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A imprudência a partir do conceito significativo de ação

DELITO IMPRUDENTE

FILOSOFIA DA LINGUAGEM

PROCESSO DE COMUNICAÇÃO

SIGNIFICADO

Paulo César Busato

Paulo César Busato

26/05/2016

Bumper cars in motion in amusement park

Resumo: O presente trabalho tem por objeto o delito imprudente em função do espaço que esta modalidade delitiva tem ganho na realidade legislativa do Direito penal moderno. A análise, no entanto, é feita a partir de uma nova teoria de base. Assume-se aqui a distribuição das categorias do delito segundo o modelo proposto por Vives Antón, ancorado na filosofia da linguagem, que vem ganhando grande espaço doutrinário em todo o mundo. No presente trabalho apresenta-se críticas à ancoragem ontológica do finalismo, bem assim aos modelos funcionalistas, sempre a partir da base representada pelo processo de comunicação. Sem pretensão de esgotar as consequências da adoção de um modelo de imprudência baseado no significado, realiza-se uma abordagem de suas principais conseqüências dogmáticas.

Summary: The present work has for object the crimes of negligence because of the space that this kind of criminal modality has received in the legislative reality of the modern Criminal law. The analysis, however, is made from a new basic theory. The distribution of the crime’s analitic elements is assumed here according to model proposed by Vives Antón, based on the Philosophy of the Language, that comes gaining great doctrinal space in the whole world. In this work the negligence crime model of the most accepted theories in Criminal law studies are contested, always from the base represented for the communication process. Without pretension to deplete the consequences of the adoption of a model of negligence crimes based on that meaning, the text makes an analysis of their main technical consequences.

Palavras-chave: Delito imprudente – significado – processo de comunicação – filosofia da linguagem.

Key-words: negligent crimes – meant – communication process – philosophy of language.

Sumário: Introdução. 1. A pretensão de uma concepção ontológica da imprudência. 1.1. A imprudência no modelo causal-naturalista. 1.2. A imprudência no modelo finalista. 2. A normativização da imprudência 2.1. As raízes da superação do modelo ontológico de teoria do delito. 2.2. As modernas tendências normativistas. 3. A imprudência e o funcionalismo: o risco permitido e o dever de cuidado. 3.1. Imprudência e funcionalismo teleológico: a análise de Roxin. 3.2. Imprudência e o funcionalismo sistêmico: a análise de Jakobs. 3.3. A crítica al modelo funcionalista de imprudência. 4. A imprudência e o modelo significativo. 4.1. Aspectos gerais do modelo significativo de teoria do delito. 4.2. A imprudência e a pretensão de ilicitude. Conclusões. Referências bibliográficas.

Introdução.

O delito imprudente historicamente tem merecido menos atenção científica do que mereceria, ainda que seja forçoso reconhecer que seu volume de incidência tem alto custe social. Muñoz Conde refere que esta realidade mudou por completo com o processo de industrialização que começou no Século XIX e se arrastou pelo Século XX, a ponto de que com o tráfego automobilístico, por exemplo, as imprudências tenham se convertido na “parte mais importante do número de delitos apreciados pelos tribunais ao fim de um ano”[1]. Por outro lado, o castigo por imprudência também cobra protagonismo em outras áreas do Moderno Direito penal, como o meio ambiente, a saúde pública ou a organização empresarial. Quiçá pela razão fundamental de que exista um tão impressionante volume de casos, é preciso discutir e afirmar em suas bases a questão da justificação do castigo da violação de um dever de cuidado que no puede ser admitido em todo e qualquer caso, sem mais[2].

O moderno Direito penal trabalha cada vez mais com técnicas de tipificação que traduzem um adiantamento de barreiras de imputação, tais como a norma penal em branco, os delitos de perigo, os elementos normativos do tipo, em especial as chamadas cláusulas de autorização, etc.

Tais situações, especialmente o dolo de perigo, em muitas ocasiões são confundidos com a imprudência, que, de rigor, do mesmo modo, é uma forma de adiantamento de barreiras de imputação, já que o castigo não se refere ao compromisso de violação de um bem jurídico, mas à violação de um dever que ao final se presume capaz de proteger tal bem.

Tanto isto é uma realidade que o mesmo delito imprudente se converteu, a partir da retomada das concepções a respeito da imputação objetiva, no modelo de delito por excelência. Ou seja, para o causal-naturalismo, quando o eixo da imputação se situava na relação de causalidade mecânica, o modelo central de tipificação era o delito de lesão, de resultado material; para o finalismo o modelo de delito era o delito doloso, no qual o eixo da imputação se manifestava na vontade dirigida a um fim cujo conteúdo era exatamente a produção do resultado (desvalor de ação); para o funcionalismo, a retomada da idéia de imputação associada à realização de um risco não permitido, põe em evidência os caracteres normativos da violação de um dever e com isso, o modelo padrão do delito passa a ser o delito imprudente.

Mas este adiantamento da análise da imprudência parece ainda não convencer especialmente na medida em que se contrapõe a ele um dolo que em algumas construções ainda tem rasgos ontológicos, especialmente onde se admite o componente voluntário. De outro lado, o abandono da vontade no dolo não parece ser o melhor caminho[3], pelo que, o equilíbrio estratégico mais adequado entre o dolo e a imprudência parece demandar uma mudança metodológica.

Já há muito[4] me decantei pela posição mantida por Martínez-Buján Pérez[5] no sentido de que o modelo de teoria do delito que supõe o seguinte passo a se dado a respeito da evolução da teoria do delito é aquele apresentado pelo Prof. Vives Antón, em seus Fundamentos do Sistema Penal[6], ou seja, um modelo significativo de teoria do delito, cujos pontos de partida são a ação significativa e uma teoria da norma ancoradas na filosofia da linguagem.

Por isso, neste trabalho, se apresenta a figura da imprudência no modelo significativo da teoria do delito, bem assim, se discute suas vantagens a respeito dos modelos tradicionais de formulação do tema.

Para isto, parte-se de fazer una breve apresentação do conteúdo da imprudência segundo os principais modelos teóricos precedentes; a seguir, apresenta-se as bases da imprudência que resultam da concepção significativa, comentando as razões pelas quais parece resultar esta mais adequada.

1. A pretensão de uma concepção ontológica da imprudência.

A distinção entre o fato intencional e o não intencional reporta ao direito Romano[7], mas ao contrário desta, a separação entre o fato imprudente (penalmente relevante) e o fortuito (penalmente irrelevante) demorou muito em firmar-se tanto dogmaticamente quanto legislativamente[8].

As primeiras formulações da teoria do delito coincidiram em uma pretensão sistemática que as afastou necessariamente de conclusões mais efetivas a respeito do conteúdo e justificação do castigo da conduta imprudente: a pretensão de ancorar o sistema de imputação sobre um conceito de ação ontológico, prévio a considerações jurídicas e condicionante do sistema de imputação.

No momento das primeiras construções dogmáticas, latia no fundo uma justificação da pena segundo a perspectiva da teoria da coação psicológica de Feuerbach, ou seja, a pretensão de coibir a vontade manifestada contra o direito, coisa que não passava nem perto da imprudência inconsciente[9].

Como se vê adiante, tanto o causal-naturalismo quanto sua versão de corte neokantista, bem como o finalismo se emparedaram na impossível tarefa de estabelecer critérios de unificação entre o delito imprudente e o doloso que correspondessem a um conceito geral de ação pré-jurídico.

1.1. A imprudência no modelo causal-naturalista.

Como bem observa Juarez Tavares[10], a posição sistemática que irá ter a imprudência em cada sistema é mera conseqüência da solução que se oferece ao conteúdo do injusto penal. Assim, no ponto de vista causal naturalista, a discussão da imprudência tinha lugar no âmbito da culpabilidade, menos por uma escolha sistemática e muito mais por entender que os aspectos relacionados à tipicidade e à antijuridicidade já estariam resolvidos pela constatação da causalidade para com o resultado. E é justamente a mudança no estudo do modelo de injusto penal, que vai provocar a constante mudança de perspectiva a respeito da posição sistemática e inclusive do conteúdo da imprudência.

Por isto, resulta que no sistema desenvolvido principalmente por Von Liszt e Beling, de taxativa separação entre a dimensão objetiva do injusto e a subjetiva da culpabilidade, a causação de un resultado por una acção humana, não implicaba, de entrada, nenhuma consideração a respeito de elementos de volitivos.

A análise do fato simplemente buscava estabelecer uma relação de causa e efeito entre uma conduta de alguém e a produção de um resultado desvalorado pelo direito, sem ingressar em qualquer consideração de ordem subjetiva.

Tal discussão se reservava para o âmbito da culpabilidade, onde a imprudência figurava como uma relação psicológica com o resultado de menor importância, comparada ao dolo.

Mantendo uma concepção psicológica da imprudência, ou seja, diante da idéia de que a imprudência, do mesmo modo que o dolo, representava uM momento psicológico de associação entre o fato e seu autor, derivaram distintas fundamentações.

Houve qudm concebesse a imprudência como um “vício de inteligência” em oposição ao “vicio de vontade” representado pelo dolo. Também há os que consideraram a imprudência uma forma de erro no sentido de que resulta de una falta de compreensão capaz de afastar o caráter doloso do fato, mas que, por que evitável, produz responsabilidade imprudente. Há ainda, e aqui quiçá se situe a maioria dos autores, a concepção de imprudência como previsibilidade, associada, por óbvio, ao conceito civilista de culpa, ou seja, à idéia de falta de previsão do resultado onde deveria este ser previsível.

Em linhas gerais, é possível dizer que nesta etapa, a imprudência se traduzia simplesmente na “provocação de um resultado que o autor poderia prever e evitar”[11].

Mas, resulta evidente já nestas primeiras construções, que ainda pretendendo vincular a imprudência a aspectos de ordem subjetiva, as concepções dos juristas não puderam ocultar suas dimensões normativas, que se revelava no uso de expressões tais como previsão, cuidado exigível, etc. Veja-se, por exemplo, que para Von Liszt, a imprudência era “uma segunda forma de culpabilidade”[12] para cuja configuração se exigia “a produção de um resultado contrário ao direito e a previsibilidade deste efeito da conducta do agente”[13], enquanto Beling sustentava que a imprudência (negligência) era “a culpabilidade que não alcança o grau doloso da culpabilidade, isto é, aquela reprovabilidade jurídica do querer que resta, ao prescindir-se do dolo”[14]. Para ele, há imprudência cuando o autor “procedeu sem cuidado, quando, a partir do complexo de representações que ele teve, teria podido e devido afastar sua ação”[15], portanto, “a doutrina da culpa se elabora sobre o princípio da responsabilidade exigível e a consideração do atuar negligente ou imprudente”[16].

Assim que, pouco a pouco, ainda sem transferir a situação sistemática da imprudência, começa a destacar-se um elemento fundamental no tema, que é o dever de cuidado e sua violação.

O aspecto normativo da imprudência ganha força, então, com a concepção de culpabilidade desenvolvida a partir dos trabalhos de Frank.

Frank introduz, con seu artigo publicado no Livro-Homanagem à Faculdade de direito de Gressen, en 1907[17], a teoria normativa da culpabilidade. Con isto, o elemento do delito até então tomado por exclusivamente subjetivo, ganhava cores normativas. É verdade que o que faz Frank não é excluir a imprudência e o dolo como temas da culpabilidade, mas sim transforma-los de formas em elementos daquela, ao lado de outras considerações normativas relacionadas com a exigência de cuidado para com o cumprimento estrito da norma. Com isto, o global da culpabilidade deixa de ser um vínculo subjetivo entre o autor e o fato, para converter-se em uma idéia de reprovabilidade. Segundo ele, “comportamento culpável é comportamento reprovável”[18]. A culpabilidade, a partir daí já não se toma como simples elemento subjetivo do delito, mas como juízo pessoal de censura contra o autor do fato.

Aqui se desenvolve uma análise objetivo-subjetiva do cuidado. A análise da culpabilidade imprudente se realiza em duas sucessivas etapas: a infração do dever de cuidado objetivo, geral, exigível contra todos e logo, a análise do cuidado especificamente exigível do autor.

Resulta, pois, que a partir de Frank, assume papel definitivo e importante na análise de culpabilidade, a violação do dever de cuidado ou a falta de precaução com que o agente realiza sua ação e com isto a dicotomia entre o que é o dever genérico de cuidado e a capacidade pessoal do sujeito de obedecer tal dever na situação especial vivida no momento do fato, “pois se compreendeu que é nesse elemento normativo precisamente onde reside a essência do injusto da imprudência”[19].

Daí que para a análise da previsibilidade do resultado, elemento essencial no delito imprudente, alguns autores defenderam a utilização do critério puramente individual, tendo em conta o agente específico[20], outros tantos se baseavam no conceito de homo medius[21]. Nesta segunda hipótese, aparecia ainda o problema de definir o que é possível admitir como o homem médio, o homem comum, que segundo alguns, deveria ser interpretado a partir do que representa a média de uma determinada sociedade em determinado nível de civilização[22].

Resta ainda o problema da utilização de uma medida geral e hipotética para a afirmação de uma reprovabilidade pessoal e concreta. Por isso, resultou quiçá menos problemática a perspectiva de adoção do critério pessoal, ainda que não seja suficiente.

Comenta Juarez Tavares[23] que os autores mais modernos que seguem defendendo o sistema causal tratam de cindir a análise dos elementos do delito imprudente entre a antijuridicidade – onde tem lugar a discussão sobre a violação do dever de cuidado objetivo – e a culpabilidade – onde se discute a previsibilidade ou não do resultado[24].

Por outro lado, mesmo que adotado o criterio pessoal de verificação da previsibilidade, não se pode escapar de que “a previsibilidade não é um componente orgânico-psíquico do indivíduo. É o resultado de um juízo de valor puramente normativo”[25].

Ademais, parece fora de dúvida que a dimensão subjetiva da imprudência como vínculo psicológico com o resultado acabou sendo indemonstrável empiricamente, em especial nos casos de culpa consciente[26].

O certo é que se o agente não previu e nem sequer pensou no acontecimento que comporta o resultado, é impossível falar de relação de ordem psicológica.

1.2. A imprudência no modelo finalista.

A concepção finalista do delito, proposta por Welzel veio mudar a questão da imprudência, se não tanto quanto ao seu conteúdo, muito quanto a seu papel na teoria do delito.

O conceito finalista de ação é produto de uma adaptação do Positivismo[27], dotado de uma nova proposta metodológica consistente na aplicação do método fenomenológico e ontológico, claramente ancorado na doutrina da ação de Nicolai Hartmann[28] e na Psicología do Pensamento de Richard Hönigswald, conforme admitido pelo próprio Welzel[29]. Além disso, a elaboração da doutrina da ação finalista, foi influenciada claramente pela teoria da ação desenvolvida por Samuel von Puffendorf (1636-1694)[30], cujas raízes se encontram na própria doutrina de Aristóteles[31].

Ao contrário de referir à ação como mera relação causal, Welzel estabelece como nota distintiva dela justamente a vontade. Para ele a ação é conduta humana voluntária e conscientemente dirigida a um fim. A conduta possui aqui já elementos objetivos e subjetivos.

A ação é, pois, um produto de um plano, de uma cogitatio, que se leva a cabo através da seleção dos meios e de sua orientação à consecução de um propósito.

Welzel expressa que sua teoria é sobretudo uma teoria da ação. Mais que isso, que a ação final representa uma realidade ontológica, condicionante teórico-científico derivado da essência das coisas e que o conceito de ação, porque ontológico, é prévio e condicionante de todos os demais elementos na estrutura do sistema de imputação[32].

Assim, no modelo finalista, o homem, conscientemente antecipa o objetivo final a ser alcançado, em seguida escolhe os meios para sua realização e analisa a possibilidade de êxito para, só então, por em marcha o curso causal.

Neste modelo, a evidente conseqüência é a inclusão do dolo e também da imprudência já na ação, pelo que, definitivamente se reconhece a subjetivação do que, até então era considerada a parte objetiva do ilícito e, uma vez que já a predisposição dos meios e a consideração dos fins são características da própria ação final, disso deriva, imediatamente, que a discussão sobre a projeção do resultado e a obediência ou não do dever de cuidado se transfere já para a ação, em etapa prévia ao próprio injusto típico, tanto mais à culpabilidade.

A vontade expressa como intenção faz parte da própria ação típica e não é já um elemento a ser analisado no âmbito da culpabilidade. Esta é a grande contribuição do finalismo que até hoje segue sendo dominante, inclusive em termos de situar a imprudência no âmbito do injusto[33].

Convén destacar, porém, que tampouco o finalismo foi, desde logo, uma propuesta acabada. Sua configuração definitiva deriva de algumas correções de rota relacionadas essencialmente com o problema do delito imprudente.

O problema fundamental deriva do fato de que a proposta de Welzel apontava para um supra-conceito de ação, capaz de abrigar simultaneamente a ação e a omissão, o fato doloso e o fato imprudente, cuja nota distintiva seria a finalidade. Resulta problemático afirmá-lo justamente porque se há finalidade, como propósito na conduta imprudente esta é completamente lícita, ao menos no que refere à imprudência inconsciente, que é o modelo mais comum. Além disso, enquanto o dolo para Welzel seguia sendo uma concepção ontológica, ficava clara sua incompatibilidade com uma imprudência que é especifica e irredutivelmente normativa[34].

Assim, na primeira edição de seu Tratado[35], Welzel mantinha que a estrutura da ação imprudente  constituia uma ação cega, mas referida à finalidade, mesmo que não dirigida pelo agente ao resultado delitivo. Com isto, ficava criado o conceito de finalidade potencial, ou seja, a nota da finalidade não se determinava somente pela ação dirigida a um fim mas também pela ação que poderia ser dirigida a um fim.

Nas sucessivas edições do Tratado, Welzel cuidou de esclarecer o conceito de finalidade potencial, chegando a afirmar que “o que permite integrar ambas as formas de ação sob um supraconceito é justamente a finalidade, que se na ação dolosa – atividade final efetiva – aparece como um elemento configurador (finalidade atual), na culposa – actividade final possível – só representa um momento de relação (finalidade potencial)”[36].

Apesar disso, as ações culposas não poderiam manter-se sob o mesmo conceito de ação na medida em que não guardavam as mesmas finalidades que os fatos dolosos, ou seja, o objetivo do que realiza uma conduta culposamente não seria reprovável juridicamente. Os modernos defensores do finalismo admitem, em geral que não se pode sustentar a idéia de finalidade potencial. Assim, por exemplo, Hirsch, reconhece em tal enunciado uma “concepção equivocada do começo do finalismo”[37]. Além disso, não se poderia desvalorar um propósito potencial, isto é, aquele que não foi intencionado pelo agente e que, algumas vezes, nem sequer pensado por ele[38].

Isto levou à reformulação conceitual de Welzel, a partir de um artigo[39], seguido de desenvolvimentos e aprofundamentos em outras publicações[40] e edições do seu Tratado[41] onde admitia que as lesões infligidas aos bens jurídicos nos delitos imprudentes não são executadas finalisticamente, mas produzidas de modo puramente causal, mas sustentava que do mesmo modo que em face dos delitos dolosos, nos casos de imprudência existe um “injusto pessoal”, representado por um desvalor que incide sobre a própria ação e que consiste na omissão da direção final ulterior à qual o autor estava obrigado pelo direito.

Assim, as razões pelas quais a ação culposa seria juridicamente punível se baseavam não nos fins perseguidos pelo agente, mas na forma de escolha e aplicação dos meios através dos quais tentava chegar a tais fins. Para Welzel, o momento essencial do fato imprudente, capaz de defini-lo como objeto de responsabilidade penal e, ao mesmo tempo, como ação final, não reside no resultado, mas na classe e modo de execução da ação, ou seja, na violação do dever de cuidado, no momento omissivo da atividade final adequada a que o agente estava obrigado pelo direito. Welzel tentava, mantendo uma idéia de finalidade, associar a ela o delito imprudente, ainda que, como é óbvio, com isso “não se libertava totalmente do princípio da finalidade potencial”[42].

Quiçá a consciência da fragilidade da concepção da finalidade potencial, especialmente na possibilidade de reconhecimento da nota de finalidade no delito imprudente sob uma dimensão ontológica tenha levado Welzel ainda a uma terceira formulação.

Na última edição de seu Tratado, do ano de 1969 e também no livro homenagem a Maurach[43], Welzel propõe inclusive prescindir totalmente do resultado, ou seja, da finalidade no sentido literal da palavra, para atender tão somente à idéia de controle sustituindo o conceito de ação final (finaler Handlung) pelo de ação cibernética (kybernetischer Handlung), em cujo conceito, o que conta é o controle pela vontade, ou que haja um acontecimento controlado e dirigido pela vontade, o que ocorre tanto na ação dolosa como na imprudente. A nota distintiva da ação humana passa a ser considerada a direção volitiva dos meios causais.

Reconhece Welzel a impossibilidade de uma ação imprudente absolutamente final no sentido de sua vinculação à pretensão de realização do resultado típico, ainda que a finalidade siga presente em todas as ações, conquanto se traduza em condução volitiva[44].

Assim resulta que a imprudência consiste, basicamente, nesta última formulação, em uma má condução dos meios escolhidos para a realização da ação, o que conecta com os fins que o próprio Welzel atribui para o direito penal, já que não se trata da proteção de bens jurídicos, mas de ajustar a consciência ético-social do agente à obediência às normas de conduta que estabelece o direito com o objetivo de tal proteção[45]. Nas palavras de Juarez Tavares, o fundamento para o castigo da imprudência, aqui, resulta ser o fato de que “o direito espera que o sujeito empregue na escolha e execução dos meios de atuação (processo causal) um mínimo de direção final (cuidado), para evitar a produção de efeitos secundários desta atividade, não desejados pelo autor, mas socialmente indesejáveis”[46].

Como se nota, é procedente a observação de Kaufmann, no sentido de que as sucessivas reconstruções do modelo finalista tem por base suas constantes tentativas de resolver o problema do delito imprudente[47].

Mas nem sequer esta última concepção fica livre de contestações, todas elas voltadas especialmente à pretensão de Welzel de afirmar a condição ontológica do conceito de ação final no delito imprudente.

Se lhe objetou, em primeiro lugar, que a finalidade da conduta imprudente, em seus termos ontológicos, é irrelevante para o direito penal e que não há nexo de finalidade consciente entre a ação e o resultado.

Nesse sentido o comentário de Stratenwerth, quando afirma:

“É certo que a ação que produz o resultado pode estar dirigida a uma meta como tal: quem conduz um automóvel de forma negligente e causa assim um acidente «quer» algo: seguramente conduzir um automóvel, quiçá também chegar rapidamente a outro lugar, e isto, possivelmente com consciência dos riscos que isso implica. Mas, não «quer» o acidente: a relação entre a ação e o resultado penalmente relevante não é, ao contrário do que ocorre no delito doloso, a de finalidade (consciente), mas, sim a de causação, de causalidade”[48].

Claro, pois se o que identifica a ação final imprudente é a escolha dos meios, esta resulta completamente irrelevante, por ejemplo, se o resultado não se produz. Por outro lado, segue existindo a pretensão de castigo quando, com idêntica “má” escolha dos meios, não se produz o resultado na ação dolosa. Não pode ser, então, que a nota de identidade entre a ação dolosa e imprudente resulte ser a escolha dos meios.

Tanto é assim, que na estrutura do seu Manual, Stratenwerth aceitou o desafio proposto a Radbruch e apresentou o delito imprudente e o delito omissivo em capítulos à parte do delito doloso, com uma análise particularizada da antijuridicidade e da culpabilidade para cada um[49].

Aponta, ainda, que o aspecto relevante da imputação fica todo fora da estrutura da ação[50], com o que, obviamente, não estaria o legislador vinculado à estrutura final da ação para determinar o limite do proibido.

A oposição não convence Cerezo Mir, que tenta contesta-la utilizando o exemplo[51] do condutor de um veículo que, em forma não dolosa, provoca a morte de um pedestre. Para Cerezo o fim da ação (ir a algum lugar) é irrelevante. Assim também o medio escolhido (o veículo). Mas a forma de utilização do meio, uma consideração ontológica e não normativa, é o que gera a responsabilidade. Contudo, não nos parece que o exemplo de Cerezo Mir seja apto a afastar as críticas relacionadas ao contexto valorativo do ponto gerador de responsabilidade penal.

Tomemos seu exemplo e nos ponhamos de acordo que a conclusão de existência de responsabilidade penal decorre de sua conduta imprudente de conduzir em excesso de velocidade o que levou à perda de controle do veículo e ao choque com o pedestre. Se o transportarmos para as autobahnen alemãs, muitas das quais não tem limite de velocidade establecido normativamente, perde-se totalmente a referência de responsabilidade determinada ontologicamente. É que neste caso, se o excesso de velocidade fosse a causa da responsabilidade penal pelo acidente, não haveria nenhuma responsabilidade penal – mesmo que existisse nexo de causalidade – na medida em que o regramento normativo do comportamento deixa também de existir. O aspecto penalmente relevante novamente escapa da ação para o campo do tipo de injusto ou da antijuridicidade.

Mais pertinentes parecem as observações de Stratenwerth[52] acatadas pelo mesmo Cerezo Mir[53] quando propõe a limitação da responsabilidade penal do fato imprudente com base na lesão ou colocação em perigo evitável de bens jurídicos, pela inobservância do cuidado objetivamente devido. Mas uma conclusão nesse sentido deriva da comparação da direção finalista real com a direção finalista exigida para evitar tais perigos ou lesões, que é determinada por uma “exigibilidade” de comportamento que transcende as considerações puramente ontológicas e resvala para o campo normativo.

Em conclusão é possível afirmar que o finalismo nunca saiu incólume da crítica à evidente normatividade da estrutura do delito imprudente, ainda que não se lhe possa objetar o mérito de ter destacado o estudo da imprudência em face da culpabilidade. Efetivamente, a separação para com a concepção de culpabilidade foi o que tornou mais evidente o conteúdo normativo da imprudência.

2. A normativização da imprudência

Evidentemente, o avanço na concepção da fundamentação e a justificação de punibilidade do delito imprudente somente poderia vir a partir da superação do modelo de sistema vinculado a um conceito ontológico de ação.

De fato, esta opinião, ainda que somente se tenha convertido em majoritária no final do século passado, teve raízes muito mais distnates, mesmo dentro de concepções de sistemas de imputação que tinham por eixo um conceito de ação.

2.1. As raízes da superação do modelo ontológico de teoria do delito.

É possível citar, como fundamental, a respeito, a contribuição de Radbruch, que, antes mesmo do desenvolvimento de uma corrente doutrinária capaz de questionar o conceito de ação como peça fundamental na construção da teoria do delito[54], já manifestava sua preocupação com a impossibilidade de sustentar um supraconceito ontológico de ação.

Radbruch, já em 1904[55] aludia à impossibilidade de conciliar ação e omissão sob um único conceito superior, posto tratar-se de opostos contraditórios, como o positivo e o negativo, o A e o não-A. Uma tal conclusão inviabilizava, por via de conseqüência, a ordenação piramidal do delito, posto que a ação e a omissão seriam realidades diferentes. Mais tarde[56], a partir de tal concepção, Radbruch passou a negar a possibilidade do conceito de ação cumprir uma função de base da estrutura da teoria do delito, apontando como conceito fundamental do sistema a realização do tipo.

Para Radbruch, o defeito essencial do conceito causal de ação – em sua época dominante – é sua pretensão condicionante do sistema e sua desvinculação dos valores sociais, derivada de seu carácter estritamente positivista: “acreditava poder interpretar e aplicar a Lei antes de ter compreendido a sociedade na qual a Lei deveria ser aplicada”[57].

A par disso, Radbruch[58] também propôs um distinto tratamento para o que ele considerava os aspectos normativos da imprudência, relacionados com a violação do dever de cuidado e os aspectos psicológicos como a previsão do resultado, adiantando a idéia fundamental da normativização da imprudência e de sua transbordo da categoria da culpabilidade.

De outra parte, ainda que com distintos matizes teóricos, cumpre referir o intento de normativização do conceito de ação, ainda mantendo-o como elemento fundamental da estrutura do delito a chamada teoria social da ação.

Em uma tentativa de aproximação dos modelos final e causal[59], contemporânea ao próprio finalismo, a teoria social da ação arranca das concepções de Engisch[60] e Maihofer[61] e se caracterizava por tentar agregar características de ambas as tendências, incluindo como requisitos da ação a previsibilidade do resultado e a adequação do curso causal que o produz[62].

Engish inclusive foi um autor de referência no tema da imprudência, com sua conhecida monografia[63] onde defendia que a realização do risco não permitido era um elemento do injusto, com o que, dolo e imprudência se mantinham como elementos positivos da culpabilidade, onde cabia discutir a evitabilidade. Assim se produziu a separação, mantida por boa parte da doutrina até hoje, de fazer as considerações normativas da imprudência no âmbito do injusto, enquanto as considerações pessoais se realizam no âmbito da culpabilidade[64].

Das propostas iniciais objetivo-finais, derivou um conceito de ação  com significado social, onde se buscou superar as incompatibilidades entre causalismo e finalismo sob a idéia da relevância «social» da ação. A proposta, que parte de Eberhard Schmidt, também é compartilhada e desenvolvida, entre outros, por Wessels, Jescheck, Kienapfel, R. Lange, Oehler e E. A. Wolf, além de reciber a adeesão dos próprios partidários do conceito «objetivo-final» de ação como Honig, Engisch ou Maihofer.

A nota distintiva, no tema que aqui interessa é a pretensão dos partidários da teoria social, de superação do conceito ontológico como base teórica e condicionante do sistema de imputação.

Eberhart Schmidt[65], em uma tentativa de depurar o conceito causal proposto por seu maestro Von Liszt da excesiva influência das ciências naturais, conceituou a ação como “conduta levada pela vontade que concerne através de seus efeitos à esfera da vida do próximo e se apresenta, sob aspectos normativos, como unidade de sentido social” Para ele, a ação não interessava tão somente desde o punto de vista físico, das ciências naturais, mas como fenômeno que projeta seus efeitos na realidade social.

Para Wessels[66], o “ponto de partida do direito penal é a conduta humana unida a conseqüências socialmente perjudiciais”. Para ele[67] nem em todas as situações cotidianas o homem «antepõe» seus objetivos para depois guiar sua conduta com vistas a um plano, como faz crer a teoria finalista. Ao contrário da finalidade, que em sua opinião, não se faz presente em todas as atuações humanas, identifica uma nota distintiva comum a todas as condutas justamente em sua relevância social. A “acção é, em sentido penal, a conduta socialmente relevante dominada pela vontade humana ou que esta pode dominar”[68]. Assim, para os trabalhos de direito penal, propõe que seja investigado antes de tudo, se trata-se de uma conduta humana, em seguida, se estava dominada pela vontade do agente ou se este podia domina-la e finalmente, se há relevância social. A falta de qualquer destes elementos faz reconhecer a ausência de ação[69].

Jescheck[70] apresenta sua versão de conceito social de ação como uma superação das insuficiências do conceito causal e do conceito final sustituindo o conceito ontológico de ação por um ponto de vista valorativo.

Assim, parte de tentar solucionar o problema do supraconceito de ação sob o qual pretende ver compreendidas a ação e a omissão, dolo e culpa. Sustenta que “ambas podem ser agrupadas em um conceito unitário de ação se consiga encontrar um ponto de vista superior, de natureza valorativa, que reúna no âmbito normativo os elementos incompatíveis na esfera do ser”[71]. Aponta, então, que esta síntese se encontra “na relação do comportamento humano com o mundo circundante. Este é o sentido do conceito social de ación. Ação é, por isso, comportamento socialmente relevante[72].

De outro lado, Jescheck reconhece que uma concepção meramente objetiva do social é insuficiente. Assim, não prescinde da finalidade enquanto categoria fundamental do comportamento ativo[73] expressa sob forma de dirigibilidade[74], categoría que se apresenta também no comportamento omissivo. Do mesmo modo, a categoria comportamento “pode consistir em exercício de atividade final (finalidade)”[75] ou “limitar-se à causação de conseqüências, com tanto que o processo seja dirigível acudindo à finalidade (imprudência)”[76]. Mas todos estes comportamentos, além da dirigibilidade têm em comum a relevância social[77] que está presente quando a ação afeta a relação do indivíduo com o mundo circundante e produz neste último suas conseqüências[78] sendo esta a nota distintiva da ação.

Convén referir que Jescheck – assim como otros, Stratenwerth, por exemplo – , vêm tratando o delito imprudente como uma forma especial de manifestação da ação punível, estudada à parte, ao lado do delito omissivo, deixando bastante claro que, em seu entendimento, a imprudência “não é uma forma atenuada de dolo, mas sim, algo diverso deste”[79].

Ainda que com enunciados consideravelmente distintos, as propostas de um conceito social de ação têm o elemento comum na presença do elemento «relevância social». A principal vantagem de tais concepções é que sob a idéia axiológica da relevância social é possível situar todas as formas de conduta delitiva, superando, ou tentando superar, o problema do supraconceito de ação[80] e especialmente no tema que aqui interessa, é possível finalmente considerar a imprudência a partir de seu real sentido: o normativo.

Mas, se para a correta compreensão da imprudência faz falta a superação da estruturação da teoria do delito a partir de um conceito ontológico de ação, é também certo que não somente através da adição de um dado axiológico ao mismo conceito de ação a doctrina logra tal superação.

2.2. As modernas tendências normativistas.

De fato, o rompimento dos grilhões que atavam a teoria do delito à idéia de que a ação ontológica condicionava a análise da imprudência permitiu que a doutrina buscasse imediatamente uma fundamentação normativa ainda que pessoal para estruturar e justificar o modelo imprudente de incriminação.

Assim, ao contrário dos intentos dos defensores do conceito social de ação, os autores mais modernos preferiram seguir o desenvolvimento da senda aberta por Radbruch e simplesmente recusar à ação a condição de elemento base da teoria do delito, começando a apresentação do sistema de imputação sob distintas formas.

As advertencias de Roxin[81] e Gallas[82] no sentido de que um conceito ontológico de ação no seria capaz de produzir resultados práticos para a teoria do delito, fez com que boa parte da doutrina abandonasse suas preocupações por algumas das funções antes atribuídas ao conceito de ação, restando-lhe tão somente a função delimitadora, propondo, ademais, que a análise do conceito de ação passe para um segundo nível de importância na teoria do delito, cujo estudo deveria começar diretamente pela tipicidade. Nesse sentido, posicionam-se, entre muitíssimos outros, Bernd Schünemann[83], Bustos Ramírez[84] e Figueiredo Dias[85].

Com isto, a causalidade física vai, pouco a pouco, cedendo espaço para a atuação contrária à norma[86].

Há quem defenda inclusive, como Mir Puig, que o conceito de ação, junto com a tipicidade são elementos de segundo nível da própria antijuridicidade[87].

Disso deriva que há muitas distintas concepções que, ainda que  tenham em comum o fato de reconhecerem a normatividade da imprudência, guardam entre si profundas divergências, não somente quanto ao conceito, mas também quanto à forma de determinação, o conteúdo e a situação do dever de cuidado[88].

Na realidade, como observa Juarez Tavares, en seu detalhado estudo sobre o delito imprudente, e se verifica dos exemplos dados, o que se nota é que entre os autores mais modernos de tendência normativista não há uma tendência que possa representar uma solução unificada para o problema de superação do modelo basado em concepções ontológicas de ação. Assim, pretender obter alguma sistematização na apresentação destas tendências implica “o risco de perda e confusão metodológica”[89].

Mas, ao contrário da postura adotada pelo penalista brasileiro de apresentar as opinões de distintos autores – a seu sentir os mais destacados entre os normativistas – creio mais oportuno, inclusive pelas dimensões mais estreitas do presente trabalho, reduzir o comentário à análise da tratativa do delito imprudente a partir de uma vertente dentre as tantas que apareceram: a dos modelos que estruturam a teoria do delito a partir da imputação objetiva.

A escolha deriva do fato de que parece ser esta a tendência atualmente com maior acolhida entre as teses normativistas, por outro lado, também é justamente a tendência que tomou o delito imprudente como fórmula estruturante, ou seja, buscou na imputação objetiva a ancoragem perdida a partir do fracasso da ação ontológica em cumprir tal papel. A teoria da imputação objetiva foi considerada por muitos como uma das mais exitosas entre as recentes contribuições dogmáticas jurídico-penais, chegando a ser, ao menos na Espanha e na Alemanha, dominante[90]. A parte, também cobra protagonismo tal concepção, porque se baseia na categoria do risco permitido, que desde um ponto de vista sociológico goza de modernidade científica[91] e congruência com a praxis[92].

3. A imprudência e o funcionalismo: o risco permitido e o dever de cuidado.

A tendência normativista escolhida para esta análise é o que se costuma denominar funcionalismo, em referência a estruturas que se organizam a partir das funções que cumprem no global a que pertencem ou em relação ao meio. O funcionalismo, em direito penal, inclui duas tendências: uma chamada de funcionalismo teleológico, que arranca do pensamento de Roxin e outro que se costuma denominar funcionalismo sistêmico, que tem como autor mais representativo Jakobs.

Teóricos como Roxin ou Jakobs não apenas se afastaram do conceito ontológico de ação, mas também estruturaram a base do sistema de atribução de responsabilidade penal a partir da categoria normativa da imputação. Ao tomarem este ponto de referência, coincidiram – quiçá por influência das tendências sociológicas de discussão sobre a modernidade reflexiva – em que a discussão teórica deveria ser formulada a partir da categoria do risco, ainda que o modo como os dois conjugaram o tema resultou fundamentalmente diferente. Ademais, os dois estão de acordo em que a função da norma e os conceitos das categorias do delito, devem ser funcionalizados segundo os objetivos da pena ou do direito penal.

A diferença é que, ainda reconhecendo que os dois autores, como grande parte dos modernos penalistas, são funcionalistas – no sentido de que procuram ordenar o sistema de imputação de acordo com as funções que assinalam para este na sociedade – basicamente afirmam de modo completamente distinto qual é a função que se atribui à pena e ao próprio direito penal. Assim, enquanto Roxin propõe que o direito penal busca a protecção seletiva de bens jurídicos, Jakobs entende que a função que o direito penal deve cumprir está na promoção da estabilização da norma[93].

Neste item, serão apresentados o pensamiento de Roxin e de Jakobs a respeito da imprudência, como forma de representar as modernas teorias normativas a respeto do tema.

3.1 Imprudência e funcionalismo teleológico: a análise de Roxin.

Já em um primeiro momento, Roxin defendeu a idéia de que os delitos imprudentes, na realidade, não tereiam seu fundamento de punibilidade relacionado com a realização de una ação, mas com a violação de um dever[94]. Por isso, basear o castigo do delito imprudente em critérios como os de evitabilidade ou previsibilidade não teria sentido, uma vez que, em termos objetivos, tudo resulta evitável ou previsível[95].

Assim, a divisão entre os delitos dolosos e os imprudentes se establecia fundamentalmente a partir dos fundamentos justificadores do castigo em umo e outro caso, ou seja, nos delitos dolosos, o castigo derivaria do que o autor fez, fundamentalmente do modo como direcionou sua ação, enquanto que no delito imprudente, a fonte do castigo seria basicamente o fato de ter violado um dever normativo.

Mas, percebeu Roxin que a doutrina até então dominante, estabelecia que o castigo do delito imprudente derivava da produção do resultado associada à violação de um dever de cuidado; mas, não oferecia esclarecimentos mais precisos a respeito de em que consiste o nexo que une tal violação do dever ao resultado[96]. Para Roxin “a relação requerida entre a imprudência e o resultado é um elemento fundamental da responsabilidade”[97] com o que, “é evidente que tem que ser provada, ou seja, tem que haver completa segurança de que está presente, para poder condenar”[98].

Tendo em conta então, as disposições da teoria da imputação objetiva, no que refere à imputação do resultado a partir da violação dos limites do risco permitido, Roxin explicou a conexão entre um e outro, e logo, o fundamento do castigo dos delitos imprudentes dentro de seu célebre princípio do incremento do risco, nos seguintes termos:

“A pergunta decisiva é a seguinte: como é possível reconhecer se uma infração do cuidado que vai acompanhada da provocação de uma morte fundamenta ou não um homicídio imprudente? Como método para responder eu gostaria de propor o seguinte procedimento: Examine-se que conduta não seria possível imputar ao autor segundo os princípios do risco permitido como infração do dever; compare-se con ela a forma de atuar do processado, e comprove-se então se na configuração dos fatos a ajuizar a conduta incorreta do autor incrementou a probabilidade de produção do resultado em comparação à do risco permitido. Se é assim, haverá uma lesão do dever que encaixará no tipo e será necessário castigar por delito imprudente. Se não há aumento do risco não é possível atribuir o resultado ao agente que, de conseqüência, deve ser absolvido”[99].

O princípio do incremento do risco foi seguido, posteriormente, por boa parte da doutrina[100].

Assim, parece conclusivo no pensamento de Roxin que o injusto imprudente resulta sempre de uma conduta perigosa, mesmo que isto não seja suficiente para afirmar a responsabilidade, mas é necessário que o nível de periculosidade da conduta tenha ultrapassado os limites que a sociedade estabelceu através da edição das normas.

Definitivamente, o fundamento do castigo da imprudência reside em um excesso de periculosidade a respeito dos limites de tolerabilidade de riscos sociais estabelecidos na norma.

Por isso, todos os casos onde se produz um resultado desvalorado juridicamente mediante uma ação que, mesmo sendo perigosa, não ultrapassa o risco permitido ou não incrementa o risco criado, não é possível gerar responsabilidade penal.

Portanto, para Roxin, o tipo imprudente não conta com elementos subjetivos resumindo-se na parte objetiva da imputação, exatamente aos critérios de imputação objetiva, que inclusive são comuns entre o delito imprudente e o doloso. Tal similitude costuma ser precisamente um dos elementos que os defensores de um finalismo tradicional reprovam nos autores que adotam a teoria da imputação objetiva[101]. Tal idéia finalista busca preservar uma inadmissível postura que, por outro lado, resulta coerente com sua fórmula geral, no sentido do prévio condicionamento subjetivo da realização objetiva, antecipando no injusto imprudente a idéia de previsibilidade. É que segundo seus pressupostos, os critérios de identificação do delito imprudente que a doutrina costuma utilizar – a lesão do dever de cuidado, a previsibilidade, a possibilidade de reconhecimento e a evitabilidade – estão todos contidos nos critérios que ele oferece de identificação da imputação objetiva[102].

É que, segundo seu entendimento, a idéia de «violação de um dever de cuidado» não é mais do que uma simples generalização dos critérios de imputação objetiva[103], que mais precisamente enfrentam o problema e esclarecem as contradições que não podem ser resolvidas com base em um critério geral tão amplo cuanto aquele. Diz ainda, que o mesmo ocorre com os critérios de previsibilidade, possibilidade de reconhecimento ou evitabilidade[104] que para Roxin nada acrescentam aos critérios de imputação objetiva e não merecem ser considerados, ao menos não no padrão de imprudência inconsciente[105]. Do mesmo modo, entende que não é possível separar a lesão do dever da imputação do resultado, com o que, a idéia de imputação objetiva do resultado contém todo o injusto imprudente e “para a constatação do cumprimento de um tipo culposo não é necessário acudir a nada mais do que a teoria da imputação objetiva”[106].

Assim, tal violação vai existir somente onde não tem cabimento a exclusão de responsabilidade pelos critérios de imputação seguintes: a) se não se criou, desde o princípio, nenhum perigo juridicamente relevante mesmo que o resultado desvalioso se produza; b) se o perigo existente, gerador do resultado desvalioso não foi incrementado pelo agente, mesmo que tenha atuado perigosamente; c) se o risco criado não foi o que se plasmou ao final, no resultado; d) se o risco criado que contribuiu para o resultado não se encontra no fim de proteção do tipo a que se refere.

Evidentemente, é no Tratado onde Roxin tem melhor acabada a idéia que propôs inicialmente, já que ali detalha ainda mais os critérios que utiliza para a determinação da imputação objetiva[107]. Assim, propõe que a afirmação da responsabilidade pelo delito imprudente decorra de uma análise de sucessivos aspectos. Em primeiro lugar, a verificação da criação de um risco não permitido, que depende da demonstração de que não seja um caso de diminuição do risco ou não seja um caso de falta de criação de perigo ou que o risco não tenha ultrapassado o limite permitido (seja por criação ou incremento). Em segundo lugar, que se realize o resultado do risco criado, com o que, não há responsabilidade se falta a realização do perigo, se falta a realização do risco não permitido ou se os fatos não estão cobertos pelo fim da norma de cuidado. Finalmente, em terceiro lugar, que o resultado desvalorado esteja ao alcance do tipo incriminador, onde se discutirá entre outros casos as situações de cooperação na autocolocação em perigo dolosa alheia, a colocação em perigo de terceiro aceita por este e a questão da atribução à esfera de responsabilidade alheia.

Para Roxin, em resumo, a violação do limite de risco não permitido ou o incremento do risco já existente, a realização do risco no resultado e a produção de tal resultado dentro do alcance da norma constituem a base sobre a qual se assenta o castigo do delito imprudente.

Por outro lado, Roxin admite que uma vez determinada a tipicidade imprudente com base em critérios exclusivamente objetivos de imputação cumpre analisar no âmbito da culpabilidade imprudente, se o sujeito individual, no caso concreto, poderia ter cumprido o mandado geral de cuidado e previsão[108]. E aqui sim – e não no injusto como querem muitos autores -, tem lugar considerar os conhecimentos especiais que eventualmente possui o autor a efeitos de determinar o grau de exigência que se lhe pode atribuir o direito no caso concreto[109]. Assim, para Roxin, “as capacidades inferiores à média não podem excluir o tipo e a antijuridicidade, enquanto que as capacidades superiores à media devem, porém, empregar-se. Portanto, se deve generalizar «para baixo» e individualizar «para cima»”[110]. Deste modo as capacidades inferiores não podem excluir o injusto ou a tipicidade mas somente a culpabilidade[111].

3.2 Imprudência e o funcionalismo sistêmico: a análise de Jakobs.

Jakobs, do mesmo modo que Roxin, quiçá inclusive con mais intensidade, organiza o sistema de imputação a partir da categoria da imputação, mas especialmente voltado à sua concepção a respeito da missão do direito penal, que considera ser a estabilização da norma.

Ancordo na teoria luhmaniana dos sistemas[112], Jakobs sustenta que formular um conceito de ação não é somente imputar a ação a um sujeito, mas determinar “simultaneamente o que é um sujeito e o que é sua ação”[113]. Assim, ao conceito de ação incumbiria identificar a situação onde uma estrutura não é funcional para o sistema. Para ele, isso se faz identificando o sujeito como “uma estrutura psicofísica da qual no âmbito do injusto só interessa o output em forma de atos voluntários (conceito causal de ação) ou em atos dirigidos (conceito final)[114]. Se estes atos são disfuncionais em relação ao mundo em que se inserem (sistema jurídico-normativo) está presente a ação punível. Trata-se, pois, não de uma mera análise conceitual, mas de identificar uma possibilidade de imputação, “se trata do que é um sujeito, do que é o mundo exterior para o sujeito e de quando é possível vincular a conformação do mundo exterior com o sujeito (imputar-se-lhe)[115].

A princípio, Jakobs afirmou que “ação é causação do resultado individualmente evitável”[116]. É expressão de um sentido consistente “na causação individualmente evitável, dolosa ou individualmente imprudente, de determinadas conseqüências”[117]. E «evitáveis» são “aquelas causações que não se produziriam se concorresse uma motivação dominante dirigida a evitar conseqüências”[118].

Com tal proposição, masmo que considere que sua proposta não tenha “diferença nenhuma com o conceito final de ação”[119], estabelece uma mudança de ponto de vista em relação à concepção welzeliana quando esclarece que as fuentes da responsabilidade penal não são “realizações finais de resultados”[120] nem “execuções finais de ações”[121], mas “condições da evitabilidade do comportamento”[122].

Para a determinação da evitabilidade, segundo Jakobs, tampoco importa o conohecimento, de parte do autor, com relação à proibição da ação realizada. Isto porque seus efeitos se processam no âmbito interno “do sistema”, ou seja, no animus do indivíduo, no controle dos impulsos. “A evitabilidade se determina com ajuda da hipótese de que o autor, se tivesse o motivo dominante de evitar uma determinada ação a teria evitado. Assim, pois, o motivo se dá por certo meramente; como se desenvolve, não interessa ao âmbito do injusto”[123].

Jakobs[124] tenta, com base em sua idéia de evitabilidade resolver os problemas do modelo finalista a respeito dos fatos imprudentes pois “na execução final, com as conseqüências previsíveis de um tipo imprudente, o final não é injusto por causa da finalidade, mas por causa da evitabilidade final. A finalidade é, pois, aqui, somente uma manifestação da categoria relevante «evitabilidade»”[125]. Quem atua imprudentemente realiza um fato cujo propósito (finalidade objetivamente considerada) é possível evitar.

Para Jakobs, ao contrário de Roxin, as questões de imprudência e dolo devem igualmente ser resolvidas no âmbito do tipo subjetivo[126]. A imprudência, em concreto, aparece relacionada com o erro que resulta ser justamente o contrário do erro da tentativa[127], já que do mesmo modo descreve uma falsa representação do que a final se cumpre. Enquanto nesta o autor representa a possibilidade de realização do delito que não alcança, naquela, não representa o resuldado que, ao final, produz.

O erroe da imprudência pode derivar ou de uma falta completa de representação do que poderá realizar ou de uma representação falsa a respeito de que não se realizará o que acaba ocorrendo[128].

Baseado, pois, no conceito fundamental de que a conduta reprovável se manifesta em uma não evitabilidade de algo evitável na posição de garantidor, a imprudência tem que ser uma forma de evitabilidade que não se relacione com o conhecimento a respeito do resultado. Assim, resulta que ao autor não se proibe que atue com a violação do dever de cuidado, mas se lhe castiga justamente deixar de omitir a ação previsivelmente descuidada[129]. Há uma óbvia aproximação entre a omissão e o delito imprudente, já que o último só se realiza mediante a primeira, em obediência à tendência já antes identificada por Kaufmann[130].

Já aqui está um tema extremamente debatido pela doutrina[131], ou seja, os conceitos de ação e omissão como coisas distintas desde um ponto de vista ontológico e logo, as dificuldades em, a partir daí, identificar nos casos concretos, não somente se a responsabilidade deriva de uma ação ou omissão, mas inclusive diante de qual das duas se encontra o intérprete, mesmo que a Roxin[132] o tema pareça irrelevante diante do fato de que a responsabilidade por imprudência pode derivar tanto de uma quanto de outra.

À parte, evidentemente, aqui tem relevância a questão da evitabilidade e da previsibilidade. Ou seja, àquele que se exige a omissão da ação descuidada é necessária a presença da previsibilidade de un risco que ultrapasse os limites do que é juridicamente relevante. O Fato de permitir-se uma conduta descuidada que não alcança tais limites, mesmo que possa constituir imprudência, não é juridicamente relevante. No outro extremo, ou seja, no limite entre dolo e imprudência, Jakobs refere que “a separação entre imprudência consciente e inconsciente carece de sentido”[133], porque ao final, “toda imprudência, tanto consciente como inconsciente (negligentia) está caracterizada negativamente: falta o conhecimento da realização do tipo”[134]. Por outro lado, todos os casos onde o autor julga a realização do tipo não improvável, está coberto pelo dolo eventual[135].

Em resumo, Jakobs entende que “a imprudência é, pois, aquela forma da evitabilidade na qual falta o conhecimento atual do que se deve evitar”[136].

Com uma tal concepção, Jakobs se aproxima aqui da concepção de Roxin[137], ao menos ao considerar que na idéia de responsabilidade por imprudência já está contida parte da responsabilidade por dolo, que somente se diferencia pelo acrescentar de requisitos a respeito do conhecimento do resultado. Assim, a imprudência guarda já as características de generalidade, de evitabilidade e cognoscibilidade que são gerais, frente ao dolo que especificamente exige ainda o conhecimento[138].

Por outro lado, como o conceito de Jakobs a respeito das pessoas as resume aos papeles sociais que cumprem na vida de relação[139], a capacidade de evitação das conseqüências do delito imprudente, se miede igualmente não por um standard genérico, mas segundo a capacidade individual de evitar as conseqüências[140]. Segundo ele, “a previsibilidade objetiva não desempenha nenhuma função que não desempenhe já o risco permitido” [141], que é um dos elementos do delito imprudente. O dever de cuidado e a capacidade de evitar as conseqüências de suas ações vem determinada pelos papéis que cumpre o autor no fato social em concreto. A previsibilidade, pois, faz parte do injusto imprudente e não da culpabilidade[142].

De qualquer modo, há no pensamento de Jakobs, ainda que muito restritamente, uma dimensão de exclusão de responsabilidade imprudente pela via da culpabilidade, na medida em que não seja exigível ao autor o comportamento de acordo com o direito (a omissão da conduta perigosa), o que ocorrerá sempre e quando sua capacidade de motivar-se pela norma seja ultrapassada por uma situação de fato que o motive contrariamente por razões cuja valoração jurídica seja compreensível[143].

3.3. A crítica ao modelo funcionalista de imprudência.

Ainda que o funcionalismo possa representar hoje uma tendência dominante como modelo teórico de direito penal, é também certo que não está isento de críticas.

De maneira geral e desde o mesmo ponto de vista de seus fundamentos, é possível reprovar tanto ao funcionalismo teleológico na forma proposta por Roxin quanto muito mais ao funcionalismo sistêmico de Jakobs, tal como faz Habermas[144], focado especialmente em uma crítica à concepção da ação. Vives[145] resume tal crítica fundamentalmente na incapacidade da vontade subjetiva produzir a conexão meio-fim entre ação e norma tal como pretende Parsons e, por outro lado, na concepção de Luhmann, entende que o problema do sentido não fica resolvido, mas evitado por uma concepção reducionista da idéia de sentido traduzido o processo de comunicação em mero acordo normativo que substitui os sinais por signos convencionados no marco da norma.

Transferidas tais críticas aos modelos funcionalistas penais de Roxin e Jakobs, temos o seguinte.

No que refere ao sistema proposto por Roxin, Vives expressamente o reprova por ser incongruente, já que “não acaba de ser funcionalismo”[146], porque não cumpre a proposta fundamental de fazer convergir tudo ao fundamento que se assinala para o próprio sistema. Resulta que Roxin, em dados momentos, concebe o bem jurídico desde um ponto de vista totalmente funcionalizado aos fins da pena e logo, em outros momentos, o faz em parâmetros axiológicos/constitucionais e faz o mesmo na culpabilidade como responsabilidade que ora se baseia na Constituição e na dignidade do homem (axiologicamente), ora se funcionaliza como as demais categorias do delito em face dos fundamentos da pena[147]. Resulta que há uma incongruência gramatical, pois “como é possível entender as normas constitucionais desde a dignidade do homem – isto é, axiologicamente – e as leis penais desde os fins da pena – isto é, empiricamente?”[148].

Isso sim, é preciso reconhecer que Vives reprova o modelo funcionalista teleológico proposto nas bases de Roxin, mas não necessariamente a todas as construções teleológicas, senão somente às que mantenham os mesmos pressupostos[149]. De fato, na opinão de Martínez-Buján[150], a proposta de Silva Sánchez[151] que não esgota os fins do direito penal nos fins da pena, mas atribui ao primeiro também o interesse de diminuir a violência do próprio sistema (por isso, se lhe denomina relação dialética) é um modelo ao qual a crítica de Vives não alcança e isto porque Silva oferece um método que é o dialético, com o que é possível contrapor distintas lógicas compondo uma regra de transformação a partir da síntese entre o punitivo e o jurídico.

No que refere ao funcionalismo sistêmico, se é certo, por um lado, que a efetiva funcionalização do sistema ao fim da pena resulta congruente, por outro, não menos certa é a conclusão de que uma tal concepção, se vê presa no reducionismo de converter as regras do reconhecimento de validade das normas à sua própria existência formal. Com isto, ou se chega a uma presunção irreal de que, as regras de direito se baseiam sempre em valores ótimos, ou se o aceita que não, e fica patente uma incapacidade de postura crítica.

Especificamente no tema do delito imprudente, de uma análise da organização sistemática de Roxin, se percebe claramente que a categoria do tipo resulta completamente carregada – quiçá em excesso – especialmente em razão da adição de critérios normativos ao reconhecimento da tipicidade objetiva (teoria da imputação objetiva).

Com isto, o tipo imprudente passa a ser reconhecido basicamente pela realização de uma conduta associada a tais elementos normativos, que estão representados pela criação ou incremento de um risco não permitido pela norma ou a ultrapassagem do limite de risco permitido violando a finalidade de proteção de a norma[152], sem nenhuma referência subjetiva, o que representa una perda sistemática que não ocorre no modelo que aqui se defende.

No que se refere à imprudência, em Jakobs, o reducionismo à norma positiva como eixo do sistema faz com que fique a atribuição reduzida a standards artificiais enquadrados nos limites normativos positivos, ficando francamente afastada, por um lado, a capacidade crítica evolutiva do sistema e por outro qualquer rastro de humanidade.

Mas a evolução incontrolável da ciência penal recém começa a abrir outra porta de conexão para uma nova teoria de base, cujos trabalhos já se vão multiplicando[153]: falo do modelo proposto por Vives Antón, que tem por base a concepção significativa da ação e uma teoria da norma baseada em pretensões de validade.

Asumindo-o, não somente como um passo adiante na evolução da teoria do delito, mas como um modelo mais adequado à realidade da sociedade reflexiva pós-moderna e além disso, respeitoso com as garantias fundamentais do homem, pretende-se, a seguir, apresentar resumidamente as dimensões nas quais se determina a responsabilidade penal por imprudência segundo tal concepção.

4. A imprudência e o modelo significativo.

A concepção significativa da ação é uma proposta de elaboração dos fundamentos do Direito penal que Vives Antón ofereceu na metade da última década do Século passado e cujas bases já foram reconhecidas claramente[154] como democráticas, ilustradas e humanistas, fato que nestes tempos sombrios importa sublinhar. Fundamentalmente, tais características derivam do fato central de que ainda que concebida como uma concepção normativa do Direito penal, não perdeu a característica de situar o ser humano como eixo do sistema.

A proposta de Vives se assenta, por um lado, na filosofia da linguagem do segundo Wittgenstein[155], que produziu o “giro pragmático” da filosofia com base na ação e a racionalidade prática e, por outro, no que se refere à metodologia de apresentação do sistema na teoria da ação comunicativa e a teoria do discurso de Habermas.

Com isto, o pensamento humano se organiza ao redor destos fundamentos e o que faz Vives é organizar a racionalidade penal a partir dos jogos de linguagem expressos na ação e as formas de vida que dão racionalidade prática às regras. Por outro lado, na metodologia de apresentação dos temas de parte geral afirma as realidades a partir da compreensão da linguagem como acordo comunicativo que legitima as normas segundo pretensõnes de validade.

É certo que aqui, pelas estreitas dimensões deste trabalho, não caberia descrever toda a estrutura teórica do delito que propõe Vives Antón, – o autor do que se pode chamar de modelo significativo de teoria do delito -, mas é imprescindível dar conta de alguns elementos fundamentais que permitam identificar estruturalmente o tema da imprudência.

4.1. Aspectos gerais do modelo significativo de teoria do delito.

Em primeiro lugar, cabe dizer que a nota de inovação do sistema de Vives começa pela assunção de uma visão de sociedade acorada na filosofia de Habermas, com o que marca uma evidente diferença com o funcionalismo, especialmente o de Jakobs, que vem marcada justamente pela oposição entre Habermas e Luhmann, ou seja, entre uma postura crítica e outra acrítica da sociedade baseada justamente em diferentes perspectivas da comunicação[156].

Vives parte da concepção fundamental de que a ação não pode ser um fato específico e nem tampouco ser definida como o substrato da imputação jurídico-penal, mas sim representa “um processo simbólico regido por normas”[157] que vem a traduzir “o significado social da conduta”[158]. Assim, para Vives o conceito de ações é o seguinte: “interpretações que podem dar-se, do comportamiento humano, segundo os distintos grupos de regras sociais”[159] e, portanto, elas deverão representar, em termos de estrutura do delito, já não o substrato de um sentido, mas o sentido de um substrato[160].

Com isto, Vives logra diferenciar entre ações – que são dotadas de sentidos ou significados[161] e comportam interpretações – e fatos – que não tem sentido e comportam, tão somente – descrições.

Por outro lado, o sentido de tais ações é ditado por regras que as regem[162]. Tais regras, porém, são reconhecidas como tais na medida em que tenham seu uso estabelecido, pois, só assim podem determinar o sentido de uma conduta. Ou seja, o reconhecimento da ação deriva da expressão de sentido que uma ação possui. A expressão de sentido, contudo, não deriva das intenções que os sujeitos que atuam pretendam expressar, mas do “significado que socialmente se atribua ao que fazem”[163]. Assim, não é o fim mas o significado que determina a classe das ações, logo, não é algo em termos ontológicos, mas normativos. Vives o deixa claro com um exemplo:

“[…] minha compreensão de uma partidoa de futebol depende de que conheça as regras do jogo e de que, por conseguinte, possa efetuar uma correta atribuição de intenções aos movimentos dos jogadores: se desconheço as regras, não sou capaz de inferí-las e ninguém me explica, não entenderei o jogo e não saberei, na realidade, o que está ocorrendo ali (nem sequer poderei prever o que tenta fazer um jogador que se encontra de posse da bola). Mas, uma vez que as conheço e posso fazer, por conseguinte, as atribuições de intenção corretas, nem sempre qualificarei as jogadas (as ações dos jogadores) com base nas intenções que lhes atribuo: v.g., se um defensor tem a intenção de afastar a bola, mas a introduz em seu próprio gol, não direi que afastou a bola, mas que marcou um gol contra sua equipe. As atribuiciones de intenção se encontram, segundo o referido, inseridas no seguimiento de regras e são construtivas do significado, em termos gerais, mas não na forma de uma relação somente bilateral: as regras, que se materializam em atribuições de intenção, operam, com freqüência, prescindindo do propósito de quem as segue ou infringe”[164].

O fim fica claramente desvinculado da determinação da ação. A ação é determinada pelo sentido que lhe dão as regras segundo as quais se lhe interpreta. Por isso, “a determinação da ação que se realiza não depende da concreta intenção que o sujeito queira levar a cabo, mas do código social conforme o qual se interpreta o que ele faz”[165].

As práticas sociais são pois, contingentes da ação e da intenção[166]. Falamos de intenções já expressadas nas ações e não determinantes delas. Por isso, “os movimentos corporais não são interpretados como ações por causa da presença prévia ou simultânea de intenções”[167], na realidade, é a existência de um prática de seguir regras que permite identificar o sentido que jaz na ação e inferir a realização de uma intenção[168]. Logo, “há uma intencionalidade externa, objetiva, uma prática social constituinte do significado”[169].

Contudo, é também certo que nem toda ação é intencional[170], o que outra vez comprova que o núcleo da ação não está na intencionalidade, o que explica claramente o fracasso do modelo finalista proposto por Welzel em explicar o delito imprudente. Ao contrário, a proposta de Vives ao seguir o modelo filosófico de Wittgenstein, se afasta de tudo isso para identificar a ação segundo o significado, as regras e o seguir das regras, o que se, por um lado, reconhece que há uma relação interna entre ação e intenção, de modo nenhum determina que toda a ação, enquanto expressão de sentido, deva consistir, necessariamente, expressão de uma intenção[171].

Resulta, pois, que em termos normativos, há tanto casos imprudentes quanto dolosos, sendo que o que identifica estes últimos – por certo – normativamente, é a expressão de sentido que se traduz no compromisso com a produção do resultado típico, que não ocorre na imprudência.

É necessário, finalmente, deixar posto que o elemento fundamental que orienta o esquema de Vives e que, ao mesmo tempo insere a dimensão de preservação do componente humano – ainda que seja normativamente estruturado – é a idéia de liberdade de ação[172], que é justamente o ponto de união entre sua teoria da ação e sua teoria da norma (os dois pilares básicos de seu sistema de imputação).

Resulta que para Vives, a idéia de liberdade de ação que, situada na culpabilidade provocou um intenso e aporético debate entre o determinismo e o livre arbítrio, a nada conduz. Assim, propõe algo completamente distinto: que a liberdade de ação não fundamenta a culpabilidade, mas a ação. A liberdade de ação há de ser o pressuposto da imagem de mundo que dá sentido à própria ação[173].

É que não se comprova a liberdade de ação em bases empíricas, mas se trata de conceber o mundo desde a liberdade de ação expressa nela própria, que é o que permite o juízo de aplicabilidade de alguma norma. Ao contrário, ao reconhecer a ausência de tal liberdade, não é possível pretender a aplicação de nenhuma classe de regulamentação jurídica[174].

No que refere à organização do sistema normativo, Vives propõe a substituição da discussão entre o ser e o dever ser, entre o ontologicismo e o deontologicismo, entre norma de valoração e de determinação, por um sistema que substitua a razão técnico-instrumental pela razón prática[175].

Obviamente, a razão fundamental pela qual existe o sistema jurídico é responder a exigências de justiça[176]. O que pretende a norma jurídica é ser essencialmente válida, cuja pretensão obviamente não fica satisfeita com a presunção de legitimidade formal. Também é certo que não pode aspirar converter-se em norma moral, pois ainda que pretenda afirmar-se por si mesma e não em relação a um fim, porque não aspira ao aperfeiçoamento humano, mas simplesmente a gerir a ordem de coexistência humana[177].

Mas, obviamente a pretensão de justiça se expressa segundo distintas exigências, “como segurança jurídica, liberdade, eficácia, utilidade, etc.”[178], segundo pretensões de legitimidade e validade que só se pode concretizar através de uma justificação procedimental.

Tal justificação se procede com o fim de atribuir responsabilidade penal mediante a comprovação procedimental, primeiramente da execução de uma ação lesiva ameaçada de pena, uma pretensão de relevância expressa pela realização de um tipo de ação, logo a verificação de se a intenção que regia a ação estava ou não de acordo com as exigências do ordenamento jurídico, correspondendo a uma pretensão de ilicitude, em seguida, se aquele que atuou sabia que não poderia fazê-lo e poderia atuar de outro modo o que permite identificar uma pretensão de reprovabilidade e, finalmente, comprovando se o castigo efetivamente era necessário, revelando uma pretensão de punibilidade[179].

4.2. A imprudência e a pretensão de ilicitude.

No que refere à imprudência, a sistemática aqui adotada resulta diferente de todas as anteriores, já que não se adota a perspectiva das teorias causais ou neokantistas, onde a imprudência resultava ser uma das formas ou um dos elementos da culpabilidade, nem tampouco a perspectiva das concepções surgidas a partir do finalismo, que entendiam que a imprudência fazia parte do elemento subjetivo do tipo, já que não cumpre uma função de definição da ação[180]. Aqui, a imprudência se encontra caracterizada como a segunda e menos grave modalidade ou instância de imputação da ilicitude ou antinormatividade[181], correspondente a um tipo de ação ou omissão. Ou seja, trata-se de situar sistematicamente o dolo e a imprudência ao lado do que a doutrina tradicional chama de antijuridicidade formal no âmbito da pretensão normativa de ilicitude. Dolo e imprudência são, aqui “instâncias de imputação ou formas de ilicitude[182].

No modelo significativo de estruturação do sistema penal, nem o dolo nem a imprudência são constitutivos da própria ação, com o que, não podem estabelecer critérios de sentido, ou participar da etapa conceitual ou de definição do delito, mas sim são critérios precisamente de responsabilidade, que se referem ao plano substantivo, que é justamente a confusão na qual incorreu Welzel e que é veementemente reprovada por Vives[183].

A definição da imprudência se busca por sua contrariedade com o dolo, já que “se diz que atua imprudentemente quem o faz sem intenção”[184]. Claro está, porém, que o conceito de intenção aqui utilizado é o antes referido, diferente do mero desejo ou da simples vontade. É a expressão de sentido que traduz uma intenção através de um compromisso de atuar. Tal compromisso, uma vez expresso, permite, por isso, a atribução de tais intenções ao sujeito que realiza a ação. Ou seja, a relação da ação com a intenção é interna, seu sentido se estabelece no contexto público, onde as regras técnicas e práticas fazem ou não referência, no caso concreto, ao sentido de uma intenção[185]. Definitivamente, o sentido de uma intenção se traduz no compromisso com a produção do resultado desvalorado a partir de uma análise normativa de circunstâncias e não psicológica de representações internas. Daí resulta clara a marcada distância entre a estruturação teórica proposta por Vives e todas as teorias que, de um ou outro modo se vinculam ao modelo finalista. Para Vives, a proposição de Welzel de um conceito de ação finalista é não só dogmaticamente insuficiente, mas filosoficamente incorreta[186].

Com isto, se establece um equilibrio entre dolo e imprudência na medida em que os dois são igualmente concebidos nesta formatação como entidades normativas[187]. Na imprudência, ao contrário do dolo, não há o compromiso de atuar, mas por outro lado, também não está presente o compromisso de evitação do resultado que deriva de uma exigência normativa.

Por isso, é possível dizer que o conteúdo da imprudência é a infração de um dever de cuidado e a ausência do compromisso com o resultado.

Assim as coisas, o conteúdo da imprudência é puramente normativo, não devendo ser entendido como algo representado pelo autor em sua mente, aspecto que, de qualquer modo, resulta inacessível[188]. Isto porque, ao adotarmos o significado ou sentido como paradigma de atribuição, é preciso reconhecer que “o sentido não se projeta de dentro para fora (da mente à vida social), mas que de fora para dentro (da vida social à mente)”[189].

Mas, se a determinação da imprudência deriva da falta de compromisso com a evitação de um resultado previsto e proibido pela norma, que afinal consiste na violação de um dever de cuidado, resulta imprescindível discutir o tema de como se determina este dever.

Segundo Vives, “o dever de cuidado se determina, a princípio, a partir da normativa vigente, das normas sócio-culturais e da experiência comum, das quais derivam certas regras que devem ser seguidas para evitar os perigos derivados de uma conduta”[190], que corresponde à primera parte da questão, a violação do cuidado objetivo.

Orts Berenguer e González Cussac assim desenham tal dever de cuidado:

“Corresponde ao atuar diligente, a determinar conforme a experiência comum, as normas sócio-culturais e a normativa vigente, que prescrevem uma atuação conforme às mesmas para evitar os perigos derivados da conduta. A imprudência comporta a infração das mais elementares regras de cautela ou de diligência exigível ao homem prudente e consciente no marco de uma determinada atividade”[191].

Cumpre notar que não se adota aqui a teoria do homem medio para definir o dever objetivo de cuidado, mas “a previsibilidade máxima da conduta, medida ex ante, ou seja, com o nível máximo de atenção exigível ao cidadão com as maiores possibilidades (critério de previsibilidade geral)”[192], mas já na etapa anterior do tipo de ação. Ou seja, a violação do dever de cuidado, no delito imprudente, é um aspecto de definição conceitual do próprio tipo de ação, pertencente, portanto, à pretensão de relevência da norma. A afirmação da existência de um tipo de ação nestes casos já descreve, de entrada, a violação do dever que lhe corresponde. Em outras palabras, a análise do dever objetivo de cuidado está referido ao tipo de ação, ocupando uma posição sistemática na primera das pretensões de validade da norma, enquanto que o dever subjetivo de cuidado será analisado na pretensão de ilicitude, ou seja, na segunda pretensão de validade normativa.

Uma vez determinado qual é o dever objetivo de cuidado, segundo tais regras, o passo seguinte é determinar o nível do dever subjetivamente exigível ao sujeito em concreto, a respeito da previsibilidade de sua conduta, comparando as circunstências concretas com seus conhecimentos, capacidades e demais circunstâncias pessoais[193]. Esta etapa, porém, pertence já à pretensão de ilicitude, à segunda pretensão normativa que vai afirmar ou não o sentido de uma intenção.

Assim, não há dúvidas a respeito de que ao delito imprudente, também deve ser atribuído um elemento subjetivo. Ou seja, a responsabilidade imprudente não é, nem pode ser, pelo deselvolvimento dos princípios fundamentais do direito penal, uma responsabilidade unicamente objetiva. Mas, o ato de reconhecer a responsabilidade penal subjetiva não quer dizer que o elemento subjetivo necessariamente deriva de um aporte psicológico. A única coisa que define é que a responsabilidade penal – seja dolosa ou imprudente – tem obrigatoriamente que derivar, ao menos em alguns de seus componentes, de aspectos pessoais. De não ser assim, o sistema estaria enredando no mesmo círculo fechado normativo no qual caiu o funcionalismo sistêmico, ou seja, no completo desprezo ao ser humano, que constitui o princípio e o fim de todo o direito.

Com isto, justamente para abordar o tema desde uma perspectiva do sujeto, se entende que na análise da previsibilidade subjetiva do resultado não tem lugar o conceito de homem medio, mas é preciso acudir a uma individualização do padrão de análise.

Enfim, uma vez constatada a existência do tipo de ação, no qual está demonstrada a violação do dever objetivo de cuidado, no âmbito da pretensão de ilicitude, a demonstração da responsabilidade por imprudência demanda a comprovação de uma dimensão subjetiva do ilícito imprudente representada pela infração de um dever subjetivo de cuidado. O que efetivamente determina a responsabilidade por imprudência é uma verificação axiológica (normativa) de que o sujeito concreto, diante de suas circunstâncias pessoais, no fato concreto, poderia ter previsto e evitado o resultado desvalorado pelo Direito[194].

Portanto, a perspectiva que se adota é da separação de, por uma parte o dever objetivo de cuidado (previsibilidade geral) que se discute no âmbito do tipo de ação, onde a análise passa por verificar se concorre a violação de cuidado objetivo, representada pela evitabilidade geral da produção do resultado se o sujeito tivesse atuado conforme o direito; e por outra, o dever subjetivo de cuidado[195], que é individual e se discute na pretensão de ilicitude, através do exame da capacidade individual no fato concreto, de previsibilidade do risco e do resultado[196]. A parte, resulta importante também a manutenção de um lado pessoal da afirmação da imprudência preservando a base de estruturação de princípios fundamentais do direito penal[197] e evitando oposições que se costuma lançar sobre as teses funcionalistas de excessiva objetivização da imputação[198].

Resulta, pois, clara a demarcação da fronteira entre o dolo e a imprudência, pois no primeiro, ao contrário da segunda, está presente o compromisso de atuação. Na imprudência inconsciente, a forma mais comum, sempre estará presente “ou um absoluto desconhecimento da periculosidade da conduta em relação ao fato típico, ou […] um erro vencível sobre algum elemento típico”[199]. A demarcação das fronteiras entre o dolo e a imprudência, mais precisamente entre o dolo eventual e a culpa consciente, se dá através da existência, no primeiro, de “um elemento volitivo concretizado no compromisso do agente com a vulneração do bem jurídico”[200].

O certo é que nem sequer é necessário recorrer ao dolo eventual e à culpa consciente como categorias limítrofes para tal demarcação.

É que, por um lado, não há distinção qualitativa entre o dolo eventual e o dolo direto, mas tão somente uma diferenciação quantitativa. Isto deriva de que tanto o elemento cognitivo quanto o volitivo do dolo estão contidos, na construção de Vives, no compromisso de atuar que se expressa normativamente na ação, assim quem atua com dolo eventual, do mesmo modo, atua intencionalmente[201]. Ou seja, a diferença entre o dolo eventual e o dolo direto não resulta de diferentes conteúdos, mas simplesmente se estabelece “com base na mayor ou menor intensidade do compromisso com a vulneração do bem jurídico que, respectivamente, nos revela a conduta antinormativa”[202].

Por outro lado, também é quantitativa a diferença que se pode fixar entre classes de culpa, que só podem ser resolvideas – no sistema espanhol, inclusive legislativamente – com base na diferença entre culpa grave ou leve, sem recorrer à clássica distinção entre imprudência consciente e inconsciente.

Claro está que a distinção da doutrina em geral entre a imprudência consciente e inconsciente – que sempre careceu de relevância prática já que não implica qualquer alteração de responsabilidade – esteve permanentemente associada a uma concepção ontológica do fenômeno subjetivo do delito, ou seja, de propostas com pretensões psicológicas de definição de dolo e imprudência. No momento em que se acolhe que nem o dolo nem a imprudência são categorias cujo conteúdo é passível de definir a partir de processos mentais, é obrigatório o reconhecimento de que não tem mais cabimento falar de uma sub-classificação de tais categorias segundo precisamente tais elementos.

O conteúdo do delito imprudente resulta completamente normativo, inclusive no que refere ao sujeito, ou seja, ao componente subjetivo de sua identificação. Ainda que seja certo que o sentido comunicativo de uma intenção deriva do processo que se establece entre o sujeito e o objeto, é este processo – e não o sujeito ou o que ele pensa – que se interrelaciona com a norma no estabelecimento dos níveis de pretensão desta última. Assim, um aspecto unicamente psicológico (que é o que se passa na cabeça do autor em termos de representação do resultado) não pode determinar diferenças axiológico-normativas quanto às pretensões da norma[203].

No panorama legislativo espanhol se consolidou já a questão da imprudência segundo parâmetros quantitativos e normativos, firmando a diferença entre imprudência grave ou leve[204]. O fato de que uma tal diferença tenha sido concretizada legislativamente na imprudência e não ainda no dolo, é produto de que naquela o reconhecimento de seu caráter exclusivamente normativo pela doutrina é bastante mais antigo, já que é por todos reconhecido que nem sequer teoricamente a distinção entre culpa consciente e inconsciente tem qualquer importância[205].

Portanto, de não caber distinção qualitativa mas tão somente quantitativa no campo interno das categorias dolo e imprudência, é possível deduzir, sem lugar a dúvidas, que a fronteira entre o dolo e a imprudência deve ser marcada já nos dois gêneros, sem necessidade ou utilidade de recorrer às espécies de dolo eventual e culpa consciente, cujo desenho histórico, porque pendente de uma impossível análise de consciência, nada pode oferecer.

Cumpre, ainda, estabelecer a fronteira entre o dolo de colocação em perigo e a imprudência referida à lesão, cuja aproximação, segundo Martínez-Buján Pérez[206], beira a equiparação.

O Prof. Martínez-Buján menciona tal aproximação especialmente a partir de casos de culpa consciente e afirma, com razão, que “partindo de uma orientação puramente cognitiva para determinar o conteúdo do dolo, a identificação dos referidos conceitos é uma conseqüência óbvia, dado que de modo geral dolo e imprudência consciente compartiriam a mesma base cognitiva”[207]. Assim, propõe que a solução do conflito se estabeleça pela via do reconhecimento do componente volitivo no dolo[208], isto sim, desde que admitido tal componente volitivo normativamente como “compromisso do autor com a vulneração do bem jurídico”[209], o que permite mais claramente separá-lo do simples fato cognitivo de que o autor conhece uma técnica, que não basta para afirmar o dolo ou a imprudência.

A tais corretos argumentos, seria possível acrescentar que a questão do perigo (seja abstrato ou concreto) e a lesão, são formas de resultado jurídico do delito, que evidentemente não pertencem ao âmbito de discussão substantivo, ou seja, á afirmação da pretensão de ilicitude, mas sim ao aspecto conceitual da pretensão de relevância e portanto, vêm demarcados antes como tipos de ação diferentes.

Ao combinar tal argumento com alguns aspectos específicos do delito imprudente, parece mais clara, ainda, a distinção.

É que a partir da limitação determinada pelo sistema de numerus clausus estabelecido nos modernos códigos penais, exigindo que o castigo pelo delito imprudente obedeça expressa previsão legal nesse sentido[210], de não existir tal previsão resultam já de entrada, conceitualmente delimitadas as possíveis realizações imprudentes. É importante  afirmar que não se trata de distinguir o fato imprudente e o doloso já no campo do tipo, mas de simplesmente reconhecer que, somente a determinados tipos de ação cabe responsabilidade penal sem estar presente o compromisso com a violação do bem jurídico.

Ademais, é necessário observar, como Orts Berenguer e González Cussac, que o castigo do ilícito imprudente só se produz a partir de que concorra um resultado[211]. E ello por ser un tipo incongruente por exceso objetivo. Pero, o resultado, como se sabe, não é um resultado naturalístico, mas jurídico.

O resultado do delito imprudente deve ser entendido certamente como desvalor de resultado, ou seja, como resultado jurídico, consistente na vulneração objetiva de um bem jurídico requerida pela consumação. Em outras palavras, o resultado no tipo imprudente deve ser a realização plena da parte objetiva de um tipo doloso previsto pelo ordenamento jurídico. Disso deriva que pode ser um resultado material de lesão, de perigo concreto ou ainda de perigo abstrato.

De todo modo, o resultado jurídico faz parte da descrição do tipo, pelo que, no âmbito conceitual do tipo de ação e da pretensão de ofensividade (antijuridicidade material) já se produz uma delimitação correspondente ao que é o resultado que se pretende castigar.

Daí se deduz que, se por um lado não cabe a distinção da imprudência em bases psicológicas relacionadas com a consciência, que nada pode oferecer qualitativamente a esta questão, por outro, a questão do resultado não pertence ao âmbito da pretensão de ilicitude, pelo que, não pode ser definido neste campo. Em síntese, o resultado juridicamente desaprovado se analisa no campo da pretensão de relevância normativa enquanto que a imprudência e o dolo como manifestações pessoais desvaloradas na pretensão de ilicitude.

Mas, resulta que pode ser que o mesmo fato concreto apresente as características do delito de perigo (seja concreto ou abstrato) doloso e de delito de lesão imprudente, o que suporia, a princípio, dois diferentes tipos de ação. A conseqüência necessária é discutir se aí estaremos diante de um delito único de lesão imprudente ou de perigo doloso, caso em que se deve acudir aos critérios de distinção do conflito aparente de normas, como a consunção, a especialidade ou a alternatividade ou se, pelo contrário, é possível sustentar o concurso de delitos.

O tema adquire mais relevância ainda se acudimos à realidade do moderno Direito penal onde os bens jurídicos resultam ser coletivos e as vítimas difusas. Por exemplo: ninguém pode duvidar que quem conduz temerariamente um veículo sob efectos de álcool expõe a perigo um número indeterminado de pessoas e pode fazê-lo dolosamente, mas, pode ser que, no caso concreto, além disso, atropela alguém produzindo lesões. o fato concreto de que as lesões tenham sido produzidas em uma pessoa, nada diz sobre o perigo que a condução supôs a outras tantas pessoas.

Justamente por isso, o Código Penal Español, no tema de tráfego, colocou expressa a regra geral de alternatividade a favor do delito que se castiga mais gravemente. Mas há outros casos em delitos de bens jurídicos coletivos onde pode ocorrer o mesmo[212].

Quanto à questão de se há ou não concurso de delitos, de forma geral, a doutrina majoritária, na Espanha sustenta que sim, com base na diferenciação entre o bem jurídico que se protege em um e outro diferentes casos[213]. Por outro lado, há quem sustente que é necessário resolver o tema com as regras do concurso aparente de normas onde os tipos de lesão devem prevalecer sobre os de perigo[214].

A posição mais correta, segundo parece é que se limite a solução pela via do conflito aparente de normas tão somente onde tanto o perigo quanto a lesão tenham sido dirigidas a uma única vítima o que, ao final, resulta congruente com o princípio de intervenção mínima e a ideia de ofensividade que se plasma na pretensão de relevância.

Por outro lado, nos casos onde a vitimização seja difusa, o resultado lesivo contra uma delas não pode suprimir o resultado gerado às demais, razão pela qual se deve assumir a possibilidade concreta do concurso de delitos. Claro está que é possível que haja um compromisso com a causação do peligro, ainda que não haja em relação ao resultado de lesão[215].

Com isso, o problema em questão, a similitude entre imprudência consciente de lesão e dolo de perigo fica dividido em três partes. A questão do resultado que no âmbito da pretensão de relevância pode afirmar mais de um tipo de ação e suas correspondentes ofensividades, levando a discutir o concurso de delitos, o que remete, ao final, a solução à discussão da pretensão de ilicitude. A questão do dolo ou imprudência discutida com base no limite do compromisso de atuar no âmbito da pretensão de ilicitude. E em terceiro lugar, a exclusão, para a discussão da imprudência, de tudo o que refere à consciência, pois com base no que se passa na mente do autor não se pode afirmar conteúdos puníveis.

Em resumo, a proposta do modelo significativo para a imprudência é a que finalmente confere a esta modalidade de imputação o sentido mais claro, sem perder a nota de humanidade imprescindível para a análise do sistema de imputação.

Em primeiro lugar, porque reconhece sua condição exclusivamente normativa, ponto no qual falhavam definitivamente todas as concepções clássicas, inclusive o finalismo. A superação dos problemas de justificação e de fundamentação do delito imprudente sempre reclamaram a superação de sua matriz ontológica.

Em segundo lugar, porque faz com que a concepção normativa da imprudência não determine obrigatoriamente sua separação em relação ao dolo, que aqui também aparece distanciado de uma concepção ontológica, em uma expressão estritamente normativa que, por outro lado, também responde às questões propostas entre o dolo como categoria delitiva e sua prova no processo, especialmente à partir da concepção de Hassemer sobre os indicadores externos do dolo[216].

Em terceiro lugar, a proposição de discussão da imprudência e do dolo no âmbito da pretensão de ilicitude reduziu a carga que convertia o tipo em uma especie de supercategoria delitiva[217], o que contribui para um melhor equilíbrio da estrutura da teoria do delito.

Por tudo isso, não pode resultar surpreendente que cada vez mais a doutrina volta os olhos às proposições feitas pelo Prof. Vives Antón. Aqui, sem dúvida, como disse Martínez-Buján Pérez “estamos assistindo ao nascimento do primeiro sistema penal do Século XXI e que, ademais, está destinado a receber no futuro uma ampla acolhida na doutrina científica na práxis de nossos Tribunais”[218].

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[1] MUÑOZ CONDE, Francisco e GARCÍA ARÁN, Mercedes. Derecho penal. Parte General. 7ª ed., Valencia: Tirant lo Blanch, 2007, p. 281.
[2] Nesse sentido STRUENSEE, Eberhard. “La estructura de los delitos de omisión imprudentes” en Revista de direito Penal e Criminología de a UNED, nº 16. Madrid: UNED, 2005, pp. 243-244.
[3] A respeito disso, veja-se BUSATO, Paulo César, DÍAZ PITA, María do Mar e MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Modernas tendências sobre o dolo em Direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
[4] Veja-se, sobre isso, por todos os meus trabalhos, BUSATO, Paulo César. Direito Penal e Ação Significativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
[5] Veja-se MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. “La concepción significativa de la acción de T. S. Vives e su correspondencia sistemática con las concepciones teleológico-funcionales del delito”. In Homenaje al Dr. marino Barbero Santos, volumen I, p. 1141-1178, Cuenca: Ediciones de a Universidad de Castilla-La Mancha e Ediciones Universidad de Salamanca, 2001 (há também versão brasileira: MARTÍNEZ-BUJÁN PEREZ, Carlos. A concepção significativa da ação de T. S. Vives e sua correspondência sistemática com as concepções teleológico-funcionais do delito. Trad. de Paulo César Busato, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007) e também no mais recente, na segunda edição de seu Manual de Parte Geral de Direito penal econômico, MARTÍNEZ-BUJÁN PEREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la Empresa. Parte General. Valencia: Tirant lo Blanch, 2007.
[6] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del sistema penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996.
[7] Nesse sentido QUINTERO OLIVARES, Gonzalo. Parte General do Derecho penal…cit., p. 338.
[8] O autor refere que o Código Penal Español de 1822 “distinguía los hechos criminales entre delitos y culpas, evidenciando la vigencia de una cultura jurídica en a que no parecía compatible hablar de «crimen» con el adjetivo de culposo”. QUINTERO OLIVARES, Gonzalo. Parte General del Derecho penal…cit., p. 338.
[9] É o próprio Feuerbach quem busca a solução de compabilização defendendo a idéia de que a “má vontade” que deve coibir na imprudência é a infração da obrigação em ser diligente. “A culpa pressupõe: I) Objetivamente, a) a existência de uma lei penal que comine com pena a lesão jurídica não dolosa, e b) uma ação exterior pela qual venha a ser autor fisico de um crime; II) Subjetivamente, uma ilícita determinação da vontade, no sentido de que a pessoa, ainda que não tenha dado lugar ao crime como objetivo de sua vontade, porém, 1) possa ter sido, sem intenção, causa do crime, por contrariar sua obrigação conhecida de evitá-lo (dever de diligência, cuidado, diligentia); como também por ter feito ou omitido arbitrariamente algo que se encontre conectado causalmente com a origem da lesão jurídica, e tendo sido a este respeito consciente desta conexão, ou tendo devido sê-lo em razão da diligência devida”. FEUERBACH, Paul Johann Anselm Ritter von. Tratado de Derecho penal. Trad. de Eugenio Raúl Zaffaroni e Irma Hagemaier, Buenos Aires: Hammurabi, 1989, p. 83.
[10] TAVARES, Juarez. Direito penal da Negligência. 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 4.
[11] QUINTERO OLIVARES, Gonzalo. Parte General del  Derecho penal…cit., p. 344.
[12] VON LISZT. Franz. Tratado de Derecho Penal, tomo II. Trad. de Luis Jiménez de Asúa Madrid: Instituto Editorial Reus, S.A., 1927, p. 429.
[13] VON LISZT. Franz. Tratado de Derecho Penal, tomo II…cit., p. 430.
[14] BELING, Ernst von. Esquema de Derecho penal. La doctrina del delito-tipo. Trad. de Sebastián Soler. Buenos Aires: Librería el Foro, 2002, p. 125.
[15] BELING, Ernst von. Esquema de Derecho penal…cit., p. 125.
[16] BELING, Ernst von. Esquema de Derecho penal…cit., p. 125.
[17] Refiro-me a FRANK, Reinhard. “Über den Aufbau des Schouldbegriffs” en Festschrift der Juristischen Fakultät der Universität Giessen zur Dritten Jahrhundertfeier der Alma Mater Ludiviciana. Giesen, 1907.
[18] FRANK, Reinhard. Sobre la estructura del concepto de Culpabilidad. Trad. de Gustavo Eduardo Aboso e Tea Löw, Buenos Aires: BdeF, 2000, p. 39.
[19] QUINTERO OLIVARES, Gonzalo. Parte General del Derecho penal…cit., p. 344.
[20] Por exemplo, Von Liszt afirma que “neste problema deve tomar-se por base as faculdades mentais do agente, em geral e no momento do ato (agitação, embriaguez) e sua maior ou menor perspicácia. À medida aqui é subjetiva, especial”. VON LISZT, Franz. Tratado de Derecho penal. Tomo. II…cit., p. 432.
[21] Por exemplo, HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, v. 1, t. 2. 2a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 188: “A previsibilidade deve ser apreciada objetivamente, isto é: não do ponto de vista individual do agente, mas do ponto de vista do homem comum, em face da lição da experiência relativa ao que freqüentemente acontece”.
[22] Nesse sentido LIEPMANN, Moritz. Einleitung in das Strafrecht. Berlin: O. Haring’s Verlag, 1900, p. 151, citado por Hungria em HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, v. 1, t. 2…cit., p. 188.
[23] TAVARES, Juarez. Direito penal da Negligência…cit., p. 22.
[24] Assim, por exemplo, em Baumann, que reserva para a culpabilidade a discussão sobre uma relação psíquica de não conhecimento e não desejo da produção do resultado (que ao contrário do dolo) e as possibilidades intelectuais de saber e poder evitar o resultado. Veja-se, BAUMANN, Jürgen. Derecho penal. Conceptos fundamentales y sistemas. Introducción a la sistemática sobre la base de casos. Trad. de Conrado A. Finzi, Buenos Aires: Ed. Depalma, 1981, especialmente pp. 268 e ss.
[25] TAVARES, Juarez. Direito penal da Negligência…cit., p. 26.
[26] Juarez Tavares aponta como intento de salvar a essência psicológica da imprudência a construção de Binding, no sentido de que a ação imprudente tem que ter sido buscada en seu momento inicial, o que bastaria para afirmar sua vinculação de ordem psicológica, concepção esta que não teve ampla acolhida sequer entre os causalistas. TAVARES, Juarez. Direito penal da Negligência…cit., pp. 20-21.
[27] Conforme afirma o próprio Welzel, se trata de uma perspectiva de adoção do direito Positivo limitado pelo Direito Natural, já que “O direito natural não pode encontrar-se fora ou por acima do direito positivo – mas que está – como limite imanente – dentro dele próprio; para vêr-lo basta somente ter a vista livre. Não chegamos ao direito natural legítimo quando projetamos nossos desejos em um reino ideal, mas quando com fatigante trabalho, investigamos as realidades lógico-objetivas que como um tecido atravessam todo o direito positivo, dando-lhe um ponto de apoio firme, livre de toda arbitrariedade”. In WELZEL, Hans. Más allá del Derecho natural y del Positivismo Jurídico. Trad. e notas de Ernersto Garzón Valdés, Córdoba: Universidad Nacional de Córdoba, 1962, p. 41.
[28] Welzel nega a influência de Hartmann que lhe é imputada por boa parte da doutrina, criticando, inclusive, muitas propostas deste autor, entre elas sua teoria dos valores, afirmando que seu livro Naturalismo y filosofía de los valores en el Derecho Penal  visava ersclarecer a nebulosa concepção da teoria da ação descrita por Hartmann. Mas, justamente esta circunstância faz perciber a coincidência de base das duas teorias.
[29] WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal. Uma introdução à doutrina da ação finalista. Trad. de Luiz R. Prado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, respectivamente p. 17 e p. 12.
[30] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 156.
[31] WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán, Parte General. 4.ed., trad. de Juan Bustos Ramírez e Sérgio Yánez Pérez, Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 1997, p. 45. Eduardo Rabossi, fazendo uma síntese da teoría aristotélica da ação menciona que “A ação de um agente humano deve distinguir-se de seus estados passivos, ou seja, do que lhe passa ou acontece. A distinção entre ação e passividade é fundamental, não somente porque permite conceitualizar a ação como distinta dos processos naturais e de outros fatores fora de nosso controle, mas porque está na base de toda atribuição de responsabilidade. […] Nem tudo o que um agente faz por iniciativa propria pode atribuir-se como uma ação sua. a ação do agente tem que ser voluntária, não somente no sentido de ser produzida por ele, mas no sentido adicional de ser realizada por ele de maneira intencional.” RABOSSI, Eduardo. “La filosofía de la acción y la filosofía de la mente.” In Acción humana, p. 5-20, coord. por Manuel Cruz, Barcelona: Ariel, 1996, p. 6.
[32] Explica precisamente Juarez Tavares que a nota distintiva entre a concepção purasmente finalista e as propostas neokantistas que algo transformaram o conceito de ação é justamente que enquanto “os finalistas assumem uma posição radical de que todo o ordenamento jurídico deve subordinar-se aos imperativos da conceituação final da conduta, que representaria, segundo eles, os dados reais da consideração ontológica”, por outro lado, os neokantistas entendiam que “a ação é igualmente uma atividade final, mas não encontra necessidade de explicar todas as formas de manifestação real da conduta pelo sentido finalista”. In TAVARES, Juarez. Direito penal da Negligência…cit., p. 29 e nota 45.
[33] Mantém esta disposição, entre muitos outros, por exemplo, MUÑOZ CONDE, Francisco e GARCÍA ARÁN, Mercedes. Derecho penal. Parte General…cit., p. 265; QUINTERO OLIVARES, Gonzalo. Parte General del Derecho penal…cit., p. 321 e MIR PUIG, Santiago. Derecho penal. Parte General. 7ª ed., Barcelona: Reppertor, S.L., 2004, p. 230. No Brasil, veja-se, por todos, SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte Geral. 3ª ed., Rio de Janeiro-Curitiba: Lumen Juris- ICPC, 2008, passim.
[34] Nesse sentido comenta Feijóo que “o delito imprudente e o delito de omissão, por seu caráter normativo, sempre supuseram corpos extranhos que não se adequaram de uma forma satisfatória aos princípios básicos da «doutrina final da ação». FEIJÓO, Bernardo. Resultado lesivo e imprudencia. Barcelona: J.M. Bosch Editor, 2001, p. 69.
[35] Refiro-me aqui a WELZEL, Hans. Der Allgemeiner Teil des deutschen Strafrechts in seinen Grundzügen. Berlin: Walter de Gruyter, 1940, p. 20.
[36] Assim, por exemplo, em WELZEL, Hans. Der Allgemeine Teil des deutschen Strafrechts in seinen Grundzügen. Berlin: Walter de Gruyter, 1944, p. 32.
[37] HIRSCH, Hans Joachim. “Sobre el injusto del delito imprudente” en Revista de direito Penal e Criminología de a UNED nº 16. Madrid: UNED, 2005, p. 210.
[38] Neste sentido VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., pp. 109-110. As críticas vieram especialmente de outros finalistas como Niese, en NIESE, Werner. Finalität, Vorzatz und Fahrlässigkeit. Tübingen: J.C.B. Mohr, 1951 e em NIESE, Werner. „Die Finale Handlung und ihre praktische Bedeutung“ in Deutsche Richterzeitung, Berlin: Karl Heynemanns Verlag, 1952, p. 222 ou Busch em BUSCH, Richard. Modernas transformaciones en la teoría del delito. Trad. de Vicente Castellano, Bogotá: Temis, 1969.
[39] WELZEL, Hans. “La posizione dogmatica della teoria della azione”, en Rivista Italiana de Diritto Penale, Ano IV, nº 12. Milano: Giuffrè 1951, pp. 1-6.
[40] Trata-se de WELZEL, Hans. Das neue Bild des Strafrechtssystems. Göttingen: Otto Schwartz, 1952.
[41] A partir da edição do ano de 1954.
[42] A expressão é de Juarez Tavares in TAVARES, Juarez. Direito penal da Negligência…cit., p. 35.
[43] WELZEL, Hans. “Zur Dogmatik im Strafrechtssystem”, en Festschrift für Reinhard Maurach. Karlsruhe: C.F. Müller, 1972, p. 8.
[44] Welzel oferece o exemplo da enfermeira que, ao injetar, sem sabê-lo, uma medicina letal no paciente, lhe provoca a morte. Não comete, por certo uma ação final de homicídio, mas sim uma ação final de injetar. WELZEL, Hans. Derechopenal alemán…cit., p. 43.
[45] WELZEL, Hans. Derechopenal alemán. Parte general…cit., p. 2.
[46] TAVARES, Juarez. Direito penal da Negligência…cit., p. 37.
[47] KAUFMANN, Arthur. “Die ontologische Struktur der Handlung”, em Schuld und Strafe, 2a ed. Köln: Carl Heymanns, 1983, p. 11 e ss., p. 26.
[48] STRATENWERTH, Günther. Derecho penal. Parte General I. El hecho punible. Trad. de Manuel Cancio Meliá e Marcelo Sancinetti. Madrid: Thompson-Civitas, 2005, pp. 105-106.
[49] Stratenwerth justifica o assim proceder ao afirmar que “se, no conceito final de ação está em jogo decisivamente a pergunta relativa a que cursos do acontecer são domináveis e, por isso, únicos objetos possíveis de regulamentação penal, impõe-se fazer outra distinção fundamental, segundo o que o autor tenha dominado realmente o acontecer, o tenha conduzido conscientemente a um fim, ou que somente tivesse podido dominá-lo. Então, p. ex., a morte «querida» e a «não querida» de um homem têm que corresponder, de antemão, a distintas formas básicas do fato punível, isto sucede por meio da separação entre o delito doloso e o imprudente”. STRATENWERTH, Günther. Derecho penal. Parte General I…cit., p. 105.
[50] Veja-se os comentários críticos de Gimbernat em GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. Estudios de Derecho penal. 3ª ed., Madrid: Tecnos, 1990, p. 170 e de Jiménez de Asúa en JIMÉNEZ DE ASÚA, Luís. Tratado de Derecho Penal, vol. III. 3ª ed., Buenos Aires: Losada, 1965, pp. 372-373 e 377-378.
[51] CEREZO MIR, José. Curso de Derecho penal español. Parte General II, Teoría del Delito 1. 5.ed., Madrid: Editorial Tecnos, 1997, p. 33-34.
[52] STRATENWERTH, Günter. Derecho Penal, parte general, I…cit., pp. 57-58.
[53] CEREZO MIR, José. Curso de Derecho penal español. Parte General II, Teoría del Delito 1…cit., p. 34.
[54] Então, Radbruch representava simplesmente uma voz isolada, tanto que seu mestro Von Liszt lhe propôs desafio, conforme relata Marinucci – en MARINUCCI, Giorgio. Eldelito como “acción”, crítica de un dogma. Trad. de José Eduardo Sáinz-Cantero Caparrós, Madrid: Marcial Pons, 1998, p. 99-100 – : “Quando Radbruch anteviu a primeira divisão do sistema em duas partes puramente distintas – o ilícito comissivo e o ilícito omissivo – , seu mestre e “fundador” da dogmática penal moderna, Franz von Liszt, fiel à sua insuperável têmpera de didático, o desafiou a «escrever com esta sua idéia um manual». Radbruch não aceitou o desafio, se bem que fez algo mais e bem diferente de escrever um manual de tal gênero: firmou suas bases sistemáticas e metodológicas, […]. o desafio recusado por Radbruch foi aceito por muitos prestigiados dogmáticos contemporáneos; os mais recentes manuais e comentários alemães se sistematizam, precisamente, sobre uma pura divisão entre ilícito comissivo e ilícito omissivo”.
[55] “Pois da mesma maneira que não se pode colocar sob um conceito superior posição e negação, a e não-a, tampouco é lícito forçar sob um conceito a ação e a omissão, chame-se ação em sentido amplo, conduta humana ou como se queira”. RADBRUCH, Gustav. Der Handlungsbegriff in seiner Bedeutung für das Strafrechtssystem. Darmstadt: Wissenchftliche Buchgeselschaft, 1904, reimp. de 1967, p. 140-141.
[56] Em RADBRUCH, Gustav. “Zur Systematik der Verbrechenslehre” en Festgabe für Reinhard von Frank, t. I. Tubingen: J.C.B. Mohr, 1930, reimp. de 1969, p. 154 e ss.
[57] RADBRUCH, Gustav. “Zur Systematik der Verbrechenslehre”…cit., p. 68 e ss e 72.
[58] O tema está tratado em RADBRUCH, Gustav. “Über den Schuldbegriff” en Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft, nº 24. Berlin: I. Guttentag Verlagsbuchhandlung, 1904, pp. 344 e ss.
[59] Nesse sentido BUSTOS RAMIREZ, Juan. Manual de Derecho penal español,parte general. Barcelona: Editorial Ariel S.A.,1984, p. 163.
[60] Em sua primeira concepção Engisch entende que a ação é “a produção de conseqüências intencionáveis por um ato voluntário”. A expressão “intencionáveis” se traduz na idéia de busca intencional de um objetivo, onde as conseqüências sejam objetivamente previsíveis, ou seja, independentemente do que o agente efetivamente pretenda, seja a ação adequada objetivamente para que quem quer que seja produza o resultado. Entende que para que haja ação, deve existir «pretendibilidade objetiva» (objektive Bezweckbarkeit). Com isso não se afasta muito do conceito causal nem do finalista. ENGISCH, Karl. “Der finale Handlungsbegriff”, en Probleme der Strafrechtserneuerung, Festschrift für Edouard Kohlrausch. Berlin: Walter de Gruyter, 1944, p. 161. Mais tarde, ao conceder sua adesão à teoria social da ação, Engisch passa a considerar a ação como “voluntaria realização de conseqüências previsíveis e socialmente relevantes”, conforme refere em ENGISCH, Karl. Vom Weltbild des Juristen. Heidelberg: Carl Winter Universitätsverlag, 1965, p. 38 e ss.
[61] Maihofer, por seu lado, se apoia tão somente na idéia de relevância social depois de definir ação como “todo comportamento objetivamente dominável, dirigido a um resultado social objetivamente previsível”. Em MAIHOFER, Werner. Der Handlungsbegriff im Verbrechenssystem, Tübingen: J.C.B. Mohr, 1953, p. 72.
[62] Cf. LUZÓN PEÑA, Diego-Manuel. Derecho penal Parte General I. Madrid: Editorial Universitas S.A., 1996,  p. 256.
[63] Refiérome a ENGISH, Karl. Untersuchungen über Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht. Berlin: Otto Liebmann, 1930.
[64] Para detalhes sobre a influência do trabalho de Engish na doutrina, veja-se os comentários em FEIJÓO, Bernardo. Resultado lesivo e imprudencia…cit., pp. 51-68.
[65] SCHMIDT, Eberhart. “Soziale Handlungslehre”, enFestschrift für Karl Engish. Frankfurt: Vittorio Klostermann, 1969, p. 339.
[66] WESSELS, Johannes. Derecho penal parte general, Trad. de Conrado A. Finzi, Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1980,  p. 20.
[67] WESSELS, Johannes. Derecho penal parte general…cit.,  p. 25.
[68] WESSELS, Johannes. Derecho penal parte general…cit.,  p. 25.
[69] WESSELS, Johannes. Derechopenal parte general…cit.,  p. 29.
[70] JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho penalparte general. 4ª ed., trad. de José Luis Manzanares Samaniego, Granada: Comares, 1993, p. 201. Convém destacar, entretanto, que ele próprio já em JESCHECK, Hans-Heinrich. Lehrbuch des Strafrechts. Berlin: Duncker & Humblot, 1969, p. 149 admitiu duas distintas possibilidades de contrução de uma teoria do delito: uma a partir da ação e outra a partir diretamente da tipicidade.
[71] JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho penalparte general. 4ª ed. …cit., p. 201.
[72] JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho penalparte general. 4ª ed. …cit., p. 201.
[73] “[…] a categoria ontológica fundamental do comportamento humano ativo é a finalidade, pois a faculdade de dirigir os cursos causais determina a específica posição do homem na natureza”. JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho penalparte general. 4ª ed. …cit., p. 200.
[74] “Em consideração à dirigibilidade do evento, a omissão é igualmente uma categoria ontológica, pois através do componente da expectativa se acrescenta um juízo de valor”. JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho penalparte general. 4ª ed. …cit., p. 200.
[75] JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho penalparte general. 4ª ed. …cit., p. 201.
[76] JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho penalparte general. 4ª ed. …cit., p. 201.
[77] Nesse sentido WESSELS, Johannes. Derecho penal parte general…cit.,  pp. 23-24.
[78] JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho penalparte general. 4ª ed. …cit., p. 201-202.
[79] Para Jescheck e Weigand, “atua imprudentemente quem sem querer realiza o tipo de uma lei penal em conseqüência da infração de um dever de cuidado e, contrariamente a sua obrigação, ou não se dá conta disso, ou o crê possível, mas não confia em que o resultado não tenha lugar”. JESCHECK, Hans-Heinrich e WEIGAND, Thomas. Tratado de Derecho penalparte general. 5ª ed., trad. de Miguel Olmedo Cardenete, Granada: Comares, 2002, p. 606.
[80] Neste sentido concorre a lição de ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Tomo I. Trad. de Diego-Manuel Luzón-Peña, Miguel Díaz e García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Madrid: Civitas, 1997, p. 245.
[81] ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de Direito penal. 3a ed., tradução de Ana Paula dos Santos Luís Natscheradetz, Lisboa: Ed. Vega, 1998, p. 108.
[82] GALLAS, Wilhelm. Lateoría del delito en su momento actual. Trad. de Juan Córdoba Roda, Barcelona: Bosch, 1959, p. 16.
[83] Schünemann sublinha que “o conceito de ação do finalismo, referido ao modelo ideal de conduta humana, não pode, em absoluto, ser acolhido como conceito fundamental do sistema de direito penal”. e justifica tal crítica acrescentando que “também as «formas problemáticas» da ação humana poderiam, segundo circunstâncias, ser relevantes para o direito penal”. Por isso, propõe que “a ação, como movimento corporal susceptível de ser dominado pelo autor individual, representa um conceito totalmente desnormativizado e subordinado ao injusto”, deslocando a ação para uma posição de segundo nível na teoria do delito. SCHÜNEMANN, Bernd. “Introdução ao raciocínio sistemático em direito penal”, no Sistema moderno del Derecho penal: Cuestiones fundamentales. comp. dir. por Bernd Schünemann, Madrid: Tecnos, 1984, p. 59.
[84] Propõe Bustos que ao ser o bem jurídico a fonte de referência para o Direito penal, é também este conceito o ponto de referência para determinar o conceito de ação típica. Ele começa por afirmar que “é o bem jurídico o fundamento desde o qual é possível determinar que ações podem ser atribuídas a um tipo legal determinado e quais ficam fora de consideração para o Direito penal, em outras palavras, a ação, por si, não diz absolutamente nada ao Direito penal, é o bem jurídico que permite que uma determinada ação apareça como relevante para o Direito penal”. A partir desta consideração, onde evidencia uma preocupação com o que efetivamente é a busca do Direito penal, inclina-se por uma opção mais segura, de cunho normativo afirmando que o «comportamento» só interessa ao Direito penal na medida em que, em relação ao bem jurídico, possa ser conectado a um determinado tipo penal. E daí conclui que o tipo é que constitui o «conceito fundamental e vinculante» para o Direito penal. Para Bustos “o primeiro elemento do injusto não é a ação, mas a tipicidade, conceito que engloba uma determinada ação”. BUSTOS RAMIREZ, Juan. Manual de direito penal español…cit., p. 175.
[85] Figueiredo Dias rechaça o valor prioritário do conceito de ação tal como foi por algum tempo situado no sistema e entende que os conceitos de ação apresentados até hoje “não são suficientes para compreender todas as formas de aparição do fato penal (doloso e imprudente, ativo ou omissivo)”. Ademais, sustenta que não é possível “conservar o conceito de ação como préexistente e com natureza própria e independente do tipo, sem posteriormente predeterminar as categorias do sistema”. Para o professor português, “é imprescindível proporcionar ao conceito geral de ação um papel de segundo nível no sistema: exclusivamente a função negativa (ou uma «função delimitadora», para falar como JAKOBS) que exclua da construção do sistema as formas de conduta que ab-initio são penalmente irrelevantes” Em DIAS, Jorge de Figueiredo. “Resultados y problemas en la construcción de un sistema de Derecho penal funcional y «racionalmente» final” inFundamentos de un sistema europeo de Derecho penal, Libro homenaje a Claus Roxin. Coordenado por J.M. Silva Sánchez, B. Schünemann e J. de Figueiredo Dias, Barcelona: José María Bosch Editor S.A., 1995, p. 450.
[86] QUINTERO OLIVARES, Gonzalo. Parte General del Derecho penal…cit., p. 342.
[87] Mir Puig há muito (ao menos claramente desde MIR PUIG, Santiago. ElDerecho penal en el Estado social y democrático de Derecho. Barcelona: Ariel Editora, S.A., 1994, p. 55-56) sostiene que o estudio do delito debe empezar ya por a antijuridicidad, quedando o comportamiento humano e a tipicidade como requisitos da antijuridicidade. Para ele “a categoria dogmática da ação não pode considerar-se, pois, precedente à da antijuridicidade, mas precisamente o primeiro  presuposto (geral) desta”. Sustenta que a antijuridicidade e a culpabilidade seguem sendo os dois únicos pilares de sustentação da noção de delito.  Entende que o fato de que “em nosso Direito penal o delito deva ser obra de um ser humano, não se deve a razões ontológicas nem à natureza das coisas, mas a uma decisão do direito positivo.” Os tipos penais são considerados “a porta de entrada do Direito penal”. É uma posição claramente derivada de uma pretensão utilitarista pois o próprio Mir Puig refere que “seria uma perda de tempo começar examinando se concorre alguma causa de exclusão do comportamento humano a respeito de um fato evidentemente atípico, como passear pela rua”. Porém, não se prescinde completamente da ação, mas apenas o comportamento humano passa a ser considerado um “requisito geral dos tipos penais” e como tal, da antijuridicidade. Ação passa a ser «comportamento do homem externo e final». Fala de «comportamento» em lugar de «ação», pois entende que assim pode tratar de algo que não depende do movimento físico, mas de significado social, e adota a finalidade no sentido do finalismo, mas já não tem problemas com isto nos casos imprudentes, pois estes não se baseiam na finalidade e sim no “momento normativo da infração de uma norma de cuidado”, e já não fala de «ação imprudente», ou «ação dolosa» mas de «tipo imprudente» ou «tipo doloso»”. Destaca, ainda, o fato de que o “comportamento” que interessa ao Direito penal “não pode ser obtido apenas da contemplação da realidade”, mas “depende das exigências do direito penal”. Assim se afasta de construções ontológicas e propõe que o estudo da ação “só pode efetuar-se a partir do prisma do direito penal”, e assim carecem de importância os fatos que não podem ser desvalorados como penalmente antijurídicos. Destaca ainda, finalmente, como crítica às formulações causais e finalistas, que do conceito de ação não pode derivar nenhuma estrutura jurídica do delito, mas exatamente pelo contrário, ou seja, a definição da ação que interessa ao direito penal passa pelas exigências do injusto. MIR PUIG, Santiago. Derecho penal. Parte General…cit., pp. 154 e ss. Em sentido similar, de oferecer subcategorias na organização delitiva, subordinando a ação ao injusto, veja-se a proposta de Silva Sánchez em SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Aproximacción al Derecho penal contemporáneo. Barcelona: Bosch, 1992.
[88] CORCOY BIDASOLO, Mirentxu. Eldelito imprudente. Critérios de imputacción del resultado. Barcelona: PPU, 1989, pp. 60-61. Reconhecendo também que a normativização gerou um volume inabarcável de posições doutrinárias HIRSCH, Hans Joachim. “Sobre el injusto del delito imprudente”cit., p. 209.
[89] TAVARES, Juarez. Direito penal da Negligência…cit., p. 77.
[90] “Quicá a evolução mais exitosa na teoría geral do delito dos últimos vinte anos seja a teoria da imputação objetiva. […] a teoria da imputação objetiva alcançou tanto na Alemanha como na Espanha um rápido e generalizado reconhecimento, a ponto de que na atualidade se pode pensar que chegou ao cômodo status de “doutrina dominante”. CANCIO MELIÁ, Manuel. “¿Crisis del lado subjetivo del hecho?”, inDogmática y ley penal. Libro homenaje a Enrique Bacigalupo (coord. por José Miguel Zugaldía Espinar, Jacobo López Barja de Quiroga), Vol. 1, Madrid: Marcial Pons, 2004, p. 62.
[91] Veja-se a respeito disso  BECK, Ulrich. a Sociedad do Riesgo. Trad. de Jorge Navarro, Daniel Jiménez e Maria Rosa Borrás, Barcelona: Paidós, 1998.
[92] Comenta Feijóo que “nem toda ação da que seja objetivamente previsível que derive um resultado delitivo supõe uma fração de cuidado objetivamente devido se é que se quer que o direito possibilite os contatos sociais. Nas modernas sociedades industrializadas não resulta razoável proibir toda ação que implique uma certa probabilidade ou possibilidade de lesão. Do contrário teria que ser omitida toda ação na esfera social”. FEIJÓO, Bernardo. Resultado lesivo e imprudencia…cit., pp. 89-90. Por isso, obviamente, há limites de tolerância do risco com os quais convivemos todos os dias em nossas relações sociais normais.
[93] Veja-se, a respeito das diferenças entre os dois sistemas a análise do próprio Roxin en ROXIN, Claus. Laevolucción de la Política criminal, el Derecho penal y el Proceso penal. Trad. Carmen Gómez Rivero e  María do Carmen García Cantizano, Valencia: Tirant lo Blanch, 2000, pp. 44-55.
[94] Veja-se ROXIN, Claus. Política Criminal y Sistema de Derecho penal. Trad. de Francisco Muñoz Conde. Buenos Aires: 2000, p. 71, cujo original, Kriminalpolitik und Strafrechtssystem é de 13 de maio de 1970, uma conferência na Academia de Ciências de Berlim.
[95] “A redução tradicional do tipo a uma causalidade entendida no sentido da teoria da equivalência criou – desde o princípio – uma ampla margem de responsabilidade, que tampouco pode ser reduzida em uma medida compatível com o Estado de direito pelas características da previsibilidade e da evitabilidade. Abstratamente previsível e evitável o é, com efeito, quase tudo”. ROXIN, Claus. Política Criminal y Sistema de Derecho penal…cit., p. 71.
[96] Neste ponto de seu estudo, Roxin comenta as distintas explicações que a doutrina deu, dizendo que enquanto Schröeder, exige «uma causalidade entre a lesão do dever e o resultado», Lange afirma que tal causalidade só existe se é certo que com a conduta conforme o direito não se produziria o resultado; Lampe fala da necessidade de um «nexo causal lógico» entre a imprudência e o resultado; Mezger propôs ser necessário saber se a causa é também importante como tal juridicamente; Welzel falaba de uma «lesão de cuidado», sendo que se o resultado se produzisse mesmo que diante da atitude cuidadosa do autor, não estaria presente tal requisito; e Exner defendia que o resultado só é «evitável» a ponto de gerar una responsabilidade por imprudência, se tivesse sido evitado com uma conduta conforme ao dever. Veja-se ROXIN, Claus. “Infracção del deber y resultado en los delitos imprudentes” en Problemas Básicos del Derecho penal. Trad. de Diego-Manuel Luzón Peña. Madrid: Reus S.A., 1976, pp. 156-158.
[97] ROXIN, Claus. “Infracción del deber y resultado en los delitos imprudentes” …cit., pp. 159-160.
[98] ROXIN, Claus. “Infracción del deber y resultado en los delitos imprudentes” …cit., p. 160.
[99] ROXIN, Claus. “Infracción del deber y resultado en los delitos imprudentes” …cit., pp. 167-168.
[100] Entre eles é possível citar Jescheck, Stratenwerth, Maurach, Rudolphi, Shaffstein e Otto. Entre os espanhóis, Bacigalupo, Larrauri Pijoán e Octavio de Toledo/Huerta.
[101] Veja-se, por ex., HIRSCH, Hans Joachim. “Sobre el injusto del delito imprudente”…cit., pp. 211 e ss.
[102] “Quando se pergunta pelos elementos de conteúdo do comportamento culposo […] Na primeira linha, se assinala a «lesão do dever de cuidado». Junto a ela se encontra a «previsibilidade», a «reconoscibilidade» e a «evitabilidade» do resultado, como presupostos do comportamento culposo. Ademais se inclui a teoria da imputação objetiva para a delimitação da responsabilidade culposa. […] É correto que o tipo dos delitos culposos, uma vez que não contém uma descrição adicional do comportamento, se cumpra exclusivamente pela teoria da imputação objetiva: um resultado, que é imputado objetivamente ao tipo, está causado culposamente, sem que se requeira otros critérios para isto”. ROXIN, Claus. “Sobre la culpa en Derecho penal”, in Política criminal y estructura del delito. Elementos del delito en base a la política criminal. Trad. de Juan Bustos Ramírez e Hernán Hormazábal Malarée. Barcelona: PPU, 1992, pp. 91-92.
[103] ROXIN, Claus. “Sobre la culpa en Derecho penal”…cit., p. 92.
[104] ROXIN, Claus. “Sobre la culpa en Derecho penal”…cit., p. 93.
[105] As questões da previsibilidade, cognoscibilidade, advertibilidade ou evitabilidade, que em certa medida, dão o tom subjetivo ao tipo imprudente na doutrina em geral são desprezadas por Roxin, ao menos no que é a chamada culpa inconsciente. Para ele, o tipo imprudente tem tão somente elementos objetivos e normativos. Como exceção, admite, na imprudência consciente, a presença de elementos tais como a representação do sujeito a respeito das circunstâncias do fato e a confiança na não superveniência do resultado, que são elementos do tipo subjetivo ROXIN, Claus. DerechoPenal. Parte General. Tomo I…cit., pp. 1019-1021. Para estes casos pensa que “a solução correta é uma solução intermediária que se oriente conforme às idéias básicas da teoria da imputação. Segundo elas, o sujeito deve representar uma possibilidade qualificada, ou seja, um perigo que será juridicamente relevante e que rebaixe o risco permitido”.
[106] ROXIN, Claus. “Sobre la culpa en Derecho penal”…cit., p. 93. No mesmo sentido, em ROXIN, Claus. DerechoPenal. Parte General. Tomo I…cit., p. 999.
[107] ROXIN, Claus. DerechoPenal. Parte General. Tomo I…cit., pp. 373-403.
[108] ROXIN, Claus. DerechoPenal. Parte General. Tomo I…cit., pp. 1013-1014.
[109] ROXIN, Claus. DerechoPenal. Parte General. Tomo I…cit., pp. 1014-1015.
[110] ROXIN, Claus. DerechoPenal. Parte General. Tomo I…cit., p. 1015.
[111] ROXIN, Claus. DerechoPenal. Parte General. Tomo I…cit., p. 1015.
[112] Está claro que já aqui seria possível impor a Jakobs a oposição geral que se faz à pretensão da proposta do do próprio Luhmann, a falha vital da teoria dos sistemas: sua aplicação a ela misma. O explica sinteticamente Vives: “a pretensão de Luhmann não é explicar o significado de um sistema normativo determinado, mas propor uma fórmula aplicável ao esclarecimento da estrutura de qualquer coisa, incluído o significado das palavras. Luhmann fica assim, preso por sua própria pretensão. Pois, como o conhecimento (a ciência) é também um sistema autopoiético, a teoria dos sistemas «deve aplicar a si mesma seus próprios descobrimentos» e «entraria em contradição consigo mesma se pretendesse para si uma posição excepcional, com um acesso privilegiado à realidade externa”. VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., pp. 451.
[113] JAKOBS, Günther. Derechopenal. Parte General. Fundamentos y teoría de la imputación. 2ª Ed.,trad. Joaquín Cuello Contreras e José Luís Serrano González de Murillo, Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 168.
[114] JAKOBS, Günther. Derechopenal. Parte General…cit.,  p. 169. Evidentemente este é o ponto mais criticável de tal teoria, na medida em que centraliza a organização do sistema ao redor da função da norma, despreza completamente o componente humano, razão última de existência do próprio direito.
[115] JAKOBS, Günther. Derechopenal. Parte General…cit.,  p. 169.
[116] JAKOBS, Günther. Derechopenal. Parte General…cit.,  p. 168.
[117] JAKOBS, Günther. “El concepto jurídico penal de acción”, en Estudios de DerechoPenal. trad. Enrique Peranda Ramos, Carlos J. Suárez Gonzáles e Manuel Cancio Meliá. Civitas: UAM Editores, 1997, p. 111.
[118] JAKOBS, Günther. “El concepto jurídico penal de acción” …cit., p. 111.
[119] JAKOBS, Günther. “El concepto jurídico penal de acción” …cit., p. 111.
[120] JAKOBS, Günther. “El concepto jurídico penal de acción” …cit., p. 111.
[121] JAKOBS, Günther. “El concepto jurídico penal de acción” …cit., p. 111.
[122] JAKOBS, Günther. “El concepto jurídico penal de acción” …cit., p. 111.
[123] JAKOBS, Günther. Derechopenal. Parte General…cit., pp 174-175.
[124] JAKOBS, Günther. Derechopenal. Parte General…cit., p. 166.
[125] JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General…cit., p. 166.
[126] Vê-se pelo título do item 9: “Particularidades da realização do tipo mediante ação, 3ª parte: o tipo subjetivo como imprudência e como combinação dolo-imprudência”. JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General…cit., p. 378.
[127] “A imprudência é um dos casos em que não corresponde a representação e a realidade, ou seja, um caso de erro, se é que não se trata melhor de um caso de cegueira ante os fatos […] Em contraposição ao erro na tentativa, no qual o autor imagina uma realização do tipo que não se produz, o autor na imprudência erra ao não perceber a realização do tipo que vai ter lugar”. JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General…cit., pp. 380-381.
[128] JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General…cit., p. 381.
[129] Para Jakobs “uma ação imprudente não constitui injusto porque seja cognoscível a realização do tipo (o conhecimento só transforma a imprudência em dolo), mas porque uma realização do tipo cognoscível é evitável”. JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General…cit., p. 381. Roxin não está de acordo com tal solução, qualificando-a de «extremamente duvidosa», já que a regra geral dos delitos de omissão é que «só é possível imputar uma omissão se a realização da ação requerida tivesse impedido o resultado com uma probabilidade próxima de segurança». ROXIN, Claus. “Infracción del deber y resultado en los delitos imprudentes” …cit., p. 151.
[130] Veja-se KAUFMANN, Arthur. “Die Bedeutung hypothetischer Erfolgsursachen im Strafrecht” in Festschrift für Eberhard Schmidtzum 70 Geburtstag. Gottingen: Vandenhoeck, 1961, p. 213.
[131] Veja-se, como exemplo, o comentário de Roxin em ROXIN, Claus. “Infracción del deber y resultado en los delitos imprudentes” …cit., pp. 149-153, sobre as distintas soluções que adoptaram Mezger, Eberhard Schmidt, Schröeder, Spendel e Arthur Kaufmann a respeito de casos clássicos trabalhados pelos Tribunais alemâes, relacionados com a discussão sobre se os delitos imprudentes deven ser interpretados como comissão ou omissão, propondo critérios como o do «sentido social da ação» ou do «centro de gravidade da responsabilidade».
[132] ROXIN, Claus. “Infracción del deber y resultado en los delitos imprudentes” …cit., p. 155.
[133] JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General…cit., p. 382.
[134] JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General. …cit., p. 382.
[135] JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General…cit., p. 382.
[136] JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General…cit., p. 382.
[137] Roxin, ao propor que a imprudência se baseia simplesmente no tipo objetivo que, a rigor, está contido de modo igual no dolo, também estabelece uma relação de consunção entre o modelo imprudente e o doloso da imputação.
[138] “Definitivamente, a imprudência é, pois, aquela forma da evitabilidade na qual falta o conhecimento atual do que se deve evitar. Esta cartacterização negativa não serve para a delimitação a respeito do dolo; a evitabilidade mesma existe sem consideração da existencia ou falta de conhecimento devido só à cognoscibilidade. Por isso, a imprudência, frente ao dolo, é com seus elementos positivos, o conceito mais geral […]. Tanto o dolo como a imprudência são formas da evitabilidade; ambos estão determinados pela cognoscibilidade da realização do tipo; no dolo, a cognoscibilidade evolui a conhecimento, na imprudência, não. Se no processo não se logra demonstrar o conhecimento, mas sim a cognoscibilidade, será preciso condenar por imprudência, já que a falta de conhecimento na imprudência não é um elemento sustancial, mas apenas delimitador”. JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General…cit., p. 382.
[139] “Esta individualização corresponde também à função do Direito penal, que não garante a expectativa de que todos os homens estejam capacitados por igual, mas somente a expectativa de motivação fiel ao Direito”. JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General…cit., p. 389.
[140] “Assim, o injusto depende das capacidades do autor respectivo para evitar a ação porque seus efeitos irão  realizar um tipo”. JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General…cit., pp. 388-389.
[141] JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General…cit., p. 388.
[142] “Ao injusto de imprudência (e não só à culpabilidade) pertence a previsibilidade subjetiva”. JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General…cit., p. 388.
[143] “Dentro da exigibilidade plena ou parcial há uma região de estreitos contornos reservada ao comportamento imprudente. Trata-se de casos nos quais o autor imprudente, para evitar o comportamento antijurídico, deve realizar algo que o autor doloso sempre já realizou: a identificação dos elementos do comportamento, se for o caso, incluídas suas conseqüências. Nestes casos, cabe que o autor possa remeter-se a que não alcançou tal identificação devido a um bloqueio de sua motivação, enquanto que a não evitação do comportamento, tendo realizado a identificação  (ou seja, mediando dolo), sería imperdoável. Trata-se, pois, da virtualidade de transtornos da consciência, que só é possível na imprudência”. JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General…cit., p. 709.
[144] HABERMAS, Jürgen, Lalógica de las Ciencias Sociales. Madrid: Tecnos, 1988, pp. 309-419, especialmente 331-352.
[145] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del sistema penal…cit., pp. 185-187.
[146] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del sistema penal…cit., p. 449.
[147] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del sistema penal…cit., p. 448.
[148] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del sistema penal…cit., p. 448.
[149] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del sistema penal…cit., p. 447.
[150] MARTÍNEZ-BUJÁN PEREZ, Carlos. Derecho penal econômico y de la Empresa…cit., pp. 53-54.
[151] Véase SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Aproximacción al Derecho penal contemporáneo. Barcelona: Bosch, 1992, pp. 179 e ss.
[152] Sobre o âmbito da proteção da norma nos casos que aqui interessam, os de imprudência, Roxin discorre em ROXIN, Claus. “Sobre el fin de protección de la norma en los delitos imprudentes” in Problemas Básicos del Derecho penal. Trad. de Diego-Manuel Luzón Peña. Madrid: Reus S.A., 1976, pp. 181-199, estudando quatro grupos de casos: a provocação imprudente de casos de autocolocação em perigo, a colocação em perigo de terceiro aceita por este, os casos de danos supervenientes e os casos em que se produz um segundo dano. Conclui que todos estes casos deveriam ser enfrentados a partir de um princípio reitor que ele denomina «fim de proteção da norma», limitando, com ele, a responsabilidade por imprudência.
[153] Na Espanha, tão somente em obras gerais além do próprio livro de Vives Antón, onde ele oferece a base teórica de discussão (VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit.), há o novo manual de parte geral de Direito penal econômico de Martínez-Buján Pérez (MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa. Parte General. 2ª ed., Valencia: Tirant lo Blanch, 2007), o compêndio de Direito penal e o Manual de Parte Geral de González Cussac e Orts Berenguer (ORTS BERENGUER, Enrique e GONZÁLEZ CUSSAC, José Luis. Compendio de Derecho penal (parte general e parte especial). Valencia: Tirant lo Blanch, 2006 e GONZÁLEZ CUSSAC, José Luis, MATALLÍN EVANGELIO, Ángela, ORTS BERENGUER, Enrique e ROIG TORRES, Margarita. Tomo IV Derecho penal. Parte general. Valencia: Tirant lo Blanch, 2007) e como monografias, BUSATO, Paulo César. Derecho penal e acção significativa. Valencia: Tirant lo Blanch, 2007; RAMOS VÁZQUEZ, José Antonio. Concepção significativa de a acção e teoría jurídica do delito. Valencia: Tirant lo Blanch, 2008 e GÓRRIZ ROYO, Elena María. El concepto de autor en Derecho penal. Valencia: tirant lo Blanch, 2008. A parte, existem muitos artigos jurídicos tratando do tema, dos quaies é possível destacar MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. “La «concepção significativa de la acción» de T.S.Vives…cit. e BORJA JIMÉNEZ, Emiliano. “Algunas reflexiones sobre el objeto, el sistema y la función del Derecho penal”. In Homenaje al Dr. Marino Barbero Santos. Coord. Adán Nieto Martín, Cuenca: Ediciones de a Universidad de Castilla a Mancha e Ediciones Universidad Salamanca, 2001, MUÑOZ CONDE, Francisco. “The Act Requirement as a Basic Concept of Criminal Law” in Cardozo Law Review, vol. 28, nº 6, maio de 2007, e vários artigos contemplados no livro homenagem ao prof. Vives Antón (CARBONELL MATEU, Juan Carlos; GONZÁLEZ CUSSAC, José Luis; ORTS BERENGUER, Enrique (dirs.) CUERDA ARNAU, María Luisa (Coord.). Constitución, Derechos Fundamentales y sistema penal.
Semblanzas y estudios con motivo del setenta aniversario del profesor Tomás Salvador Vives Antón. Valencia: Tirant lo Blanch, 2009). No Brasil, veja-se BUSATO, Paulo César. Direito penal e ação significativa…cit. e MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. A concepção significativa da ação de T.S. Vives…cit.; BUSATO, Paulo César, DÍAZ PITA, María do Mar e MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Modernas tendências sobre o dolo em Direito penal…cit.. Sem adotar expressamente tal concepção, mas se aproximando muito dela, ainda no Brasil, veja-se TAVARES, Juarez. Direito penal da negligência…cit.. Com uma concepção de fundamentos coincidente com a de Vives Antón, nos Estados Unidos, veja-se FLETCHER, George Patrick. Rethinking Criminal Law. New York: Oxford, 2000; FLETCHER, George Patrick. The Grammar Of Criminal Law. New York: Oxford, 2007 e FLETCHER, George Patrick. Basic Concepts in Criminal Law. New York: Oxford, 1998, este último con tradução para o espanhol de Muñoz Conde, FLETCHER, George Patrick. Conceptos básicos del Derecho penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1997.
[154] MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derechopenal económico y de a empresa…cit. 30.
[155] O Wittgenstein de Investigações Filosóficas, que assume o caráter dinâmico da linguagem com base nos jogos de linguagem que põem em conexião distintos quadros ou formas de mundo.
[156] “Desde a persepctiva da função e legitimidade do Direito, a diferença primordial entre a teoría sistêmica de LUHMANN e  a teoria do discurso de HABERMAS reside em que, ao contrário da primeira, para a segunda a comunicação representa a base sobre a qual é possível lograr um acordo normativo que legitime a ordem social, em virtude do que cabe afirmar que a teoria de HABERMAS oferece (junto à de RAWLS) uma importante contribuição ao renascimento da teoria do contrato social (cfr. VALLESPÍN, 1995, pp. 48 ss.). Em outras palavras, para LUHMANN o direito possui um mero caráter instrumental, posto a serviço de uma determinada ordem política, em atenção à qual funciona como mecanismo redutor da complexidade social, ou seja, como um meio de organização social que estabiliza expectativas de conduta, substituindo a ação comunicativa por um sistema coercitivo de sinais e sensações; no marco desta tessitura a questão da legitimidade do direito se circunscreve à pura aceitação fática das decisões obrigatórias, com independência dos motivos concretos de seus destinatários para adequar-se à norma, dado que tão somente se exige uma conformidade ou adequação externa às normas institucionalizadas. Ao contrário, HABERMAS, ainda que compartilhe a explicação funcional do direito própria da teoria sistêmica, vai mais além e acrescenta um critério de fundamentação normativa do Direito, baseado em um conceito procedimental da racionalidade, que entronca com o Estado democrático de Direito, de tal maneira que só são legítimas aquelas normas que possam chegar a merecer o reconhecimento de seus destinatàrios como partícipes de um processo comunicativo orientado ao consenso que garante a expressão de uma vontade nacional: uma norma será justa e racionalmente válida (além de legal) se o procedimento normativo incorpora os casos da ética discursiva para a produção imparcial das normas que sejam expressivos de uma voluntas geral, isto é, de deliberação democrática. Desde esta perspectiva o Direito, concebido como instituição (como institucionalização do princípio de justiça imparcial) se constitui em marco legitimador da ordem política, cobrando singular destaque o direito constitucional e os princípios do direito penal e do direito processual penal. Enfim, cabe assegurar que nas últimas contribuições de HABERMAS é particularmente visível que o direito cumpre uma função de mediação ou de fundamento entre uma esfera sistêmica governada pelo poder e pelo dinheiro e um mundo da vida integrado normativamente, ou, o que é o mesmo, entre a faticidade da administração e a economia e a pretensão de validade normativa da moral”. MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa…cit. 32. Nesse sentido, expressamente refere Habermas: “Para obter critérios claros no tocante à distinção entre princípio democrático e o princípio moral, parto da circunstância de que a finalidade do princípio democrático é fixar um procedimento de produção legítima de normas jurídicas. […] só podem pretender validade legítima as normas que em um processo discursivo de produção de normas jurídicas, articulado por sua vez juridicamente, possam encontrar o assentimento de todos os membros da comunidade jurídica. Em outras palavras, o princípio democrático explica o sentido realizador da prática da autodeterminação dos membros de uma comunidade jurídica que se reconhecem uns a outros como membros livres e iguais de uma associação na qual entraram voluntariamente”.  HABERMAS, Jürgen. Facticidad y Validez. Madrid: Trotta, 1998, p. 175.
[157] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 205.
[158] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 205.
[159] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 205.
[160] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 205.
[161] Com a palavra “sentido”, ou “significado”, Vives pretende referir à teoria do significado como uso de expressões, que arranca do pensamento do primeiro Wittgenstein, do Tractatus, e se combina com a teoria dos jogos do linguagem, para cuja descrição mais detida remeto a VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., pp. 208-211.
[162] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 213.
[163] Vives o explica com uma analogia com a linguagem altamente esclarecedora: “para que haja linguagem é preciso que os sujeitos queiram dizer algo; mas, o significado do que dizem não depende do que queiram dizer com isso, mas do sentido que, de acordo com a «gramática» da língua em que se expressem, caiba atribuir a suas intenções”. VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 214.
[164] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 215
[165] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 216.
[166] No dizer de Vives, “a intenção se acha referida a regras, técnicas e práticas, e pressupõe, por conseguinte, uma competência – «quem deseja dizer algo tem também que ter aprendido a dominar uma linguagem» – só a partir desta competência, e das regras cujo domínio comporta, é possível estabelecer uma relação derivada – indireta – entre fins e movimentos corporais”. VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 218.
[167] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 218.
[168] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 218.
[169] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 219.
[170] Vives comenta, citando Fenichel: “[…] poderíamos estar de acordo que uma pessoa não pode prometer se não tem a intenção de prometer. […] Mas quem queria manter que algúem não pode ofender sem propor-se a ofender? Que uma pessoa não pode decepcionar sem ter a intenção de decepcionar? É possíveç ter a intenção de mentir com o fim de mentir, mas não é necessário propor-se a enganar para enganar. Com as ações ocorre como com os crimes em nosso sistema legal: algumas são contingentes a respeito da intenção relevante, enquanto que outras dependem das conseqüências objetivas”. VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., pp. 215-216.
[171] “A determinação do sentido […] não depende da intenção que pudesse ser atribuída ao sujeito pois o «ser-sobre-objetos» de sua ação – sua intencionalidade – não se constitui subjetivamente, mas de modo objetivo, em virtude das convenções – costumes, hábitos ou normas – que a definem”. VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 223. Sobre a crítica ao modelo welzelizano veja-se VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 222, especialmente nota 54.
[172]“A liberdade de ação constitui —como implicitamente se mostrou até agora— o ponto de união entre a doutrina da ação e a doutrina da norma: pois só se os movimentos corporais não se acham inteiramente regidos por leis causais, só se há uma margem de indeterminação que permita falar das ações como distintas dos fatos naturais, é possível pretender, por sua vez, que estas sejam regidas por normas. a análise das normas como algo distinto da investigação das leis da natureza só tem sentido desde a pressuposição da liberdade de ação, que se converte, assim, no pressuposto sobre o qual —necessariamente—, deve girar a sistemática”. VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 334. É importante deixar sentado aqui que a idéia de liberdade de ação de Vives no despreza as condicionantes humanas. Isto é importante, porque a partir das críticas deterministas de corte criminológico crítico, é possível chegar à descabida crítica de que a liberdade de ação como tal, não existe. Mas, a liberdade de ação à qual refere Vives é simplesmente aquela que permite identificar a ação como obra pessoal e não do acaso. Ou seja, uma possível proposta crítica de corte determinista, para afastar a idéia de liberdade de ação de Vives deveria partir de um absoluto determinismo na totalidade das atuações humanas, com o que o desprezível já não seria o mero conceito, mas a própria existência de um sistema de imputação de responsabilidade jurídico-penal ou inclusive um sistema jurídico enquanto tal. Assim, uma oposição desta natureza tem que partir da admissibildade de uma premissa não só abolicionista mas diretamente anarquista. a idéia de liberdade de ação aqui proposta, se refere à ação enquanto expressão de um sentido comunicativo, ou seja, enquanto forma de lenguagem, enquanto forma de transmissão de unm significado, onde a própria validade das regras utilizadas em sua interpretação determinam o contexto de liberdade. Com argumentos adicionais a estes na defesa do conceito de liberdade de ação em Vives, RAMOS VÁZQUEZ, José Antonio. Concepcción significativa de la acción y teoría jurídica del delito…cit., pp. 469 e ss.
[173] MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa…cit., p. 57.
[174] “Certamente, pode produzir rechace a idéia de que se castiga sobre a base de uma indesmostrável pressuposição de liberdade de vontade. Mas, castigar não é uma opção teórica, mas uma opção prática. Ou se presupõe que o homem é livre, e se lhe castiga pelas infrações das normas que livremente comete, ou se prosupõe que não o é, e então é necessário recorrer a esquemas causais (não normativos) para dirigir sua conduta. Por insatisfatório que pareça castigar sobre a base de uma pressuposição, mais insatisfatório resultaria governar a sociedade humana como se se tratasse de um mecanismo. O homem poderia então ser tratado como um puro fenômeno natural. Os poderes do Estado sobre o indivíduo não tropeçariam com o limite representado pela dignidade humana, que se baseia na idéia de que o indivíduo é um ser capaz de escolha, ‘legislador no reino dos fins’ para empregar a expressão kantiana. As garantias próprias do Estado de direito pareceriam desprovidas de sentido, e inclusive a própria idéia de Estado de direito seria absurda, pois em uma sociedade governada segundo a hipótese determinista não teria sequer porque existir Direito”. COBO do ROSAL, Manuel e VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. direito Penal. 5ª edição, Tirant lo Blanch: Valencia, 1999, pp. 542-543.
[175] MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derechopenal económico e de a empresa…cit., p. 39.
[176] COBO do ROSAL, Manuel e VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Derecho Penal…cit., p. 267.
[177] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 362; COBO do ROSAL, Manuel e VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Derecho Penal…cit., pp. 267 e ss e MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa…cit., p. 40-42.
[178] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 482.
[179] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., pp. 482-483.
[180] Cf. GÓRRIZ ROYO, Elena. Proyecto investigador y docente. Inédito, p. 379.
[181] Cf. MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa…cit., p. 384.
[182] Cf. MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa…cit., p. 339.
[183] Veja-se VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 222.
[184] Cf. ORTS BERENGUER, Enrique e GONZÁLEZ CUSSAC, José Luis. Compendio de Derecho penal…cit., p. 168.
[185] MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa…cit., p. 341.
[186] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 222, nota 54.
[187] Veja-se, mais detidamente sobre concepções do dolo BUSATO, Paulo César, DÍAZ PITA, María do Mar e MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Modernas tendências sobre o dolo em Direito penal…cit.. Expressando a idéia de uma simetria entre dolo e imprudência no modelo significativo veja-se MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. “La «concepción significativa de la acción» de T.S.Vives…cit., p. 1166 e o próprio Vives in VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 244.
[188] Nesse sentido, comenta Martínez-Buján Pérez que “a imprudência não pode ser reconduzida (como tampouco pode ser feito no dolo) à idéia de se houve ou não uma representação na mente do autor (algo que jamais poderemos saber), mas ao dado da gravidade da infração do dever de cuidado cometida pelo autor”. MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y da empresa…cit., p. 384.
[189] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 203.
[190] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 244.
[191] ORTS BERENGUER, Enrique e GONZÁLEZ CUSSAC, José Luis. Compendio de Derecho penal…cit., p. 168.
[192] Cf. MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa…cit.. véase p. 271 e ss.
[193] Segundo Martínez-Buján Pérez, nesta segunda etapa verifica-se “qual é o dever subjetivo exigível a um indivíduo determinado ante umas circunstâncias concretas, a cujo efeito será preciso confrontar seus conhecimentos, capacidades e demais circunstâncias pessoais com o caso concreto, para determinar se o resultado de sua conduta era previsívelMARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa. …cit., p.384. No mismo sentido, ORTS BERENGUER, Enrique e GONZÁLEZ CUSSAC, José Luis. Compendio de Derecho penal …cit., p. 169 e VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., p. 238.
[194] Nesse sentido o comentário de Orts e González Cussac: “o realmente decisivo é a análise do dever subjetivo exigível a um indivíduo determinado ante umas circunstâncias concretas. Portanto, o determinante para decidir se alguém infringiu o dever de cuidado é confrontar seus conhecimentos, capacidades e demais circunstâncias pessoais no caso examinado. Assim, pois, trata-se de un conceito”. ORTS BERENGUER, Enrique e GONZÁLEZ CUSSAC, José Luis. Compendio de Derecho penal…cit., p. 169.
[195] É de destacar que aqui se ultrapassa a discussão que costuma existir sobre se a previsibilidade individual se discute no âmbito do tipo ou da culpabilidade com uma terceira via situando o tema na pretensão de ilicitude que corresponderia – se cabe a comparação – à antijuridicidade das construções tradicionais, como segunda etapa de análise das pretensões normativas.
[196] ORTS BERENGUER, Enrique e GONZÁLEZ CUSSAC, José Luis. Compendio de Derecho penal…cit., p. 169. Disso deriva a conseqüente separação da tratativa do erro. Ou seja, o erro objetivamente invencível, ou seja, o erro que, por muito que todo o conhecimento disponível se fezesse presente, não resultaria possível superar, conduz à exclusão do tipo de ação, que sobrevive se o erro for objetivamente vencível. Em seguida, o erro subjetivamente invencível, pode afastar o sentido de uma intenção revelado no compromisso de vulneração do bem jurídico, o qual, se vencível, poderá gerar responsabilidade por imprudência. Con isto, resulta clara a adoção da teoria da culpabilidade na tratativa do erro.
[197] Precisamente o princpípio de culpabilidade em sentido estrito, ou seja, de responsabilidade penal subjetiva, especialmente diante de sua anunciada crise. Cf. CANCIO MELIÁ, Manuel. “¿Crisis del lado subjetivo del hecho?”…cit., pp. 57 e ss, especialmente p. 69.
[198] A oposição costuma partir dos finalistas que chegan, em certos casos, a relacionar a teoria da imputação objetiva com o versari in re illicita. Veja-se, por todos, MARINUCCI, Giorgio. “No hay dolo sin culpa” en Cuadernos de Política Criminal nº 46. Madrid: Edersa, 1992, pp. 117-149.
[199] MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa…cit., p. 385.
[200] MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa…cit., pp. 385-386.
[201] A identificação dos elementos cognitivo e volitivo do dolo no modelo significativo é assim explicada por Vives: “Para determinar se houve um compromisso (uma intenção) concreta v.g., de matar a outrem, teremos que examinar as regeas de índole (sociais e jurídicas) que definem sua ação como una ação de matar e colocá-las em relação com as competências do autor – com as técnicas que domina –. Deste modo […] poderemos determinar o que o autor sabia. […] o que o autor sabe, assim determinado, se une ao querer que também se expressa em uma ação. […] Nela se expressa um compromisso de atuar – uma intenção -. Entendendo o «elemento volitivo» do dolo […] normativamente, como un compromisso de atuar, se esclarece seu conceito […]. Assim, a «decisão contrária ao bem jurídico» não é senão aquela que materializa esse compromissocom a lesão que não se dá na culpa e que nos permite afirmar que quem atua com dolo eventual actua intencionalmente ou, o que dá no mesmo, que o dolo eventual é dolo. VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos…cit., pp. 237-238.
[202] MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa…cit., pp. 385-373.
[203] Por muito que pretendam o contrário os finalistas, como Hirsch (HIRSCH, Hans Joachim. “Sobre el injusto del delito imprudente”…cit., p. 224). E isso se deve não somente ao fato de que o direito é essencialmente uma gramática de atribuição de responsabilidade a posteriori, mas pela razão elementar de que ao intérprete a quem incumbe a atribuição resulta completamente obscuro o conhecimento seguro sobre o que é o que pensou aquele que cometeu o delito.
[204] No Código penal espanhol, a opção foi pela distinção entre imprudência grave e imprudência leve, que nada têm que ver com a imprudência consciente ou inconsciente. Assim “o que leva os Tribunais a decidir se uma conduta imprudente – que pode ser consciente ou inconsciente – é grave ou leve, depende exclusivamente da entidade que teve a violação da norma de cuidado e a potencialidade de dano que implicou a ação realizada”. QUINTERO OLIVARES, Gonzalo. Parte General del Derecho penal…cit., p. 351.
[205] “Em resumo, a velha clasificação entre culpa consciente e inconsciente perdeu hoje o caráter de questão fundamental, sem prejuízo de sua importãncia para a modulação da pena, como critério possível, ainda que não único, pois às vezes a inconsciência tornará o fato mais grave e outras vezes sucederá o contrário”. QUINTERO OLIVARES, Gonzalo. Parte General del Derecho penal…cit., p. 353.
[206] MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa…cit., p. 381.
[207] MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa…cit., p. 381.
[208] MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa…cit., p. 381.
[209] MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. direito penal económico e de a empresa…cit., p. 382.
[210] O Código Penal Brasileiro de 1985, prevê no artigo 18, parágrafo único: “Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fatoo previsto como delito, salvo se o realiza dolosamente”. No mesmo sentido a previsão do artigo 12 do Código Penal Espanhol,  de 1995, que diz: “as ações ou omissões imprudentes só serão castigadas quando expressamente o disponha a lei”. É interessante observar que a lei penal espanhola adota o vocábulo “imprudência” ao invés de “culpa”, em obediência à tendência dogmática. Segundo Quintero Olivares (QUINTERO OLIVARES, Gonzalo. Parte General del Derecho penal…cit., p. 339) o faz desde o Código de 1848, com o propósito de evitar confusões com o conceito civil. No Brasil, Juarez Cirino dos Santos em seu Manual refere que “o substantivo culpa e o adjetivo culposo são inadequados por distintas razões: primeiro, fazem confundir culpa, modalidade subjetiva do tipo, com culpabilidade, elemento do conceito de delito, exigindo a distinção complementar de culpa em sentido estrito e culpa em sentido amplo, o que é anticientífico; segundo, induz à perplexidade do cidadão comum, para quem o crime culposo soa mais grave que crime doloso, contribuindo para a falta de compreensão dos institutos jurídicos; terceiro, o substantivo imprudência e o adjetivo imprudente expressan a idéia de lesão do dever de cuidado ou do risco permitido com mas precisão que os correspondentes culpa e culposo; quarto, a dogmática alemã utiliza o termo Fahrlässigkeit, que significa negligência ou imprudência, e mesmo, na maior parte dos fatos que lesionam o dever de cuidado ou ultrapassam o risco permitido, no tráfego de veículos ou na indústria moderna, parece melhor definível como imprudência. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte Geral. Curitiba-Rio de Janeiro: ICPC-Lumen Juris, 2007, p. 165.
[211] ORTS BERENGUER, Enrique e GONZÁLEZ CUSSAC, José Luis. Compendio de Derecho penal…cit., p. 169.
[212] Um exemplo, no Código Penal de Brasil, é a discussão em torno do incêndio qualificado e sua modalidade imprudente.
[213] Nesse sentido, por exemplo, CARBONELL MATTEU, Juan Carlos e GONZÁLEZ CUSSAC, Jose Luiz. Comentarios al Código Penal de 1995 (Vives Antón coord.). Valencia: Tirant lo Blanch, 1996; MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho penal. Parte Especial. 16ª ed., Valencia: Tirant lo Blanch, 2007; TERRADILLOS BASOCO, Juan María. Delitos contra la vida y la salud de los trabajadores. Valencia: Tirant lo Blanch 2002.
[214] Assim, por exemplo, LASCURAIN SÁNCHEZ, Juan Antonio. “Delitos contra los derechos de los trabajadores” in Compendio de Derecho penal. Parte Especial, II. (Miguel Bajo – dir.). Madrid:  Ed. Centro de Estudios Ramón Areces S.A., 1998.
[215] Solução similar oferece Martínez-Buján en MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa. Parte Especial. 2ª ed., Valencia: Tirant lo Blanch, 2005, pp. 786-789.
[216] Veja-se HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”. inADCP, trad. de María do Mar Díaz Pita, Madrid: Centro de Publicaciones del Ministerio de Justicia, 1990.
[217] Nesse sentido a opinião de Martínez-Buján Pérez in, MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. “La «concepcción significativa de la acción» de T.S.Vives…cit., p. 1164.
[218] MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. “La «concepcción significativa de la acción» de T.S.Vives…cit., p. 1142.

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