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Bets sobre resultados eleitorais

Ana Frazão

Ana Frazão

18/10/2024

Poucos assuntos têm chamado mais atenção recentemente do que as chamadas bets, em seus mais diferentes desdobramentos. A finalidade do presente artigo é explorar apenas uma das atuais controvérsias – a possibilidade de apostas sobre resultados eleitorais –, procurando conectar tal assunto com uma discussão necessária a respeito da economia de mercado: o que não pode ser submetido à lógica de mercado?

Trata-se de discussão vinculada aos limites morais e jurídicos das transações de mercado, tal como muito bem exposto no instigante livro de Michael Sandel What Money Can’t Buy: The Moral Limits of Markets[1].

No caso das bets sobre resultados eleitorais, o tema entrou no cenário nacional em setembro, quando os principais jornais noticiaram que pelo menos cinco sites de apostas virtuais estariam oferecendo prêmios em dinheiro em caso de vitória de candidatos a prefeituras de capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

É interessante notar que o argumento reiterado utilizado pelos defensores da possibilidade das apostas sobre resultados eleitorais é o de que não haveria vedação legal expressa e tudo o que a lei não proíbe deve ser considerado como permitido[2]. Assim, diante de um suposto vácuo legal, não haveria outra conclusão senão a da possibilidade de tais apostas.

De forma contrária, o Ministério da Fazenda tratou logo de dar a sua versão, no sentido de que jogos com temáticas políticas seriam ilegais no Brasil, uma vez que a portaria governamental autorizativa apenas poderia criar mercados que tenham relações com eventos com temáticas esportivas ou jogos online.

De toda sorte, é importante advertir que mesmo a postura mais permissiva – segundo a qual tudo o que não é proibido é permitido – não pode se estruturar em bases excessivamente formalistas, a fim de analisar uma situação com a presente apenas a partir da inexistência de vedações legais expressas. É fundamental que a conduta seja analisada diante da integralidade do ordenamento jurídico como um todo, a partir de uma perspectiva funcional e dinâmica.

Com efeito, no caso dos cenários eleitorais, ainda que inexistisse vedação legal específica, sempre houve uma série de regras que, preocupadas com a lisura da disputa, impossibilitariam apostas com base em resultados eleitorais. Dentre essas regras, podem ser mencionadas as que vedam captação ilícita de voto, propaganda irregular e outros tipos de ilícitos eleitorais, dentre os quais o abuso de poder econômico.

Não obstante, a controvérsia assumiu tal proporção que, para evitar qualquer dúvida a respeito do assunto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na sessão administrativa de 17.09.2024, aprovou resolução que explicita o ilícito eleitoral de prática de apostas, incluídas as online, cujo objeto envolva resultado das eleições[3]. Com isso houve a alteração dos artigos 1º e 6º da Resolução TSE 23.735, de 27 de fevereiro de 2024, no seguinte sentido:

“Art. 6º. …

7º. A utilização de organização comercial, inclusive desenvolvida em plataformas on line ou pelo uso de internet, para a prática de vendas, ofertas de bens ou valores, apostas, distribuição de mercadorias, prêmios ou sorteios, independente da espécie negocial adotada, denominação ou informalidade do empreendimento, que contenha indicação ou desvio por meio de links indicativos ou que conduzam a sites aproveitados para a promessa ou oferta, gratuita ou mediante paga de qualquer valor, de bens, produtos ou propagandas vinculados a candidatas ou a candidatos ou a resultado do pleito eleitoral, inclui-se na caracterização legal de ilícito eleitoral, podendo configurar abuso de poder econômico e captação ilícita de votos, estando sujeita à aplicação do § 10 do art. 14 da Constituição do Brasil e do art. 334 da Lei n. 4.373/1965 – Código Eleitoral, dentre outras normas vigentes.

8º. O juiz eleitoral competente, no exercício regular do poder de polícia eleitoral, adotará as providências judiciais necessárias para fazer cumprir o disposto neste artigo”.

Vale ressaltar que, para a presidente do TSE, a ministra Cármen Lúcia, as novas regras, longe de representarem alguma novidade, apenas buscaram, em prol da segurança jurídica, conferir maior clareza sobre a real extensão, interpretação e aplicação das normas vigentes, especialmente o artigo 334 do Código Eleitoral.[4]

Para além dos ilícitos eleitorais invocados, é importante destacar que a possibilidade de apostas com base em resultados eleitorais pode distorcer por completo o âmago do processo eleitoral, que é o direito de voto, criando incentivos perversos para que seja exercido não para os fins democráticos a que se destina, mas sim em prol da opção que torne mais provável o retorno financeiro da aposta.

Dessa maneira, observa-se que a questão das bets com base em resultados eleitorais é mais profunda, na medida em que imprime ao processo eleitoral uma lógica pecuniária de mercado que, por várias razões, lhe é estranha e deve continuar a sê-lo para a preservação da própria democracia.

É por essa razão que o tema apresenta tantas conexões com o livro de Michael Sandel, pois o autor nos provoca precisamente sobre aquele que precisa ser um dos temas mais importantes da nossa época: como evitar que os valores de mercado possam entrar em esferas da vida a que não pertencem?

Para responder a essa questão, nem sempre teremos vedações legais expressas. Em vários casos, será importante fazer um cotejo com o conjunto do ordenamento jurídico, tal como acertadamente fez o TSE, ao apontar as contrariedades à legislação eleitoral e ao aclarar tal conclusão na recente resolução.

Entretanto, para além da discussão jurídica específica, é igualmente importante enfrentar a discussão mais ampla, inclusive do ponto de vista filosófico, sobre o que não pode nem deve ser trazido para o mercado. Afinal, como também adverte Sandel, um dos efeitos mais perigosos de uma economia de mercado que evoluiu para uma sociedade de mercado é a ideia de que tudo pode ser submetido à lógica do dinheiro.

Fonte: Jota

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NOTAS

[1]SANDEL, Michael.What Money Can’t Buy: The Moral Limits of Markets.Farrar, Straus and Giroux, 2012. Versão Kindle.

[2]https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2024/09/05/casa-de-aposta-abre-mercado-de-jogos-em-resultado-das-eleicoes.htm

[3]https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Setembro/tse-aprova-normas-que-explicitam-proibicao-de-apostas-sobre-as-eleicoes

[4]https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Setembro/tse-aprova-normas-que-explicitam-proibicao-de-apostas-sobre-as-eleicoes

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