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TRIBUTÁRIO

Taxa e imposto

REVISTA FORENSE 159

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14/11/2023

SUMÁRIO: 1. A lição de TROTABAS: a função do intérprete. 2. O fato impossível, como elemento central. Taxa e impôsto: distinção. 3. A importância do problema: o sistema de discriminação constitucional das rendas e as limitações constitucionais. 4. A taxa de estatística estadual – a sua verdadeira natureza jurídica, fornecida através da análise do seu fato imponível. 5. A taxa de estatística como impôsto ligado – a) impôsto de vendas e consignações; b) impôsto de exportação; c) impôsto de indústrias e profissões; d) impôsto de produção. O problema da constitucionalidade.

A lição de TROTABAS: a função do intérprete

1. O direito tributário é de recente elaboração, datando o seu estudo sistemático, na Europa, dos fins do século passado, ou início dêste século. Talvez, mesmo, a sistematização científica do novel ramo jurídico só atingisse uma etapa definitiva a partir de 1919, data em que, sob a inspiração de ENO BECKER, foi promulgada a Reichsabgabenordnung (lei de impostos da Alemanha). Por fôrça desta circunstância, são comuns na legislação positiva adulterações e mutilações de conceitos e institutos, cuja correção se impõe ao intérprete.

Entre outras situações, a cada passo encontradiças, está a da caracterização da taxa e a da sua distinção relativamente à figura do impôsto. Neste particular, aliás, o problema é generalizado. Mesmo nos países mais evoluídos depara-se, repetidas vêzes, a criação legal de tributos com a denominação de taxa, que, entretanto, se configuram como verdadeiro impôsto e, contràriamente, a adoção pelo legislador da denominação de impôsto, para designar tributos que têm a natureza de taxa. No Brasil, os exemplos se multiplicam: é o caso da taxa de educação e saúde, que constitui um impôsto (cf. SÁ FILHO, “Estudos de Direito Fiscal”, pág. 150), ou de algumas modalidades do impôsto do sêlo, que se configuram como taxa (cf. ULHOA CANTO, parecer, in “REVISTA FORENSE”, vol. 140, fases. 585-586, pág. 99), além de outros.

Tal circunstância provém ora do intuito de manter uma denominação que, embora jurìdicamente imprópria, é tradicional e melhor identificará o contribuinte com o tributo; ora do próprio desconhecimento das peculiares características da taxa; ora da intenção de burlar a rigidez da discriminação constitucional das rendas, obtendo-se, com a denominação de taxa, impostos que teriam sido, de alguma forma, vedados. Seja como fôr, a taxa e o impôsto têm uma configuração específica, sôbre a qual nenhuma influência exerce o nomen juris utilizado pelo legislador. Cabe ao intérprete e ao aplicador, através do exame sistemático de cada situação jurídica, discernir se se trata de taxa ou de impôsto.

Neste sentido é a lição de TROTABAS: “o intérprete deve, pois, ser muito prudente para reconhecer uma verdadeira taxa através das qualificações legais, que são incertas” (cf. “Précis de Science et Législation Financières”, 1950, pág. 164).

2. O fato impossível, como elemento central. Taxa e impôsto: distinção

Muitos problemas suscita o instituto da taxa. No campo da economia, discute-se sôbre a áspera questão da determinação de seu quantum, travando-se o debate em tôrno do custo do serviço e sua estimação. No terreno administrativo-financeiro, a discussão gira em tôrno da divisibilidade ou indivisibilidade do serviço público e da natureza particular e especial, ou não, da prestação pública, de modo a utilizar-se o processo da taxa, ou do impôsto, para a remuneração de tais despesas. Em política financeira ainda se indaga sôbre a oportunidade. de se adotar, em cada caso, uma taxa ou um impôsto, no que toca à melhor apuração das despesas do serviço e sua remuneração, ou à conveniência de se incentivarem ou restringirem certas atividades (taxas com finalidades extrafiscais).

Todos êstes elementos serão postos de lado, por não interessarem à indagação que se faz no presente estudo. Aqui, o que importa é saber, do ponto de vista jurídico, quando, em face de um caso dado, se pode caracterizar um tributo determinado como taxa ou como impôsto. Para tanto, necessário é fixar-se, com exatidão, o conceito dos dois institutos.

Impôsto é o tributo auferido pelo poder público, para atender às necessidades públicas gerais, e cujo nascimento se condiciona ao verificar-se de um pressuposto de fato, consistente num ato ou fato da vida comum, de conteúdo econômico (Tatbestand, hecho imponible, fato gerador ou suporte fáctico).

Taxa é o tributo auferido pelo poder público, para o custeio de certos e determinados serviços ou atividades públicas, e cujo surgimento se condiciona à utilização, disposição ou solicitação, por pessoas individualizadas, do funcionamento dos ditos serviço., ou atividades (cf. GRIZIOTTI e PUGLIESE, aí invocado, “Princípios de política”, “Derecho y Ciencia de la Hacienda”, pág. 386; GIANNINI, “Istituzioni di Diritto Tributario”, 1951, pág. 43; MORSELLI, “Compendio de Ciencia de las Finanzas”, pág. 57). A distinção, pois, flui de tal conceituação e fixado o sentido da expressão taxa, se tem, decorrentemente, o conceito de impôsto, que constitui uma noção negativa.

No Brasil, com precedentes na doutrina estrangeira, tem-se dado como elemento diferenciador da taxa, ao lado do caráter de contraprestação, a circunstância de que o seu produto deve ter destinação orçamentária especial, indo integrar a dotação de determinado serviço (inclina-se para tal concepção TEMÍSTOCLES CAVALCÂNTI, “Tratado de Direito Administrativo”, vol. II, págs. 202, 203 e segs.). Parte-se, para tanto, da preceituação contida no dec.-lei nº 2.416, de 1940, e, por via de conseqüência, se chega a encontrar o distintivo na destinação do tributo: taxa, quando o tributo tiver destinação para o custeio de certo e determinado serviço; impôsto, quando o tributo se destinar ao suprimento das despesas gerais da nação.

Não tem acêrto, porém, esta opinião. A destinação não distingue os dois tributos, não só porque não constitui critério jurídico (cf. SÁ FILHO, “Normas Gerais de Direito Financeiro”, em “Finanças em Debate”, pág. 29), como porque existe uma classe de impostos – os impostos ligados ou impostos com destinação determinada, cuja arrecadação é vinculada à receita de certo serviço (GIANNINI, ob. cit., págs. 54-56; PONTES DE MIRANDA, parecer, in “Rev. de Dir. Administrativo”, vol. 14, pág. 372; RUBENS GOMES DE SOUSA, parecer, in “REVISTA FORENSE”, vol. 139, fascs. 583-584, pág. 70, e SÁ FILHO e FRANCISCO CAMPOS, aí citados).

A possibilidade de fazer-se tal destinação justifica a existência da taxa. Onde não existir, não há taxa. Mas, existindo, o tributo poderá ser taxa ou imposto. O critério diferenciador há de surgir da análise do fato jurídico (na acepção que lhe dá o direito tributário) a que a lei atribui a função de dar nascimento à obrigação tributária.

Como se sabe, todo tributo tem origem mediante a verificação de um determinado pressuposto de fato, definido na lei. É o chamado Tatbestand dos alemães, ou fato gerador, fato imponível, suporte fáctico.

O fato gerador tem a função de definir o tributo, quer in genere, como impôsto ou taxa, quer in specie, segundo a natureza específica de cada impôsto, ou taxa (impôsto de venda, de importação, de exportação, etc.).

Ora, tendo em vista a natureza remuneratória, ou de contraprestação, da taxa, o seu fato gerador há de ser alguma ocorrência diretamente ligada à utilização, disposição ou requisição do serviço ou atividade determinada do Estado. Pelo contrário, o fato gerador do impôsto há de ser alguma ocorrência da vida comum, não ligada diretamente a qualquer atividade específica recebida ou fruída, e simplesmente reveladora de capacidade contributiva (cf., a respeito, JARACH, “El hecho imponible”, pág. 72; TESORO, “Principii di Diritto Tributario”, pág. 551; GOMES DE SOUSA, ob. cit., págs. 70-71; GIANNINI, ob. cit., págs. 44-45). Êste é que é o verdadeiro critério.

Temos, então, que os fatos geradores dos impostos são, sempre acontecimentos (fatos, atos ou negócios) que denotem, simplesmente, uma capacidade econômica: venda, consignação, exportação, produção, rendimento ou renda. Na taxa, o fato gerador tem que ser uma ocorrência relacionada com a utilização, provocação, ou disposição do serviço ou atividade do Estado: invocação do funcionamento da justiça, regularização de instrumentos de medição e pesagem, etc. Pouco importará o nomen juris que o legislador confira a determinado tributo.

Não seria taxa o tributo cobrado sôbre vendas, compras, consignações, exportação, importação, produção, pelo simples fato de o legislador assim denominá-lo e vincular seu produto à dotação orçamentária do serviço de caça e pesca, de proteção aos índios, ou qualquer outro. Tal tributo assim cobrado será, sempre, do ponto de vista jurídico, um impôsto.

3. A importância do problema: o sistema de discriminação constitucional das rendas e as limitações constitucionais.

Tal diferenciação é de máxima importância, exatamente porque, à parte qualquer vantagem doutrinária, vem possibilitar, na prática, o cumprimento das disposições constitucionais referentes á discriminação tributária e às demais limitações ao exercício do poder tributário pelas entidades federadas.

Comumente, aliás, vão surgindo, e, por vêzes, sendo repelidas, situações pelas quais se vem tentando burlar os dispositivos constitucionais, mediante a instituição de impostos não permitidos, com a denominação de taxa. ALIOMAR BALEEIRO refere um caso curiosíssimo, ocorrido na Bahia, quando, com a superveniência de determinada alteração na discriminação tributária, o Estado, procurando salvar impôsto que vinha cobrando, baixou uma lei, determinando que tal tributo continuasse a ser arrecadado com o nome de taxa (cf. “Normas Gerais de Direito Financeiro”, “Finanças em Debate”, página 17). Outro fato idêntico é referido por SEABRA FAGUNDES. Trata-se do impôsto sôbre exploração agrícola e industrial que, em seguida à vigência da Constituição de 1946, a Prefeitura de Mossoró se viu obrigada, a extinguir. Mas, ao fazê-lo, criou, ao mesmo tempo e com as mesmas características, uma taxa, que chamou de “taxa de melhoramentos públicos”.

O tributo é evidentemente inconstitucional (cf. parecer, in “REVISTA FORENSE”, vol. 140, fascs. 585-586, págs. 85 e segs.).

Enfim, os exemplos se sucedem. O certo é que de nada vale aplicar-se o nome de taxa para a cobrança, de impôsto vedado, porque, se da análise do fato imponível resultar que a natureza do tributo é de impôsto e não taxa, a decretação da a inconstitucionalidade da imposição é fácil de obter.

Segundo a tradição do nosso direito constitucional, o que caracteriza o sistema da discriminação das rendas é a rigidez da instituição das competências para a cobrança de impostos, posta à margem a competência concorrente da União e do Estado. Por êste sistema, cada uma das entidades federadas só poderá decretar os impostos que lhe foram conferidos e, assim mesmo, atentas as limitações traçadas.

Quanto às taxas, não houve tal discriminação, nem podia, nem devia existir, dado que a sua criação está vinculada aos diversos serviços ou atividades de cada entidade federada. Mas, estas últimas têm que guardar a sua condição jurídica, tornando-se ilegítimas tôdas as vêzes que, caracterizando-se como impostos, vierem contrariar os dispositivos constitucionais. Dentro dêste plano, apreciaremos a vigente taxa de estatística vigente no Estado da Bahia.

4. A taxa de estatística estadual – a sua verdadeira natureza jurídica, fornecida através da análise do seu fato imponível.

A lei nº 451, de 14 de novembro de 1951, veio regular a taxa de estatística, no seu art. 1º, letra b, 2º a 5°, e no quadro nº 5, que lhe fica anexo.

Evidentemente, tal tributo não constitui, do ponto de vista jurídico, uma taxa.

O seu fato gerador não é qualquer circunstância ou ocorrência ligada à utilização, disposição, ou provocação do serviço de estatística. Muito pelo contrário, os diversos fatos geradores instituídos na lei são meras ocorrências (fatos, atos ou negócios) da vida comum, que, apenas, traduzem capacidade contributiva por parte dos diversos sujeitos passivos (Steuerschuldner, como chamam os alemães), sem nenhuma ligação especial com a utilização, disposição ou provocação da atividade ou serviço mencionados.

A cognominada taxa será devida: por vendas a têrmo, exportação, compras ou consignações mercantis, giro comercial dos Bancos e similares, e produção.

Ora, são estas situações ocorrentes na vida comum apenas denotadores da capacidade contributiva. Nenhuma ligação têm com qualquer prestação de atividade, para a qual viesse o contribuinte trazer o competente corrispettivo, como chamam os italianos, ou contraprestação, que é o que caracteriza as taxas. O tributo aqui apreciado é; sim, um verdadeiro impôsto ligado ou impôsto com destinação determinada, dado que a sua arrecadação está vinculada à dotação orçamentária de um serviço individualizado.

Esta é a qualificação in genere do tributo, obtida através da análise do seu fato gerador. Por ser incontestável a assertiva aqui feita, dispensamo-nos de maiores comentários.

5. A taxa de estatística como impôsto ligado

Assim assentado que se trata de imposto, examinemos, ainda à vista do fato gerador, que espécie ou espécies de impostos existem.

Efetivamente, a chamada taxa de estatística se configura em diferentes impostos.

a) Num primeiro grupo, estão os tributos previstos nos incs. I e III do quadro nº 5: mercadorias vendidas a têrmo e compras e consignações mercantis. Evidentemente, aqui, se trata de impôsto de vendas e consignações.

Poder-se-á argumentar, de início, que o impôsto de vendas e consignações só incide sôbre operações mercantis e o inc. I não qualifica de comerciais às vendas a têrmo ali mencionadas (o Supremo Tribunal Federal tem como assentado que aquêle impôsto só incide sôbre operações mercantis – ver decisões sôbre vendas de gado, feitas pelos criadores, recriadores e invernistas). Não nos parece que assim seja, porque o próprio dispositivo contém a expressão mercadorias – mercadorias vendidas a têrmo – o que denota tratar-se de operação comercial, dada a acepção que tem a palavra. Mas, se se cogitasse também de vendas civis, então, quanto a estas seria ilegítima a cobrança estadual, que se considerará efetuada pelo regime da competência concorrente, devendo, pois, o seu produto ser repartido pela União e Município, de acôrdo com o previsto no art. 21, 2ª parte, da Constituição federal.

Afinal, há a modalidade de incidência sôbre compras, no inc. III. Isto não desfigura a natureza de imposto de vendas e consignações, dado que a lei pode – e a que regula o impôsto sobre vendas e consignações o faz, por vêzes (cf. o dec.-lei nº 130, de 1943), – estabelecer que o impôsto e cobre do comprador. Neste caso, porém, o tributo não poderá incidir sôbre mercadorias importadas, porque isto importaria invasão da competência federal para tributar as importações de mercadorias. Ademais, sendo, como é, um impôsto sobre vendas e consignações, dêle estão excluídos os agentes depositários de mercadorias transferidas, que se acham submetidos ao regime dos decs.-leis federais ns. 915, de 1938, e 1.061, de 1939. Excluídos os casos ressalvados, nos quais é inconstitucional a cobrança da taxa, no mais é perfeitamente legítima a sua exigência, dado que, sendo impôsto de vendas e consignações, tem o Estado competência para decretá-la.

b) Quanto ao inc. II, o tributo é, tìpicamente, um impôsto de exportação. Ora, o Estado já cobra mais de 5%, com a devida autorização do Senado Federal, a tal título. Exigir agora mais 2%, com tal disfarce e sem qualquer autorização, contraria frontalmente o inc. V e o § 6º do art. 19 da Lei Suprema.

A inconstitucionalidade é inegável.

c) O inc. III prevê a incidência sôbre o ativo dos Bancos e similares, elemento êste pelo qual, tradicionalmente, se tem apurado o aspecto econômico do exercício da respectiva indústria ou profissão. Veja-se bem que êste dispositivo transcreve, literalmente, reduzindo apenas a tarifa, o art. 107 do dec.-lei nº 473, de 1945, que regulava, no Estado, o impôsto de indústrias e profissões, e o art. 131, letra c, da municipal nº 242, de 1951 (Cód. Tributário e de Rendas do Município do Salvador), que regula o mesmo impôsto, atualmente.

Também inegável é que, neste particular, o Estado está cobrando impôsto de indústrias e profissões, com invasão flagrante da competência outorgada aos Municípios.

Ainda aqui é inconstitucional o tributo.

d) Resta o inc. V, que prevê um impôsto sôbre a produção. Ora, tais impostos, segundo a orientação mais recente, tem sido considerados como sendo da competência privativa da União, quer como impostos pròpriamente de produção, conforme está sustentado em brilhante parecer publicado em número recente dos “Arquivos do Ministério da Justiça”, quer como impostos de consuma, conforme se inclina a entender RUBENS GOMES DE SOUSA (cf. “Estudos de Direito Tributário” – a citação é feita de memória, sem verificação do texto: também, A. D. GIANNINI, “Istituzioni di diritto tributario”, os, arrola entre os de consumo).

É inconstitucional também êste dispositivo. Mas, incontestável, especialmente, é a inconstitucionalidade da incidência do tributo sôbre a produção do açúcar (letra a do inc. V citado), dado que, neste particular, já existe, além do mais, tributação federal. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou a respeito, apreciando um caso similar, oportunidade em que ficou assentada a inconstitucionalidade de tal tributação (cf. “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 24, pág. 66).

Amílcar de Araújo Falcão, professor de Direito Tributário nos Cursos da Administração do D. A. S. P.

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Sobre o autor

Reginaldo Nunes, advogado no Distrito Federal.

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