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Conversão de uso das unidades dos condomínios: o novo art. 1.351 do Código Civil (com a redação dada pela Lei n. 14.405/22)

Caio Mário da Silva Pereira

Caio Mário da Silva Pereira

24/11/2023

O art. 1.351 estabelecia o seguinte: “Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos”. Porém, a Lei n. 14.405, de 12 de julho de 2022, alterou a redação da parte final do dispositivo, que passou a ter a redação a seguir: “Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção, bem como a mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária”. Houve, assim, redução do quórum legal, que passou a permitir a conversão de uso sem o voto unânime dos titulares de unidades imobiliárias, o que já levanta questionamentos sobre a inconsti­tucionalidade da atual regra, com fundamento no direito de propriedade do condômino contrário à modificação da destinação. A resposta demanda uma análise sistemática do Código Civil (arts. 1.343, 1.351 e 1.357) e da Lei n. 4.591/64 (art. 17).

A (in)constitucionalidade do art. 1.351 do Código Civil.

A alteração da redação do art. 1.351 foi justificada pela necessidade de viabilizar políticas públicas de ordena­ção da cidade, pelas quais normas municipais concedem estímulos a investimentos da iniciativa privada para a realização, em determinadas regiões, de obras de requalificação urbanística de edificações.116

O novo artigo tem o mérito de abrir as portas para a mudança de destinação de edifícios no contexto do direito urbanístico (CF, art. 24, I), permitindo aos condôminos sua adequação ao uso mais conveniente e econômico. Por exemplo, um edifício comer­cial com baixa ocupação por locatários e reduzida liquidez para vendas, poderá, a partir do novo dispositivo, ter sua destinação modificada, de modo a comportar unidades residenciais, otimizando seu uso e exploração econômica e cumprindo a função social da propriedade. O inverso também se verifica: um edifício residencial pode revelar sua aptidão para locações de curto prazo, ou para uso misto, com unidades não residenciais, e aqui a conversão do uso igualmente será benéfica.

O novo texto legal, porém, extrapolando o propósito revelado na justificação do projeto – isto é, definição de quórum qualificado especificamente para mudança de destinação de edificações por motivos urbanísticos ou arquitetônicos – fixa o quórum de 2/3 dos condôminos como regra geral para toda e qualquer hipótese de mudança de destinação e é omisso quanto ao tratamento legal a ser dado ao direito de propriedade dos condôminos dissidentes, podendo suscitar questionamentos sobre sua constitucionalidade.

Nenhum titular de unidade pode ser obrigado, contra sua vontade, ainda que por deliberação da assembleia, a converter o uso de sua própria unidade. Evidentemente, a nova regra não traz esse viés, que seria claramente inconstitucional. Por outro lado, se não é constitucional impor ao condômino a modificação da destinação da sua unidade, igualmente não se pode impedir que os demais condôminos, havendo consenso de ao menos 2/3 do condomínio, convertam o uso das suas. Os direitos de uns e de outros devem ser sopesados a fim de se chegar a uma solução que respeite a todos.

A sistemática das regras em vigor para o condomínio edilício parte do pressuposto de que a vida em coletividade requer, em maior ou menor medida, limitações funcionais ao direito de propriedade, que não é absoluto.

Como se sabe, “o condomínio edilício se caracteriza como situação proprietária peculiar na qual em regra o exercício dos direitos individuais de propriedade repercute sobre o interesse comum da coletividade condominial, a fixação do quórum majoritário para deliberar sobre requalificação urbanística atende à necessidade de fixação de parâ­metros capazes de viabilizar o equilíbrio entre o exercício do direito subjetivo de cada condômino e a funcionalidade do direito de propriedade”217.

E, efetivamente, há diversas hipóteses a demonstrar essa relativização, a exemplo das seguintes:

(i) todas as deliberações não unânimes da assembleia, se legalmente tomadas, obrigam aos condôminos que se ausentaram, que se abstiveram e mesmo aos que votaram contra, e nessa linha, o condômino discordante terá que conviver com um síndico que não desejava; terá que respeitar o horário de funcionamento de um edifício comercial; não poderá alu­gar sua loja para um restaurante se a convenção proibir; terá que pagar uma cota condominial cujo rateio lhe desagrada; terá que aceitar e pagar as obras necessárias, úteis ou voluptuárias aprovadas de acordo com os quóruns do art. 1.341 do Código Civil; e se submeterá a outras regras aprovadas pelos demais condôminos; e

(ii) o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar a locação de curto prazo via plataformas virtuais18 em prédios residenciais, considerou que essa mo­dalidade de fruição desnatura o uso residencial da unidade, condicio­nando sua legalidade à autorização do condomínio, ficando assentado que tal exploração do imóvel “repercute sobremaneira na vida de todos os condôminos, razão pela qual se mostra absolutamente lícito e legítimo que a composição dos interesses contrapostos dê-se por meio de deliberação assemblear, prevalecendo a vontade da maioria qualificada (2/3)”. Então, assim como a maioria qualificada de 2/3 pode restringir a fruição da unidade (leia-se, restringir o direito de propriedade), pode ela autorizar a conversão de uso de outras unidades, respeitada a destinação da uni­dade do titular discordante.

Trata-se, portanto, de interpretação sistemática do art. 1.351, e conforme a Cons­tituição.

Frise-se, ademais, que isto não significa que a maioria qualificada poderá, a partir de agora, deliberar a criação ou extinção de unidades autônomas, pois a regra do art. 1.343, que exige unanimidade para tanto, não foi alterada.

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1 A justificativa consta do Projeto de Lei do Senado nº 4.000/2021, assim exposta: “As últimas pesquisas no setor indicam que a demanda por espaços comerciais vem caindo ao longo dos anos e, consequentemente, gerando vacância em salas e edifícios com essa destinação. Esse cenário foi especialmente agravado pela pandemia de covid-19, à medida que o teletrabalho foi implementado e mantido, com êxito, por diversas empresas, escritórios e órgãos públicos. Diante disso, advém uma tendência à flexibilização, pelos municípios, de regras e posturas, visando à revitalização (retrofit) de imóveis comerciais e à sua conversão em imóveis de uso residencial, dado também o déficit habitacional no país, o trabalho remoto e as novas relações de trabalho advindas da tecnologia”.

2 CHALHUB, Melhim Namen. Incorporação Imobiliária. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 64.

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