribuição do resultado da exploração de petróleo ou gás natural aos Estados, DF e Municípios.
Antes de apresentarmos os argumentos pró e contra, é importante recordarmos que a Constituição Federal, no seu artigo 167, inciso IV, já disciplina o princípio orçamentário da não vinculação dos impostos, ao prescrever ser vedada “a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo”.
O referido § 4º diz que “é permitida a vinculação de receitas próprias geradas pelos impostos a que se referem os arts. 155 e 156, e dos recursos de que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II, para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos para com esta”.
Dos dispositivos mencionados, é importante destacar que o § 2º do art. 198 da Constituição traz a exceção para a aplicação anual de recursos mínimos em ações e serviços públicos de saúde (dispositivo regulamentado pela LC no 141/2012).
Por sua vez, o parágrafo único do art. 204 faculta a vinculação de certo percentual das receitas tributárias (o que inclui receita de impostos) a programa de apoio à inclusão e promoção social, proibindo, entretanto, a aplicação desses recursos no pagamento de despesas com pessoal e encargos sociais, serviço da dívida ou de qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados. Já o art. 212 determina a aplicação de percentual mínimo da arrecadação de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino.
Pois bem, o principal argumento da linha que é favorável à DRU é o da flexibilidade orçamentária, na medida da necessidade de maior discricionariedade alocativa como instrumento de gestão governamental, para garantir autonomia ao Poder Executivo na definição das prioridades de gastos conforme suas pretensões e objetivos.
Os seus defensores afirmam que a DRU seria uma importante ferramenta na gestão da política fiscal ao permitir que recursos que estejam disponíveis em algum órgão ou instituição sejam destinados para outras finalidades, além de facilitar o cumprimento da meta de superávit primário.
Segundo os Ministérios do Planejamento e da Fazenda, a DRU é necessária “pois evita que determinadas áreas fiquem com excesso de recursos vinculados, enquanto outras apresentem carência de recursos”.
Um dos questionamentos daqueles que são contrários à DRU está baseado na excessiva concentração de poder financeiro nas mãos da União, o que já vinha se desenvolvendo com o aumento progressivo da carga tributária das contribuições sociais e econômicas (que são receitas federais), e no fato de que a DRU somente potencializaria essa concentração, fenômeno que traz reflexos negativos ao pacto federativo e ao necessário equilíbrio distributivo entre recursos e atribuições dos entes.
Porém, o principal argumento contrário é o de que a desvinculação das receitas da União, sobretudo àquelas relativas às contribuições sociais, além de afetar a própria natureza do tributo vinculado, reduz os recursos disponíveis destinados ao atendimento dos direitos sociais e fundamentais do cidadão. Com isso, retiram daquela alocação específica, constitucionalmente vinculada a direitos relacionados ao mínimo existencial e à dignidade da pessoa humana (por exemplo: saúde e educação), o percentual da DRU, que acaba sendo utilizado em outras despesas e finalidades menos nobres e até mesmo para a realização de superávit fiscal.
Enfim, sendo ou não aprovada a renovação da DRU pelo Congresso, tomando de empréstimo as recentes e sábias palavras do Ministro do STF Marco Aurélio Mello, fato é que “a Constituição precisa ser um pouco mais amada”.
Se a Lei Maior elege certos direitos como prioritários, devemos nos acautelar de que o mecanismo da DRU, embora não afete diretamente a obrigação de cumprimento dos percentuais mínimos constitucionais para direitos sociais (tais como saúde e educação), não acabe por transformar estes percentuais de valores mínimos em montante máximo, pois as vicissitudes experimentadas por tais setores em nosso país não devem jamais ser olvidadas.
Fonte: JOTA
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