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Pós-graduação: Mestrado, Doutorado, LLM, Ph.D., Pós-Doc… O que é tudo isso?
13/08/2020
Andre Vasconcelos Roque, Luiz Dellore, Jordão Violin e Thiago Rodovalho
Em todas as carreiras, a atualização é algo fundamental. Mas talvez no Direito isso seja ainda mais relevante, considerando as constantes mudanças legislativas e as inúmeras oscilações jurisprudenciais. Isso sem falar da enorme concorrência, agravada pelo número expressivo – e talvez excessivo – de faculdades de Direito no Brasil. Por isso, cursar uma pós-graduação é algo bastante comum em nossa área. Mas aí surge a dúvida: quais as diferenças entre as diversas pós-graduações existentes?
É o que buscamos responder neste texto, inclusive sob a perspectiva de estudar fora, tema ligado a esta série.
As diferenças entre as pós-graduações existentes
Pós no Brasil
No Brasil, podemos dividir a pós-graduação, em regra, em dois grandes grupos: especialização (pós lato sensu) e mestrado/doutorado (pós stricto sensu).[1]
O foco da pós lato sensu é mais profissional: o advogado se forma, vai atuar, por exemplo, na área de direito de família, e então sente a necessidade de aprofundar seus estudos nessa área da advocacia: fará uma especialização em direito civil (mais amplo) ou mesmo especificamente em direito de família.
Outro exemplo: a advogada militante, formada há diversos anos, diante da edição do novo CPC, sente a necessidade de se atualizar. Assim, irá fazer uma especialização em processo civil.
Do outro lado, para fins acadêmicos – ou seja, para aqueles que querem atuar nas universidades, como pesquisadores ou professores – existe a pós stricto sensu. Aqui, frise-se, o foco não é prático (melhorar a atuação na advocacia ou na magistratura), mas acadêmico (preparação para lecionar, pesquisar, preparar para a produção científica).[2] Neste grupo inserem-se o mestrado e doutorado acadêmicos.
Mas qual a diferença entre os dois? A profundidade.
Assim, uma dissertação de mestrado terá por finalidade uma pesquisa em que há a análise de um determinado tema, apresentando as diversas posições a respeito daquele assunto. Não há a exigência de uma proposição original, isto é, da criação de uma “tese”.[3]
Já no caso da tese de doutorado, a pesquisa, mais profunda, além de trazer a análise de um tema específico (expondo as várias visões acerca daquele assunto), precisa ir além: é necessário trazer uma contribuição original (que se consubstancia justamente na tese do candidato) para resolver um problema ou trazer uma nova visão acerca de um instituto.
Usualmente, o caminho que se trilha no Brasil é especialização, depois mestrado e enfim o doutorado. Mas nada impede que se faça o mestrado (sem a pós lato)[4] e, em alguns casos, há instituições que admitem o denominado doutorado direto (ou seja, sem possuir o título de mestre).[5] Tudo depende dos objetivos do aluno, da instituição onde se fará a pós stricto e, claro, do orientador.
Existe ainda, no Brasil, a possibilidade de um pós-doutorado, oferecido por poucas instituições (trataremos mais disso abaixo).[6]
Pós no exterior
O formato de mestrado e doutorado brasileiro foi inspirado no modelo europeu. Porém hoje, na Europa, em muitos países não mais existe essa distinção, havendo apenas o doutorado. Em modelo semelhante ao que temos aqui, tem-se a defesa de uma tese ao final para obtenção do título.
Bastante comum hoje no exterior é o LL.M. (Legum Magister ou Master of Law). Esse formato tem origem nos países de common law, é feito usualmente em um ou dois anos e, em regra, não depende da defesa de um trabalho final (dissertação ou tese). Os requisitos, todavia, podem variar de país para país e de instituição para instituição.
Houve um debate acerca de como o LL.M. seria recebido no Brasil. Atualmente, é possível obter a validação do LL.M. como especialização ou como mestrado, a depender da carga-horária e das exigências do LL.M, após procedimento burocrático junto ao Ministério da Educação.
Hoje, a forma mais popular de pós-graduação de brasileiros no exterior, na área do Direito, é o LL.M. Isso porque o formato tem se popularizado ao redor do mundo. A despeito de sua origem anglo-americana, é possível encontrar cursos de LL.M. ministrados em inglês, por exemplo, em universidades italianas, ao lado dos tradicionais cursos de mestrado (laurea magistrale) e doutorado (dottorato di ricerca).
De seu turno, o Ph.D. (Philosophiae Doctor) seria o mesmo que o doutorado. Assim, em alguns países, a terminologia mais usual é o doutorado; em outros, denomina-se Ph.D. Nos EUA, diferentemente, fala-se também em S.J.D. (Scientiae Juridicae Doctor). É importante não confundir esse título com o J.D. (Juris Doctor) – que, apesar do nome, equivale ao bacharelado em direito[7].
Cabe aqui um alerta: por vezes ouve-se falar de um doutorado na Argentina, em que após apenas algumas semanas de aulas e a elaboração de um trabalho escrito já se obteria o título. Esse doutorado em regra não é validado no Brasil, por não atender os requisitos mínimos de tempo para sua configuração de título de pós-graduação.
E o pós-doutorado?
Após a realização de especialização, LL.M., mestrado, doutorado ou Ph.D., o que mais pode ser feito? Algo que de maneira geral se denomina pós-doutorado (ou pós-doutoramento, mais usual em Portugal), “pós-doc” ou estágio pós-doutoral.
É importante destacar que o formato do pós-doc é bastante variado entre as universidades e os países, não havendo uma padronização nacional ou internacional. Mas, de maneira geral, trata-se de um período adicional de estudos, principalmente voltado à pesquisa, com a única diferença que é realizado por quem já possui o título de doutor (daí o nome, pós-doc), por quem sabe, portanto, pesquisar, visto que defendeu anteriormente uma tese.
O pós-doutorado não se consubstancia em um curso, e sim num estágio de pesquisaJustamente por isso, não há aulas específicas para o pós-doc, nem mesmo, em regra, a figura do orientador (geralmente, o pós-doutorando tem seus estudos acompanhado por seu supervisor, isto é, o estudioso é apenas supervisionado, não orientado, visto que já é doutor, presumindo-se que sabe como pesquisar).
É comum, no entanto, como parte da pesquisa, que o estudioso eventualmente assista a algumas aulas ministradas na instituição ou mesmo ministre aulas ou apresente em seminários suas pesquisas a outros pesquisadores, como forma de fomentar a reflexão que vem fazendo.
Na ausência de qualquer padronização nacional ou internacional, o prazo também é muitíssimo variado: pode durar de 2 meses a 5 anos em algumas instituições.
Em alguns casos (a depender da instituição), haverá a necessidade de se elaborar um artigo ou um relatório; em outros, não há requisito específico algum. Em comum, não se exige no pós-doutorado a defesa pública de uma tese.
Nos EUA, o nome mais usual é o de visiting scholar, que poderia ser traduzido por Pesquisador-Visitante.
Existem algumas instituições que oferecem o pós-doc no Brasil, mas é algo ainda bem mais restrito que os demais modelos de pós-graduação.
É importante destacar, ao contrário do que muitos pensam, que não existe um “títulode pós-doutor”, como se verifica em relação ao LL.M./mestrado/doutorado/Ph.D. Por se tratar apenas de um período de pesquisa realizados por quem já é doutor, não há concessão de diploma. Em regra, as instituições apenas atestam a realização da pesquisa ou concedem um certificado, que igualmente serve para atestar que houve o estágio de pesquisa, supervisionado ou não, conforme o caso. Assim, tanto no Brasil como no exterior, não é conferido título.
Não é incomum, inclusive, que o doutor realize esses estágios de pesquisas por inúmeras vezes ao longo de sua vida, como algo natural e inerente à carreira de pesquisador em todas as áreas do conhecimento, sem que, com isso, a cada novo estágio pós-doutoral, ele se torne novamente “pós-doutor”.
Não por acaso, a plataforma Lattes, p. ex., dedica campo específico ao pós-doutorado, distinto do campo formação/titulação.
O pós-doutorado é uma forma legítima ao docente e pesquisador, já doutor, de continuar suas pesquisas, inclusive obtendo, para tanto, bolsas de fomento.
A esse respeito, a USP, por exemplo, universidade que oferece a oportunidade de realizar estágios pós-doutorais, possui resolução absolutamente clara nesse sentido[8]. Da mesma forma a UERJ, que também oferece estágios pós-doutorais e cuja disciplina normativa aponta, de forma explícita, que não é concedido novo título acadêmico[9].
Assim, ainda que por vezes, no Brasil, alguns se qualifiquem como “pós-doutor pela instituição x”, não nos parece algo tecnicamente correto. Assim, mais adequado seria se falar – em nossa visão – em “estágio pós-doutoral na instituição x” ou “visiting scholar na universidade x”.
De todo modo, o importante é entender todo esse modelo e pensar em qual seria o mais adequado a você, seja no Brasil, seja no exterior.
Bons estudos!
Veja aqui os livros dos autores!
Luiz Dellore – Doutor e Mestre em Direito Processual pela USP. Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Visiting Scholar na Syracuse University e na Cornell University (EUA). Professor do Mackenzie, EPD e Saraiva Aprova. Ex-assessor de Ministro do STJ. Advogado concursado da Caixa Econômica Federal. Membro do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual) e do Ceapro (Centro de Estudos Avançados de Processo).
Andre Vasconcelos Roque – Doutor e Mestre em Direito Processual pela UERJ. Professor de Direito Processual Civil da UFRJ. Sócio de Gustavo Tepedino Advogados.
Jordão Violin – Doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela UFPR. Tem LL.M. em direito norte-americano pela Syracuse University (EUA). Advogado e professor dos cursos de graduação e pós-graduação da PUC/PR
Thiago Rodovalho – Professor-Doutor da PUC/Campinas e da Unimar (Universidade de Marília). Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC-SP, com estágio Pós-Doutoral no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht. Advogado.
[1] Há duas modalidades criadas mais recentemente pela CAPES, que são o mestrado e doutorado profissionais, cuja ideia é situar-se entre o mestrado e doutorado acadêmico e a prática profissional (outrora objeto maior apenas das especializações). Trata-se de criação recente e que ainda tem sido gestada e implementada na prática, como bem lembra Otavio Luiz Rodrigues Junior: “Os mestrados e doutorados profissionais, criações relativamente recentes da Capes, ainda estão em busca de um perfil específico e de critérios próprios de avaliação” (cfr. entrevista de Otavio Luiz Rodrigues Junior à Revista Consultor Jurídico em 12.6.2018: “Pós-graduação em Direito deve ter regras transparentes, estáveis e previsíveis”, disponível aqui).
[2] Cfr. Oscar Vilhena Vieira: “a produção científica envolve não três, mas quatro elementos integrados: os produtos de pesquisa (livros, artigos e teses), os pesquisadores (professores e alunos), a comunidade epistêmica e, como quarto componente sistêmico, as políticas e incentivos definidos pelo regulador” (inInternacionalização e incentivo à pesquisa são desafios da pós-graduação em Direito, disponível aqui).
[3] Caldas Aulete. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, vol. IV, 4.ª ed. (atualizada e revista por Hamílcar de Garcia e com estudo de Antenor Nascentes), Rio de Janeiro: Delta, 1958, p. 4067: “Tese, s.f.proposição que se expõe para controvérsia […] Cada uma das proposições sustentadas pùblicamente nas escolas superiores em fim de curso”; e Antônio Houaiss, Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Objetiva: Rio de Janeiro, 2001, p. 2707, sobre tese: “proposição que se apresenta ou expõe para ser defendida em caso de impugnação. 2. Designação comum às proposições que se sustentam em público, nas escolas superiores, em fim de curso (t. de doutorado) (t. de livre-docência)”.
[4] É o caso de três dos quatro autores desse texto, que ingressaram no mestrado sem que tenham antes passado pela pós lato sensu.
[5] Seria possível cogitar o ingresso do aluno no doutorado direto apenas com o diploma de graduação. Essa situação, contudo, é pouco frequente e normalmente acontece com pessoas que já trabalham com ensino e/ou pesquisa há algum tempo. O mais comum é que os mestrandos solicitem a conversão do mestrado em doutorado direto, obviamente antes da defesa de sua dissertação.
[6] Não considerando, aqui, a Livre-Docência, que se consubstancia em um concursopara a obtenção do título, mediante aprovação em provas e defesa de uma tese, mas em que não há um curso ou período de pesquisa supervisionado. Atualmente, esse concurso somente está disponível para doutores e tem por finalidade certificar uma qualidade superior na docência e na pesquisa.
[7] Vide, a respeito de como é o ensino jurídico nos EUA, texto anterior desta série de um dos coautores deste artigo: https://www.jota.info/carreira/direito-estados-unidos-21082018
[8] Nesse sentido, em sua Resolução CoPGr n° 7406, de 3 de outubro de 2017: “Artigo 1º – O Programa de Pós-Doutorado da USP é um programa de aprimoramento em pesquisa avançada sob supervisão de pesquisador experiente, realizado nas Unidades, Museus, Órgãos de Integração e Órgãos Complementares, por portadores de título de doutor, com o objetivo de melhorar o nível de excelência científica e tecnológica da Universidade […] Artigo 4º – Para admissão no Programa, o candidato deve apresentar Plano de Trabalho, incluindo o Projeto de Pesquisa, aprovado pelo Supervisor. […] Artigo 5º – O Supervisor deve ser docente ativo da USP ou Professor Sênior, com Termo de Colaboração válido durante todo o período do Plano de Trabalho, e deverá possuir título de Doutor. […] Artigo 7º – Para conclusão do Programa, é necessário cumprir a carga horária mínima de 960 horas e apresentar relatório final aderente ao Plano de Trabalho, aprovado pelo Supervisor e pela Comissão de Pesquisa ou, na sua ausência, pelo Conselho Deliberativo do Museu, Órgão de Integração ou Órgão Complementar, que poderá, caso julgar necessário, submeter à apreciação do Conselho do Departamento, ou órgão equivalente. § 1º – O relatório final deverá ser entregue até, no máximo, 60 dias após a data final de vigência. Caso não seja entregue dentro desse prazo, o pós-doutorado será encerrado e o atestado não será emitido. § 2º – Confere-se o direito à Unidade, Museu, Órgão de Integração ou Órgão Complementar de não fornecer atestado de pós-doutorado caso o relatório seja considerado insuficiente. […] Artigo 17 – Após a aprovação do relatório final pela Comissão de Pesquisa ou, na sua ausência, pelo Conselho Deliberativo do Museu, Órgão de Integração ou Órgão Complementar, e desde que a carga horária mínima tenha sido cumprida, atestada pelo Supervisor e aprovada pela Comissão de Pesquisa ou, na sua ausência, pelo Conselho Deliberativo do Museu, Órgão de Integração ou Órgão Complementar, será emitido atestado com as atividades desenvolvidas e carga horária cumprida em cada atividade” (destacamos).
[9] Vide Portaria CPPGD n° 3, de 3 de fevereiro de 2016: “Art. 1º Fica instituído o Estágio de Pós-Doutoramento vinculado ao Programa de Pós Graduação stricto sensu em Direito da UERJ, devendo a sua instauração e o seu funcionamento pautarem-se segundo as disposições previstas nesta resolução. Art. 2º O Estágio Pós-Doutoral compreende prioritariamente a realização de atividades de pesquisa, sob a supervisão de docente do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito, não constituindo curso ou nível de formação nem resultando em grau ou título acadêmico. Art. 3º O Estágio de Pós-Doutorado no PPGD tem como objetivos principais receber pesquisadores-doutores para o desenvolvimento de atividades de pesquisa e de interlocução acadêmica junto aos integrantes do colegiado do PPGD e da Faculdade de Direito da UERJ. Diferencia-se das categorias de mestrado e doutorado por ser proposto por um docente do vinculado ao PPGD, que assume a interlocução com o projeto e a responsabilidade de incorporar o pesquisador às atividades acadêmicas do programa” (destacamos).
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