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REFORMA TRIBUTÁRIA

TRIBUTÁRIO

Uma nova ‘velha’ controvérsia na tributação dos ativos garantidores

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DIREITO DOS SEGUROS

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REFORMA TRIBUTÁRIA

REFORMA TRIBUTÁRIA DO SETOR DE SEGUROS

TRIBUTAÇÃO DOS ATIVOS GARANTIDORES

Marcus Abraham

Marcus Abraham

15/10/2025

É notório que diversos setores econômicos sofrerão os impactos da carga fiscal introduzida pela reforma tributária do consumo, dentre eles os ligados aos serviços financeiros, inclusive o de seguros, cujo período de transição está na iminência de ser iniciado e já demanda adaptações em suas obrigações acessórias para que possam se beneficiar da isenção temporária da alíquota de 1% do IBS e da CBS ao longo de 2026, conhecido como “ano teste”.

Novas obrigações fiscais e período de transição

Para além da nova carga fiscal do IBS e da CBS no setor de seguros, “velhas polêmicas”, como aquela sobre o alcance do conceito de faturamento na tributação dos ativos garantidores (que trata dos rendimentos financeiros das reservas técnicas), voltam a assombrar os operadores do Direito Tributário da área de seguros com a edição da LC nº 214/2025, uma vez que ela trata expressa e especificamente do tema em alguns de seus dispositivos, que pode ser um novo fator de litigiosidade tributária, em especial no caso de um assunto ainda não definitivamente resolvido como é o PIS e a Cofins.

Discussões no FGV Justiça e a preocupação do setor

Essa apreensão foi revelada durante as discussões desenvolvidas na mesa redonda promovida pela FGV Justiça para tratar do Novo Marco Legal do Setor de Seguros, no último dia 22 de setembro, um importante evento que reuniu acadêmicos, especialistas e autoridades que lidam diariamente com as atividades do setor de Seguros.

Tributação atual do setor de seguros

Atualmente, o setor é tributado por: (1) contribuições PIS e Cofins no regime cumulativo (sem direito a crédito), de competência federal com alíquota de 4,65% e (2) IOF, imposto de competência da União Federal, que incide sobre operações financeiras. A corretagem atrai a incidência do ISS, de competência municipal e alíquota variável (sendo de 2% no Rio de Janeiro e 5% em São Paulo sobre o preço do serviço, apenas para exemplificar).

O novo regime tributário de IBS e CBS

Com a reforma tributária, o setor de seguros foi incluído no regime específico de serviços financeiros para fins de regulamentação do IBS e da CBS. Ainda, a partir de 2027 as operações de seguros e resseguros não estarão mais sujeitas ao IOF.

Base de cálculo e possibilidade de creditamento

Com relação à possibilidade de creditamento, o regime para serviços financeiros previsto na LC nº 214/2025 aproxima-se da atual sistemática não cumulativa de tributação do PIS e da Cofins, prevendo que a base de cálculo do setor será composta pelas receitas dos serviços financeiros com as respectivas deduções próprias ao funcionamento de cada entidade. Essa inclusão das seguradoras no regime não cumulativo foi comemorada pelo setor antes mesmo da publicação da lei complementar [1].

Já a base de cálculo dos novos tributos, IBS e CBS, é tratada nos artigos 223 e seguintes da LC nº 214/2025. Ela será composta, no regime de caixa, (1) pelas receitas auferidas com os prêmios dos seguros, resseguros, cosseguros e retrocessões; e (2) pelas receitas financeiras dos ativos financeiros garantidores de provisões técnicas, sendo permitidas as deduções com despesas com indenização, valores pagos com restituição de prêmios, comissão de intermediação, prêmios com cosseguro cedido e para constituição de provisões e reservas técnicas a seguro resgatável.

Tributação das receitas financeiras e risco de litigiosidade

No entanto, é nessa incidência sobre as receitas financeiras dos ativos garantidores de provisões técnicas que se avista o risco de litigiosidade em um futuro próximo. Isso porque já existe uma possível indicação de posicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de entender que não devem incidir as contribuições ao PIS e à Cofins sobre as receitas financeiras decorrentes das aplicações dos ativos garantidores (reservas técnicas, fundos especiais e provisões). O fundamento é o de que não decorrem da atividade empresarial típica das seguradoras e, por isso, não estariam abrangidas pelo conceito de faturamento, de modo que não constituiriam hipótese de incidência do PIS e da Cofins [2].

Tema 1.309/STF e o debate sobre o conceito de faturamento

Apesar dessa “pista” consignada durante um voto nos embargos de declaração em um processo no qual se discutiam outras questões mais amplas acerca das contribuições de PIS e Cofins, ainda está pendente de julgamento o Tema 1.309 de repercussão geral, que enfrentará especificamente o imbróglio sobre as receitas financeiras das reservas técnicas.

A posição do Supremo Tribunal Federal sobre o tema

O relator ministro Luiz Fux, na decisão que reconheceu a repercussão geral, fez considerações sobre o histórico da questão no STF:

  1. No julgamento no RE 609.096 – Tema 372 da sistemática da repercussão geral, o Plenário deste Supremo Tribunal Federal, reafirmando seu entendimento de que o conceito de faturamento empregado pela Constituição coincide com o a ideia de receita bruta operacional decorrente das atividades empresariais típicas das empresas, reconheceu a incidência da PIS/Cofins sobre receitas decorrentes da “coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros” pelas instituições financeiras típicas (bancos).
  2. Naquele julgado, o Eminente Redator para o acórdão, Min. Dias Toffoli, afastou expressamente a aplicação do entendimento adotado naquele feito às empresas seguradoras, reconhecendo, implicitamente, que acerca destas últimas pode haver particularidades, ligadas ao delineamento de suas atividades típicas.
  3. Em sendo a manutenção de reservas técnicas obrigação imposta às empresas seguradoras pelo Decreto-Lei nº 73/1966 com vistas à garantia das obrigações assumidas junto aos usuários no mercado, faz-se necessário definir com eficácia erga omnes se as receitas provenientes da aplicação destes recursos integram ou não o conceito constitucional de faturamento, constante do art. 195, I, ‘b’.
  4. A matéria possui natureza constitucional, porquanto relativa à interpretação de conceito utilizado pela Constituição como base de cálculo das contribuições sociais para a seguridade social. A matéria se reveste, outrossim, de evidente relevância social e econômica, dado o papel fundamental que os contratos de seguro exercem no mercado produtivo e os interesses sociais que estas que estas empresas ajudam a garantir e preservar.”

Entendimento do STJ e divergências interpretativas

Entretanto, em sentido diverso, o Superior Tribunal de Justiça [3] possui julgados em que tal incidência tributária tem sido mantida a partir de argumentos no sentido de que o objeto social das seguradoras não se resume àquele constante nos estatutos sociais e, sim, deve abranger todas as atividades tipificadas na legislação, que engloba a disposição do Decreto-Lei nº 73/1996 no sentido de determinar a obrigatoriedade do investimento do capital para a formação das chamadas “reservas técnicas” ou “reservas obrigatórias”. Por isso, segundo alguns posicionamentos dessa Corte Superior, as receitas financeiras advindas dos investimentos das reservas técnicas seriam receitas operacionais relacionadas ao conjunto de negócios ou operações das empresas seguradoras no desempenho das atividades que lhe são próprias, viabilizando a incidência das contribuições.

Judicialização tributária e os efeitos no setor de seguros

Ainda sob a égide das legislações que regulamentam a incidência de PIS e Cofins, e nesse mesmo assunto da natureza dos recursos das provisões técnicas, é recorrente o ajuizamento de ações discutindo se determinada verba é ou não sujeita à incidência. Por exemplo, no tribunal em que estou vice-presidente, o TRF-2, já esteve em discussão se as contribuições incidiriam sobre o repasse de receitas ao Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (FESR). Na ocasião, a 3ª Turma decidiu que a incidência era legítima, afirmando que “ainda que tenha uma parcela do resultado positivo da atividade de seguros privados no segmento de créditos rurais uma destinação compulsória, em termos de ‘alocação’ ou mesmo de investimento, tal compulsoriedade na composição do Fundo não altera a titularidade das rubricas, tampouco lhes retira a natureza jurídica de faturamento” [4].

Possíveis impactos da LC nº 214/2025 e necessidade de segurança jurídica

Mesmo com a extinção das contribuições PIS e Cofins, a ideia por detrás da incidência dos novos IBS e CBS sobre os rendimentos das reservas técnicas é similar e, portanto, atrairia os mesmos fundamentos e ratio decidendi para que fosse suscitada uma eventual inconstitucionalidade da previsão específica contida no supracitado artigo 223 da LC nº 214/2025.

Sem aqui pretender um posicionamento, o fato é que o aumento de litigiosidade em si não é vantajoso para o setor, para a sociedade e, menos ainda, para o Judiciário, que tem visto as causas tributárias congestionarem sobremaneira o fluxo de produtividade dos magistrados, além, é claro, de gerar ainda mais insegurança jurídica para todos. Às vésperas do início da cobrança, é desejável que haja amplo debate e posicionamento definitivo das nossas cortes superiores sobre esse assunto.

Fonte: ConJur

Sobre os autores:
Marcus Abraham é pós-doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Universidade de Lisboa, doutor pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), professor titular da Faculdade de Direito da UERJ, desembargador federal do TRF2, coordenador do núcleo de estudos em finanças públicas, tributação e desenvolvimento da Faculdade de Direito da UERJ e coordenador acadêmico da FGV Conhecimento.

Camila Thiebaut Bayer Lannes é mestre em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), pesquisadora da FGV Conhecimento e advogada.

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NOTAS

[1] Para mais informações, acesse aqui.

[2] STF. Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário RE-AgR-ED nº 400.479-RJ, que foram julgados conjuntamente com o RE nº 609.096/RS, Tema nº 372 do STF, RE nº 1.250.200/SP e RE nº 880.143/MG, os quais trataram do conceito de faturamento para fins de incidência do PIS e da Cofins, considerando-se as atividades exercidas pelos contribuintes, entre eles a empresa seguradora.

[3] STJ. REsp n° 2052215/SP, min. rel. Francisco Falcão, 2ª Turma, DJe de 11/12/2023. Disponível  aqui.

[4] TRF-2. Apelação Cível, 5064974-25.2019.4.02.5101, rel. THEOPHILO ANTONIO MIGUEL FILHO , 3ª TURMA ESPECIALIZADA. Julgado em 6/10/2020, DJe 20/10/2020.

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